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Aprovação do PLC 79 não garante expansão da banda larga, afirmam executivos do setor de telecomunicações

Representantes do governo federal e executivos das principais operadoras de telecomunicações do país estiveram reunidos nos dias 19 e 20, em Brasília, para discutir sobre as propostas do governo e de empresários para o setor. No Painel Telebrasil 2017 os representantes das teles reforçaram a pressa do setor em aprovar o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 79/16, mas deixaram claro que isso não irá garantir a expansão da banda larga para locais menos “interessantes” economicamente.

Os empresários solicitaram ainda mudanças legais que reduzam custos e resgatem a rentabilidade do setor. “Temos que repensar a rentabilidade do negócio, ou vamos ter nova crise em alguns anos, ou vamos cortar investimentos”, ameaçou o presidente da Oi, Marco Schroeder.

Quando questionado se o PLC 79 seria suficiente, Juarez Quadros, presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), fez coro aos empresários. “Somente o PL não resolve tudo, na origem do projeto faltou um trabalho de comprometimento de todos os poderes. Como vai ter investimento nas áreas que não tem retorno? Os fundos setoriais estão aí para superar déficits primários. Somos bons para a arrecadar e péssimos para usar os recursos”, criticou frisando que os fundos não voltam para o setor de telecomunicações.

Stefano De Angelis, presidente da TIM, afirmou que os recursos extras de R$ 6 bilhões que deveriam ser aplicados nas áreas onde as empresas não chegam, já existem, e são recolhidos anualmente pelos fundos setorias. “Os recursos incrementais já existem. As coisas têm que acontecer e de maneira diferente”, explicitando que os fundos devem ser usados pelas empresas para promover a expansão da rede banda larga.

José Félix, presidente da América Móvil, foi mais enfático e jogou a responsabilidade do setor para que o governo solucione através de mudança no modelo. “As operadoras fazem investimentos. Colocamos num ano de vacas magras R$ 30 bilhões no mercado. Não é o investimento que está travado. Há muitos anos, as empresas investem mais do que deveriam investir e não há retorno, ou muda o modelo para passar a funcionar, ou vamos continuar sem banda larga fora dos grande centros”, esbravejou. Para ele a responsabilidade é do governo investir em políticas públicas, pois para as empresas não há interesse em investir em inclusão digital em lugares como Pará e Amazônia se não houver “parceria” com o governo.

Após a fala de Félix o presidente da Algar e da Telebrasil, Luiz Alexandre Garcia, tentou amenizar o tom do debate argumentando que todos precisam se sensibilizar com as teles. “O setor precisa convencer a sociedade da gravidade. O Congresso só aprovará mudanças se convencermos opinião pública. A população precisa estar convencida da necessidade dessa mudança”, reforçando que vê o apoio do governo e da Anatel, mas acredita que os parlamentares mesmo convencidos “chega no Plenário e seus partidos votam contra uma evolução de modelo”.

Em defesa do patrimônio público

Entidades, movimentos sociais que atuam na defesa da comunicação democrática e ativistas pela internet livre reunidos na Coalizão Direitos na Rede denunciam que o projeto de lei é um crime contra o patrimônio público e a sociedade brasileira. O PLC 79 determina que a infraestrutura da telefonia fixa, hoje operada pela iniciativa privada sob o regime de concessão, possa ser modificada para o regime de autorização, e prevê a entrega para as empresas de um patrimônio público avaliado pelo Tribunal de Contas da União em mais de R$ 100 bilhões.

Ao modificar as regras do setor e permitir a migração de concessões de telefonia fixa para o regime de autorização, a proposta de legislação também transforma bens reversíveis (que deveriam voltar ao patrimônio do Estado) em “investimentos” e concede às empresas espectro perpétuo. Isso porque, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), as licenças para operar espectro pelas redes móveis e por satélite poderão ser renovadas indefinidamente.

Ao ser questionado sobre o que ocorreria com o “patrimônio da OI” o presidente da operadora, Marco Schroeder, foi enérgico ao afirmar que a empresa é proprietária dos bens que a integram. “Os bens são da empresa e como tal, em caso de perda da concessão eles serão vendidos a quem interessar”, protestou.

Além da grave situação da entrega dos bens reversíveis da União aos empresários, existe outro problema que preocupa os ativistas por uma internet livre e de qualidade: a possível precarização dos serviços em localidades mais distantes e sem atrativos econômicos para investimento do setor de telecomunicações. O PL 79/2016 não estabelece nenhuma obrigação de investimentos em prol da universalização dos serviços de banda larga. Na prática, isso significa que as empresas não atenderão adequadamente aquelas regiões que considerarem menos atrativas em termos econômicos. Assim, a mudança do regime de concessão para o de autorização acabará acarretando menos direitos à população e um custo mais alto pelos serviços.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Justiça Federal cancela concessão de emissora de rádio gaúcha ligada a deputado federal

O deputado federal João Rodrigues integrava o quadro societário da Rádio Nonoai, situação vedada pela Constituição Federal. Ação pedindo cancelamento da concessão foi  ajuizada pelo MPF-RS

A 10ª Vara Federal de Porto Alegre (RS) cassou, na segunda-feira passada, dia 04, a concessão da rádio Nonoai, emissora localizada no município de Nonoai, no Rio Grande do Sul, em função do deputado federal João Rodrigues (PSD/SC) integrar o quadro societário.

A decisão, da juíza federal substituta Ana Maria Wickert Theisen, levou em consideração o fato de a autorização para serviços de radiodifusão ser vedado a congressistas e atende ao pedido formulado pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão no Rio Grande do Sul, Fabiano de Moraes, em ação civil pública ajuizada em novembro do ano passado.

A ação, ajuizada pelo Ministério Público Federal do estado (MPF-RS), apontou que 90% do capital social da Rádio pertence ao deputado catarinense. De acordo o autor, a Constituição Federal proíbe a participação de detentores de mandato eletivo como sócios de empresas prestadoras de serviço público de radiodifusão.

Na justificativa a magistrada pontuou que a Constituição proíbe que parlamentares detenham concessão de serviços de radiodifusão. E reafirmou que a norma proibitiva serviria para garantir “a livre formação da opinião pública, afastando potenciais influências ou contaminação com o poder político”.

A juíza também relatou sobre o fato das cotas da empresa terem sido repassadas para a filha do deputado. Para ela, “mantido o capital social no âmbito da família do réu, não há, pelo menos em um juízo perfunctório, a garantia de que esteja fora de seu âmbito de influência” e acrescentou que “democracia não consiste apenas na submissão dos governantes à aprovação em sufrágios periódicos. Sem que haja liberdade de expressão e de crítica às políticas públicas, direito à informação e ampla possibilidade de debate de todos os temas relevantes para a formação da opinião pública, não há verdadeira democracia.”

Com a decisão a União também não poderá conceder novas outorgas à empresa enquanto tiver parlamentar em seu quadro societário. Cabe recurso da sentença ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).

O que diz a Constituição

A Constituição Federal, no artigo 54, inciso I, alínea a, proíbe deputados e senadores de celebrar ou manter contratos com concessionárias de serviço público, incluindo emissoras de rádio e televisão. Já o inciso II, a, do mesmo artigo veda aos congressistas serem proprietários, controladores ou diretores de empresas que recebam da União benefícios previstos em lei. Tal regra também impede a participação dos parlamentares em prestadoras de radiodifusão, visto que tais concessionárias possuem isenção fiscal concedida pela legislação.

A situação revela ainda um claro conflito de interesses, uma vez que cabe ao Congresso Nacional apreciar os atos de concessão e renovação das licenças de emissoras de rádio e TV, além de fiscalizar o serviço. Dessa forma, parlamentares inclusive já participaram de votações para a aprovação de outorgas e renovações de suas próprias empresas.

A posse de veículos de radiodifusão por políticos é um fenômeno presente em diversos países em desenvolvimento e identificado no Brasil pela expressão “coronelismo midiático”. Em junho de 2016, a ONG Repórteres Sem Fronteiras destacou em um relatório que critica a “parede invisível formada por dinheiro e conflitos de interesse” que afeta a liberdade de informação.

A investigação sobre a propriedade de emissoras de rádio e TV por políticos foi iniciada pelo MPF em São Paulo, a partir de um levantamento feito em todo o país das concessões de radiodifusão que tinham políticos como sócios. A partir disso, várias ações foram iniciadas em vários estados.

Já existem decisões judiciais em tribunais superiores retirando as concessões das mãos de parlamentares, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal – que também já se manifestou contrário ao controle de políticos sobre veículos de comunicação

Sendo assim o cancelamento das concessões visa a evitar o tráfico de influência e proteger os meios de comunicação da ingerência do poder político.

A rádio e o deputado divulgaram nota contestando e argumentando que, anterior ao ajuizamento do processo, a empresa alterou o quadro societário, tendo o congressista cedido integralmente suas cotas para terceiros. Sustentou ainda que, antes de ser parlamentar, já era dono do veículo e que seu mandato é em outro Estado. Segundo ele, a constituição prevê que deputados não podem ser diretores ou administradores de emissoras.

Suspensão de atividades de rádio de parlamentar paulista

No mesmo dia em que retirou a concessão da Rádio Nonoai, a 10ª VF de Porto Alegre (RS) concedeu liminar suspendendo as atividades da Rádio Cultura de Gravataí, cujo um dos sócios proprietários é o deputado federal Antonio Bulhões (PRB/SP).

A ação com pedido de tutela foi ajuizada pelo MPF, que se valeu de argumentos semelhantes aos utilizados na ação que envolveu o congressista catarinense. Bulhões, apresentou defesa na qual afirmou não ser sócio da rádio desde setembro de 2015, ocasião em que teve seu nome retirado do quadro social da empresa, dando lugar a outros dois homens.

Após avaliar as provas processuais, a juíza federal Ana Maria Wickert Theisen decidiu levar em consideração o fato de que a alegada alteração contratual não foi devidamente registrada junto ao Ministério das Comunicações.

A decisão é em caráter liminar. O mérito da ação ainda será julgado pela Justiça Federal.

Para livrarem-se de possível perda da concessão de radiodifusão, alguns parlamentares vem utilizando como estratégia a mudança no quadro societário das empresas, muitas vezes passando para um familiar com intuito de enganar a justiça, casos como do o senador Agripino Maia e seu filho, o deputado Felipe Maia e também da família Barbalho.

Denúncia – Na época do ajuizamento da ação, organizações da sociedade civil denunciaram à Procuradoria da República em São Paulo que 40 parlamentares de 19 estados brasileiros eram sócios de emissoras de rádio e televisão no país, segundo o Sistema de Acompanhamento de Controle Societário (Siacco), da Anatel. As entidades solicitavam a atuação do MPF para que essas empresas tivessem suas licenças canceladas, tendo em vista as proibições contidas na Constituição.

O documento entregue aos procuradores elencava 32 deputados federais e 8 senadores dos estados de Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins. A representação foi encaminhada às unidades do Ministério Público Federal em cada um dos estados para que os procuradores analisassem as medidas a serem tomadas localmente.

Coronéis da Mídia têm apoio do governo

A pedido de Michel Temer a Advocacia-Geral da União (AGU) requereu em outubro de 2016 ao ministro Gilmar Mendes, do STF, “medida cautelar incidental” com o objetivo de suspender o andamento de todos os processos e decisões judiciais que tenham relação com a outorga e a renovação de concessões de rádio e televisão mantidas por empresas de parlamentares. A medida pretende conter uma série de vitórias que as entidades do campo da democratização da comunicação estão obtendo nos estados.

Em resposta à ação da AGU, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), autor de duas ações no Supremo Tribunal Federal que tratam deste tema, em conjunto com representantes do Intervozes e da Artigo 19, organizações que solicitaram participar das ações como amicus curiae, entregaram ao ministro Gilmar Mendes, relator das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 246 e 379, uma petição solicitando que ele, antes de analisar o pedido da AGU, conceda as medidas liminares solicitadas em ambas as ADPFs.

As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas no fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. Ambas contam com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República e aguardam pela apresentação de voto de Gilmar Mendes.

Por Ramênia Vieira, com informações do Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul

Entidades debatem Liberdade de Expressão e Direitos Humanos na Internet

Realizado pelo Intervozes com parceria do CNDH, o seminário “Liberdade de Expressão e Direitos Humanos na Internet: em busca do equilíbrio” reuniu movimentos sociais e ativistas da rede, em Brasília

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social realizaram, nesta terça-feira, dia 22, em Brasília, o Seminário Liberdade de Expressão e Direitos Humanos na Internet: em busca do equilíbrio.

A atividade contou com a participação de várias entidades de direitos humanos e de defesa da internet, que juntos construíram um diálogo para efetivação dos direitos humanos dentro dos espaços virtuais da rede.

Segundo Iara Moura, conselheira do CNDH e integrante do Intervozes, não se trata de restringir o direito à liberdade de expressão, mas sim de proteger grupos que são historicamente negligenciados, não só no mundo real, mas também no espaço digital. “O efeito silenciador vem do próprio discurso. Precisamos promover um debate público e aberto de forma democrática”, destacou. Iara mencionou ainda o acúmulo histórico sobre o tema, como o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA), que destaca princípios norteadores para Liberdade de Expressão e Internet.

O procurador Domingos Neto, coordenador do Grupo de Trabalho Comunicação Social da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) reforçou que a internet é “um instrumento que potencializa a realização plena do artigo 19”, pois ela permite que qualquer um com acesso à rede possa não só consumir, mas também produzir comunicação.

Para os temas referentes à garantia dos Direitos Humanos na internet, ele frisou que o artigo 222 da Constituição Federal diz, no parágrafo 3º: “Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221”.

Ele conclui que esse olhar sobre o artigo reforça que toda produção da internet deverá respeitar os princípios de preferências para finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, como descrito no artigo 221. “O discurso de ódio não tem espaço nesse artigo. A internet é uma experiência coletiva que a gente vive e que deve ser respeitada de forma coletiva e não sobre as ‘minhas’ regras”, finalizou.

Entidades representativas de direitos das mulheres, LGBTI e movimento de negros destacaram a importância da internet para suas organizações, porém eles também relatam que é justamente na rede que acontecem os maiores ataques. “O mundo online para a população LGBTI é muito importante, pois é lá que estamos encontrando ajuda, apoio e organização, porém, ao mesmo tempo é um espaço de muita violência e a maioria tem base é fomentada por grupos religiosos”, lamentou Carlos Magno Fonseca, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Travestis e Intersexos (ALBTI).

Laura Tresca, ativista da Artigo 19, reforçou que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, assim como qualquer outro direito. “Ela pode, e deve, ser restringida se baseando nos parâmetros dos direitos humanos internacionais, porém o que a gente vê é que essa restrição só acontece quando se tratam de políticos para calar as vozes dissidentes”.

Para os presentes, é unânime que não se devem criar novas leis em relação aos crimes cometidos pela internet. O consenso é que as regras do código penal são aplicáveis também no ambiente virtual.

Paulo Rená, do Instituto Beta para Internet e Democracia (Ibidem), afirmou que a internet ainda é um espaço limitado e centralizado em zonas economicamente atrativas. “Não é calando as vozes que resolveremos a questão dos direitos fundamentais”.

A advogada Flávia Lefèvre, conselheira do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), alertou sobre a importância de se fortalecer os espaços já existentes, como o CGI.br. Ela lembrou que hoje a entidade passa por um ataque, promovido pelo governo, que visa a enfraquecer a participação da sociedade e fortalecer as ações das empresas de telecomunicações. “Temos que fortalecer os mecanismos de gestão da internet, para que as teles não desmontem a participação que se tem hoje. Neste momento, o envolvimento de todos para o processo de revisão do processo de governança multiparticipativa no Brasil é fundamental para a preservação de direitos humanos, direito à comunicação, direito à informação e dos direitos de consumidores”.

Criado em 1995, o CGI.br é responsável pelo estabelecimento das diretrizes do setor; a promoção de estudos e padrões técnicos para segurança e serviços de internet; recomendações de procedimentos e padrões técnicos e promoção de programas de pesquisa e desenvolvimento.

No dia 08, deste mês o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações iniciou uma consulta pública com intenção de alterar o modelo do CGI.br, principalmente em relação às atribuições e à composição do Comitê. A atitude do governo de forma unilateral e sem diálogo prévio no interior do CGI.br é considerada um equívoco para entidades que defendem a internet no Brasil e que compõe a Coalizão Direitos na Rede.

O seminário discutiu ainda o papel das plataformas no combate às violações de direitos e na responsabilização de infratores e a importância de assegurar a aplicação do Marco Civil da Internet na garantia da defesa dos direitos humanos na rede.

A lei 12.965/14 , conhecida popularmente como o Marco Civil da Internet, rege o uso da rede no Brasil, definindo direitos e deveres de usuários e provedores da web no país.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

MPF/PE entra com ação contra parlamentares com participação em empresas de radiodifusão

Segundo o MPF, deputados Gonzaga Patriota (PSB) e Adalberto Cavalcanti (PTB) são sócios ou tem familiares sócios de duas empresas de radiodifusão com sede no interior de Pernambuco

O Ministério Público Federal em Pernambuco (MPF/PE) ajuizou ação civil pública solicitando a Justiça Federal com urgência a suspensão da concessão de serviço de radiodifusão da Rede Brasil de Comunicações Ltda, de Sertânia, e da Rádio Rio Pontal FM Ltda, de Afrânio, ambas no interior pernambucano. A ação foi ajuizada, pois o deputado federal Gonzaga Patriota (PSB) seria sócio da Rede Brasil e familiares do deputado federal Adalberto Cavalcanti (PTB) participariam do quadro societário da Rádio Pontal. A ação, de responsabilidade da procuradora da República Mona Lisa Ismail, foi ajuizada contra os parlamentares, as rádios e a União.

Na ação o MPF-PE destaca que a situação é inconstitucional, pois haveria o risco de violação do direito fundamental à liberdade de informação e expressão. Como tratam-se de parlamentares à frente de empresas de comunicação, haveria a possibilidade de se utilizarem das empresas em prol de interesses próprios ou de terceiros.

A procuradora Mona Lisa Ismail, se pronunciou na ação afirmando que a sócia-gerente da Rádio Sertânia, filiada a Rede Brasil de Comunicações Ltda, Geannedy Laureliza Leite Patriota, durante a investigação administrativa no MPF, afirmou que “a vedação não se aplica à participação do parlamentar Gonzaga Patriota na empresa de radiodifusão porque diz respeito à gestão da empresa. Ou seja: não haveria irregularidade na participação do deputado federal no quadro societário da rádio, uma vez que não exerce função de diretor/gerente e que o contrato de concessão em tela obedece a cláusulas uniformes”, diz trecho da ação civil pública.

O deputado federal Adalberto Cavalcanti, fez parte do quadro societário da Rádio Pontal até julho de 2016. Na época houve uma alteração no contrato, devido a uma notificação do então Ministério das Comunicações em que o parlamentar se retirou da sociedade, sendo substituído por sua filha Marília Mariana Cavalcanti. Para a procuradoria da República essa alteração indica que o parlamentar estaria simulando não ser mais sócio, porém ele continuaria no comando da empresa por meio de familiares. “Não se trata de contrato de cláusulas uniformes, que se refere a contratos de adesão de natureza consumerista, firmados entre congressistas e empresas prestados de serviços públicos, o que não é o caso da concessão do serviço de radiodifusão outorgado às rádios”, disse a procuradora, por meio de nota

A participação dos deputados nas emissoras, reforça o MPF, é inconstitucional, tendo em vista o potencial risco de se utilizarem do canal para defesa ou divulgação de interesses próprios ou de terceiros, violando o direito fundamental à liberdade de expressão e informação.

Conforme consta na ação, Adalberto Cavalcanti foi sócio da rádio até julho de 2016, quando houve alteração contratual após notificação pelo MPF. Segundo a procuradora da República, no entanto, a alteração indica a intenção de simular a regularização da sociedade, uma vez que o deputado continuaria a participar da empresa por meio de familiares.

Além da sispensão o MPF requer que a Justiça deixe de conceder novas outorgas de serviço de radiodifusão para as empresas Rede Brasil de Comunicações Ltda. e da Rádio Rio Pontal FM Ltda., ainda que por intermédio de pessoas jurídicas das quais sejam sócias. O MPF também pede que a a União seja condenada a realizar nova licitação do serviço outorgado as empresas.

O que diz a Constituição

A posse de veículos de radiodifusão por políticos é um fenômeno presente em diversos países em desenvolvimento e identificado no Brasil pela expressão “coronelismo midiático”. Em junho de 2016, a ONG Repórteres Sem Fronteiras destacou em um relatório que critica a “parede invisível formada por dinheiro e conflitos de interesse” que afeta a liberdade de informação.

A investigação sobre a propriedade de emissoras de rádio e TV por políticos foi iniciada pelo MPF em São Paulo, a partir de um levantamento feito em todo o país das concessões de radiodifusão que tinham políticos como sócios. A partir disso, várias ações foram iniciadas em vários estados.

Já existem decisões judiciais em tribunais superiores retirando as concessões das mãos de parlamentares, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal – que também já se manifestou contrário ao controle de políticos sobre veículos de comunicação

Segundo o artigo 54, inciso I, a, da Constituição Federal, deputados e senadores não podem celebrar ou manter contratos com concessionárias de serviço público, o que inclui as emissoras de rádio e TV. Já o inciso II, a, do mesmo artigo, veda aos parlamentares serem proprietários, controladores ou diretores de empresas que recebam da União benefícios previstos em lei.

Tal regra também impede a participação de congressistas em prestadoras de radiodifusão, visto que tais concessionárias possuem isenção fiscal concedida pela legislação.A situação revela ainda um claro conflito de interesses, uma vez que cabe ao Congresso Nacional apreciar os atos de concessão e renovação das licenças de emissoras de rádio e TV, além de fiscalizar o serviço. Dessa forma, parlamentares inclusive já participaram de votações para a aprovação de outorgas e renovações de suas próprias empresas.

Sendo assim o cancelamento das concessões visa a evitar o tráfico de influência e proteger os meios de comunicação da ingerência do poder político.

Coronéis da Mídia têm apoio do governo

A pedido de Michel Temer a Advocacia-Geral da União (AGU) requereu em outubro de 2016 ao ministro Gilmar Mendes, do STF, “medida cautelar incidental” com o objetivo de suspender o andamento de todos os processos e decisões judiciais que tenham relação com a outorga e a renovação de concessões de rádio e televisão mantidas por empresas de parlamentares. A medida pretende conter uma série de vitórias que as entidades do campo da democratização da comunicação estão obtendo nos estados.

Em resposta à ação da AGU, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), autor de duas ações no Supremo Tribunal Federal que tratam deste tema, em conjunto com representantes do Intervozes e da Artigo 19, organizações que solicitaram participar das ações como amicus curiae, entregaram ao ministro Gilmar Mendes, relator das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 246 e 379, uma petição solicitando que ele, antes de analisar o pedido da AGU, conceda as medidas liminares solicitadas em ambas as ADPFs.

As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas no fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. Ambas contam com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República e aguardam pela apresentação de voto de Gilmar Mendes.

Coronéis da Mídia

O projeto “Excelências”, vinculado ao Transparência Brasil*, apontou que, na atual legislatura na Câmara dos Deputados (2015-2019), 43 deputados são concessionários de serviços de rádio ou TV, o que representa 8,4% do total dos membros da Casa. Proporcionalmente, o Senado Federal é ainda mais marcado por este fenômeno, já que 19 senadores são concessionários – o que representa 23,5% dos membros da Casa.

Os números revelam que, para além da vinculação juridicamente registrada de políticos com os serviços de radiodifusão, existe ainda casos em que os parlamentares mantêm influência sobre as empresas a partir de “laranjas” ou de parentes que ocupam posições no quadro societário dos veículos de comunicação.

O fato de concessões públicas estarem no poder de políticos resulta em falta de isonomia, em desrespeito ao pluralismo e em uma grave ameaça ao interesse público, pois o sistema brasileiro de regulação da radiodifusão não prevê a existência de um agente independente para deliberar sobre a distribuição do espectro eletromagnético. Deste modo, tal deliberação é realizada por um procedimento licitatório no qual os parlamentares do Congresso Nacional ocupam um papel central, analisando as outorgas realizadas pelo Poder Executivo. Assim, os parlamentares que mantém concessões de rádio e TV são responsáveis por apreciar os atos de outorga e renovação de suas próprias concessões e permissões de radiodifusão.

*retirado do ar por falta de financiamento

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações do MPF/PE

Coalizão Direitos na Rede divulga nota “contra ataques do governo Temer ao Comitê Gestor da Internet no Brasil”

A Coalizão Direitos na Rede divulgou hoje, dia 09, uma nota questionando o governo federal que por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações iniciou ontem, uma consulta pública que pode alterar o modelo do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), principalmente em relação às atribuições e à composição do Comitê. A atitude do governo de forma unilateral e sem diálogo prévio no interior do CGI.br é considerado um equívoco para entidades que compõe a Coalizão Direitos na Rede.

Para a Coalizão o governo “passa por cima da lei e quebra com a multissetorialidade que marca os debates sobre a Internet e sua governança no Brasil”. O grupo reforça que a atual composição do Comitê Gestor tem sido fundamental para a defesa da manutenção das conquistas obtidas com o Marco Civil da Internet e de princípios básicos para a garantir uma internet livre, aberta e plural.

Criado em 1995 o CGI.br é responsável pelo estabelecimento das diretrizes do setor; a promoção de estudos e padrões técnicos para segurança e serviços de internet; recomendações de procedimentos e padrões técnicos e promoção de programas de pesquisa e desenvolvimento.

Na nota a Coalizão Direitos na Rede pede o cancelamento imediato da consulta e explica que a “iniciativa” do governo não respeitou os processos democráticos.

Confira a nota na íntegra:

Contra os ataques do governo Temer ao Comitê Gestor da Internet no Brasil

A Coalizão Direitos na Rede vem a público repudiar e denunciar a mais recente medida da gestão Temer contra os direitos dos internautas no Brasil. De forma unilateral, o Governo Federal publicou nesta terça-feira, 8 de agosto, no Diário Oficial da União (D.O.U.), uma consulta pública visando alterações na composição, no processo de eleição e nas atribuições do Comitê Gestor da Internet (CGI.br).

Composto por representantes do governo, do setor privado, da sociedade civil e por especialistas técnicos e acadêmicos, o CGI.br é, desde sua criação, em 1995, responsável por estabelecer as normas e procedimentos para o uso e desenvolvimento da rede no Brasil. Referência internacional de governança multissetorial da Internet, o Comitê teve seu papel fortalecido após a promulgação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) e de seu decreto regulamentador, que estabelece que cabe ao órgão definir as diretrizes para todos os temas relacionados ao setor. A partir de então, o CGI.br passou a ser alvo de disputa e grande interesse do setor privado.

Ao publicar uma consulta para alterar significativamente o modelo do Comitê Gestor de forma unilateral e sem qualquer diálogo prévio no interior do próprio CGI.br, o Governo passa por cima da lei e quebra com a multissetorialidade que marca os debates sobre a Internet e sua governança no Brasil.

A consulta não foi pauta da última reunião do CGI.br, realizada em maio, e nesta segunda-feira, véspera da publicação no D.O.U., o coordenador do Comitê, Maximiliano Martinhão, apenas enviou um e-mail à lista dos conselheiros relatando que o Governo Federal pretendia debater a questão – sem, no entanto, informar que tudo já estava pronto, em vias de publicação oficial. Vale registrar que, no próximo dia 18 de agosto, ocorre a primeira reunião da nova gestão do CGI.br, e o governo poderia ter aguardado para pautar o tema de forma democrática com os conselheiros/as. Porém, preferiu agir de forma autocrática.

Desde sua posse à frente do CGI.br, no ano passado, Martinhão – que também é Secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – tem feito declarações públicas defendendo alterações no Comitê Gestor da Internet. Já em junho de 2016, na primeira reunião que presidiu no CGI.br, após a troca no comando do Governo Federal, ele declarou que estava “recebendo demandas de pequenos provedores, de provedores de conteúdos e de investidores” para alterar a composição do órgão.

A pressão para rever a força da sociedade civil no Comitê cresceu, principalmente por parte das operadoras de telecomunicações, apoiadoras do governo. Em dezembro, durante o Fórum de Governança da Internet no México, organizado pelas Nações Unidas, um conjunto de entidades da sociedade civil de mais de 20 países manifestou preocupação e denunciou as tentativas de enfraquecimento do CGI.br por parte da gestão Temer. No primeiro semestre de 2017, o Governo manobrou para impor uma paralisação de atividades em nome de uma questionável “economia de recursos”.

Martinhão e outros integrantes da gestão Kassab/Temer também têm defendido publicamente que sejam revistas conquistas obtidas no Marco Civil da Internet, propondo a flexibilização da neutralidade de rede e criticando a necessidade de consentimento dos usuários para o tratamento de seus dados pessoais. Neste contexto, a composição multissetorial do CGI.br tem sido fundamental para a defesa dos postulados do MCI e de princípios basilares para a garantia de uma internet livre, aberta e plural.

Por isso, esta Coalizão – articulação que reúne pesquisadores, acadêmicos, desenvolvedores, ativistas e entidades de defesa do consumidor e da liberdade de expressão – lançou, durante o último processo eleitoral do CGI, uma plataforma pública que clamava pelo “fortalecimento do Comitê Gestor da Internet no Brasil, preservando suas atribuições e seu caráter multissetorial, como garantia da governança multiparticipativa e democrática da Internet” no país. Afinal, mudar o CGI é estratégico para os setores que querem alterar os rumos das políticas de internet até então em curso no país.

Nesse sentido, considerando o que estabelece o Marco Civil da Internet, o caráter multissetorial do CGI e também o momento político que o país atravessa – de um governo interino, de legitimidade questionável para empreender tais mudanças – a Coalizão Direitos na Rede exige o cancelamento imediato desta consulta.

É repudiável que um processo diretamente relacionado à governança da Internet seja travestido de consulta pública sem que as linhas orientadoras para sua revisão tenham sido debatidas antes, internamente, pelo próprio CGI.br. É mais um exemplo do modus operandi da gestão que ocupa o Palácio do Planalto e que tem pouco apreço por processos democráticos. Seguiremos denunciando tais ataques e buscando apoio de diferentes setores, dentro e fora do Brasil, contra o desmonte do Comitê Gestor da Internet.

8 de agosto de 2017, Coalizão Direitos na Rede

Original em: https://direitosnarede.org.br/c/governo-temer-ataca-CGI/