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Criação de órgão regulador autônomo é defendida por painelistas em audiência sobre proteção de dados pessoais

Comissão especial da Câmara analisa propostas que regulamentam a proteção de dados pessoais. Criação de agência independente é consenso entre os setores

No Brasil, a falta de uma legislação mais abrangente sobre a proteção de dados permite hoje que as informações pessoais registradas por empresas e bancos de dados sejam utilizadas de qualquer forma, seja para atender a interesses econômicos privados ou até mesmo para discriminar. Esta lacuna legislativa motivou a criação na Câmara dos Deputados da Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais – Projeto de Lei (PL) 4060/2012, apensado ao PL 5276/2016, do Executivo. Nesta quarta-feira, dia 31, ocorreu a 7ª audiência pública agendada pela comissão, sobre o tema “Modelo Regulatório: órgão, agência e autorregulamentação”.

Entre os palestrantes presentes, houve concordância sobre o fato de que somente a criação de uma estrutura de alcance nacional seria capaz de dar segurança jurídica a quem fornece os dados e a quem pretende utilizá-los, evitando assim o excesso de ações judiciais (judicialização) existente hoje. Outra questão reforçada na audiência pública foi a necessidade de autonomia do órgão regulador, que deverá ter liberdade para formular regras próprias e para atuar.

O texto do PL 5276/2016 sugere a criação de órgão centralizado, no modelo das agências reguladoras, com independência financeira e custeado por multas ou taxas específicas. Já o PL 4060/2012 sugere um modelo de autorregulação, que não é bem visto pelos especialistas. É o que destaca Beatriz Kira, coordenadora da Área de Conjuntura do InternetLab. Para ela, a proteção de dados envolve tanto o setor privado quanto o público. Por isso, não cabe na autorregulação. “É necessário que exista um órgão federal no modelo de agência, independente e capaz de responder às mudanças no setor, que possua regras e normas sólidas e que atue nos setores público e privado. Sem isso, sempre haverá insegurança jurídica”.

Kira reforça que este órgão tem que ter autonomia e liberdade para fiscalizar e aplicar sanções, permitir cooperação Internacional, uniformizar os padrões de proteção, incentivar as boas práticas e a produção de pesquisa, além de promover a educação e conscientização das pessoas sobre a importância da preservação dos dados na internet. “Para isto, é necessário que seja uma estrutura com corpo diretor independente, com servidores que garantam a institucionalização, corpo técnico especializado e, principalmente, que essa direção tenha um mandato específico para não haver interferências no trabalho.”

Cíntia Rosa Pereira Lima, professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em direito eletrônico, o órgão de fiscalização deveria ser multissetorial, semelhante ao Comitê Gestor da Internet (CGI). “Um órgão capaz de aprovar regras específicas em diálogo constante com vários setores da sociedade, tendo assim legitimidade”, ponderou.

O diretor do sindicato de operadoras de telefonia (SindiTelebrasil), Alexandre Castro, disse ser favorável à fiscalização, mas sugeriu que a questão fosse ajustada no texto, “assegurando que a liberdade seja a regra”. Ele também propôs retirar do órgão regulador a competência de definir o tempo de proteção do dado, uma vez que seu uso seja autorizado pelo usuário. “Os dados estão no centro da revolução digital e devem ser tratados como ativos das empresas”.

É essencial que sejam obedecidas duas regras na elaboração da lei: proteger o usuário e servir ao mercado de forma segura e transparente. Quem afirma é Gabriel Reis Carvalho, diretor-substituto do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça. “Uma lei de proteção de dados vai servir para que o consumidor tenha um pouco mais de controle sobre as suas informações que serão utilizadas”, declarou.

O relator dos projetos na Câmara dos Deputados, Orlando Silva (PCdoB-SP), diz que a lei deverá tratar também da matéria infralegal. “Ela deverá ser principiológica e não pode ser abstrata. Se for genérica, não atenderá ao que se pretende”, finalizou.

O que diz a Constituição

O direito à privacidade é garantido pela Constituição Federal de 1988 em seu Art. 5º, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. A privacidade é fundamental para a democracia, porque garante, por exemplo, a liberdade de organização política, a liberdade de pensamento, a liberdade religiosa, entre tantas outras.

Pessoas sob vigilância tendem a se comportar de acordo com o padrão de comportamento vigente e a não questionar regras. O direito à privacidade, entretanto, é um desafio cada vez maior para as democracias modernas. O desenvolvimento tecnológico criou uma capacidade nunca antes vista de vigiar massivamente as comunicações entre pessoas e de interceptar e armazenar dados.

Os projetos de lei 4060/2012, do deputado Milton Monti (PR-SP), e 5276/2016, do Executivo, que tramitam apensados, tratam, entre outros assuntos, da definição de “dados pessoais, sensíveis e anônimos”. O texto do PL 5276/2016 define dado pessoal como aquele que identifica ou pode vir a identificar alguém. A Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais é presidida pela deputada Bruna Furlan (PSDB-SP). O relator da comissão especial, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), comprometeu-se a apresentar seu parecer sobre um projeto definitivo ainda neste mês de junho.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

3ENDC se constitui em espaço para reorganização do campo da comunicação

Encontro encerrou com apresentação da Carta de Brasília que reafirma o princípio da liberdade de expressão e imprensa e o direito à comunicação como fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade democrática

O 3º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação (3ENDC) se encerrou neste domingo, dia 28, cumprindo com seu objetivo central de se constituir em espaço de reorganização dos movimentos e entidades que militam pela democratização da comunicação no país. Organizado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) no Campus Darcy Ribeiro da Universidade de Brasília (UnB), na capital federal, o encontro teve início na sexta-feira, 26, com o Ato Público em Defesa da Liberdade de Expressão e da Democracia, sendo finalizado no domingo com a conferência Meios de comunicação, regulação e democracia. Logo após, ocorreu a 20ª Plenária Nacional do FNDC, quando foi aprovada a Carta de Brasília.

A conferência de encerramento reuniu as jornalistas Aleida Calleja, coordenadora do Observatório Latino-americano de Regulação, Meios e Convergência (Observacom), do México; Cynthia Ottaviano, professora com atuação na defesa do público no âmbito da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual, da Argentina; Renata Mielli, coordenadora-geral do FNDC e secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; além de César Bolaño, pesquisador do campo da Economia Política e professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Cynthia Ottaviano iniciou sua fala comparando a semelhança das atuais conjunturas enfrentadas por Brasil e Argentina, caracterizadas pela repressão a paus e gás lacrimogêneo dos protestos populares, pela invasão de escolas e universidades pela polícia e pela pressão imposta a instituições para que divulguem listas de seus colaboradores envolvidos em atos contra as medidas excludentes impostas por seus respectivos governos centrais. Também enfatizou que a comunicação é e será pública, ainda que sua gestão seja privada ou estatal. Ela ressaltou que, contrariamente aos discursos veiculados pela mídia nos dois países, a conspiração contra a democracia não vem de quem luta pela democratização dos meios de comunicação, e sim das próprias empresas privadas de comunicação. “O foco não é a disputa entre regulação e não regulação, porque regulação sempre houve. O que temos que debater é quem regula o agente regulador”, destaca ela, lembrando que uma regulação frouxa favorece os interesses privados, e não os públicos.

Durante sua apresentação, Cynthia mostrou algumas pesquisas de monitoramento de notícias divulgadas pelos meios de comunicação, entre as quais se destacam aquelas de viés policialesco, de narração de crimes contra o patrimônio em detrimento dos crimes contra a vida, e entre as quais há poucas denúncias de excessos por parte dos aparatos policiais. Mostrou ainda pesquisas feitas junto ao público argentino, sobre o que as pessoas querem ver e ouvir na mídia. “As empresas de comunicação sempre repetem que divulgam o que o público quer saber. Mas pesquisas mostram exatamente o contrário: as pessoas quere,m saber mais sobre conteúdos que não recebem destaque na mídia, como informações sobre educação e ciências”. Por fim, ela lembrou o caso do canal argentino de televisão C5N, que utilizou equivocadamente imagens de jovens com armas publicadas no Facebook, que faziam parte de um projeto de produção de um curta-metragem, acusando-os de participarem de uma quadrilha que havia assassinado um policial durante um roubo de carro. Apesar dos apelos dos familiares dos jovens, o canal de televisão só se retratou após o caso ser levado à Justiça.

Resgate da utopia

O professor César Bolaño, de forma bem-humorada, citou uma “certa inveja” que os brasileiros nutrem em relação a alguns aspectos do espírito argentino, até porque o Brasil vive “um processo muito mais dramático” do que aquele de seu país vizinho. Ele respalda sua análise em aspectos como o da presença de opositores do governo de direita de Macri em programas em geral de televisão, entre eles sindicalistas e militantes que tinham acesso aos programas de televisão. “No Brasil, as emissoras de televisão têm seus jornalistas que fazem suas avaliações, julgam e dão seus veredictos. No Brasil, 40 milhões de pessoas participaram os protestos na maior greve geral de sua história, e nenhuma central sindical, por mais moderada que fosse, teve acesso aos programas de TV”.

Neste sentido, Bolaño destaca que os movimentos sociais precisam retomar a luta contra a censura, e demonstrar “a brutal censura imposta neste país pelos próprios meios de comunicação”. Ele reforçou a condição da comunicação de ser apenas meio, já que o fundamental são as estruturas econômicas. Além disso, nossas análises costumam avaliar apenas as comunicações de massa, não indo além em direção a outras formas de comunicação. “temos que ir além da forma mercadoria”, friz ele, citando a comunicação direta e a solidariedade como pistas de alternativas a estas ações de massa. “A comunicação é basicamente organização. A sociedade vai mudar, independente do que a gente faça. Outra mediação é possível. Nem tudo o que é bom se resume ao acesso à tecnologia ou aos bens de consumo. É preciso resgatar a utopia”, sugere ele.

Convergência tecnológica

Já Aleida Calleja pondera que a concentração dos meios de comunicação é uma séria ameaça à democracia. “A apropriação privada da esfera pública não repercute apenas em um poder econômico, mas também político. E o poder destas empresas é tanto que passa por cima dos poderes públicos. Basta dizer que a empresa [transnacional de capital mexicano] Televisa tem até bancada de parlamentares no Legislativo mexicano”, pondera ela, observando que os direitos à informação e à comunicação são direitos-chave, pois abrem as portas para o acesso a outros direitos.

Aleida ressalta que o discurso privado é de que, quanto menos houver interferência do estado, mais se assegura a liberdade de expressão. “Não há melhor lei que a que não existe”, dizem os empresários. “Mas não há direito humano absoluto. A liberdade de expressão também tem seus limites”, enfatiza a jornalista. Para ilustrar, ela lembra que um único conglomerado empresarial domina 80% do mercado de jornais no Peru; que um duopólio divide a propriedade sobre a comunicação no Chile e que apenas uma pessoa possui mais de 200 concessões de TV em toda a América Latina, se utilizando de vários laranjas para isso. “Mas a concentração de hoje sobre a propriedade dos meios de comunicação [no sistemas analógico] é diminuta quando se compara com a concentração em meio digital, relacionada com a convergência tecnológica”, frisa.

É preciso lutar

Por fim, Renata Mielli buscou consolidar sua fala a partir da complementação de seus antecessores na mesa da conferência de encerramento. Inicialmente, lembrou que os governos Lula e Dilma se pautaram por selar acordos com o oligopólio privado de comunicação. “Pode ser importante avar espaços na mídia hegemônica, mas é ainda mais importante construir a mídia alternativa. Portanto, ao mesmo tempo em que devemos combater o oligopólio da mídia, por um lado, devemos também fortalecer a mídia alternativa, de outro”, sintetiza a coordenadora-geral do FNDC.

Nesta linha, Renata enumera as muitas lutas a serem implementadas pelas entidades e movimentos que militam pela democratização e o direito à comunicação: regulação dos serviços sob demanda; defesa da comunicação pública e da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC); avançar na Lei do Direito de Resposta, aprovada recentemente no Congresso Nacional; debater as verbas publicitárias destinadas à grande mídia, que acaba revertando na inviabilização da mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros/as; anistia aos radiodifusores privados que não realizaram as respectivas renovações em tempo hábil [concessões estas que deveriam ter sido devolvidas ao estado, para a abertura de novas licitações]; concessões de rádio e TV dadas a empresas que possuem dívidas trabalhistas, e que por isso também deveriam ter sido devolvidas ao estado para novas licitações; inadequações entre o local da concessão dada e o local de operação da emissora, entre outras. “A concessão de rádio e TV integra um processo de licitação. Não se pode fazer lucro vendendo algo que não te pertence. Isso ocorre à revelia da lei”, aponta Renata. “Por tudo isso, a nossa geração está chamada a lutar”, conclui ela.

Carta de Brasília denuncia violações à liberdade de expressão

Ainda na tarde do dia 28 foi realizada a 20ª Plenária Nacional do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) que aprovou a Carta de Brasília. O documento homologa o posicionamento da entidade contra os ataques sistemáticos à liberdade de expressão e de organização no país e em favor das lutas populares contra as reformas trabalhista e previdenciária, entre outras iniciativas do governo de Michel Temer.

A plenária encerrou o 3ENDC, realizado com apoio da Universidade de Brasília (UnB), no campus Darcy Ribeiro, e de várias entidades e organizações do movimento social. O 3ENDC reuniu cerca de 250 participantes credenciados, vindos de todas as regiões do país.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Confira o documento na íntegra:

Carta de Brasília

Os e as participantes do 3° Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação – 3ENDC, reunidos em Brasília de 26 a 28 de maio, reafirmam o princípio da liberdade de expressão e de imprensa e o direito à comunicação como direitos fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade verdadeiramente democrática. E reconhecem que para que esses direitos fundamentais sejam exercidos em sua plenitude, é necessário um ambiente de respeito à pluralidade e à diversidade.

Historicamente, o Brasil segue sendo um dos países com maior concentração nas comunicações do mundo. Mas, com o golpe político, jurídico e midiático em curso no país e a instalação de um governo que usurpou o poder após o impedimento da Presidenta Dilma Rousseff em 2016, à ausência de pluralidade e diversidade no debate público, se somaram novos e crescentes ataques à liberdade de expressão e de manifestação.

Os ataques têm acontecido não somente com agressões físicas nos protestos, mas também com a demissão de jornalistas e radialistas comprometidos com a ética e a verdade dos fatos. Com a manipulação e seletividade informativa. Com a condenação e detenção de blogueiros e comunicadores comunitários e populares. Com o desmonte do sistema público de radiodifusão. Com a remoção de conteúdos na Internet e a adoção de práticas de vigilância em massa nas redes. Com a restrição à liberdade de expressão nas universidades e escolas. Com a censura à expressão artística e cultural. Com o desrespeito à ética jornalística.

Com o apoio dos grandes meios de comunicação – além do Congresso, do capital financeiro nacional e internacional e do Judiciário, o governo golpista tem imposto um brutal ataque aos direitos da população, com impactos na vida das pessoas que continuarão pelas próximas décadas. A toque de caixa, as reformas trabalhista e da previdência estão sendo votadas no Legislativo. E mudanças significativas no campo da radiodifusão, das telecomunicações e da internet têm sido aprovadas sem que a população em geral sequer seja informada.

Diante de tamanho retrocesso, os movimentos sociais e sindicais, unidos e organizados, tem dado sua resposta nas ruas. Na mesma medida que a repressão do Estado aumenta, também têm crescido as manifestações. Uma nova greve geral se organiza para marcar o repúdio de amplos setores da sociedade ao golpe, aos golpistas, seus vassalos e apoiadores.

Assim, também, o movimento pela democratização da comunicação tem resistido. A Campanha Calar Jamais, lançada pelo FNDC em outubro passado, tem recebido, coletado e sistematicamente denunciado violações à liberdade de expressão no Brasil. No Congresso, o FNDC luta, em parceria com outras redes e articulações da sociedade civil, contra os ataques à internet livre e o desmonte das telecomunicações e da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – denunciando, inclusive, deputados e senadores que controlam ilegalmente emissoras de rádio e televisão.

Como defensores de direitos humanos, combatemos as violações à dignidade humana praticada pelos meios de comunicação, em especial o racismo e a violência de gênero nas programações. Acreditamos que o combate ao racismo estruturante e a percepção crítica sobre a branquitude na sociedade brasileira, como impedimento à democratização da comunicação, devem ser pontos focais na promoção de uma comunicação democrática emancipadora.

Reunidos em Brasília com mais de 250 ativistas e militantes, reafirmamos, assim, nosso compromisso com a democracia, com a diversidade e a pluralidade, com a liberdade de expressão e de imprensa, com a luta pela democratização e o direito à comunicação.

Reafirmamos também nossa disposição permanente em construir ações de denúncia, de resistência e de mobilização; de produção de conteúdos contra-hegemônicos; de fortalecimento da comunicação alternativa, pública e comunitária; e de seguir nossa luta histórica por um novo marco regulatório dos meios de comunicação no Brasil que garanta o exercício de todos esses direitos.

A luta por uma comunicação democrática deve estar no centro da disputa pela transformação social, sendo estratégico, para o FNDC, ampliar o diálogo e a articulação com movimentos gerais, como as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. O tema do direito à comunicação não pode se restringir às prioridades dos que atuam neste campo, mas precisa ser pautado sistematicamente nos debates sobre o futuro do país.

Por fim, ao lado de todos e todas aquelas que estão nas ruas para dizer “nenhum direito a menos”, marcharemos contra o arbítrio, o autoritarismo e as desigualdades. Reafirmamos, mais do que nunca, nossa defesa incondicional da democracia, das liberdades, da justiça social e da participação popular, que só serão possíveis se a soberania popular for restabelecida no Brasil.

Por isso, Fora Temer e suas reformas!
Nenhum direito a menos!
Diretas Já!
Calar Jamais!

Encontro Nacional reunirá defensores da Liberdade de Expressão e do Direito à Comunicação

Evento acontece entre os dias 26 e 28 de maio, em Brasília e qualquer pessoa interessada nos temas de direito à comunicação e liberdade de expressão pode participar do evento

O 3º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação (3ENDC), promovido pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, acontece entre os dias 26 e 28 de maio, na Universidade de Brasília (UnB). O 3º ENDC chega esse ano com o objetivo de estabelecer redes e fortalecer os mais diversos movimentos que lutam pelo direito à comunicação, potencializando o espectro de ação dos diversos atores e a capacidade de intervir na formulação de políticas públicas.

A abertura do encontro será marcada por um Ato Público em Defesa da Liberdade de Expressão e da Democracia, durante o ato o FNDC pretende denunciar a escalada de violência contra as manifestações populares, censura privada e judicial na internet e nos meios de comunicação, violência contra comunicadores e cerceamento de liberdade da mídia alternativa. O ato será aberto ao público sem necessidade de inscrição prévia, mas sujeita à lotação do espaço, que será realizado no Centro Cultural da Associação dos Docentes da UnB (ADUnB), no Campus Darcy Ribeiro da UnB, às 19h do dia 26.

Na programação do 3ENDC também estão previstas conferências e atividades que abordarão temas como violações à liberdade de expressão, construção de um marco regulatório democrático para a mídia brasileira, defesa da comunicação pública, políticas de internet (liberdade de expressão e direito à privacidade), políticas de inclusão digital, entre outros, incluindo a participação de convidados nacionais e internacionais referenciais em cada tema.

Qualquer pessoa interessada no debate sobre direito à comunicação e liberdade de expressão pode participar do evento. A taxa de inscrição não inclui hospedagem, mas a comissão organizadora fechou convênios para descontos em hotéis e alojamentos. A taxa também inclui alimentação (almoço e coffee-break) nos dias 27 e 28. No dia 26, será servido um coffee-break durante o Ato Político pela Liberdade de Expressão, que será o momento de abertura oficial do evento, à noite. As inscrições serão feitas exclusivamente pela internet, no site www.doity.com.br/3endc, com valor de R$ 65,00 (cartão de crédito, boleto bancário ou débito bancário).

Como parte da programação do 3º ENDC, o FNDC também realizará sua 20ª Plenária Nacional, no dia 28 de maio. Entidades nacionais filiadas e comitês regionais do FNDC poderão indicar delegados e delegadas, de acordo com as regras gerais aprovadas pelo Conselho Deliberativo da entidade.

Confira a programação oficial

Sexta-feira 26 de maio
19h/22h – Ato Público em Defesa da Liberdade de Expressão e da Democracia
Local: Centro Cultural da Associação de Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB) – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

Sábado 27 de maio
9h/12h – Conferência: Internet, liberdade de expressão e privacidade

Flávia Lefèvre – Coalizão Direitos na Rede | Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) | Associação Proteste
Dafne Plou – Associação para o Progresso das Comunicações (APC) | Argentina
Murilo Ramos – professor Faculdade de Comunicação da UnB
Joana Varon – Coding Rights
Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

12h30/13h30 – Almoço

14h/16h – Painéis temáticos – Parte 1
1 – O papel da mídia no avanço da pauta conservadora e o discurso de ódio
Márcia Tiburi – Professora de Filosofia da UniRio e Universidade Mackenzie.
Paulo Henrique Amorim – Blog Conversa Afiada e TV Record
Cynara Menezes – Blog Socialista Morena

2 – Desnacionalização da economia na área de telecomunicações
Flávia Lefèvre – Coalizão Direitos na Rede | Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) | Associação Proteste
Márcio Patusco – Clube de Engenharia do Brasil
Marcos Dantas – Professor titular da Escola de Comunicações (ECO) da UFRJ | Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)

3 – A mídia e a luta contra a LGBTfobia e a discriminação de gênero
Ana Veloso – Professora de jornalismo na UFPE | Centro das Mulheres do Cabo
Elen Geraldes – Professora de Comunicação na UnB e uma das organizadoras do livro “Mídia, Misoginia e Golpe”
Julian Rodrigues – Associação Nacional LGBTI
Charô Nunes – Coordenadora do portal Blogueiras Negras

4 – Políticos donos da mídia
Bia Barbosa – Coordenadora nacional do coletivo Intervozes e secretária-geral do FNDC
Suzy Santos – Professora da Escola de Comunicações (ECO) da UFRJ
Artur Romeu – Coordenador de comunicação da Repórter Sem Fronteiras
Deborah Duprat – Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (PFDC/MPF) – (a confirmar)

5 – O monopólio da mídia e o ataque aos direitos trabalhistas e previdenciários
Roni Anderson – Secretário nacional de comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Raimunda Gomes (Doquinha) – Secretária nacional de comunicação da Central de Trabalhadores de Trabalhadoras do Brasil (CTB)
Paulo Kliass – Doutor em Economia e especialista em políticas públicas e gestão governamental

6 – Comunicação e cultura na mira do golpe
Sérgio Mamberti – Ator, diretor e roteirista, ex-secretário nacional do Ministério da Cultura
Dríade Aguiar – Gestora de comunicação do coletivo Fora do Eixo | Mídia Ninja
Dácia Ibiapina – Cineasta, professora e pesquisadora da UnB

16h30/18h30 – Painéis temáticos – Parte 2

7 – O desmonte da comunicação pública
Rita Freire – Jornalista | presidenta cassada do Conselho Curador (CC) da EBC
Venício Lima – Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) | Pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros do DCP-FAFICH-UFMG | conselheiro cassado do CC da EBC
Fernando Paulino – Professor e Diretor da Faculdade de Comunicação da UnB
Richard Santos – Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira)

8 – Os desafios da radiodifusão comunitária
Geremias dos Santos – Coordenador nacional da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço)
Jerry de Oliveira – Movimento Nacional de Rádios Comunitárias de Paulo (MNRC) | Diretor da Rádio Comunitária Noroeste FM (Campinas/SP)
Taís Ladeira – Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC Brasil)
Beto Almeida – Diretor da TV Comunitária de Brasília

9 – A mídia e a luta contra o racismo
Nilza Iraci – Instituto Geledés
Joelzito Araújo – cineasta, pesquisador e escritor
Jacira Silva – Coordenação nacional do Movimento Negro Unificado (MNU)

10 – O papel do jornalismo e da mídia alternativa na disputa informativa
Laura Capriglione – Jornalistas Livres
Renato Rovai – Diretor da Revista Fórum
Altamiro Borges – Presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Maria José Braga – Presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ)

11 – Transparência, acesso à informação e proteção de dados pessoais
Janara Sousa – Professora e pesquisadora da FAC/UnB
Danilo Rothberg – Professor e pesquisador da Unesp
José Antônio Moroni – Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)
Joana Varon – Coding Rights

12 – O monopólio da mídia e o ataque aos direitos sociais
Representante da Frente Brasil Popular (FBP)
Representante da Frente Povo Sem Medo (FPSM)
Juliana Acosta – conselheira do Conselho Nacional de Saúde (CNS)
Gilson Reis – Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)

Locais: anfiteatro 10 (ICC Sul), anfiteatro 8 (ICC Sul), anfiteatro 9 (ICC Sul), auditório Pompeu de Souza (Faculdade de Comunicação/FAC), sala 12 (FAC) e sala 13 (FAC).

18h30/20h – Atividades Livres

Domingo 28 de maio
9h/11h30 – Conferência: Meios de comunicação, regulação e democracia

Aleida Calleja – jornalista mexicana, coordenadora do Observatório Latino-americano de Regulação, Meios e Convergência (Observacom)
Renata Mielli – Coordenadora-geral do FNDC e secretária geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
César Bolaño – professor e pesquisador da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Cynthia Ottaviano – jornalista e professora | ex-defensora do público pela Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina

Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

11h45 – Abertura da 20ª Plenária Nacional do FNDC e aprovação da Carta de Brasília
Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)
12h30/13h30 – Almoço

13h30 – Deliberações 20ª Plenária Nacional do FNDC
Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

15h30 – Encerramento

 

Câmara Federal debate proliferação de grupos nas redes sociais com o tema “Baleia Azul”

Para especialista, “a internet não é culpada de nada, ela simplesmente age como termômetro da febre, nos mostrando que existem problemas a serem resolvidos” pela sociedade

Em seminário promovido nesta terça-feira, dia 16, por quatro comissões temáticas da Câmara dos Deputados, ganhou espaço para debates a séria questão dos possíveis casos de mortes de adolescentes provocadas por influência de jogos virtuais. Organizada pelas comissões de Seguridade Social e Família; de Legislação Participativa; de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, a atividade foi motivada pela proliferação, nas redes sociais, de grupos de jovens interessados no tema “Baleia Azul”, jogo apontado como incentivador de situações de risco de vida entre adolescentes.

Alguns deputados destacaram a “valorização da família” para evitar que ocorram novos casos de mortes por influência de jogos virtuais. Há casos relatados de suicídio e automutilação de jovens que estão sendo relacionados ao jogo Baleia Azul, surgido em redes sociais russas e caracterizado por uma série de desafios impostos ao jogador, que só consegue passar de fase se obedecer às orientações que vão desde o isolamento social até a automutilação. A comunicação com os jogadores é feita somente em comunidades fechadas. Nestas conversas, os participantes são instigados a cumprirem as etapas propostas pelos criadores do jogo. Há casos investigados de até mesmo suicídios entre estes participantes.

Para Demi Getschko, integrante do Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI-BR), a internet é espelho da sociedade, nos mostrando ações, atividades e mazelas espalhadas pelo mundo. “A internet não é culpada de nada, ela simplesmente age como termômetro da febre, nos mostrando que existem problemas a serem resolvidos. Quebrar o termômetro não resolve nada”, avaliou. “Se temos muita chuva, podemos ter um desbarrancamento, e a solução não é impedir a chuva, e sim prevenir o desbarrancamento. Defendo o Marco Civil da Internet por ser um exemplo de equilíbrio entre os extremos e por proteger provedores de conteúdo, e não os autores. Há que se caçar quem cria o jogo, não quem hospeda”, ponderou ele, em seguida.

A terapeuta familiar Elisabete Comparini destacou que a adolescência é um período de muitas mudanças e dificuldades e que diversos fatores podem levar um jovem a sentir o desejo de “sumir”. Entre os casos de suicídio, ela ressalta que cerca de 90% envolvem alguma situação de transtorno mental, como depressão. “É um período de passagem, de crise, de transformação. O adolescente está na busca da pertença, para sentir que faz parte. Ele precisa ser ouvido, acolhido, direcionado”, enfatizou.

A psicóloga Marisa Lobo acredita que a maioria desses jovens sofrem bullying na escola e querem a aceitação dos colegas, além daqueles que enfrentam problemas em casa, como a separação dos pais, ou as cobranças em excesso. Para ela, a atenção dos pais é indispensável. Por isso, ela recomenda que escutem mais seus filhos e demonstrem afeto. “Vivemos a geração do menor digital abandonado. Crianças e adolescentes estão crescendo sob os cuidados da internet, sem a presença dos pais em suas vidas. Temos, nessa cultura vigente, a família como algo dispensável”, frisou.

A psiquiatra Fernanda Benquerer, representante da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (Abeps), apontou que a prevenção do suicídio deveria ser trabalhada também nas escolas, e de forma contínua. “É na escola que podemos identificar estudantes em risco e encaminhá-los a tratamento. Para isso, todo um trabalho deve ser feito também com os profissionais da educação”. Na sua avaliação, a mídia também pode ser um risco para quem apresenta vulnerabilidades a comportamento suicida. Neste sentido, os casos de suicídio não devem ser alardeados ou glamourizados. “Esse tema deve ser abordado de forma responsável e com indicação de onde buscar ajuda”, ponderou.

Em 2000, o tema do suicídio foi abordado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por meio de um guia, com recomendações para o tratamento da questão pela mídia e sugestões de formas de atuação em prol da prevenção. Uma das recomendações refere-se justamente ao perigo da veiculação de imagens, trechos de conversas, cartas e outros conteúdos que possam apontar caminhos e formas de cometer suicídio para pessoas que estão vulneráveis. A publicação conclui afirmando que a solução seria educar jovens e adultos para a mídia, e não apenas para o uso de recursos digitais.

Durante suas participações no seminário, os representantes do Google e do Facebook, Marcelo Lacerda e Bruno Magrani, respectivamente, demonstraram as ações que ambas as empresas para manter a segurança na internet e evitar a divulgação de conteúdos perigosos em plataformas como a da fanpage e o YouTube. Entre estas ações foram citadas a possibilidade de denúncia de conteúdo impróprio por parte dos usuários e o redirecionamento das pessoas afetadas para organizações de ajuda, como o Centro de Valorização da Vida (CVV), além de campanhas de conscientização.

Thiago Tavares, presidente da organização SaferNet, apoiou as propostas legislativas que promovam a efetiva implementação das Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio, propostas há mais de dez anos pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 1.876/06). A SaferNet também lançou recentemente uma campanha nas redes sociais que atingiu quatro milhões de usuários e, em parceria com o Centro de Valorização da Vida e o Facebook, preparou um guia com dicas sobre como identificar sinais de que um amigo pode estar enfrentando sofrimento emocional.

Para o deputado André Figueiredo (PDT-CE), um dos autores do requerimento para a realização do seminário, é necessário ter cautela no tratamento do assunto, a fim de que a Câmara dos Deputados não iniba por meio de leis o acesso à internet, “o meio mais democrático de expor opiniões”, segundo ele.

Projetos em tramitação
Durante o seminário, o deputado Aureo (SD-RJ) disse que é preciso aumentar as penas para quem induzir ao suicídio com uso de tecnologia da informação e de comunicação. Uma modificação nesse sentido, considerou, deveria ser feita no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40). Também os deputados Flávia Morais (PDT-GO), Josi Nunes (PMDB-TO) e Vitor Valim (PMDB-CE) apresentaram sugestões para alterar o Código Penal. Esses textos tramitam apensados ao PL 6989/2017, de autoria do deputado Odorico Monteiro (Pros-CE), que prevê alterações no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14).

Entidades de defesa dos direitos na internet criticam o Projeto de Lei 6989/2017. De acordo com Marina Pita, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o Marco Civil da Internet garante que, em caso de divergência de análise – entre o denunciante e o moderador da empresa -, a rede social em questão terá a Justiça como mediadora para afirmar se deve derrubar o conteúdo, explica Pita.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Seminário debate leis de proteção de dados pessoais no mundo

Com o objetivo de aprofundar os debates sobre o tema no Brasil e discutir possíveis propostas de regulação, comissão organizou encontro com representantes de entidades de diferentes perfis

A privacidade é um direito garantido pela Constituição brasileira, e é tema também da Lei de Cadastro Positivo, da Lei de Acesso à Informação e do Marco Civil da Internet. Ainda assim, o Brasil é um dos poucos países no mundo que não tem uma lei específica para a proteção de dados pessoais. Com o objetivo de aprofundar esse assunto, a Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais – Projeto de Lei (PL) 4060/2012, apensado ao PL 5276/2016, do Executivo – realizou nesta quarta (dia 10) e quinta-feira (dia 11) um seminário sobre os marcos legais adotados em outros países para garantir a privacidade das informações.

No Brasil, a falta de uma legislação mais abrangente sobre a proteção de dados permite hoje que o que está registrado seja utilizado de qualquer forma, seja para atender a interesses econômicos privados ou até mesmo para discriminar. De acordo com o deputado federal André Figueiredo (PDT-CE), autor da iniciativa de realização do seminário, o encontro pretendeu oferecer espaços de diálogo “com outros países para que as medidas adotadas pelo Brasil não sejam divergentes a ponto de prejudicá-lo em suas relações internacionais”.

No primeiro dia de evento, especialistas destacaram a importância de serem implementados mecanismos para a proteção de dados pessoais e compararam os sistemas adotados com este fim pela União Europeia, Chile e Estados Unidos. O modelo europeu foi apresentado por Piedade Costa de Oliveira, membro do Serviço Jurídico da Comissão Europeia. Segundo ela, a privacidade é princípio fundamental determinado na carta de direitos europeia e na Declaração de Direitos Humanos da ONU, e isso também se aplica na proteção de dados. “A recente reforma [na legislação europeia] introduziu novos direitos, como portabilidade, direito ao esquecimento e também a lógica de fortalecimento do órgão regulador, com multas maiores em casos de violações à legislação de privacidade”, frisou.

A lei de proteção da União Europeia (UE) foi assinada em 1995 e proíbe o compartilhamento de dados pessoais com terceiros, podendo ser processados só em tarefas específicas. Além disso, o cidadão deve saber exatamente como serão usados. A União Europeia também estabeleceu regras sobre como os dados pessoais são usados no ambiente comercial, implementando novas ferramentas que colaboram para que as empresas sejam mais responsáveis. O General Data Protection Regulation (GDPR), sistema que regula a proteção de dados na UE, se aplica a todos, inclusive aos países de fora do grupo que quiserem fazer negócios com os países cobertos pela regulação. “Essas regulações serão trabalhadas com todas as autoridades e interlocutores em todos países. Estamos preparando ferramentas mais precisas de verificação de condutas das empresas para assim trabalhar com mais transparência juntos aos cidadãos”, destacou Piedade.

O modelo chileno é o mais recente entre os apresentados, possuindo duas agências: a da transparência e a de proteção de dados. Algo que em tese se aproxima da realidade brasileira, já que o país também possui uma Lei de Acesso à Informação e agora está em discussão no Legislativo e na sociedade civil a criação de uma estrutura que venha regular a proteção de dados. Segundo Alejandra Andrea Vallejos Morales, representante do Ministério da Economia do Chile, no país o “mercado é aberto e competitivo, mas os direitos do consumidor são protegidos”. A lei chilena acompanha a espanhola em alguns pontos, prevendo a proteção à criança e a dados sensíveis, como aqueles relacionados à saúde do usuário. “Estamos nos referindo a empresas que já têm os nossos dados. Precisamos assegurar o uso correto deles. Por exemplo, quando você compra um medicamento, seu plano de saúde fica sabendo. Precisamos garantir a proteção nesses casos”, reforçou Alejandra.

Como a União Europeia estabeleceu restrições quanto à transferência de dados para países que não se adequassem ao padrão europeu de proteção de dados pessoais, os Estados Unidos criaram uma certificação para as empresas garantindo o uso de medidas adequadas. Kara Sutton, representante do Centro de Cooperação Regulatória Global da Câmara dos Estados Unidos, apresentou o modelo do país, caracterizado por uma abordagem setorial e baseado em leis específicas, na regulação e na autorregulação. Kara destacou a necessidade de viabilizar fluxos internacionais de dados e afirmou que a lei brasileira precisa se adequar aos mecanismos existentes, entre eles o privacy shields e as próprias negociações bilaterais. “O Brasil é um sucesso em práticas digitais e pode ser exemplo para outros países na América do Sul quando produzir sua legislação. Por isso essa lei precisa dialogar com as práticas mundiais”, reforçou.

Lei deve conciliar proteção de dados com inovação

No segundo dia de evento, os debatedores defenderam que o marco regulatório sobre a proteção de dados deve conciliar a privacidade do usuário com a inovação tecnológica. Leticia Lewis, diretora de Políticas Públicas da The Software Alliance (BSA), sustentou que uma regulamentação equilibrada será crucial para beneficiar os brasileiros. Para ela, uma proteção de dados pessoais muito restritiva pode acarretar em problemas econômicos para o país, mas é importante garantir o bom uso dos dados pessoais para que o contrário não acarrete prejuízos aos cidadãos.

Natasha Jackson de Almeida , representante da GSM Association (entidade que representa as operadoras de telefone), defendeu um modelo pró-investimento e pró-inovação. Segundo ela, as boas práticas de governança passam também pelo diálogo com a indústria e não somente entre reguladores e legisladores.

Já o vice-presidente de Políticas Globais do Conselho da Indústria de Tecnologia da Informação (ITIC), John Miller, declarou que o Brasil tem de aproveitar a oportunidade e criar uma lei moderna de privacidade, que servirá de modelo para outros países. Conforme ele, sem o fluxo internacional o comércio brasileiro não poderá crescer. Sendo assim, ele destacou a importância de que o país use das melhores experiências no mundo para proteger a privacidade de seus cidadãos, ao mesmo tempo em que deve encorajar a inovação e o investimento estrangeiro. “Não é sobre escolher entre privacidade e inovação, é sobre garantir que os dados não sejam utilizados de forma errada”, enfatizou John.

A voz da sociedade

Bruno Bioni, mestre em Direito e pesquisador do grupo GpoPAI, da Universidade de São Paulo (USP), o seminário representou um cenário positivo de convergência sobre o tema. “É preciso delimitar e prever o livre fluxo de dados. Não queremos destoar das regras internacionais, mas queremos garantir o direito à privacidade e a afirmação de consentimento dos usuários sobre seus dados”, sustentou. Enquanto Rafael Zanatta, do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), apontou que é preciso ainda pensar todo o período de transição para a nova lei e que papel vai assumir a Secretaria de Defesa do Consumidor durante este processo.

O que diz a Constituição

O direito à privacidade é garantido pela Constituição Federal de 1988 em seu Art. 5, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. A privacidade é fundamental para a democracia, porque garante, por exemplo, a liberdade de organização política, a liberdade de pensamento, a liberdade religiosa, entre tantas outras. Pessoas sob vigilância tendem a se comportar de acordo com o padrão de comportamento vigente e a não questionar regras.

Desafio para a democracia

Garantir o direito à privacidade, entretanto, é um desafio cada vez maior para as democracias modernas. O desenvolvimento tecnológico criou uma capacidade nunca antes vista de vigiar massivamente as comunicações entre pessoas e de interceptar e armazenar dados. A Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais analisa os Projetos de Lei 4060/2012, do deputado Milton Monti (PR-SP), e 5276/2016, do Executivo, que tramitam apensados e tratam, entre outros assuntos, da definição de “dados pessoais, sensíveis e anônimos”. O texto do PL 5276/2016 define dado pessoal como aquele que identifica ou pode vir a identificar alguém. A comissão é presidida pela deputada Bruna Furlan (PSDB-SP). O relator da comissão especial, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), comprometeu-se a apresentar seu parecer sobre um projeto definitivo até o mês de junho.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação