Justiça Federal cancela concessão de emissora de rádio gaúcha ligada a deputado federal

O deputado federal João Rodrigues integrava o quadro societário da Rádio Nonoai, situação vedada pela Constituição Federal. Ação pedindo cancelamento da concessão foi  ajuizada pelo MPF-RS

A 10ª Vara Federal de Porto Alegre (RS) cassou, na segunda-feira passada, dia 04, a concessão da rádio Nonoai, emissora localizada no município de Nonoai, no Rio Grande do Sul, em função do deputado federal João Rodrigues (PSD/SC) integrar o quadro societário.

A decisão, da juíza federal substituta Ana Maria Wickert Theisen, levou em consideração o fato de a autorização para serviços de radiodifusão ser vedado a congressistas e atende ao pedido formulado pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão no Rio Grande do Sul, Fabiano de Moraes, em ação civil pública ajuizada em novembro do ano passado.

A ação, ajuizada pelo Ministério Público Federal do estado (MPF-RS), apontou que 90% do capital social da Rádio pertence ao deputado catarinense. De acordo o autor, a Constituição Federal proíbe a participação de detentores de mandato eletivo como sócios de empresas prestadoras de serviço público de radiodifusão.

Na justificativa a magistrada pontuou que a Constituição proíbe que parlamentares detenham concessão de serviços de radiodifusão. E reafirmou que a norma proibitiva serviria para garantir “a livre formação da opinião pública, afastando potenciais influências ou contaminação com o poder político”.

A juíza também relatou sobre o fato das cotas da empresa terem sido repassadas para a filha do deputado. Para ela, “mantido o capital social no âmbito da família do réu, não há, pelo menos em um juízo perfunctório, a garantia de que esteja fora de seu âmbito de influência” e acrescentou que “democracia não consiste apenas na submissão dos governantes à aprovação em sufrágios periódicos. Sem que haja liberdade de expressão e de crítica às políticas públicas, direito à informação e ampla possibilidade de debate de todos os temas relevantes para a formação da opinião pública, não há verdadeira democracia.”

Com a decisão a União também não poderá conceder novas outorgas à empresa enquanto tiver parlamentar em seu quadro societário. Cabe recurso da sentença ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).

O que diz a Constituição

A Constituição Federal, no artigo 54, inciso I, alínea a, proíbe deputados e senadores de celebrar ou manter contratos com concessionárias de serviço público, incluindo emissoras de rádio e televisão. Já o inciso II, a, do mesmo artigo veda aos congressistas serem proprietários, controladores ou diretores de empresas que recebam da União benefícios previstos em lei. Tal regra também impede a participação dos parlamentares em prestadoras de radiodifusão, visto que tais concessionárias possuem isenção fiscal concedida pela legislação.

A situação revela ainda um claro conflito de interesses, uma vez que cabe ao Congresso Nacional apreciar os atos de concessão e renovação das licenças de emissoras de rádio e TV, além de fiscalizar o serviço. Dessa forma, parlamentares inclusive já participaram de votações para a aprovação de outorgas e renovações de suas próprias empresas.

A posse de veículos de radiodifusão por políticos é um fenômeno presente em diversos países em desenvolvimento e identificado no Brasil pela expressão “coronelismo midiático”. Em junho de 2016, a ONG Repórteres Sem Fronteiras destacou em um relatório que critica a “parede invisível formada por dinheiro e conflitos de interesse” que afeta a liberdade de informação.

A investigação sobre a propriedade de emissoras de rádio e TV por políticos foi iniciada pelo MPF em São Paulo, a partir de um levantamento feito em todo o país das concessões de radiodifusão que tinham políticos como sócios. A partir disso, várias ações foram iniciadas em vários estados.

Já existem decisões judiciais em tribunais superiores retirando as concessões das mãos de parlamentares, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal – que também já se manifestou contrário ao controle de políticos sobre veículos de comunicação

Sendo assim o cancelamento das concessões visa a evitar o tráfico de influência e proteger os meios de comunicação da ingerência do poder político.

A rádio e o deputado divulgaram nota contestando e argumentando que, anterior ao ajuizamento do processo, a empresa alterou o quadro societário, tendo o congressista cedido integralmente suas cotas para terceiros. Sustentou ainda que, antes de ser parlamentar, já era dono do veículo e que seu mandato é em outro Estado. Segundo ele, a constituição prevê que deputados não podem ser diretores ou administradores de emissoras.

Suspensão de atividades de rádio de parlamentar paulista

No mesmo dia em que retirou a concessão da Rádio Nonoai, a 10ª VF de Porto Alegre (RS) concedeu liminar suspendendo as atividades da Rádio Cultura de Gravataí, cujo um dos sócios proprietários é o deputado federal Antonio Bulhões (PRB/SP).

A ação com pedido de tutela foi ajuizada pelo MPF, que se valeu de argumentos semelhantes aos utilizados na ação que envolveu o congressista catarinense. Bulhões, apresentou defesa na qual afirmou não ser sócio da rádio desde setembro de 2015, ocasião em que teve seu nome retirado do quadro social da empresa, dando lugar a outros dois homens.

Após avaliar as provas processuais, a juíza federal Ana Maria Wickert Theisen decidiu levar em consideração o fato de que a alegada alteração contratual não foi devidamente registrada junto ao Ministério das Comunicações.

A decisão é em caráter liminar. O mérito da ação ainda será julgado pela Justiça Federal.

Para livrarem-se de possível perda da concessão de radiodifusão, alguns parlamentares vem utilizando como estratégia a mudança no quadro societário das empresas, muitas vezes passando para um familiar com intuito de enganar a justiça, casos como do o senador Agripino Maia e seu filho, o deputado Felipe Maia e também da família Barbalho.

Denúncia – Na época do ajuizamento da ação, organizações da sociedade civil denunciaram à Procuradoria da República em São Paulo que 40 parlamentares de 19 estados brasileiros eram sócios de emissoras de rádio e televisão no país, segundo o Sistema de Acompanhamento de Controle Societário (Siacco), da Anatel. As entidades solicitavam a atuação do MPF para que essas empresas tivessem suas licenças canceladas, tendo em vista as proibições contidas na Constituição.

O documento entregue aos procuradores elencava 32 deputados federais e 8 senadores dos estados de Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins. A representação foi encaminhada às unidades do Ministério Público Federal em cada um dos estados para que os procuradores analisassem as medidas a serem tomadas localmente.

Coronéis da Mídia têm apoio do governo

A pedido de Michel Temer a Advocacia-Geral da União (AGU) requereu em outubro de 2016 ao ministro Gilmar Mendes, do STF, “medida cautelar incidental” com o objetivo de suspender o andamento de todos os processos e decisões judiciais que tenham relação com a outorga e a renovação de concessões de rádio e televisão mantidas por empresas de parlamentares. A medida pretende conter uma série de vitórias que as entidades do campo da democratização da comunicação estão obtendo nos estados.

Em resposta à ação da AGU, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), autor de duas ações no Supremo Tribunal Federal que tratam deste tema, em conjunto com representantes do Intervozes e da Artigo 19, organizações que solicitaram participar das ações como amicus curiae, entregaram ao ministro Gilmar Mendes, relator das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 246 e 379, uma petição solicitando que ele, antes de analisar o pedido da AGU, conceda as medidas liminares solicitadas em ambas as ADPFs.

As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas no fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. Ambas contam com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República e aguardam pela apresentação de voto de Gilmar Mendes.

Por Ramênia Vieira, com informações do Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul

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