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Indígenas, quilombolas e assentados excluídos do mapa das outorgas

O seminário “Rádios Comunitárias Para Todos os Povos”, realizado pela Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC Brasil), em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA), promoveu a discussão sobre o direito à comunicação de populações indígenas, comunidades tradicionais e em áreas rurais do país, no dia 29 de agosto, na cidade de Belém.  O evento reúne poder público e sociedade civil para refletir sobre políticas públicas em comunicação para esses grupos, com foco na radiodifusão comunitária.

A pesquisadora da Universidade Federal do Pará Rosane Steinbrenner considera que “quando a discussão de democratização da comunicação se volta para esses povos, nós estamos lidando com a situação mais aguda”. A professora explicou aos presentes no evento que a discussão lida com a construção da identidade vinculada a um território, o que desafia a propriedade privada dos grandes proprietários de terra.  “As populações locais permanecem excluídas da possibilidade de serem protagonistas do próprio destino”, afirmou.

O defensor público federal Cláudio Luiz dos Santos afirmou que tem observado que se costuma “pesar a mão” contra as rádios comunitárias.  Ele considera, porém, que “há uma luz no fim do túnel” para esse setor, pois alguns tribunais tratam a questão por meio do “princípio da insignificância”, evitando penalizar as emissoras que funcionam sem autorização.

Alcione Carolina, coordenadora-geral de Cultura e Comunicação da Secretaria de Políticas Culturais do Ministério da Cultura, considera ser “evidente como a diversidade cultural não está representada nas grandes mídias, na TV e no rádio”. Segundo ela, a meta 45 do Plano Nacional de Cultura visa lidar diretamente com o tema tratado pelo evento, pois tem por objetivo garantir que 450 grupos, comunidades ou coletivos em situação de vulnerabilidade social sejam beneficiados com ações de “comunicação para a cultura”.

Num diagnóstico prévio realizado pela AMARC Brasil foram identificadas diversas inadequações e ausências legais no que se refere à garantia do direito humano à comunicação. A Lei da Radiodifusão Comunitária (9.612/98) teria sido criada há 15 anos, a partir de um conceito de comunidade apenas territorial e urbana não dando conta das particularidades de comunidades étnicas, de interesses ou em áreas rurais isoladas, mantendo a mesma burocracia no processo de outorga e a restrição de potência (25 Watts). Taís Ladeira, coordenadora do Programa de Legislação da AMARC Brasil, falando sobre o caso da Amazônia, destacou que “essa baixa potência tem nos impedido de exercer nosso direito”.

Existem atualmente mais de 4.800 rádios comunitárias com funcionamento autorizado pelo Ministério das Comunicações. Dentre essas, apenas uma aparece sediada em Terra Indígena, duas em assentamentos rurais, 32 com sede em zonas rurais e nenhuma em comunidade quilombola. Isso não significa que não existam experiências de rádio entre esses grupos – o MST, por exemplo, possui tradição no uso do rádio para organização social e política.

Joaquim Barbosa vê ausência de pluralismo na mídia brasileira

Em discurso no evento de comemoração do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, realizado pela Unesco, na Costa Rica, no dia 3 de maio, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, afirmou que a mídia brasileira é afetada pela ausência de pluralismo. Ressaltando que neste ponto falava como acadêmico, e não como presidente do STF, ele avaliou que esta característica pode ser percebida especialmente pela ausência de negros nos meios de comunicação e pela pouca diversidade política e ideológica da mídia.

A apresentação do presidente do STF se deu em quatro partes voltadas a apresentar uma perspectiva multifacetada sobre liberdade de imprensa. Na abertura, reafirmou o compromisso da corte e do país com a liberdade de expressão e de imprensa, e ressaltou que uma imprensa livre, aberta e economicamente sólida é o melhor antídoto contra arbitrariedades. Barbosa lembrou a ausência de censura pública no Brasil desde a redemocratização em 1985.

Na segunda parte, o ministro apresentou como o tema é tratado na Constituição de 1988, que pela primeira vez reservou um capítulo específico para a comunicação. Segundo Barbosa, no sistema legal brasileiro nenhum direito fundamental deve ser tratado como absoluto, mas sempre interpretado em completa harmonia com outros direitos, como privacidade, imagem pessoal e, citando textualmente o texto constitucional, “o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”. Nesse sentido, ressaltou o ministro, o sistema legal brasileiro relaciona a liberdade de expressão com a responsabilidade legal correspondente. “A lei se aplica a todos e deve ser obedecida. A liberdade de imprensa não opera como uma folha em branco ou como um sinal verde para violar as regras da sociedade”, afirmou Barbosa.

Na terceira parte de seu discurso, Joaquim Barbosa apresentou dois casos em que o Supremo Tribunal Federal teve que lidar com a liberdade de expressão e de imprensa. No primeiro, lembrou a a análise que o STF teve de fazer sobre a publicação de obras racistas contra judeus por parte de Siegfried Ellwanger. Neste caso, a corte avaliou que a proteção dos direitos do povo judeu deveria prevalecer em relação ao direito de publicar casos discriminatórios. Em seguida, falou sobre a lei de imprensa, que foi derrubada pelo Supremo por ser considerada em desacordo com a Constituição e extremamente opressora aos direitos de liberdade de expressão e de imprensa.

Antes de encerrar, porém, Barbosa fez questão de ressaltar que não estaria sendo sincero se não destacasse os problemas que via na mídia brasileira. Falando da ausência de diversidade racial, o ministro lembrou que embora pretos e mulatos correspondam à metade da população, é muito rara sua presença nos estúdios de televisão e nas posições de poder e liderança na maioria das emissoras. “Eles raramente são chamados para expressar suas posições e sua expertise, e de forma geral são tratados de forma estereotipada”, afirmou o ministro.

Avaliando a ausência de diversidade político-ideológica, Barbosa lembrou que há apenas três jornais de circulação nacional, “todos eles com tendência ao pensamento de direita”. Para ele, a ausência de pluralismo é uma ameaça ao direito das minorias. Barbosa finalizou suas observações sobre os problemas do sistema de comunicação destacando o problema da violência contra jornalistas. “Só neste ano foram assassinados quatro profissionais, todos eles trabalhando para pequenos veículos. Os casos de assassinatos são quase todos ligados a denúncias de corrupção ou de tráfico de drogas em âmbito local, e representam grave violação de direitos humanos”.

Em resposta a questionamentos do público, Barbosa lembrou um dos motivos da impunidade nos crimes contra a liberdade de imprensa é a disfuncionalidade do sistema judicial brasileira, que tem quatro níveis e “infinitas possibilidades de apelo”. Além disto, a justiça brasileira tem, na perspectivas de Barbosa, sistemas de proteção aos poderosos, que influenciam  diretamente os juízes. “A justiça condena pobres e pretos, gente sem conexão. As pessoas são tratadas de forma diferente de acordo com seu status, cor de pele ou poder econômico”, concluiu Barbosa.

Marco da cultura periférica, Teia 2007 começa com Lula e Gil

A Teia 2007— maior encontro da diversidade cultural no Brasil — começa nesta quarta-feira (7), em Belo Horizonte, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Cultura, Gilberto Gil. A cerimônia de abertura, marcada para as 19 horas, no Palácio das Artes, dará início ao evento que acontece até domingo (11).

Neste ano, a Teia tem centralidade na relação entre cultura e educação. Centenas de representantes de 500 Pontos de Cultura de todo o país vão à capital mineira para discutir os rumos do Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania — oCultura Viva — e os desafios enfrentados pelos projetos que lutam pelo fortalecimento da cultura brasileira.

Um dos principais projetos da gestão do ministro Gil, os Pontos de Cultura são organizações independentes, financiadas pelo governo federal, que trabalham com cultura, educação e economia solidária em suas comunidades. O Ministério da Cultura (MinC) seleciona as entidades por meio de edital. Atualmente, os contemplados recebem R$ 180 mil, divididos em três parcelas anuais de R$ 60 mil. Há 680 em atividade.

O evento deste ano, cujo tema é Tudo deTodos, está centrado em um tripé: mostras artísticas, reflexão (com seminários e discussões) e a auto-organização dos pontos. 'O encontro reúne a produção cultural de periferia, não no sentido social e econômico, mas de experimentação e de grupos de vanguarda', explica Celio Turino, secretário de Programas e Projetos Culturais do MinC. A iniciativa é do ministério e a organização, das entidades, com patrocínio de empresas como Petrobras, Fundação Vale do Rio Doce e Usiminas.

A programação cultural é extensa. Há shows gratuitos, mostra de cinema e vídeo, exposição de artes plásticas e peças. As atrações são de artistas ligados aos pontos e há participação de 'padrinhos'. Montado em frente ao Museu de Artes e Ofícios, o Palco em Obras recebe shows gratuitos, com músicos e grupos dos pontos, e a presença dos 'padrinhos' Jards Macalé, Fagner, Martinho da Vila, Alceu Valença e Rappin Hood, entre outros.

Já o seminário internacional 'Saberes Vivos' aborda as relações entre cultura e educação. As conferências serão realizadas no Palácio das Artes, no Centro Cultural UFMG, no espaço Conversê Funarte e no teatro Francisco Nunes. A abertura será uma aula-espetáculo de Ariano Suassuna, no Grande Teatro do Palácio das Artes, com participação de Gilberto Gil. A entrada é gratuita e deve ser retirada nas bilheterias.

A primeira vez

Essa é a segunda edição doevento — a Teia já ocorreu em abril de 2006, no Pavilhão da Bienal de São Paulo. Foi a primeira celebração pública e presencial dos Pontos de Cultura, pontapé inicial de um processo de vivência e participação para a construção pública do Programa Cultura Viva. O mote 'Venha Se Ver e Ser Visto' abarcou a Economia Solidária como eixo conceitual propositivo.

Na ocasião, já havia 443 Pontos de Cultura conveniados, dos quais 400 participaram da mostra. Hoje, já se contam 511 pontos conveniados diretamente com o MinC e mais 168 conveniados a partir das Redes de Pontos, em um total de 679 Pontos de Cultura. A idéia é que a Teia seja anual.

Brasil lidera busca por políticas para as expressões artísticas

A Convenção pela Promoção e Proteção da Diversidade das Expressões Artísticas, adotada em outubro de 2005 na Unesco, foi ratificada em tempo recorde e já conta com a adesão de quase 60 países. Hoje, as culturas locais, excluídas da indústria cultural de massa, contam com um fortíssimo instrumento de luta e defesa dos desejos de suas vidas (“dj's de suas vidas”, como prefere o ministro Gilberto Gil). Mas, entre um documento assinado e a implantação de políticas públicas que garantam esse direito, um longo caminho de debates e práxis há de ser percorrido.

Entre os dias 27 e 29 de junho, Brasília sediou o Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural – Práticas e Perspectivas. Promovido pela Organização dos Estados Americanos com o governo brasileiro, os debates que tiveram início em fóruns públicos virtuais, foram divididos entre diversidade cultural no mundo contemporâneo, diversidade cultural nas Américas, comunicação e convergência digital, economia da cultura e setores estratégicos, e globalização e cultura.

Todos os países do continente, menos Cuba (que não integra a OEA por embargo econômico), tiveram a oportunidade de apresentar seus projetos e políticas. Com as políticas que estão sendo implantadas no Brasil, como o Programa Cultura Viva, o Ministério da Cultura coloca-se como liderança e contraponto na balança da OEA contra a política mercantil e de massa dos Estados Unidos. O país norte-americano que, com Israel, votou contra a aprovação da Convenção, apresentou suas perspectivas no seminário através de uma representante da Discovery.

Democracia Cultural

O sociólogo e editor do periódico francês Le Monde Diplomatique, Ignácio Ramonet, afirma que os EUA preferem fazer concessões em outras áreas, mas não arredam o pé quando a discussão é sobre bens culturais. Ele entende que “soberania política e soberania cultural estão interligadas” e o assunto central da diversidade cultural refere-se à democracia.

Ramonet, na aula inaugural do Seminário, lembrou o caso da China, para explicar como os Estados Unidos tratam as questões culturais. O congresso estadunidense ainda não ratificou um acordo bilateral com a China, pois os chineses permanecem inflexíveis em fazer concessões sobre questões de propriedade intelectual, entre outros pontos que se referem a bens simbólicos.

O pensador francês lembra também que o consenso midiático, controlado pelas indústrias da cultura e do conhecimento, considera qualquer tipo de regulação do setor uma forma de censura. Exemplo claro, diz ele, é o caso da Venezuela, onde leis de responsabilidade para os meios de comunicação de massa exigem ao menos de 50% de músicas venezuelanas nas rádios e mínimo de cinco horas diárias de conteúdo que valorize a cultura nacional.

Recentemente, a não renovação da concessão da emissora RCTV, que participou da articulação do golpe contra o governo bolivariano de Hugo Chávez em 2002, causou rebuliço da mídia e do governo dos EUA e de seus agentes externos, os grandes jornais de todo o mundo. “Os Estados Unidos têm de fazer sua lição de casa antes de falarem qualquer coisa. O modelo de liberalismo financeiro que eles têm como modelo de globalização não garante diversidade”, pontua o escritor. A população do mundo dos sonhos hollywoodianos é dividida em sua grande parte por brancos, negros e latinos. Hoje, apenas 1,9% das concessões de rádio representam os latinos, os negros ficam com 3,2% do bolo midiático e as mulheres estão representadas em 6%.

“Em Quebéc, no Canadá, país decisivo na articulação da Convenção, políticas como a que proíbem qualquer propaganda pública que não seja em francês já estão funcionando e mexendo com a vida das pessoas. Não pode nem ser bilíngue. Essas medidas devem causar grandes impactos nas culturas locais daqui a um tempo”, pontua Ramonet.

Mercantilização da Cultura

Para o pensador francês, as expressões culturais ainda são tratadas como mercadoria e administrada por grandes conglomerados que atuam mundialmente, o que inviabiliza o processo democrático e o direito de comunicação humana. “Os Estados Unidos, assim como outras indústrias de outras matrizes, vendem primeiro a sua cultura liberal e seu american way of life para depois comercializar os seus jeans e outros produtos relacionados.

“Tudo é mercadoria: a escola, a saúde, a natureza, a cultura, o conhecimento. Então, tudo deve ser submetido à lei da oferta e da demanda. A mercantilização da cultura ameaça a criatividade e a identidade de comunidades. É por isso que a questão da diversidade torna-se central, e a batalha pela diversidade cultural é capital na luta contra a globalização liberal”, conclui Ramonet..

O ministro da Cultura Gilberto Gil entende que é impossível falar em modelos políticos prontos para promover e proteger as expressões culturais: “A diversidade exige novas políticas para estancar as feridas de toda a mercantilização predatória e descontrolada dos nossos bens culturais”. Referindo-se à contradição do espaço de debates abrir espaço até mesmo para a exposição da política dos Estados Unidos, que curiosamente foi apresentada por uma representante da megacorporação Discovery Communications.

O auge da apresentação de Mary Pitelli foi a exibição de vídeos educacionais produzidos pela Discovery Atlas que serve de material básico na educação pública estadunidense sobre o mundo. As peças publicitárias destacam as opções turísticas mundializadas, da capoeira em Salvador a um estranho ator pintado de aborígene australiano.

O intelectual espanhol Jesus Matín-Barbero, que abriu a mesa onde foi exposta a proposta, lembrou que a chave da diversidade é preservar a criatividade humana, mas os sistemas educacionais de todo o mundo estão “castrando a criatividade”. “Os jovens estão anos-luz à nossa frente. Eles já nascem com o chipe do compartilhamento do conhecimento (saiba mais sobre Cultura Livre)”, considera.

Barber lembrou como no México a inclusão digital do sistema público de educação segue a cartilha da Macintosh: “Não é possível que a escola pública, que está conectada com as culturas locais e suas necessidades específicas, seja incapaz de pensar seus próprios métodos e políticas. Essas empresas não estão ajudando comunidades locais, elas estão matando aos poucos o jeito das pessoas de serem e interagirem com o mundo”.

O ministro Gilberto Gil, que integrou a mesma discussão, lembrou que outro mundo é possível, citando Revoluções do Capitalismo, do italiano Maurício Lazzaratto. Para Gil, “the culture hotspots (os pontos de cultura, do Cultura Viva) invertem a lógica liberal da cultura”. Lembrando os pensamentos de Milton Santos, o ministro afirma que há necessidade de vivermos a fase popular da História, que está em construção nas periferias globais.

“É preciso recentralizar o que está centralizado nas mãos de poucos. As matrizes da indústria cultural não deixaram nada para as periferias. Por isso, hoje, o papel do Estado brasileiro na formulação de políticas públicas é empoderar as micro manifestações, para que eles se apropriem cada vez mais dos espaços públicos e que sejam protagonistas na proteção e promoção da diversidade”, entende Gil. Além disso, Gil acredita que essas comunidades têm até mesmo a oportunidade de pular o século XX e a sua lógica mercantil e liberal, propondo novos modelos de desenvolvimento.

(*)A reportagem do 100canais acompanhou os três dias do Seminário em Brasília a convite do Ministério da Cultura e amplificará os principais desdobramentos sobre a proteção e promoção da diversidade cultural.

Rádios americanas pagarão US$ 12,5 mi por aceitar ‘jabá’

Ouvintes americanos exasperados por ouvir a mesma música dezenas de vezes no rádio podem ter algo a comemorar: acordos entre o governo dos EUA e as emissoras podem alterar as listas das 'mais tocadas'. A quarta maior companhia da área terá que pagar ao governo US$ 12,5 milhões, além de providenciar 8.400 inserções de meia hora para gravadoras independentes e artistas locais por ter aceitado 'jabá' -dinheiro ou outra remuneração de gravadoras em troca da veiculação de suas músicas. Ainda cabe recurso à decisão.

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