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Projeto de lei privatiza infraestrutura de acesso à rede; entenda

Texto apoiado pelo governo acaba com obrigações das operadoras de telefonia e deixa a internet nas mãos do mercado, inviabilizando a universalização

Por Marina Pita

Em meio ao tsunami para acabar com os direitos sociais que varre o País, também avança na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei (PL 3453/2015) que autoriza a Anatel a transformar as concessões do regime público de telefonia em autorizações de serviço em regime privado.

O projeto do deputado Daniel Vilela (PMDB-GO) altera a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/1997 – LGT) e concretiza a revisão do modelo regulatório das telecomunicações no País.

Tudo isso – prestem atenção – sem debate com a sociedade e sem aprofundamento na análise do impacto socioeconômico de tamanha alteração. O resultado pode ser desastroso em termos de garantia de acesso à internet a todos os brasileiros.

Na prática, o PL 3453 é a tradução dos interesses das operadoras em acabar com o modelo de concessão de serviços em regime público – adotado para os serviços identificados como essenciais para a sociedade.

O regime público faz com que as operadoras tenham de cumprir obrigações de universalização (possibilitar o acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público ao serviço de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição socioeconômica); de continuidade (possibilitar aos usuários dos serviços sua fruição de forma ininterrupta, sem paralisações injustificadas, devendo os serviços estar à disposição dos usuários, em condições adequadas de uso), qualidade e modicidade tarifaria (controle das tarifas).

Atualmente, apenas a telefonia fixa é prestada em regime público. Diversas organizações da sociedade civil defendem e atuam para que o acesso à internet também seja considerado serviço essencial – como preveem o Marco Civil da Internet e a própria LGT – e que passe a ser prestado no regime público com as obrigações decorrentes de universalização, continuidade e modicidade tarifaria. Esta é a real necessidade do País, como lembra a Campanha Banda Larga.

E, no entanto, o que o PL faz é justamente acabar com o único serviço prestado em regime público, o serviço de telefonia fixa e, ainda, sem incluir a banda larga no hall de serviços essenciais.

E mais, a mudança proposta no PL 3453 permite às empresas transformarem o valor dos bens reversíveis à União ao fim do período de concessão (cerca de 20 bilhões de reais, estimados pelo Tribunal de Contas da União) em investimentos privados.

Ou seja, os bens públicos que deveriam pertencer à União pelo seu caráter estratégico aos serviços de telecomunicação podem ser revertidos para construção de redes de banda larga privadas das quais usufruem apenas as operadoras sem quaisquer obrigações com os cidadãos ou com o Estado brasileiro.

A opção é extremamente preocupante. Só para ter uma ideia, de 2015 para 2016 o acesso residencial à internet ficou estagnado – em 2016, apenas 51% dos lares brasileiros têm acesso à rede, contra 50% no ano anterior, de acordo com dados da pesquisa TIC Domicílios do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), órgão ligado ao NIC.br.

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Regime privado é um empecilho para a democratização do acesso à internet

Ao todo, 32,8 milhões de domicílios estão desconectados no Brasil – destes, aproximadamente 30 milhões são de famílias das classes C, D e E, segundo aponta a pesquisa. A desigualdade econômica e a concentração urbana aparecem aqui como fatores de exclusão digital – na classe D e E, apenas 16% dos lares estão conectados à internet. Na área rural, somente 22% dos lares têm acesso à rede – bem abaixo dos 56% das residências em áreas urbanas.

O País pode ter chegado ao limite de acessos sob os atuais preços da banda larga fixa e, sem instrumentos eficazes para garantir infraestrutura em locais remotos ou de baixa atratividade econômica, ampliar a competição e garantir preços mais baixos.

Assim, é provável que a internet – o principal meio de acesso a informação, comunicação, entretenimento e pelo qual já depende grande parte da economia – se mantenha acessível apenas para a metade mais rica do País, aprofundando o fosso de desigualdade.

Diversos estudos apontam que o regime privado é altamente benéfico para as operadoras de serviço, porém, é extremamente limitador para o poder regulatório por parte do Poder Público e um empecilho para a democratização das telecomunicações, especialmente nos serviços de dados.

A revisão do modelo regulatório das telecomunicações vai definir em muito o modelo de desenvolvimento brasileiro nos próximos anos e, por isso, requer cautela e debate. Não é o que estamos observando neste momento, em que a tramitação do PL 3453 está sendo feita rapidamente, como uma prioridade do governo Temer.

No começo de outubro, o projeto só não foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados porque os deputados do PT e do PSOL se uniram para derrubar a sessão com pedido verificação de quórum e apresentação de requerimento de audiência pública – que deve acontecer nas próximas semanas, para organização dos diversos atores sociais interessados. A ideia é garantir ao menos um espaço de debate sobre o projeto antes de sua votação.

O projeto tramita em caráter conclusivo na Câmara do Deputados – o que acelera o processo de votação – depois que a mesa diretora negou o requerimento do PSOL para que a proposta passasse pela Comissão de Defesa do Consumidor. Agora, cabe à sociedade civil se mobilizar contra o rolo compressor que pode atropelar o frágil direito de acesso aos serviços de telecomunicações no Brasil.

Apresentadores e donos de rádio e TV novamente se dão bem nas eleições

Beneficiados pela exposição e cobertura favorável na mídia, candidatos ganham vantagem na disputa eleitoral. Quem perde é o povo e o jogo democrático

Por Ramênia Vieira*

O impacto da mídia sobre a agenda contemporânea, pautando temas que merecem – ou não – destaque na sociedade e influenciando a opinião pública é pra lá de conhecido. Nas eleições municipais de 2016, não foi nada diferente.

Da cobertura favorável a alguns candidatos à invisibilização de outros, os meios de comunicação foram decisivos para o resultado em muitas cidades. Mas isso não é novidade. O que, sim, vem se confirmando nos últimos processos e ficou explícito em 2016 é que candidatos comunicadores ou empresários ligados à comunicação tem conseguido uma ampla vantagem entre seus concorrentes, e alcançado postos de poder político em função de sua presença na mídia.

A maior cidade do país exemplifica bem essa influência. Em São Paulo, o prefeito eleito no primeiro turno, João Dória Júnior (PSDB), ganhou muitos pontos do eleitorado por sua facilidade em se comunicar com a população. Formado em jornalismo e publicidade, o empresário ficou conhecido nos últimos anos por apresentar um talk show em um canal de TV.

Nos últimos meses, antes da campanha, era figura carimbada em propagandas institucionais e promocionais da TV por assinatura Sky. Seu adversário, Celso Russomano (PRB), saiu na frente na disputa graças à exposição que tem, há bastante tempo, como “repórter” de programas de entretenimento e sobre defesa do consumidor.

Em Salvador, o prefeito Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM), reeleito no primeiro turno com expressiva votação, é o herdeiro político e midiático de uma família de controla dezenas de veículos de comunicação, entre eles o Correio da Bahia, a Globo FM local, e a TV Bahia, afiliada da Rede Globo em Salvador e região.

Em Maceió, os dois candidatos que foram para o segundo turno na disputa pela prefeitura da capital de Alagoas fizeram uso dos meios de comunicação em benefício próprio. Enquanto Rui Palmeira (PSDB) é sobrinho de um dos donos da TV Pajuçara, afiliada da Record, o radialista Cicero Almeida (PMDB) foi operador de áudio, locutor e repórter policial, até chegar a apresentador de um programa policialesco.

Outro apresentador deste mesmo tipo de programa de viés sensacionalista, Amaro Neto (SD), também chegou ao segundo turno e disputa a Prefeitura de Vitória (ES).

Aliás, o “boom” de candidatos ligados aos policialescos chamou a atenção nas eleições deste ano. Mais do que os candidatos majores e coronéis da PM, que geralmente ganham destaque nessas programações, apresentadores e repórteres também chegaram a Prefeituras e Câmaras Municipais.

Jorge Kajuru (PRP), que iniciou sua carreira em programas esportivos e depois migrou para os noticiários baseados na narrativa policial, é outro exemplo. No pleito deste ano, ele conquistou a maior votação da história para a Câmara de Vereadores de Goiânia, com quase quatro vezes mais votos que a segunda colocada.

Interesses midiáticos

A forte presença de comunicadores de emissoras privadas entre políticos com mandato nos faz questionar a que interesses efetivos servem esses candidatos. A RBS, emissora afiliada à Rede Globo no Rio Grande do Sul, há muito tempo vem fornecendo de seu quadro de funcionários e colaboradores candidatos a vários cargos políticos.

São jornalistas, radialistas ou comentaristas de televisão que deixaram a carreira na mídia para se lançar a uma vaga, desde a Câmara de Vereadores até o Senado Federal. Dos três senadores que representam o Rio Grande do Sul hoje no Congresso Nacional, dois são ex-funcionários da RBS: Amélia Lemos (PP) e Lasier Martins (PDT).

A vinculação de apresentadores de rádio e TV com partidos políticos e o uso dos meios de comunicação de massa para fins eleitoreiros é mais uma lacuna da regulação do setor no Brasil. Além do controle direto de canais por deputados federais e senadores – prática proibida pela Constituição Federal de 1988 mas explicitamente em voga no País, contra a qual o Ministério Público Federal tem atuado –, a participação, no jogo político, daqueles que detêm o privilégio de entrar em nossas casas, é outra séria distorção da política brasileira.

A história mostra que, em uma disputa eleitoral, a visibilidade midiática é uma questão importante para o resultado das urnas. Assim, obviamente, aqueles que entram na briga pelo voto trazendo consigo uma trajetória de exposição na TV e rádio saem na frente. Os exemplos dessas eleições municipais comprovam que a falta de uma regulação democrática do setor beneficia aqueles que fazem uso desta exposição em benefício próprio. Daí a urgência de um processo de democratização das comunicações, que impeça o uso político de um espaço que é público.

Agenda secundarizada

Infelizmente, esta é uma pauta que segue fora das prioridades dos próprios partidos e candidatos prejudicados por adversários donos da mídia. Atualmente, poucas legendas – como o PSOL, PCdoB e PT – trazem a democratização das comunicações como eixo em seus programas partidários. E nem todos desses partidos abraçam a causa.

Vereador eleito em Recife pelo PSOL, Ivan Moraes, jornalista e militante dos direitos humanos, é um dos raros candidatos que defendeu o tema como um dos pilares de sua campanha.

No segundo turno no Rio de Janeiro, Marcelo Freixo também não fugiu do assunto. Seu programa de governo propõe, por exemplo, a capacitação de agentes de comunicação enquanto impulsionadores de processos de desenvolvimento local e o estabelecimento de mecanismos democráticos e transparentes de investimento em publicidade oficial na mídia, de forma a ampliar o financiamento de pequenas empresas de comunicação.

Freixo também assume o compromisso de, se eleito, implantar na cidade o Canal da Cidadania. Previsto no decreto que regulamentou o sistema de TV digital no Brasil, o Canal tem quatro faixas de programação, destinadas à prefeitura, ao governo estadual e a associações de comunicação comunitária. Cada canal deve possuir, obrigatoriamente, um conselho local e um ouvidor.

São poucos, entretanto, os políticos que atuam em defesa de mudanças no sistema midiático e que saíram vitoriosos dessas eleições. Candidatas como Luiza Erundina (PSOL-SP) e Luciana Santos (PCdoB-PE) não avançaram nas urnas em suas cidades. O que comprova que segue sendo muito mais vantajoso eleitoralmente usar a mídia a seu favor do que trabalhar para que a mídia seja plural, de todos e todas.

*Ramênia Vieira é jornalista, integrante do Intervozes e repórter do Observatório do Direito à Comunicação.

OEA: “Brasil enfrenta contexto delicado para liberdade de expressão”

Relator da OEA, Edison Lanza afirma preocupação com repressão a protestos, vigilância na internet e retirada dos mecanismos de autonomia da EBC

Por Bia Barbosa*

Em agosto de 2015, o relator especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a liberdade de expressão – o uruguaio Edison Lanza – esteve no Brasil e, a convite da sociedade civil, se reuniu com diversas autoridades e ministros do governo Dilma Rousseff.

Na época, o objetivo de Lanza era dialogar com o poder público brasileiro no sentido de promover políticas públicas de incentivo à diversidade e pluralidade na mídia brasileira.

A partir da escuta de demandas de organizações com o Intervozes e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Lanza colocou a relatoria especial da Comissão Interamericana de Direitos Humanos à disposição para contribuir no debate sobre um novo marco regulatório para as comunicações no país, que democratizasse a liberdade de expressão no Brasil.

Pouco mais de um ano depois, Lanza volta o país num contexto muito diferente para o exercício deste direito. Nesta segunda-feira 26, ele participou em São Paulo de um debate sobre o estado da garantia da liberdade de expressão no Brasil e demonstrou preocupação com as ameaças em curso ao direito à palavra em nosso território.

“Estamos num contexto difícil e delicado para a democracia no Brasil, daí a importância de discutirmos o papel da liberdade de expressão para as democracias. A Convenção Americana de Direitos Humanos, as cartas e princípios da OEA falam de uma democracia com pluralismo de ideias, com debate democrático e a garantia de um jornalismo livre e independente, não apenas uma democracia formal”, explicou Edison Lanza.

Segundo o relator, a ausência de políticas de promoção à diversidade e pluralidade midiática é uma característica histórica do Brasil. Porém, a preocupação hoje é com a regressão de avanços obtidos no país no campo das comunicações. “O princípio da não regressão em matéria de direitos humanos também se aplica à liberdade de expressão”, lembrou.

Em junho deste ano, em conjunto com a relatoria especial da ONU para o tema, a OEA publicou um comunicado em que manifestava preocupação com as medidas adotadas pelo então governo interino de Michel Temer em relação à intervenção na direção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e à conversão da Controladoria Geral da União (CGU) em Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle.

“A interferência na direção da EBC e a conversão da CGU em Ministério são passos negativos para um país conhecido pelo seu sólido compromisso com a liberdade de opinião e expressão”, falava o texto.

Lanza contou que, na época, o governo Temer respondeu ao comunicado afirmando que respeitaria a autonomia da EBC, mas isso não aconteceu.De lá pra cá, como comentamos várias vezes neste blog, um golpe também foi dado ao caráter público da Empresa Brasil de Comunicação.

Além da destituição do presidente Ricardo Melo e da dissolução do Conselho Curador, ambos via medida provisória, da extinção de programas e demissão de dezenas de profissionais, na última semana a nova direção da EBC trocou os ouvidores de rádio e TV da empresa. Foi a primeira vez que eles foram indicados diretamente pelo Planalto.

Direito aos protestos e à privacidade

Outro tema que preocupa a relatoria da OEA é o avanço da repressão a protestos. A visita de Lanza ao país foi justamente para ouvir movimentos sociais e ativistas vítimas de repressão das forças de segurança em manifestações públicas.

O relator está preparando um informe temático da região sobre os protestos e veio ao Brasil para coletar casos específicos. Com o apoio da Artigo 19, organização internacional que trabalha com este tema, já se reuniu em Brasília com movimentos de luta pela terra e, em São Paulo, com estudantes, mulheres e comunicadores que cobrem protestos e também são atingidos pela repressão policial.

“Protestos ganham força quando a população não encontra outra forma de interlocução com os governos. Para muitos grupos sociais, a proteção a esta forma de expressão é vital. E hoje vemos no Brasil uma série de obstáculos para a garantia do direito ao protesto, como a exigência de autorização prévia para as manifestações, o uso desproporcional da força – em vez de se facilitar o exercício deste direito – a violência contra jornalistas, com a apreensão de equipamentos de trabalho e a vigilância das lideranças”, afirmou Edison Lanza.

O relator citou ainda como preocupante os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que pretendem alterar o Marco Civil da Internet e autorizar uma coleta massiva de dados da população. Ele lembrou que a proteção do direito à privacidade dá ao cidadão o direito de saber, por exemplo, quem está coletando dados, por quanto tempo e o que está sendo feito com eles.

Durante o evento em São Paulo, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da OEA lançou uma publicação com os informes dos últimos 10 anos sobre a situação no Brasil.

O documento também aponta problemas como a intimidação e ameaças a comunicadores e blogueiros; decisões judiciais que restringem a liberdade de expressão, como casos de remoção e proibição da publicação de determinados conteúdos; e a criminalização das rádios comunitárias.

No domingo 25, Edison Lanza também se reuniu com organizações da sociedade civil e comunicadores e recebeu uma série de denúncias de violações que vem sendo praticadas no país.

Ele se comprometeu a analisar todos os casos. Já as entidades brasileiras, entre elas o Intervozes, devem se organizar para solicitar formalmente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos uma audiência pública em Washington, sede da OEA, em março de 2017, para discutir o quadro de violações à liberdade de expressão no Brasil.

“Hoje, mais do que nunca, é importante retomar a defesa desssa liberdade. Sem sua plena vigência, não há verdadeira democracia”, concluiu Lanza.

*Bia Barbosa é jornalista, especialista em direitos humanos, coordenadora do Intervozes e secretária geral do FNDC.

Greve na RTV Cultura de SP é resistência ao sucateamento da emissora

O desmonte promovido pelo governo de São Paulo é o mesmo pretendido por Temer na EBC

Por Ana Claudia Mielke*

A Constituição de 1988 é clara ao estabelecer a necessidade de se garantir a complementaridade do sistema de comunicação no Brasil, que deve ser composto por mídias comerciais, públicas e estatais. Mas o artigo 223 sequer chegou a ser regulamentado, e as poucas experiências de comunicação pública existentes estão em vias de serem desmontadas.

Em São Paulo, uma greve de seis dias jogou luz ao desmonte da RTV Cultura. Entre os dias 8 e 14 de setembro, radialistas e jornalistas da emissora, juntos, promoveram uma greve geral. A reivindicação de emergência? Reajuste dos salários. Afinal estes não foram reajustados conforme acordo coletivo firmado entre as duas categorias – representadas por seus sindicatos – e as empresas de mídia privada.

As perdas, segundo os próprios sindicatos, chegam a 25% no caso dos jornalistas, que tiveram o último reajuste salarial em dezembro de 2013, e a 20% no caso dos radialistas, que tiveram o último reajuste de salário em maio de 2014.

O pano de fundo desta greve – como não poderia deixar de ser – é, no entanto, a resistência para que a comunicação pública não seja totalmente esfacelada. Não se trata de um problema novo. Há pelo menos dez anos, radialistas, jornalistas, entidades de classe e organizações da sociedade civil têm denunciado o sucateamento que vem sendo imposto à RTV Cultura de São Paulo. Estes grupos estão, desde 2015, organizados na campanha “Eu quero a RTV Cultura Viva!

A falta de investimentos em recursos humanos, a consequente a diminuição no número de funcionários e a não realização dos reajustes conforme convenção coletiva das categorias são apenas a ponta do iceberg de um verdadeiro desmonte da comunicação pública que segue em curso no Estado de São Paulo.

A RTV Cultura é gerida pela Fundação Padre Anchieta. Em seus mais de 40 anos de produção e difusão de programação (ela foi criada em 1960 e reinaugurada em 1969), foi inúmeras vezes considerada a melhor emissora do País em qualidade da programação e já figurou entre os melhores canais do mundo em programação educativa.

É também considerada um patrimônio dos paulistas (e dos brasileiros), que cresceram assistindo – até então – sua distinta programação infantil. E, durante um bom tempo, a emissora chegou a se tornar cabeça de rede de outras emissoras estaduais, fornecendo uma vasta programação a estas emissoras, sobretudo, programação infantil.

Hoje, basta sintonizar o canal para perceber que muita coisa mudou. E para pior. Muitos programas originais realizados dentro da própria emissora já não existem mais (o programa Viola Minha Viola causou comoção ao ser cancelado em 2015) e a programação tem sido substituída por enlatados, muitos destes voltados às crianças – caso de Paw Patrol (Patrulha Canina), Shimmer e Shine e Winx Club – este último com forte apelo de produtos voltados ao consumo infantil.

O número de funcionários da TV Cultura caiu pela metade nos últimos dez anos. Além disso, o interesse público que deveria orientar a grade, aos poucos, vem sendo substituído pela busca implacável por audiência.

Mesmo com a greve, a direção da Fundação Padre Anchieta sequer apresentou proposta concreta para negociar um acordo coletivo específico com os trabalhadores, demonstrando total descaso com os funcionários e com a própria continuidade do serviço de radiodifusão – houve cancelamento do Jornal da Cultura do horário do meio dia no dia 12 de setembro.

Apesar disso, na primeira audiência de conciliação, realizada no último dia 13, no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-SP), os trabalhadores obtiveram uma importante vitória, já que o caso será levado a julgamento pela Justiça do Trabalho. Os trabalhadores também não terão desconto dos dias parados e terão estabilidade de emprego garantida até o julgamento do dissídio.

Desmonte da EBC

No início de setembro, o governo Michel Temer editou a Medida Provisória 744, acertando em cheio o coração da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), ao extinguir o princípio que afirma a autonomia em relação ao Governo federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão (previsto no parágrafo VIII do art. 2 da Lei nº 11.652/2008). A MP também pôs fim no Conselho Curador da empresa, órgão responsável por garantir a participação social na definição dos princípios que devem reger as emissoras que compõem o sistema.

A ideia da gestão autônoma de governos com participação da sociedade via Conselho Curador era, até então, dois dos principais pilares do projeto de comunicação pública, criado em 2009, para atender ao preceito constitucional da complementaridade. Além destes, outro pilar fundamental era a busca por consolidar um sistema público em rede, que fosse capaz de promover a cultura nacional e ao mesmo tempo estimular a produção regional e independente.

Para isso, foi criada a Rede de Comunicação Pública, em 2009, que fomentou a distribuição de conteúdos entre as várias emissoras estaduais e a EBC. Uma experiência embrionária de um sistema público de comunicação em nível nacional, cujos rumos neste momento são imprevisíveis.

Embora o sucateamento da RTV Cultura não seja recente, é possível fazer um paralelo entre ele o desmonte pretendido na EBC. Isso porque, ainda que o desmonte da EBC possa parecer um fato isolado na conturbada conjuntura pela qual passa o país, ao que parece, possui, assim como no caso paulista, o mesmo embasamento político: corte de gastos.

Na base deste argumento está a visão de que o Estado não deve ser o garantidor do direito à comunicação, logo, não deve prover o financiamento das emissoras públicas.

Financiamento

O “enxugamento da máquina” está no cerne do argumento utilizado pelos tucanos em São Paulo para dissolver, aos poucos, a RTV Cultura e agora vem sendo utilizado também pelo presidente Michel Temer (PMDB) para desidratar a EBC (desde quando assumiu o posto de interino, em maio passado, Temer já se mostrou inclinado a enfraquecer a comunicação pública do país com uma proposta de enxugamento da empresa).

Diria ainda, que nem mesmo os governos petistas, embora responsáveis pela criação da empresa, em 2009, souberam dar à comunicação pública sua real relevância – em especial num país em que o sistema comercial é bastante concentrado –, limitando ou contingenciando recursos orçamentários para a empresa e, principalmente, promovendo uma nada inocente confusão entre comunicação pública e comunicação de governo.

Em outras palavras, o sucateamento de emissoras públicas é parte de uma agenda política de retrocessos, que se pretende implementada por grupos políticos que não apostam no direito à comunicação como instrumento promotor da participação cidadã e da democracia. Para estes grupos, a comunicação pública é apenas um instrumento utilitário de informação governamental e, ainda, uma fonte inesgotável de desperdício de recursos públicos.

Porém, nem os governos tucanos de São Paulo nem as gestões do governo federal foram capazes de abrir um diálogo com a sociedade para discutir propostas concretas de financiamento da comunicação pública, como aquela que prevê a criação de um Fundo Nacional de Comunicação Pública.

Este fundo, se criado, poderia ser composto por: a) 25% da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública prevista na Lei nº 11.652; b) verbas do orçamento público em âmbitos federal e estaduais; c) recursos advindos de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), de 3% sobre a receita obtida com publicidade veiculada nas emissoras privadas; d) pagamento pelas outorgas por parte das emissoras privadas; e) doações de pessoas físicas e jurídicas; e f) outras receitas, conforme prevê a proposta de novo marco regulatório para o setor (Projeto de Lei da Mídia Democrática).

Ora, se não avançamos no debate sobre a importância do sistema público de comunicação e sobre a necessidade de prevermos para ele formas concretas e viáveis de financiamento, no frigir dos ovos, o que temos é resistência. Desta forma, fundamental foi a greve dos radialistas e jornalistas da RTV Cultura em São Paulo, que pautaram a importância da comunicação pública para além do reajuste salarial e da garantia de emprego – o que já seria bastante legítimo.

A paralisação, que ganhou amplo apoio também dos funcionários da EBC, terminou no dia 14 de setembro, após audiência de conciliação realizada um dia antes. Mas o estado de greve permanece, assim como continua a luta em defesa da comunicação pública!

*É jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

A falência da Oi e a entrega do patrimônio público

A portas fechadas, governo Temer e Anatel entregarão R$ 11 bilhões de recursos públicos de multas para a concessionária “investir” em sua própria rede

Por Marina Pita*

Em meio ao turbulento cenário político, com direito a eleições municipais, é arranjada, a portas fechadas, a solução para não deixar a Oi, maior concessionária de telecomunicações do País, fechar as portas e deixar mudos 50% dos municípios do Brasil que dependem exclusivamente de sua infraestrutura. A gravidade da situação pode levar à entrega de bilhões de reais em bens e recursos públicos para salvar não apenas o serviço, mas gerar mais uma onda de acúmulo de capital no País. Quem sairá perdendo, ao contrário do que dizem, é o cidadão.

“Não podemos deixar o sistema parar. A malha da Oi é crucial para outras operadoras. Muitas podem não falar entre si se houver problemas com a Oi”, afirmou recentemente Isaac Averbuch, assessor do conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) Igor de Freitas.

A declaração, feita durante um evento do setor, publicada no site Convergência Digital, é um indício de como o piloto automático pode ser acionado sem que o interesse de longo prazo dos usuários seja considerado na prestação do serviço.

Isso porque o plano de recuperação judicial da Oi – recorde no País, de R$ 65,4 bilhões – inclui o pedido à Anatel da conversão da dívida da empresa, que chega a R$ 11 bilhões de multas, em investimentos na sua própria rede. Tais multas são resultado, em grande parte, do não cumprimento das obrigações da Oi enquanto concessionária de telefonia fixa.

Mas, por este não cumprimento, a Oi, em vez de ressarcir o Tesouro, vai usar os recursos para melhorar seu patrimônio privado. Ou seja, por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), Anatel e governo federal autorizarão a entrega de recursos públicos à construção de ativos privados.

A ideia já recebeu acenos mais ou menos explícitos do comando da vez. O secretário de Telecomunicações do novo Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), André Borges, já declarou que conta com esses recursos para a ampliação das redes de banda larga no País.

Ex-diretor da NET e da Oi, com atuação na área regulatória das companhias, Borges não chega a engasgar com a proposta. Ignora a necessidade, para o País, de uma infraestrutura de banda larga gerida para atender às necessidades da população hoje excluída digitalmente. Caberá ao mercado, uma vez mais, decidir como e onde investir os recursos públicos

Ideia antiga

Nas telecomunicações, a proposta de entregar recursos e bens públicos à iniciativa privada é algo antigo. Ainda no governo Dilma Rousseff, o então ministro das Telecomunicações, Paulo Bernardo, chegou a ventilar a ideia de, em vez de garantir o retorno das redes de telecomunicação à União ao final dos contratos de concessão da telefonia fixa, o caminho seria entregá-las à iniciativa privada, como incentivo ao setor.

Organizações da sociedade civil e de defesa do consumidor precisaram ameaçar o governo com uma ação civil pública para que Bernardo congelasse seus planos. O ministro percebeu a ilegalidade da medida e a derrota que viria na Justiça.

No final de 2015, o Tribunal de Contas da União (TCU), entendendo que os bens reversíveis são patrimônio público, que não podem ser simplesmente entregues ao setor privado, obrigou a Anatel a apurar o valor obtido por cada concessionária em todas as alienações desses bens realizadas desde 1998.

Em março deste ano, a Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor obteve uma nova vitória neste sentido. O Poder Judiciário rejeitou os pedidos da Anatel para anular sentença que protegia os bens reversíveis vinculados aos contratos de concessão da telefonia fixa.

Onde andava a Anatel?

Neste momento de “recuperação judicial” da Oi, cabe nos perguntarmos: onde estava a Anatel este tempo todo, incapaz de observar ou de agir diante dos rumos e riscos que se desenhavam para a “supertele”? Por um lado os dividendos dos acionistas foram garantidos. Por outro, vigorou a ineficiência do serviço, essencial, em pelo menos 3 mil municípios.

“Um acompanhamento mais próximo da agência poderia ter ajudado em medidas que pudessem ter mitigado o problema. É importante trazer esse tema aos debates, independente da revisão do modelo [de telecomunicações]. É preciso trazer para o âmbito da agência um acompanhamento maior das empresas, focado na prestação de serviços ao consumidor e equilíbrio econômico”, afirmou o secretário de Fiscalização de Logística e Infraestrutura de Telecomunicações do TCU, Marcelo Barros da Cunha.

“A Anatel não teve controle adequado de quanto foi o ganho das concessionárias quando o serviço era atrativo, da mesma forma que não houve controle da alienação dos bens reversíveis, que deveriam ter sido revertido para o serviço”, criticou Cunha, para quem a Anatel também deveria ter fiscalizado se houve subsídio entre os serviços de telefonia fixa e móvel prestados simultaneamente pela Oi.

“Dizer que hoje o serviço [de STFC] é inviável é óbvio, e havia esse risco. Mas há um passado que não permite afirmar com certeza se na ausência de atuação da Anatel não há responsabilidade”, completou.

Outros caminhos

Salvar a Oi e entregar ainda mais recursos públicos a seus acionistas – que já se mostraram incapazes de administrar adequadamente a empresa – ou permitir que a Anatel defina o futuro da concessionária não são, ao contrário do que querem nos fazer crer, as únicas alternativas para este imbróglio.

O governo Temer poderia, por exemplo, decretar uma intervenção na empresa, com pedido de afastamento imediato dos controladores da concessionária. Seria uma maneira de assegurar os interesses dos acionistas minoritários, de uma parte dos credores (em especial a União), da própria empresa e seus trabalhadores, mas, principalmente, dos usuários dos serviços de telecomunicações.

Em junho de 2016, o então presidente da Telebras, o engenheiro Jorge Bittar, em agenda no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, chegou a aventar a possibilidade de incorporação dos bens da Oi pela estatal, de forma a garantir a continuidade do serviço.

Mas o fato é que, tanto a agência reguladora quanto o Executivo não estão interessados em se debruçar sobre as possibilidades que melhor atendem aos interesses dos brasileiros no longo prazo. Sem apresentar estudos e em reuniões a portas fechadas com os administradores da Oi, os rumos da infraestrutura essencial para o futuro do Oaís vão sendo definidos. Se a população demorar mais para reagir, pode não sobrar nada.

* Marina Pita é jornalista e integrante do Conselho Diretor do Coletivo Intervozes.