Toma corpo, em Campinas, mais um capítulo da criminalização das rádios comunitárias no Brasil. Desta vez, o dirigente da sessão paulista da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), Jerry de Oliveira, pode ser condenado à pena de 5 anos e 2 meses de prisão por resistir à tentativa de apreensão de equipamentos sem mandado e trocar provocações com agentes da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) durante uma discussão. O processo encontra-se em andamento, mas pode ter o martelo batido nas próximas duas semanas.
O processo corre na 1ª Vara Criminal da Justiça Federal de Campinas (SP). Oliveira é acusado de resistência, calúnia, ameaça e injúria, após impedir que agentes da Anatel, acompanhados pela polícia, levassem equipamentos de uma emissora comunitária sem ordem judicial e sem o lacre devido que protege o material. Os responsáveis pela operação teriam entrado na residência sem permissão e sido surpreendidos pela moradora, acordada pelo barulho. O representante do Movimento Nacional de Rádios Comunitárias (MNRC), avisado sobre o andamento da ação, teria chegado ao local e intercedido a favor da manutenção dos equipamentos no local.
Oliveira teria também procurado o responsável pelas operações da Anatel em Campinas para discutir sobre um caso em que a ação dos agentes teria, por conta da tensão desses procedimentos, induzido um aborto em uma senhora ligada a uma das rádios comunitárias. A discussão teria sido marcada por troca de provocações.
O processo criminal se refere a esses dois momentos, de resistência e de reivindicação de “ajustamento de conduta. O promotor de justiça pede pena máxima para Jerry de Oliveira, o que significa uma condenação com pena de 5 anos e 10 meses de prisão. A ONG Artigo 19, que luta pela liberdade de expressão, afirma que “tratam-se de medidas desproporcionais e antidemocráticas que dão ensejo a autocensura”. Se for julgado como criminoso, ainda que possa responder a pena em liberdade, será retirada a primariedade de Jerry (ele não tem antecedentes criminais), pairando assim sobre ele sempre a ameaça e a intimidação de que uma nova ação possa vir a ser dirigida contra ele, mas a partir de então na condição de reincidente.
Repressão
A forma de atuação do Estado brasileiro contra as rádios comunitárias já vem sendo denunciada há um longo tempo pelo movimento que luta pela democratização da comunicação no país. O exercício da radiodifusão comunitária sem outorga, por exemplo, geralmente é julgado no âmbito penal. No entanto, de acordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, as responsabilizações deveriam ser, no máximo, na área civil ou administrativa. Em março deste ano, a ONG Artigo 19 e a Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc) levaram à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) um relatório de violações do direito humano à comunicação no Brasil em que apresentam alguns desses casos.
Em geral, comunicadores populares e entidades que lutam pela democratização da comunicação acusam a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de representar os interesses dos empresários da radiodifusão (TV e rádio), de invadir emissoras (ou mesmo casas) acompanhados de policiais, sem mandado, e apreender equipamentos. Cerca de 11 mil rádios comunitárias foram fechadas nos últimos oito anos.
Os comunicadores populares identificam uma relação direta entre a criminalização das rádios comunitárias e o interesse comercial das empresas de comunicação. Segundo Arthur William, da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc-Brasil) “os donos da mídia entendem as rádios comunitárias como concorrência e não como agentes para a consolidação da democracia. Por este motivo, fazem de tudo para calar a voz dos comunicadores populares e garantir seus lucros na contramão dos interesses da sociedade”.
O professor Tarciso Dal Maso Jardim, membro do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana que preside o grupo de trabalho que trata da violência contra comunicadores, considera que a criminalização dos comunicadores populares acontece de forma deliberada. “Existe todo um interesse paralelo tentando coibir esse tipo de atividade”, afirma. Segundo ele, o caso de Jerry já foi encaminhado à ouvidoria da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e deve ser debatida nas próximas reuniões do grupo de trabalho. O GT produzirá um relatório em fevereiro com o objetivo de subsidiar a formulação de políticas públicas que protejam comunicadores de atos de violência.