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Após mais de 50 anos de luta, rádio Frei Caneca inicia transmissão

Uma espera de mais de cinco décadas pela instalação e funcionamento de uma emissora pública de rádio no Recife parece finalmente ter chegado ao fim. A rádio Frei Caneca iniciou a transmissão do seu sinal, ainda em caráter experimental, na frequência 101,5 FM no dia 30 de junho deste ano. Foi um longo ciclo de lutas, que incluiu diversas tentativas de localização, projetos de engenharia de telecomunicação e processos licitatórios.

A rádio Frei Caneca foi idealizada pelo vereador Liberato Costa Júnior, autor de um projeto apresentado e aprovadona Câmara de Vereadores do Recife em 1960, virando lei municipal. O objetivo era estabelecer uma emissora pública de rádio que atendesse às necessidades da população em termos de informação e de compartilhamento cultural.

Porém, por muito tempo a lei não foi levada adiante. Por décadas, artistas, produtores, agentes, militantes e incentivadores do setor cultural e da democratização da comunicação pressionaram a prefeitura pelo cumprimento da lei e a instalação da Frei Caneca FM.

Ainda hoje não há uma grade de programação fixada nem datas estimadas para o lançamento oficial da rádio. A prefeitura do Recife divulgou nota em julho informando apenas que o fluxo de atividades para conclusão do processo de implementação seguirá propostas discutidas entre a Fundação de Cultura da Cidade e a sociedade civil.

Mesmo assim, é possível perceber que a rádio já tem uma proposta desenhada para a sua gestão. Segundo Patrick Torquato, gerente de Música da prefeitura do Recife, em entrevista para o jornal Diário de Pernambuco, a Frei Caneca se propõe a apresentar um formato mais plural que saia da lógica musical anglo-americana, se constituindo em uma proposta com eixo centrado no aspecto educativo. “Como ferramenta educativa, a emissora não vai propagar músicas que ‘objetifiquem’ a mulher ou incentivem a sexualização infantil, por exemplo. A grade será definida por equipe de programação, sob orientação democrática da sociedade. Será plural, diversa, representativa”, relatou Torquato na entrevista.

Projeto em andamento

O documento com as propostas de trabalho da emissora pública, formulado há dois anos, deve ser homologado nos próximos dias. Entre as principais proposições, estão: produção de 90 minutos diários de conteúdo jornalístico, sendo metade do tempo dedicado a temas locais; três horas semanais de programação voltada ao público infantil e infanto-juvenil; garantia de que pelo menos 30% do espaço na grade de programação musical seja ocupado por artistas pernambucanos.

O projeto de estruturação da emissora prevê, além da ocupação de sede própria, a contratação de funcionários por meio de concurso público e a formação de um conselho gestor (com seis representantes da sociedade civil, um representante dos servidores da emissora e quatro representantes do governo) com funções fiscalizadoras e propositivas.

A sociedade civil organizada trabalha para que a proposta de formação de um conselho gestor seja efetivamente colocada em prática, pois acreditam que, para ser uma emissora realmente pública, sua gestão deve ser compartilhada. “Vamos acompanhar o processo final de implementação e se o formato atende aos anseios da comunidade cultural”, garantiu Eduardo de Matos, representante do Sindicato dos Músicos de Pernambuco, em entrevista para a mesma matéria do Diário de Pernambuco.

Para a defesa das propostas da sociedade civil, foram convocados o Conselho Municipal de Políticas Culturais, FOPECOM, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC/PE), Centro Luiz Freire, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central Única das Favelas (CUFA), Centro Acadêmico de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Sindicado dos Radialistas de Pernambuco, Sindicado dos Jornalistas de Pernambuco, Fórum da Música de Pernambuco, Sindicato dos Músicos, Quilombo Malunguinho e Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação, entre outras entidades.

A partir destas entidades, será formado o colegiado responsável pela escolha dos membros da sociedade – inscritos voluntariamente como candidatos aos cargos – aptos a compor o conselho gestor da rádio Frei Caneca. O mesmo colegiado elegerá, entre um mínimo de oito nomes indicados pelo governo, quatro representantes do poder público para o conselho. Até o fim do primeiro ano de funcionamento da rádio, um concurso público deve ser realizado, a fim de que pelo menos 40% do efetivo da emissora seja contratado até o 13º mês de atividades.

Veja todas as propostas

– Produzir, no mínimo, 90 minutos diários de jornalismo (radiojornalismo; radio documentário; jornal noticioso; boletins de notícias; revista generalista, desde que possua reportagens e entrevistas), sendo um mínimo de 50% deste conteúdo de abrangência local, independentemente de veiculação na Voz do Brasil;

– Garantir o mínimo de três horas semanais de programas voltados para os públicos infantil e infanto-juvenil, com ênfase em conteúdos locais e regionais;

– Incentivar e promover rotas e bens turísticos da Região Metropolitana do Recife;

– Promover conteúdos educativos que contemplem literatura, música, geografia, história, ecologia, saúde, meio ambiente, matemática, filosofia, introdução às artes e outras áreas do saber, espalhados na programação como inter-programas curtos e em programas específicos semanais;

– Realizar eventos culturais com cobrança de ingressos com a finalidade de estimular o mercado cultural da cidade;

– Desenvolver parcerias com emissoras de rádio comunitárias;

– Gerir loja física ou virtual para a venda de produtos ligados à emissora (discos, lembranças, souvenires) com produtos oriundos de SIC/Municipal, Funcultura e outros meios de incentivo;

– Produzir coletâneas musicais, como a gravação de músicas instrumentais executadas por instrumentistas pernambucanas, dada a escassez de material gravado por mulheres no segmento;

– Promover campanhas de combate à homofobia, ao machismo, ao preconceito.

Idealizador faleceu antes de ouvir a rádio no ar

Liberato, decano da Câmara Municipal do Recife, morreu em 13 de janeiro de 2016, aos 97 anos, sem ouvir a rádio pela qual tanto lutou.

Durante mais de 50 anos, foram feitas várias promessas e previsões para o início das atividades da rádio, e todos os anos ele destinava recursos para ver o projeto sair do papel.

A Frei Caneca FM é primeira emissora pública da história do Brasil a entrar no ar com participação popular e diálogo, de forma a garantir a transparência e o caráter público da rádio.

Para a classe artística, a emissora será importante por abrir um espaço para divulgação da música produzida em Pernambuco e região. A propriedade pública evitaria o predomínio econômico na escolha dos artistas e na divulgação de discos e músicas, ao contrário das rádios comerciais.

A rádio ainda aguarda visita de concessão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), à qual já foram remetidos convite e relatórios formais, para sua operação formal.

 Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações do jornal Diário de Pernambuco

Conselho Nacional dos Direitos Humanos aprova relatório sobre Direito à Comunicação

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) aprovou por unanimidade, em sua 20ª reunião ordinária, realizada no dia 16 de setembro, em Brasília, o relatório sobre Direito à Comunicação e à Liberdade de Expressão na Mídia Brasileira.

O documento destaca as graves violações de direitos praticadas pela mídia brasileira, principalmente em programas com cunho “policialesco”, e foi construído a partir de denúncia firmada pelas organizações ANDI — Comunicação e Direitos, Intervozes — Coletivo Brasil de Comunicação Social e Artigo 19, que informaram ao CNDH a ocorrência de violações de direitos humanos e infrações a leis na mídia brasileira, especificamente em programas de rádio e TV. Os denunciantes basearam-se nos resultados de monitoramento de 28 programas, produzidos e transmitidos em 10 capitais das cinco regiões do país em março de 2015, obtendo um total de 1.928 narrativas analisadas.

Inicialmente discutido e formulado pela Comissão sobre Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação da CNDH, o relatório foi levado ao plenário do conselho. Ali, recebeu novos olhares e foi ampliado com novas recomendações e propostas de ações apontadas pelos conselheiros.

Helena Martins, integrante do Intervozes e conselheira do CNDH, destaca que, desde o início da atual gestão do conselho, existe uma preocupação com a abrangência dos impactos da concentração da propriedade midiática e da veiculação de conteúdos violadores, além da necessidade da sociedade avançar na compreensão da comunicação. “No início desta gestão, levantamos a questão de constituir uma comissão que trabalhasse a fim de se fazer cumprir o papel de ampliar o entendimento na sociedade de que a comunicação é um direito humano fundamental. Assim nasceu a Comissão Permanente de Direitos à Comunicação e à Liberdade de Expressão”, frisa Helena.

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos foi criado pela Lei nº 12.986/2014 e possui como atribuições, entre outras: receber representações ou denúncias de condutas contrárias aos direitos humanos; habilitar-se como assistente em ações cíveis ou criminais sobre violações desses direitos; recomendar ações em órgãos públicos.

Nessa perspectiva, o conselho, que tem se proposto a fomentar o diálogo social e a busca conjunta de soluções, listou nove recomendações no relatório:

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Lançada Plataforma que registra violações de direitos humanos pela mídia

A Plataforma Mídia sem Violações de Direitos, idealizada pelo coletivo Intervozes em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo e com apoio da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom), foi lançada nesta quarta-feira, dia 14, na Câmara dos Deputados, em Brasília.

A ferramenta permite que todo cidadão e cidadã faça reclamações sobre abusos cometidos por emissoras de televisão. As denúncias serão analisadas por um grupo de monitoramento, gerando o Ranking Nacional de Violações de Direitos Humanos na TV aberta.

Na abertura do evento, o deputado federal Jean Wyllys, coordenador da Frentecom, criticou o desrespeito à legislação brasileira por parte dos grupos midiáticos, os quais exploram e instigam a violência na televisão. O parlamentar destacou a importância da iniciativa para que se consiga combater de alguma forma as violações ocorridas. “Essa é uma plataforma fundamental. É uma batalha antiga de todos os ativistas dos direitos humanos que lutam há muitos anos contra os conglomerados de comunicação para que a mídia seja mais democrática e respeite os interesses sociais definidos pela Constituição”, afirmou.
Wyllys também comentou sobre o papel influenciador da mídia para a criminalização de segmentos da sociedade. “Alguns programas tratam de mostrar a violência de uma forma como se fosse a característica de um local e de uma determinada classe social, em especial dos negros, não abrindo o espaço para o debate social sobre o que acontece naquela comunidade”, destacou.

Para Helena Martins, representante do Intervozes no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e coordenadora da Plataforma Mídia sem Violações de Direitos, o lançamento da ferramenta na Câmara foi bastante simbólico, dado a conjuntura atual na Casa. “Nós temos bancadas que representam pautas altamente regressivas no campo dos direitos humanos e que encontram nesses lugares [os grandes conglomerados de mídia] espaços de visibilidade e vocalização de suas bandeiras. Não é à toa que temos vários deputados que são apresentadores de programas policialescos. Por isso, é fundamental fazer essa crítica e exigir que eles tenham uma outra conduta, passando a respeitar a concessão pública”, desabafa.

A representante da ANDI – Comunicação e Direitos, Miriam Pragita, apresentou as publicações resultantes do projeto Violações de Direitos na Mídia Brasileira, realizado ANDI em parceria com a Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos (PFDC), o Intervozes e Artigo 19 – e que deu base para a proposta da Plataforma Mídia sem Violações de Direitos. Segundo Miriam, uma das etapas do projeto consistiu no monitoramento por 30 dias de 28 programas policialescos veiculados pela televisão ou pelo rádio em dez capitais brasileiras. O estudo revelou a ocorrência de 4,5 mil violações de direitos e 15.761 infrações a leis brasileiras e a acordos multilaterais ratificados pelo Brasil.

“A nossa legislação foi várias vezes desrespeitada, e vários tratados internacionais do qual o Brasil é signatário também. A lei é ignorada pelas emissoras de TV e por quem deveria proteger a legislação. O pior é ver que muitas empresas fazem anúncios nesses programas”, lamentou.

Campeão de violações

A partir dos dados coletados pela Andi entre os dias 2 e 31 de março do ano passado, foi produzido o primeiro Ranking Nacional, que aponta o programa Cidade Alerta, da Record, como o que mais violou direitos no país. O Cidade Alerta é exibido todos os dias, de segunda a sábado, e tem alcance nacional, já que é retransmitido via satélite para todas as unidades da Federação. Segundo estudo da Andi, considerando-se apenas a exibição da versão nacional do programa na Grande São Paulo e um de seus picos de audiência, de 11.4 pontos no IBOPE, a mensagem veiculada atinge simultaneamente nada menos que 2,3 milhões de pessoas.

Helena Martins apresentou a plataforma e pontuou que vários modelos foram estudados para se chegar nesse resultado. “É uma ferramenta simples. Só é necessário registrar um e-mail para utilizar. Esperamos que, com a visibilidade ao tema e chamando a atenção da sociedade, das empresas e dos órgãos públicos, possamos ampliar o acesso à informação e contribuir para a redução progressiva das violações de direitos humanos”, afirmou.

Outra observação feita por Helena Martins é de que os programas muitas vezes excluem seus conteúdos para evitar penalizações. “Eles sabem que violam direitos e, por isso, muitas vezes é difícil recuperar o material. Queremos estimular que as pessoas gravem essas violações para ficar mais fácil na hora de comprovar a violação”.

Domingos Dresch, procurador regional da República e coordenador do grupo de trabalho Comunicação Social do Ministério Público Federal, reprovou a prática dos meios de comunicação ao não cumprirem a Constituição, ainda mais por operarem mediante concessão pública. “Há uma luta de resistência inconstitucional, ilegal, de se utilizar as concessões não para afirmar os valores constitucionais, mas para propagar o ódio de todas as formas e banalizar os direitos”, observou.

Dresch lembrou que a luta contra a violação dos direitos humanos na mídia vem de muitos anos, mas que, mesmo com as poucas vitórias obtidas, os ativistas têm se mantido na luta. “Lutamos por um marco regulatório e não conseguimos. Hoje se paga caro por isso. Lutar em defesa da Constituição Federal se tornou um ato subversivo”, lamentou.

Participaram ainda do lançamento da plataforma a presidenta do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Ivana Farina, e o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), Fábio Paes.
O mote da ferramenta
Os programas “policialescos” aumentam o ódio e a falta de empatia na sociedade. Desumanizam e objetificam pessoas que, não coincidentemente, são pobres, negras e jovens. Julgam, esquecendo que toda pessoa é inocente até que se prove o contrário. Expõem menores de idade, deixando de lado o Estatuto da Criança e do Adolescente. Expõem famílias, desrespeitando o direito à privacidade. Gritam “Atira, meu filho!”, num arroubo de desprezo pelo estado democrático de direito e pelo ordenamento jurídico do país. Esse tipo de programa e a naturalidade cada vez maior que concedemos às mais diversas violações de direitos nos transformam em uma sociedade pior, cruel e desumana.

A plataforma apresentada é de fácil acesso e mantém a relação sigilosa no processo de denúncias. É só entrar no link:http://midiasemviolacoes.com.br. Há seis categorias de violações que podem ser denunciadas.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Conselho de Comunicação do Congresso Nacional manifesta posição contrária à extinção do Conselho Consultivo da EBC

O Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional decidiu em reunião nesta segunda-feira (12) manifestar-se contrariamente à Medida Provisória 744/2016, que altera a direção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). A decisão foi tomada após debate acentuado, em votação apertada – cinco votos a quatro.

Segundo o conselheiro Celso Schröder, durante seminário realizado pelo CCS para discutir o papel da EBC, todos os presentes ressaltaram a importância do fortalecimento do caráter público da empresa. “O debate resultou em uma publicação com um conjunto de ações propostas com o intuito de fortalecer o sistema público, o que se dá por uma série de ferramentas e, nesse caso, também pela manutenção do Conselho Curador”, destacou.
De acordo com o presidente do conselho, Miguel Ângelo Cançado, as mudanças causaram desconforto na maioria dos integrantes do CCS, principalmente pela forma como foi realizada, por meio de medida provisória. A nota pode ser lida na íntegra aqui.

Intercom em defesa da EBC

Durante a reunião do Conselho de Comunicação Social, foi lida nota divulgada pela Intecom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – em repúdio às ameaças que a medida provisória impõe ao sistema público de comunicação, “em especial quanto às suas potencialidades de pluralismo, inclusão e participação social”. A nota reforça que a “extinção do Conselho Curador representa um retrocesso na construção de um sistema público em Comunicação, no que tange ao processo de construção de conhecimento e expertise na área.”

A Intercom reúne pesquisadores, professores universitários e profissionais do campo da Comunicação e áreas correlatas em atuação no país. Confira a nota aqui.

Seminário em outubro

No encontro do CCS do Congresso Nacional, também foi aprovada a realização de seminário no dia 10 de outubro, para tratar sobre os efeitos da crise econômica sobre a Comunicação Social. Para o conselheiro Nascimento Silva, o momento é de preocupação “com o desemprego e a eliminação de funções no setor de comunicação, especialmente entre radialistas”.

Por acordo dos conselheiros, o debate deverá ser ampliado também para outros temas, entre os quais tecnologia e conteúdos. Para Ronaldo Lemos, vice-presidente do CCS, o debate sobre a regulamentação da internet, por exemplo, deve envolver os setores privado, governamental, a comunidade científica e a sociedade civil.
Pautas adiadas
Foram adiadas para a próxima reunião do Conselho de Comunicação Social as apresentações dos relatórios sobre dois projetos de lei: um que trata de bloqueio de sites e aplicativos e outro (o PL 4.451/2008) que institui o Código Brasileiro de Telecomunicações, estabelecendo novas normas para as licitações de outorga de concessões e permissões de serviços de radiodifusão.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Crítica aos meios de comunicação marcou o Grito dos Excluídos 2016

O “Grito dos Excluídos”, tradicional manifestação dos movimentos sociais que tem seu ponto alto no dia 7 de Setembro, teve nesta quarta-feira como bandeiras principais de luta a crítica ao governo Michel Temer, a reivindicação de eleições diretas já e a denúncia da postura seletiva e tendenciosa dos grandes meios de comunicação na divulgação de informações e cobertura jornalística.

As manifestações do Grito dos Excluídos ocorrem no Brasil desde 1995 com o objetivo permanente de dar visibilidade e voz aos excluídos da sociedade, denunciar os mecanismos sociais de exclusão e propor caminhos alternativos para uma sociedade mais inclusiva e igualitária. Este ano, o Grito teve como lema “Este Sistema é Insuportável: Exclui, Degrada, Mata”, baseado em uma fala do Papa Francisco durante encontro de movimentos sociais realizado na Bolívia no ano passado. Em 2016, o ato ocorreu em 24 estados do país, com as manifestações sendo realizadas de forma autônoma e descentralizada.

Este ano, foi possível perceber a presença de várias pessoas que se incorporavam à mobilização pela primeira vez. A maioria delas manifestava estar insatisfeita com a atual conjuntura política no país, com o crescimento da violência policial e com a falta de democracia na mídia, além denunciar a criminalização crescente das comunidades mais carentes em diversos programas de TV.

Alessandra Miranda, que integra a coordenação colegiada da Cáritas Brasileira e a coordenação nacional do Gritodos Excluídos, enfatiza que é preciso continuar denunciando a postura da mídia nacional, comprometida ideologicamente com o poder econômico.

“Nos cartazes, nas palavras de ordem, é perceptível nas manifestações do Grito a preocupação em denunciar a participação das mídias no recente processo de impeachment. A mídia é um poder paralelo que ainda interfere negativamente na realidade de nosso país. O Grito dos Excluídos do ano passado, inclusive, tinha como lema a mídia: ‘Que país é esse que mata gente, que a mídia mente e nos consome?’. E um dos eixos de trabalho deste ano é justamente a mídia. Por tudo isso, os movimentos sociais entendem que é importante continuar este enfrentamento”, avalia Alessandra.

Em Brasília e no Rio de Janeiro, houve também manifestações em defesa da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que vem passando por restruturações e mudanças por conta de cortes no orçamento, principalmente após o governo federal contingenciar recursos que já estavam previstos na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) para este ano. Outra questão fundamental levantada por manifestantes no Grito foi a extinção do Conselho Curador da EBC, que era um espaço da sociedade civil que favorecia a construção de uma empresa pública com participação social e com uma programação que contemple a diversidade e a pluralidade presentes na sociedade brasileira.

O lema do Grito dos Excluídos de 2015, lembrado por Alessandra – “Que país é esse que mata gente, que a mídia mente e nos consome?” –, tratou sobre o direito à comunicação, definido a partir do diálogo entre os movimentos sociais e populares que se organizam para fazer frente ao avanço dos conservadorismos, de reformas neoliberais e de violações de direitos humanos no Brasil. Afinal, a luta por direitos travada pelo Grito passa diretamente pela democratização dos meios de comunicação.

Um ano após o Grito de 2015, temos informações suficientes para afirmar que a escolha do lema daquele ano se mostrou mais acertada do que nunca. A mídia foi uma grande influenciadora na disputa pelo imaginário social e dosrumos que a crise política tomou no Brasil nos últimos meses. Já vimos isso antes na história de nosso país, como na eleição de Fernando Collor de Mello para a Presidência da República em 1989, cuja campanha contou com a adesão explícita da TV Globo. Depois, a emissora participou ativamente, por meio de seus noticiários e cobertura, da retirada de Collor do poder. Mas também vimos na história brasileira o movimento contrário: o silêncio da mesma Globo diante do movimento pelas Diretas Já, que só ganhou o noticiário quando já tinha tomado completamente as ruas.

Embora o lema do Grito dos Excluídos de 2016 não cite diretamente os meios de comunicação, eles estão plenamente presentes na correlação de forças que sustentam o sistema de produção capitalista, que exclui pessoas da sociedade, degrada o meio ambiente e provoca miséria e morte. Portanto, a mídia é um tema cada vez mais atual e norteador para as lutas sociais e para a garantia de direitos. Quebrar as barreiras dos grandes meios estará cada vez mais na pauta das mobilizações sociais, como forma de garantir a visibilidade das populações excluídas da divisão da riqueza e do acesso a direitos no Brasil.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação