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Na sintonia do golpe: o papel da mídia na crise política

Em 2016, as gerações nascidas nas décadas de 1990 e 2000 defrontaram-se, talvez pela primeira vez de forma mais aberta, com a ação incisiva e determinada dos grandes conglomerados midiáticos, no sentido de moldarem, à sua imagem e semelhança, o sistema político do país.

Texto: Helena Martins | Colaboraram: Iara Moura, Mônica Mourão e Elizângela Araújo

O afastamento da presidenta Dilma Rousseff, por meio de um golpe que envolveu decididamente o Legislativo, o Judiciário e os meios de comunicação, trouxe à tona e exigiu que fosse incluída na agenda de debates da sociedade a problemática do papel da mídia para a construção – ou o desmonte – da democracia. Na memória de um país que não enfrentou abertamente a história da ditadura civil-militar (1964-1985), restavam quase apagados casos de como o escândalo Proconsult, uma tentativa de fraude, encobertada pela Rede Globo, que objetivava impossibilitar a vitória de Leonel Brizola, em 1982, ao governo do Rio de Janeiro. A apresentação pela emissora do maior comício das Diretas Já, em São Paulo, em 1984, como uma festa em comemoração ao aniversário da capital paulista, ou a determinante edição debate televisivo entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Melo, candidatos à Presidência da República em 1989, às vésperas da eleição, pareciam fatos datados e cuja repetição seria improvável no tempo presente, dada a possibilidade de circulação de narrativas diferentes daquelas apresentadas pelos oligopólios.

Muito embora a criminalização, o silenciamento e a distorção de fatos envolvendo movimentos sociais e outros grupos progressistas sejam uma constante na história do sistema de comunicação brasileiro, a sociedade acostumou-se a ver uma mídia complacente com o poder central e seu projeto, ao longo dos governos de Fernando Henrique Cardoso, nos anos 1990. No campo acadêmico, vimos o deslocamento do olhar sobre o poder dos conglomerados para as práticas de resistência e reelaboração de significados pelos receptores, bem como a difusão de entusiasmados estudos que decretaram o fim da comunicação massiva com o advento da internet.

No início dos anos 2000, após a eleição de Lula, apesar da ausência de enfrentamento do poder midiático por parte do governo, os oligopólios mudaram de postura. No contexto da Ação Penal 470, apelidada pela própria mídia como “mensalão”, em 2005, eles passaram ao que a professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, Liziane Guazina, afirma ser uma postura adversária aos políticos e à política, conforme demonstrou na tese de doutorado “Jornalismo em Busca da Credibilidade: a cobertura adversária do Jornal Nacional no Escândalo do Mensalão”. Professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Luís Felipe Miguel aponta que, a partir de então, houve “um processo de regressão da ação política da mídia brasileira”. Ele avalia que, do fim do período ditatorial até as eleições presidenciais de 2002, a grande imprensa parecia ter aprendido a conviver com o pluripartidarismo. Ela “parou de agir tão ostensivamente em favor de tal ou qual candidato e passou mais a exigir, de todos, compromissos básicos com certos interesses, o que se alinha às formas dominantes de intervenção política da mídia nas democracias liberais. Não é ausência de interferência, é uma interferência que se dá mais em termos de limitação do debate legítimo e menos como tentativa de induzir a opção eleitoral. Como o PT havia abandonado as partes de seu programa que podiam ser consideradas antissistêmicas, parecia possível uma acomodação dentro desse modelo”, explica.

A defesa aberta do golpe contra a democracia

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Manifestantes contrários ao impeachment da presidenta Dilma denunciam estratégia golpista da Rede Globo. Imagem: Mídia Ninja

No dia 13 de arço de 2016, o regresso tornou-se nítido. Se, em 1964, O Globo usou seu editorial do dia 2 de abril para proclamar que a nação vivia “dias gloriosos”, porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a

democracia, a lei e a ordem”, e saudou o golpe como um movimento não partidário, do qual participaram “todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais”, em 2016, foi a vez do Estado de S. Paulo usar o principal espaço de opinião do jornal para inflamar as milhares de pessoas que saíram às ruas, naquele dia de domingo, para protestar contra a presidenta Dilma Rousseff.

Após afirmar que “a maioria dos brasileiros, conforme atestam há tempos as pesquisas de opinião, exige que a petista Dilma Rousseff deixe a Presidência da República”, dispara: “a oportunidade de expressar concretamente essa demanda e, assim, impulsionar a máquina institucional responsável por destituí-la, conforme prevê a Constituição, será oferecida hoje, nas manifestações populares programadas Brasil afora. Chegou a hora de os brasileiros de bem, exaustos diante de uma presidente que não honra o cargo que ocupa e que hoje é o principal entrave para a recuperação nacional, dizerem em uma só voz, em alto e bom som: basta! Que as famílias indignadas com a crise moral representada por esse desgoverno não se deixem intimidar pelo rosnar da matilha de petistas e agregados, cujo único interesse na manutenção de Dilma na Presidência é preservar a boquinha à qual se habituaram desde que o PT chegou ao poder”[1].

Nos dois textos, há o apelo às famílias “indignadas com a crise moral”; o tom odioso com que trata o PT e a esquerda, em sentido amplo; a apresentação dos críticos à presidenta como não partidários e legítimos representantes da maioria dos brasileiros, além da adoção de uma postura convocatória por parte do jornal, justificada pela suposta defesa da democracia. Do mesmo modo, assim como no contexto do golpe de 1964, essa postura abertamente golpista foi combinada com a construção cotidiana de percepções sobre a crise política.

Na avaliação de Luís Felipe Miguel, “a mídia foi crucial para produzir o clima de opinião favorável ao golpe. Produziu-se uma narrativa manipulada e unilateral, de criminalização do governo, do PT e da esquerda em geral. Além disso, a mídia tem colaborado num processo mais de longo prazo, de desconstrução do discurso dos direitos e produção de uma representação do mundo social focada na competição e sem espaço para a solidariedade, isto é, de esvaziamento dos pressupostos da narrativa da esquerda”.

Se a construção da hegemonia depende, como detalhou o filósofo italiano Antonio Gramsci, da combinação entre coerção, portanto uso da força, e consenso, era – e tem sido – fundamental produzir sentidos comuns sobre os fatos e, inclusive, acerca das possíveis saídas que deveriam ser adotadas. Isso foi feito através de enquadramentos favoráveis aos protestos em defesa do impeachment; exclusão do contraditório da cobertura jornalística dos principais veículos de comunicação; repetição incessante de argumentos e outros mecanismos de manipulação.

Desequilíbrio: a gente vê por aqui

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Manchete de capa de O Globo no dia 14 de março de 2015. Imagem: site O Globo

Em março, mês decisivo para a definição dos rumos da crise política, diversas análises produzidas pelo Intervozes buscaram captar o posicionamento dos veículos vinculados

às grandes corporações, bem como a relação com as instituições que deveriam zelar pela democracia. Os textos mostram que, desde o início daquele mês, uma sucessão de episódios que revelaram a articulação íntima entre mídia e Judiciário foi, aos poucos, convencendo parte expressiva dos brasileiros a apoiar o impeachment de Dilma como uma solução final à crise política brasileira.

A edição especial do Jornal Nacional sobre a Operação Aletheia (fase da Lava Jato que culminou com a condução coercitiva do ex-presidente Lula) foi praticamente toda dedicada ao fato de, de relevância inegável. Os números, porém, mostram a ausência de equilíbrio. Nos primeiros quatro blocos do jornal do dia 4 de março, embora tenham sido veiculados 21 minutos de matérias sobre o tema, apenas 50 segundos foram ocupados com a posição da defesa. No segundo, novos 15 minutos de reportagens e apenas 20 segundos com a posição do ex-presidente e outros 20 segundos com fala de Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula. A defesa dos empresários envolvidos no caso foi lida pelos apresentadores na bancada, totalizando pouco mais de um minuto e meio. Na matéria sobre o tríplex do Guarujá, foram sete segundos para citar a nota do Instituto Lula em 2 minutos e 50 segundos de reportagem.

Lula falou a primeira vez quando já haviam se passado 40 minutos de jornal. Dilma entrou na sequência, com fala de 1 minuto e 15 segundos. Rui Falcão, presidente do Partido dos Trabalhadores, teve direito a 16 segundos. Na matéria sobre as repercussões no Congresso, a oposição ocupou 1 minuto, ao passo que o PT, 30 segundos. No vídeo, o repórter divulgou, por 2 minutos, informações de como a direita pretendia paralisar o Parlamento até o impeachment sair.

Quando promotores de São Paulo pediram a prisão preventiva de Lula, no dia 10, o Jornal Nacional apresentou os fatos sem citar as críticas feitas por juristas, especialistas e inúmeros membros do Ministério Público à peça jurídica. No sábado 12, o principal telejornal do país destinou sete minutos para negar o pedido de direito de resposta do Instituto Lula em relação à cobertura daquele fato. A emissora se disse “surpreendida” por ser chamada a cumprir uma lei em vigor no Brasil – que tem o objetivo, exatamente, de garantir o princípio constitucional do equilíbrio jornalístico e o direito de não ser ofendido nos meios de comunicação. Em vez de atender o pedido, veiculou editorial defendendo-se e reiterando as acusações. Invertendo a lógica das coisas, a empresa utilizou-se do discurso de defesa da liberdade de imprensa para seguir sua atuação autoritária, avessa à pluralidade de pensamento no país.

No dia 13 de março, quando foi registrado o maior número de protestos favoráveis ao impeachment, a Globo-News cobriu, por mais de 12 horas, as manifestações. Ao longo do dia, repórteres e comentaristas se revezaram para enaltecer os protestos, repetir à exaustão, a cada cidade noticiada, os motivos que já estavam claros para os telespectadores, e jogar sobre os atos um peso decisivo sobre o processo de mudanças no comando do governo federal. Duas frases sintetizam a narrativa hegemônica: “um desfecho com a Dilma não agrega… O Brasil está perdendo o bonde da história”, afirmou a jornalista Cristiana Lôbo. Já Renata Lo Prete asseverou: “podemos chegar ao final do dia sem a ideia de que o país está dividido”.

Na Globo, o tradicional filme das tardes de domingo foi suspenso para dar espaço à cobertura ao vivo do que se passava na Avenida Paulista, em São Paulo. “Agora há pouco a gente presenciou o momento mais emocionante das manifestações. A FIESP jogou balões verdes e amarelos contra o número de impostos que os brasileiros pagam. Foi um movimento muito forte, as pessoas aplaudiram, foi uma emoção aqui”, declarou um repórter. Outra jornalista não conteve o entusiasmo e arrematou: “está linda a festa”.

O mesmo enquadramento foi repetido no programa nobre do domingo, o Fantástico. Em trinta e cinco minutos de programa, coube ao PT apenas 45 segundos de fala; à secretaria de Comunicação da Presidência da República, 30 segundos; e, aos protestos pró-governo, que também haviam sido realizados, menos de 2,5 minutos. A reportagem de abertura do programa, que teve 17 minutos de giro nacional e internacional sobre os atos, não teve qualquer contraponto.

O bloco sobre as manifestações foi encerrado com mais de 6 minutos sobre novas táticas e descobertas da operação Lava Jato, selando um domingo nada plural – e triste – para o jornalismo brasileiro. Nos dias seguintes, vazamento de conversas envolvendo Lula e, inclusive, a presidenta da República, que bem poderiam ser compreendidas como ataques à Segurança Nacional, ganharam destaque. Os apresentadores do JN, William Bonner e Renata Vasconcelos, chegaram a protagonizar uma vergonhosa leitura teatral das conversas – grampos ilegais que tiveram o sigilo derrubado pelo juiz Sérgio Moro. Buscando ocultar a parcialidade, o jornal apresentou respostas de Dilma, bem como protestos contrários ao afastamento – além, claro, daqueles favoráveis que se multiplicaram enquanto o JN ainda estava no ar.

Postura diversa foi adotada na cobertura dos atos em defesa da democracia, com destaque para aqueles realizados no dia 18 de março. Repetidos à exaustão, os números inferiores destes protestos em relação aos marcados pelo verde e amarelo passado foram também um elemento central para deslegitimá-los. Reiterando o argumento, o Jornal Nacional apresentou, no dia seguinte, uma reportagem somente sobre o comparativo das presenças. Outras duas diferenças foram notórias: a menor intensidade da cobertura e a presença do contraditório. A frase de Eliane Catanhede dispensa grandes explicações:

“a manifestação de hoje mostra que quem está indo pra rua é a militância. Não é o conjunto do povo brasileiro”, disse a comentarista. Assim, a Globo buscou levar o telespectador a não se enxergar naquelas pessoas “de vermelho” e “petistas”, como tantas vezes foram tachadas, numa ocultação de toda a diversidade de posicionamentos políticos de pessoas e grupos que denunciaram o golpe.

Capas do O Globo não deixam dúvidas acerca dessa estratégia. “Brasil vai às ruas contra Dilma e Lula e a favor de Moro”, estampou o periódico no dia 13 de março. “Aliados de Dilma e Lula fazem manifestação em todos os estados”, resumiu no dia 18.

Os casos deixaram nítida a midiatização da política e das ações do próprio Judiciário, bem como as estratégias de manipulação adotadas pela Globo, no que foi seguida por boa parte da imprensa brasileira. A seletividade das acusações, especialmente das denúncias de corrupção; a confirmação da relevância de determinados fatos e posicionamentos, aos quais foi atribuído caráter nacional; a utilização de números e imagens que conferiam legitimidade à argumentação e a fixação de argumentos por meio da repetição e da eliminação do contraditório foram os elementos da estratégia. Para não correr riscos, a Globo, especialmente, valeu-se de falas editorializadas ao longo de toda a cobertura, ao passo que a emissora praticamente dispensou a presença de comentaristas externos. A opinião pública era, afinal, a opinião dos próprios jornalistas do grupo.

Diante desse quadro e garantido o enraizamento social de tal posicionamento, não foi preciso abusar da inteligência dos analistas de mídia durante a cobertura da aprovação do afastamento, acompanhada, ao vivo, em todo o Brasil. Registros dos atos e de declarações de deputados foram abundantes. Não se viu, contudo, apuração, investigação, contextualização e problematização do processo em curso. Os argumentos que embasam o pedido de impeachment não foram apresentados, muito menos os de sua defesa. Nenhum convidado externo – nem mesmo um “especialista” alinhado ao posicionamento da Globo – foi convidado a discutir a situação do país. A postura motivou diversas críticas por parte da imprensa internacional, que denunciou o papel de políticos como Eduardo Cunha em todo o processo, as fragilidades jurídicas e mesmo os riscos à democracia. A crítica também foi direcionada aos conglomerados midiáticos. A tentativa de imprimir outras leituras à crise política e de denunciar as artimanhas que levariam ao impeachment coube aos veículos alternativos e também às emissoras públicas, em especial à TV Brasil. Também, por isso, apontam jornalistas da casa, a empresa sofreu forte retaliação logo que Temer assumiu.

Quando do episódio de demissão do diretor-presidente da EBC, o Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos, Edson Lanza, destacou que “o desenvolvimento de um sistema de meios de comunicação público em nível nacional, com garantias de independência em sua gestão e mecanismos de participação para a sociedade civil constitui um esforço positivo para a promoção do pluralismo de vozes nos meios de comunicação do Brasil”.

Os fundamentos da ataque da mídia à democracia

Pesquisador da relação entre mídia e democracia, o professor aposentado da UnB, Venício Lima, critica a postura adotada pela grande mídia no contexto da atual crise política. Para ele, ela expressa “continuidades históricas no comportamento da mídia que são fundamentalmente antidemocráticas e que são construtoras de uma cultura política que acaba sendo a cultura política dominante, independente de, por exemplo, uma nova geração que não necessariamente se utiliza de uma velha mídia”.

A partir da leitura de diversos estudos sobre o tema, Lima aponta três elementos-chave desse comportamento dos meios de comunicação. O primeiro é a adoção de um conceito de opinião pública “publicista”. Exemplificando o termo a partir da ação da mídia contra o presidente João Goulart, ele explica que os meios “assumiam que o papel da mídia era um papel de formação da opinião pública, mas ao mesmo tempo era um papel de representação e expressão dessa opinião pública”, o que era feito também com a desqualificação de outras instituições, como partidos, sindicatos e o próprio Congresso.

Em sentido semelhante, outra continuidade que pode ser percebida é a construção de um discurso adversário em relação à democracia, que é expresso na crítica permanente à política e aos políticos. Um olhar sobre as consequências dessa argumentação, para o professor, pode ajudar a explicar a eleição de candidatos que se apresentam como “apolíticos” nas eleições deste ano.

O perfil conservador desses políticos pode estar associado ao terceiro elemento destacado por Lima: o fato de a grande mídia ter adotado o discurso da vulgata neoliberal e, obviamente, refratário à esquerda. “Se você analisar o conjunto de palavras que fazem parte de um léxico neoliberal que vão sendo introduzidas no cotidiano das

pessoas, e como a mídia passou a criar uma linguagem pública usando esse léxico, é impressionante. E, no contexto dessa vulgata neoliberal, há também uma linguagem que favorece a intolerância e o ódio”, opina.

A cobertura oficialesca das medidas de Temer

O programa neoliberal adotado sem mediações por Michel Temer encontra na mídia um grande aliado. Medidas como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que propõe o congelamento dos gastos públicos por vinte anos, ou a Reforma da Previdência têm sido apresentadas como ações imprescindíveis para que o país obtenha melhoras em seus índices econômicos. O discurso sobre a PEC, repetido à exaustão, buscava simplificar o problema e ocultar propostas concretas de saídas para a crise que não apenem os trabalhadores, como a auditoria da dívida pública e a taxação das grandes fortunas. No dia 30 de novembro, data da votação da Proposta no Senado, milhares de pessoas de todo o país foram a Brasília protestar contra a aprovação da medida que é considerada como um marco do fim do pacto constitucional firmado em 1988. O objetivo delas era chamar a atenção da sociedade e pressionar os parlamentares. Não obstante, a agenda midiática foi alterada devido ao acidente aéreo que vitimou 71 pessoas na Colômbia, a maior parte formada por integrantes do clube Chapecoense e profissionais da imprensa.

A tragédia ocupou todos os noticiários, de forma praticamente ininterrupta e sensacionalista. Enquanto os movimentos protestavam na Esplanada dos Ministérios, às casas de milhares de pessoas não chegavam informações sobre o que ocorria em Brasília. O silêncio fora rompido apenas quando o conflito já estava instaurado no local. Então, era útil à imprensa defensora da PEC apontar os atos de “vandalismo” – sem criticar, claro, a violência policial. Na madrugada, a Câmara dos Deputados também aproveitou o envolvimento dos brasileiros com a tragédia para alterar e votar o pacote de medidas contra a corrupção. Nos dias que se seguiram, enquanto a PEC não ganhava destaque em jornais como o Bom Dia Brasil e o Jornal Nacional, duas das principais fontes de informação de milhares de pessoas, a cobertura sobre o Chapecoense dava lugar apenas à discussão sobre as medidas de combate à corrupção.

Nos dias seguintes, as políticas propostas pelo governo Temer continuaram a ter o apoio da grande mídia, mas o discurso em relação ao presidente ganhou inflexões. Após oanúncio do acordo firmado pela cúpula da Odebrecht com o Ministério Público Federal (MPF), reportagens críticas passaram a ser mais recorrentes. No dia 9 de dezembro, o Jornal Nacional revelou o acordo de Cláudio Melo Filho, ex-diretor da empreiteira. Na abertura, citou o nome de Temer após destacar os de vários políticos da cúpula do governo. Na sequência, foi feito o anúncio de denúncia contra o ex-presidente Lula e seu filho e, em seguida, da redução da inflação – “a menor do mês de novembro em 18 anos”. A primeira notícia do jornal foi exatamente sobre a pauta positiva do dia: a redução da inflação. A segunda tratou da prisão do prefeito de Embu das Artes, na Grande São Paulo. A terceira, da identificação de suspeitos de matar um turista italiano, no Rio de Janeiro. A quarta, do anúncio do novo técnico da Chapecoense. Uma matéria sobre a situação dos sobreviventes do acidente foi apresentada na sequência.

Do acidente, o JN passou a um tema internacional, o relatório do Unicef sobre crianças que vivem em áreas de conflito ou são afetadas por desastres naturais. No segundo bloco, ganhou espaço a reforma da previdência, tema de duas reportagens seguidas. Até mesmo a previsão do tempo já havia sido anunciada quando, aos 25 minutos e 30 segundos, foi ao ar a matéria sobre a delação.

O destaque dado foi à denúncia contra Geraldo Alckmin. Embora o nome de Temer tenha sido pronunciado nas chamadas do jornal, inclusive na escalada, o caso envolvendo o presidente só foi detalhado aos 43 minutos e 10 segundos, por meio de link com um jornalista posicionado em Brasília. Isso é, não precisou de edição ou algo mais complexo do ponto de vista técnico. O texto passou longe de ser personalista. O nome de Temer foi apresentado em meio a muitos outros. E mais. Foi um dos últimos a ser citado. A “atuação indireta” de Temer, que teria pedido doações pessoalmente em uma ocasião, foi explicitada. No dia 10, o depoimento dele veio à tona. Na lista de 51 políticos, o próprio Temer – citado 43 vezes na delação premiada. O tom adversário verificado em momentos anteriores, contudo, não foi reprisado.

Na longa chamada inicial do Jornal Nacional, o nome do presidente sequer foi citado. A matéria sobre o capítulo dedicado por Cláudio Melo Filho a Temer começou assim: “as delações da Lava Jato, que já tinham atingido em cheio o grupo político do PT, e que ainda podem atingir mais nas próximas revelações, voltam-se agora contra para o núcleo do PMDB e políticos do PSDB”. O nome de Temer é citado quando a reportagem alcança o primeiro minuto. Destaca trecho da delação em que o empresário diz que Temer atuava de “maneira muito mais indireta”. O tratamento da denúncia de pedido de R$ 10 milhões foi bastante sutil, sobretudo se compararmos com a postura adotada em delações que envolveram Dilma Rousseff. No Jornal das 10, na Globo News, o tradicionalmente ácido Merval Pereira teve que fazer uma ginástica argumentativa para criticar o vazamento das delações. Merval chegou a concordar com a postura da Procuradoria- Geral da República, que decidiu abrir investigação para apurar o vazamento do conteúdo de delações.

A fragilidade do governo abriu espaço para a disputa entre setores da burguesia, que se reflete também no comportamento da mídia. Os jornais impressos deram destaque ao envolvimento do atual presidente, inclusive O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo, que deram exclusividade, na chamada principal, à referência a Temer. A disputa pela ocupação do poder dependerá do resultado da pressão popular diante das novas denúncias e do avanço das propostas conservadoras, como a PEC 55 e a reforma da previdência. Este capítulo da história está aberto. E a posição da mídia, mais uma vez, poderá ser definidora. Conforme visto, embora os canais privados resguardassem entre si algumas divergências editoriais e formais, a narrativa geral que culminou no estabelecimento do impeachment de Dilma e com a chegada ao poder de Temer seguiu um caminho coerente e uníssono em seu objetivo geral. O governo Temer encontra na grande mídia uma aliada no que diz respeito ao apoio às medidas neoliberais mais polêmicas.

A falta de pluralidade de opiniões remonta à própria estrutura que organiza os meios de comunicação no Brasil regidos por uma lógica estritamente comercial. Além disso, a posse dos canais de rádio e TV por grupos religiosos e/ou políticos, conforme veremos, também garante a ressonância de um discurso hegemônico condizente com os interesses das elites políticas nacionais.

[1] Fonte: opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,chegou-a-hora-de-dizer-basta,10000020896

Raio X da ilegalidade: políticos donos da mídia no Brasil

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Alvos de ação do MPF, parlamentares donos de emissoras de rádio e TV são um símbolo da fragilidade da democracia brasileira e do conservadorismo político.

Texto: Iara Moura | Colaboraram: Mônica Mourão, Raquel Dantas e Yuri Leonardo

Segundo informações do Sistema de Acompanhamento de Controle Societário – Siacco, da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), 32 deputados e oito senadores são proprietários, sócios ou associados de canais de rádio e TV. Têm, assim, espaço privilegiado de disputa pelo voto antes mesmo do período de campanha determinado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os 40 parlamentares são alvo de uma ação no Supremo Tribunal Federal que questiona a constitucionalidade da participação de políticos titulares de mandato eletivo como sócios de empresas de radiodifusão e pede medida liminar para evitar a ocorrência de novos casos.

Na mira da justiça

Buscando combater a concentração de emissoras nas mãos de políticos, o Partido Socialismo e Liberdade (Psol) com o apoio do Intervozes protocolou, em dezembro de 2015, uma Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 379) no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em novembro do mesmo ano, uma articulação de entidades da sociedade civil e institutos de pesquisa entregou ao MPF representação denunciando os políticos que foram em seguida listados na ADPF. A representação traz nomes famosos como o do senador Fernando Collor e dos deputados Sarney Filho (PV-MA), Elcione Barbalho (PMDB-PA) – ex-mulher de Jader Barbalho, Rodrigo de Castro (PSDB-MG) e Rubens Bueno (PPS-PR) – líder do partido na Câmara. O próprio MPF de São Paulo já havia protocolado poucos dias antes ação contra veículos de radiodifusão ligados aos deputados paulistas Antônio Bulhões (PRB), Beto Mansur (PRB) e Baleia Rossi (PMDB).

Para o procurador geral da República Rodrigo Janot, a posse de canais de rádio e TV por políticos fere a liberdade de expressão e o princípio de isonomia, segundo o qual os candidatos e partidos devem ter igualdade de chances na corrida eleitoral. Ao emitir parecer favorável à ADPF 379, em agosto último, Janot argumentou que “a dinâmica social produz normalmente desigualdades – há, de fato, aqueles com maior poder econômico ou que detêm, na órbita privada ou na pública, função, cargo ou emprego que lhes confere maior poder de influência no processo eleitoral e político”. Porém, de acordo com ele, “não deve o próprio Estado criar ou fomentar tais desigualdades, ao favorecer determinados partidos ou políticos por meio da outorga de concessões, permissões e autorizações de serviço público, em especial de um relevante como a radiodifusão”. Segundo defendem alguns órgãos do Judiciário, pesquisadores e entidades do campo do direito à comunicação, a prática contraria o disposto no artigo 54 da Constituição Federal, segundo o qual deputados e senadores, a partir do momento em que são diplomados, não podem “firmar ou manter contrato” ou “aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado” em empresa concessionária de serviço público. A primeira linha do artigo seguinte da Constituição, de número 55, diz: “Perderá o mandato o deputado ou senador que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior”.

O próprio STF, no julgamento da Ação Penal 530, confirmou que os artigos 54, I, “a” e 54, II, “a” da Constituição contêm uma proibição clara que impede deputados e senadores de serem sócios de pessoas jurídicas titulares de concessão, permissão ou autorização de radiodifusão. Para o Ministro Luís Roberto Barroso, o objetivo desta proibição foi prevenir a reunião entre “poder político e controle sobre veículos de comunicação de massa, com os riscos decorrentes do abuso”. Segundo a Ministra Rosa Weber, “a proibição específica de que parlamentares detenham o controle sobre empresas de radiodifusão” visou evitar o “risco de que o veículo de comunicação, ao invés de servir para o livre debate e informação, fosse utilizado apenas em benefício do parlamentar, deturpando a esfera do discurso público”. A mesma ministra rejeitou, em novembro último, o pedido de liminar impetrado por Michel Temer por meio da Advocacia Geral da União, que pedia a suspensão de processos que contestam as concessões de rádios e TVs em nome de deputados e senadores.

Uma prática antiga

Segundo a pesquisadora e professora da UFRJ Suzy dos Santos, o fenômeno de políticos radiodifusores, chamado de “coronelismo eletrônico”, é antigo. Desde o processo de redemocratização, os governos eleitos mostraram-se não apenas tolerantes, mas protagonistas da prática de distribuição de canais de rádio e TV entre aliados políticos. “Demonstramos através de documentos históricos, correspondências, eportagens, a instrumentalização das concessões de rádio e televisão desde o período Vargas até os dias atuais. Você verifica claramente que desde os tempos do PSD, os partidos governistas sempre se mantiveram como os partidos dos políticos donos de radiodifusão”, explica.

No período de 1985-1988, foi ampla a distribuição de outorgas de radiodifusão a parlamentares constituintes. Segundo o pesquisador César Bolaño, “durante o governo do presidente José Sarney, as concessões foram ostensivamente usadas como moeda política, dando origem a um dos processos mais antidemocráticos do processo constituinte. Em troca de votos favoráveis ao mandato de cinco anos para presidente, foram negociadas 418 novas concessões de rádio e televisão. Com isso, cerca de 40% de todas as concessões feitas até o final de 1993 estavam nas mãos de prefeitos, overnadores e ex-parlamentares ou seus parentes e sócios”.

Ao longo dos anos, a prática ficou mais sutil, mas não foi abandonada. O governo de Fernando Henrique Cardoso distribuiu pelo menos 23 outorgas para políticos, enquanto o governo de Luiz Inácio Lula da Silva concedeu, até agosto de 2006, pelo menos sete canais de TV e 27 outorgas de rádio a fundações ligadas a políticos. Entre os anos de 2007 a 2010, 68 congressistas eram ligados a pessoas jurídicas concessionárias de radiodifusão, enquanto no período de 2011 a 2014, 52 deputados federais e 18 senadores eram sócios ou associados de concessionária.

Em relação à legislatura atual (2015-2019), o projeto “Excelências”, vinculado a Transparência Brasil, revela que 43 deputados são concessionários de serviços de rádio ou TV, totalizando 8,4% dos membros da Câmara dos Deputados. Por sua vez, o Senado Federal é proporcionalmente ainda mais marcado por este fenômeno, já que 19 senadores são concessionários, atingindo a marca de 23,5% dos membros da casa. Ou seja, de 594 parlamentares eleitos, 63 são outorgados de meios de comunicação, atingindo a marca de mais de 10% do Congresso Nacional. “No caso de alguns estados como o Rio Grande do Norte, Roraima ou Santa Catarina, a propriedade de canais de rádio e TV por políticos ultrapassa 50% do total”, denuncia Suzy.

Os números apresentados pelo projeto “Excelências” revelam que, para além da vinculação juridicamente registrada de políticos com os serviços de radiodifusão, existem ainda os casos em que os parlamentares mantêm influência a partir de “laranjas” ou parentes no quadro societário dos veículos. É o caso do senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE), que tem sua esposa Mônica Paes de Andrade Lopes de Oliveira, o irmão Edilson Lopes de Oliveira e o seu correligionário Gaudêncio Lucena como sócios proprietários da Rádio Tempo FM, em Juazeiro do Norte.

A situação de domínio político sobre os meios de comunicação expõe um grave conflito de interesses, uma vez que o próprio Congresso Nacional é responsável pela apreciação dos atos de outorga e renovação de concessões e permissões de radiodifusão. Segundo explica Camila Marques, advogada da Artigo 19, “a posse dos meios de radiodifusão por políticos afeta a isonomia, o pluralismo e o interesse público porque o sistema brasileiro de regulação de radiodifusão não prevê um regulador independente para deliberar sobre a distribuição do espectro eletromagnético e, por isso, essa deliberação é realizada por um procedimento licitatório em que os parlamentares do Congresso Nacional ocupam um papel central na análise das outorgas realizadas pelo poder executivo”, analisa.

Um dos episódios emblemáticos desta situação foi a aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados de 38 concessões de radiodifusão e a renovação de outras 65 em apenas três minutos e com apenas um deputado presente no plenário, em 2011. Além disso, há ocasiões em que os parlamentares votam na aprovação das próprias outorgas ou renovações.

Segundo apuração da Folha de S. Paulo, dos 40 congressistas que constam como sócios de rádios ou TVs, sete creem que a legislação permite esse tipo de participação, desde que eles não exerçam funções administrativas nas emissoras. Essa opinião foi manifestada por Baleia Rossi (PMDB-SP), Fernando Collor (PTB-AL), Gonzaga Patriota (PSB-PE), João Henrique Caldas (SD-AL), João Rodrigues (PSD-SC), Ricardo Barros (PR-PR) e Victor Mendes (PV-MA).

Em manifestação encaminhada em maio de 2015 ao Supremo Tribunal Federal, a Advocacia Geral da União (AGU) endossa a tese de que a situação não infringe o disposto na Constituição. O órgão pronunciou-se pela rejeição da ADPF 379, argumentando que “não se pode aferir diretamente desse fato a manipulação da opinião pública, conforme pretende fazer crer o autor”, pois “os preceitos constitucionais invocados estão plenamente assegurados pelo próprio ordenamento jurídico, especificamente pelo Código Eleitoral (Lei n° 4.737/65), que regula a propaganda eleitoral e impede a manipulação de informações e o controle da opinião pública por meio de empresas de radiodifusão”.

Casos de família

Alô, pai / Meu filho, esse negócio que eu li hoje do filho do Aderson Lago, esse sujeito foi muito cruel com a gente, com todos nós, com Roseana (Sarney), comigo. Escreveu aquele artigo outro dia me insultando de uma maneira brutal, vamos botar isso na televisão / (…) O cara já está aqui, da Globo, desde segunda-feira e estamos trabalhando

nisso, tá? / Falou com ele isso? / Falei, falei com ele. Falei com ele, mostrei tudo. Vai dar, vai dar certo (…) / Esse foi um assunto que eu peguei desde o começo, consegui, passei pro Sérgio, tô passando pro jornal pouco a pouco (…).

O diálogo transcrito acima [ouça aqui] ocorreu em 2009 entre o senador José Sarney e seu filho, Fernando Sarney, deputado federal, proprietário do Sistema Mirante (formado pela Rádio Litoral Maranhense, Rádio Mirante e pela TV Mirante). A escuta feita pela Polícia Federal foi amplamente divulgada pela imprensa e demonstra a interferência de interesses políticos na linha editorial dos canais de rádio e TV. Na ocasião, o senador José Sarney solicitou a seu filho a utilização da emissora de radiodifusão que possui em São Luís do Maranhão, a TV Mirante, afiliada da Rede Globo, para a veiculação de denúncias contra seus rivais do grupo do ex-governador Jackson Lago.

São muitos os causos do clã dos Sarney quanto à utilização das redes de rádio e TV para beneficiar os negócios da família. Na eleição de 1994 para eleger o governador do Maranhão, o candidato Cafeteira era o principal adversário de Roseana Sarney. Roseana liderava por apenas 1% de diferença nas intenções de voto quando, no início do segundo turno, os jornais e a TV da família começaram a divulgar que Cafeteira havia mandado matar o adversário José Raimundo dos Reis Pacheco. Faltando dois dias para o encerramento da campanha, a equipe de Cafeteira localizou José Raimundo e gravou entrevista com ele para exibir no último programa eleitoral gratuito. Naquela noite, a imagem da tevê desapareceu misteriosamente em todo o interior maranhense. Só a capital são Luís, onde vivia 1/3 do eleitorado testemunhou a imagem do homem dado como morto, atestando, ele mesmo, que o boato de assassinato era falso. O caso foi contado pelo jornalista Palmério Dória no livro “Honoráveis bandidos”, lançado em 2009.

Episódios parecidos se multiplicam Brasil afora. O ex-senador, governador da Bahia por três mandatos (dois dos quais como governador biônico indicado pelo governo militar) e ministro das comunicações do governo de José Sarney, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) é alvo de uma longa lista de reclamações contra a utilização política do seu grupo de comunicação. Além da Construtora OAS, comandada pelo seu genro Cesar Mata Pires, seu filho, Antônio Carlos Magalhães Júnior, é presidente da Rede Bahia, que engloba diversas empresas do estado, principalmente de comunicação. São elas: 88.7 Bahia FM,102,1 FM Sul (rádio FM em Itabuna), Correio da Bahia (jornal impresso) teve o nome reformulado para “Correio”, Globo FM (Rádio FM em Salvador), TV Bahia (afiliada da Rede Globo em Salvador e região), TV São Francisco (afiliada da Rede Globo em Juazeiro e região), TV Oeste (afiliada da Rede Globo em Barreiras e região), TV Santa Cruz (afiliada da Rede Globo em Itabuna e região), TV Subaé (afiliada da Rede Globo em Feira de Santana e região), TV Sudoeste (afiliada da Rede Globo em Vitória da Conquista e região), TV Salvador (canal fechado, transmitido em UHF ou por assinatura). Somente no ano de 1993, seu primeiro ano de mandato, a assessoria de comunicação da ex-prefeita de Salvador Lídice da Mata (PSDB) contabilizou a veiculação de 600 matérias contra a sua administração pela TV Bahia, repetidora da Globo, de propriedade da família Magalhães.

No ar, bancada BBB: boi, bala e bíblia

Suzy dos Santos, professora da UFRJ e coordenadora do projeto “Coronelismo eletrônico: as concessões na história política nacional”, explica que a posse direta ou indireta de canais de rádio e TV por políticos produz uma enorme deformidade no regime democrático e guarda semelhanças com formas de poder plutocrático característico da República Velha ou Primeira República (1889-1930), quando o capital político centrava-se em figuras autoritárias que mantinham com seu eleitorado uma relação dúbia de troca de favores, exploração e repressão. No Brasil rural, o poder político está ligado à posse de terras e à exploração da mão de obra campesina em grandes latifúndios. A palavra “coronel” refere-se à patente militar não apenas porque alguns destes políticos a detinha, mas porque, fardados ou não, faziam uso da violência para manter o controle político e perseguir não-aliados. Passados quase 90 anos, o cenário, hoje em dia, não é muito diferente.

Entre os 32 deputados concessionários de rádio e TV listados na ADPF 379, 18 são grandes proprietários de terra ou pecuaristas, compondo a chamada bancada ruralista, que defende no Congresso os interesses do agronegócio; nove são ligados à bancada evangélica; três estão nas duas bancadas. Além disso, dois deputados do conjunto integram também a chamada bancada da bala. No caso dos senadores, figuram na ação os nomes de Aécio Neves (PSDB-MG), Edison Lobão (PMDB-MA), Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Agripino Maia (DEM-RN), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Jader Barbalho (PMDB-PA), Acir Gurcacz (PDT-RO) e Roberto Coelho Rocha (PSDB-MA), cujo filho é atualmente candidato à vice prefeitura de São Luís. Este último também compõe a bancada ruralista. Os sete demais são alvo de alguma investigação, segundo levantamento da Agência Pública.

Os nomes de destaque na política nacional, entre eles o de Aécio Neves, candidato à presidência derrotado no último pleito, demonstram que o coronelismo eletrônico, diferente do que se possa pensar, não é um fenômeno restrito à zona rural ou às regiões mais pobres do País, mas é generalizado e atinge também os grandes centros urbanos.

Na grande São Paulo, após ações civis públicas movidas pelo MPF e pelo Intervozes, em iniciativa oriunda do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac), o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) determinou, em abril deste ano, o cancelamento das concessões de cinco emissoras de rádio que têm como sócios proprietários os deputados federais Baleia Rossi (PMDB-SP) e Beto Mansur (PRB). A medida atende ao pedido do Ministério Público Federal que, por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), em São Paulo, ajuizou ações civis públicas contra os parlamentares em novembro de 2015. Alguns meses depois, porém, a liminar que determinava a retirada do ar da Rádio Cultura FM, e Rádio Cultura São Vicente, de propriedade de Beto Mansur, foi suspensa.

Mais recentemente, em agosto deste ano, também por meio de liminar, foi determinada a interrupção das transmissões da Rádio Metropolitana Santista Ltda (1.240MHz) de propriedade de Antônio Carlos Bulhões (PRB-SP).

Com as decisões, está suspensa a execução dos serviços de radiodifusão da Rádio Show de Igarapava LTDA, Rádio Metropolitana Santista e da Rádio AM Show LTDA, que contam com a participação de Baleia Rossi e Antônio Carlos Bulhões em seus quadros societários. O caso da Rádio Cultura FM em Santos é emblemático, uma vez que além da questão da posse por parlamentar, a emissora havia anunciado a mudança total da programação, arrendada para a Igreja Universal do Reino de Deus em setembro de 2015. A legislação de radiodifusão estabelece que a quantidade máxima de programação que pode ser comercializada pelo controlador da outorga é 25% do tempo total.

“O arrendamento de emissoras de radiodifusão caracteriza comercialização ilícita de outorgas públicas”, explica Bráulio Araújo, advogado, integrante do Coletivo Intervozes e um dos autores das ações contra os parlamentares radiodifusores. As Redes TV, 21 e CNT são as campeãs em arrendamento no país, segundo levantamento feito em 2014, comercializando respectivamente 49% e 91% de seus tempos de programação. Em junho deste ano, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei (PL) 2088/15, que permite a transferência de 50% das cotas ou ações representativas do capital de radiodifusão já no primeiro ano de vigência da outorga, e a transferência integral das cotas ou ações apos esse período, alterando a regra atual do Decreto 52.795/1963, que só permite a transferência de outorgas cinco anos após a expedição do certificado de licença para funcionamento (art. 90).

De acordo com a proposta da deputada Renata Abreu (PTN-SP), caso o poder executivo não se manifeste no prazo de 90 dias, a emissora estará tacitamente autorizada a proceder à transferência requerida. O projeto é muito permissivo por reduzir o prazo necessário para a efetivação das transferências e por prever de anuência tácita, caso o Poder Executivo não se manifeste em 90 dias. Segundo Bráulio Araújo, a transferência direta e indireta de outorgas de radiodifusão é inconstitucional pois descumpre a exigência constitucional de prévia licitação, ensejando a negociação de outorgas públicas por particulares e o controle de concessões por terceiros que não participaram do processo de licitação.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2946, a Procuradoria Geral da República questiona um dispositivo análogo da lei de concessões de serviços públicos (lei 8.987/1995), que autoriza a transferência de outorgas. Na ação, a PGR afirma que a autorização legal à transferência direta e indireta de concessões faz com que “a fraude ao sistema da licitação pública atinja raias de literal imoralidade”, vez que permite “a uma determinada empresa especializar-se em ‘vencer concorrências públicas’, repassando- as, em seguida, para empresas realmente interessadas no serviço”.

De pai para filho, de amigo para amigo

A Rádio Cultura AM foi inaugurada inicialmente em São Vicente, em 17 de outubro de 1946 e depois transferida para Santos. A emissora foi fundada por Paulo Salim e Jorge Mansur. Em 1958, o então diretor, Paulo Jorge Mansur, desdobrou a emissora em duas rádios – Rádio Cultura S. Vicente AM e Rádio Cultura de Santos FM –, ambas pertencentes à Sociedade Rádio Cultura São Vicente LTDA.

A rádio foi a segunda emissora do Brasil a entrar no ar e, desde então, cumpre papel político central nas disputas locais. O fundador da rádio, Jorge Mansur, acumulou popularidade ao apresentar o programa “A voz do povo” e foi eleito deputado por três mandatos. A partir de 1964, a Sociedade Cultura de São Vicente LTDA passou a ser constituída por Paulo Roberto Mansur, Gilberto Mansur e Maria Gomes Mansur, filhos de Paulo Jorge Mansur, que se desligou juridicamente, por motivos políticos. Seu filho Paulo Roberto Mansur (Beto Mansur), foi eleito – primeiramente vereador (1989), depois deputado federal (1991), prefeito (1996) e reeleito em 2000 – através da utilização do veículo rádio. A família ampliou seus negócios também para a televisão. Em 2001, os Mansur venceram a concorrência pública do canal 46 de Santos.

O poderio da família Mansur não se esgota nos negócios de mídia. Beto Mansur é empresário e latifundiário. No caso do deputado, a versão moderna do coronel tem raízes arcaicas com a exploração monocultora, a utilização de mão-de-obra análoga ao trabalho escravo e ainda a exploração do trabalho infantil. Em 2014, o deputado foi condenado pelo Tribunal Superior do Trabalho. Em nota publicada à época, Mansur negou as acusações e argumentou que a legislação brasileira é vaga na determinação do que é ou não trabalho escravo, o que acaba “prejudicando enormemente os produtores rurais”. Para livrar-se do questionamento do MPF sobre a posse das rádios, Mansur doou sua participação indireta nas empresas de radiodifusão para seus filhos e esposa.

Baleia Rossi vendeu a sua participação em uma das rádios para um de seus irmãos. A outra rádio, ele alega que foi vendida há alguns anos. Essas medidas estão sendo questionadas pelo MPF no âmbito das ações civis públicas.

O também deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) utilizou-se de expediente parecido para se defender ao ser investigado pelo MPF por não declarar à Justiça Eleitoral, nas últimas três eleições, ser sócio da rádio Satélite, em Pernambuco. Cunha comprou a rádio em 2005 e segundo afirmou em defesa, vendeu a emissora em 2007. O problema é que o Ministério das Comunicações, onde os registros das rádios são feitos, não homologou a transferência. Cunha afirma que as transações de compra e venda foram declaradas em seu imposto de renda. Atualmente a rádio é explorada pelo pastor R.R. Soares. A representação contra Eduardo Cunha segue em averiguação pelo Ministério Público Federal no Rio de Janeiro.

Na sintonia do golpe

Os políticos na mira do MPF tiveram participação ativa no processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Roussef. Dos oito senadores radiodifusores, sete votaram a favor do impeachment e um se ausentou da votação. Dos 32 deputados federais, 23 foram a favor, oito contra e um faltou à sessão. O deputado federal Beto Mansur foi um dos principais articuladores do impeachment de Dilma na Câmara dos Deputados. Papel também crucial teve o senador Aécio Neves. Os golpistas estão muito ligados ao poder midiático. Para se ter uma ideia, no quadro atual do governo Temer, do total de 24 ministros, quatro são radiodifusores. Mendonça Filho, ex-deputado e ex-governador de Pernambuco, ministro da Educação, já esteve entre os acionistas da TV Jornal do Commercio, além da Rádio Difusora de Caruaru, Rádio Difusora de Garanhuns, Rádio Difusora de Limoeiro e Rádio Difusora de Pesqueira. Todas do mesmo grupo do empresário João Carlos Paes Mendonça.

Ricardo Barros, ex-deputado federal e ex-prefeito de Maringá (PR), atual ministro da Saúde, declarou possuir 99% das cotas da Rádio Jornal de Maringá (PR), no valor de R$ 488 mil, o que corresponde a cerca de 30% de seu patrimônio de R$ 1,8 milhão. Hélder Barbalho, ex-prefeito de Ananindeua (PA), ministro da Integração Nacional do governo Temer, também declarou ser dono de TVs no Pará, retransmissoras da Band. Ser ministro e radiodifusor não constitui uma ilegalidade em si. Mas além de misturar os poderes político e midiático de forma pouco saudável para a democracia, em geral os responsáveis pelos ministérios tenham exercido cargo eletivo quando já eram proprietários de meios de comunicação.

Andamento

A ADPF 379 encontra-se nas mãos do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, relator da arguição. Além do parecer favorável da PGR, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e a Artigo 19 protocolaram amicus curiae (intervenção externa em processo através de opinião jurídica) endossando a ADPF. Na contramão, além da AGU, Senado, Câmara dos Deputados e Presidência da República protocolaram manifestações contrárias. A representação contra os políticos radiodifusores de todo o país segue tramitando junto às Procuradorias Regionais dos Direitos do Cidadão do MPF em cada um dos 18 estados de origem dos políticos listados.

Brasil é medalhista olímpico em violação do direito à comunicação

A empolgação com os esportes não apaga o “legado negativo” dos Jogos Olímpicos. Além da repressão policial e das remoções, o cerceamento à liberdade de expressão e a concentração midiática marcaram a Rio 2016

Texto: Iara Moura e Mônica Mourão |Colaborou: Eduardo Amorim, Yuri Leonardo, Caio Barbosa, Camila Nobrega e Cinco de Terra

As Olimpíadas de 2016 encerram quase dez anos em que diversas cidades do Brasil viveram as mudanças causadas por um megaevento esportivo. Desde a preparação para os Jogos Pan-Americanos de 2007, bilhões foram investidos em gastos feitos a partir de parcerias público- privadas (PPP) em diferentes áreas. A comunicação é uma delas. O International Broadcast Center (IBC), centro de mídia para a transmissão dos Jogos, faz parte de uma PPP que inclui também o Main Press Center (MPC) e o Hotel de Mídia. O custo total do complexo é estimado em R$ 1,68 bilhão, dos quais R$ 1,15 bilhão vem de recursos privados e R$ 528 milhões da prefeitura do Rio de Janeiro. Após os Jogos Olímpicos, o “legado” ficará sob a responsabilidade da Concessionária Rio Mais, formada pelas empresas Odebrecht, Andrade Gutierrez e Carvalho Hosken, responsáveis pela construção.

“Saber que a prefeitura do Rio gastou todo este dinheiro para um centro de mídia que vai funcionar apenas durante os megaeventos é ter certeza de que a prefeitura e o governo do estado do Rio têm suas preferências no que investir. Este é mais um exemplo para mostrar também que esta cidade está virando uma cidade apenas para turistas, para ricos, para alguns”, afirmou a jornalista, comunicadora popular e moradora do Complexo da Maré Gizele Martins. No contexto dos megaeventos realizados na cidade do Rio de Janeiro, cerca de 250 mil pessoas sofreram remoções, segundo dados da Articulação Nacional dos
Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas (Ancop). É certo que o grande público e as comunidades afetadas com as remoções e a violência policial pouco ficou sabendo das violações de direitos relacionadas ao Pan, à Copa e às Olimpíadas, até porque os direitos de transmissão das competições também ficaram nas mãos de poderosos grupos de mídia no Brasil e o acesso à informação e o direito à livre manifestação de pensamento foram violados durante os Jogos.

Segundo a mareense Gizele Martins, “se todo o dinheiro [investido no IBC] fosse dividido entre os inúmeros meios de comunicação comunitária e populares de favelas, ocupações, bairros pobres, estaríamos equipados, nos organizaríamos para fazer muito melhor a nossa própria comunicação. Estaríamos contando o histórico escravista e racista do nosso país, disputando as opiniões”. Ela lembra que, durante os 15 anos que atua com comunicação comunitária nas favelas do Rio de Janeiro, foram poucas as formas de incentivo público para a comunicação não comercial. A cobertura da grande mídia, que, em geral, não pauta as violações de direitos cometidas em nome dos Jogos Olímpicos, tem relação direta com o interesse privado de transmissores e patrocinadores do evento. “As Olimpíadas são um produto. A Globo vendeu cotas multimilionárias,

então os megaeventos deixam de ser uma pauta e passam a ser um produto para a empresa”, explicou Mário Campagnani, integrante do comitê organizador da jornada Rio 2016 – Os Jogos da Exclusão, que realizou atividades de denúncia ao desrespeito aos direitos humanos nas Olimpíadas.

Público ou privado?

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Durante os jogos, o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas organizou, no Rio, a jornada Jogos da Exclusão, denunciando as violações de direitos, dentre elas o direito a manifestação. Imagem: Caio Barbosa

No dossiê de candidatura para ser cidade-sede dos Jogos, apresentado em 2008, o valor estimado do evento era de R$ 28,8 bilhões. Com a mais recente atualização da Matriz de Responsabilidade, em janeiro de 2016, este valor passou para R$ 39 bilhões nos dados oficiais, superando em quase R$ 14 bilhões os custos da Copa do Mundo de

2014 e chegando a quase dez vezes os R$ 3,7 bilhões gastos com o Pan-Americano de 2007. Na versão atual da Matriz, houve um aumento da participação do poder público de 36%, em agosto de 2015, para 40% do montante total.

As altas cifras contrastam com o cenário de destruição da comunidade vizinha ao Parque Olímpico. A Vila Autódromo, onde moravam cerca de 600 famílias e hoje resistem apenas 20, é um símbolo das prioridades de investimentos feitos pelo poder público a serviço do interesse privado. Essa mesma lógica rege também a comunicação. Os serviços de telefonia e internet, que deveriam ser um direito de todos, foram alvo de grandes investimentos para garantir a transmissão dos jogos, enquanto comunidades ao lado das arenas seguem sem acesso à internet banda larga. Uma força-tarefa foi feita para que o Brasil oferecesse, ainda na Copa das Confederações, em 2013, uma internet com a qualidade que o país nunca conseguiu implantar. Essa possibilidade, inclusive, foi a justificativa para que as empresas que fossem oferecer esses serviços tivessem isenções fiscais (IPI, PIS e Cofins). Além disso, foram feitas modificações na legislação

para facilitar a instalação de antenas necessárias para a disponibilização da rede 4G. Para a Copa de 2014, a Telebras investiu R$ 89,4 milhões na implantação de infraestrutura, o que equivale ao investimento anual para a implantação do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). A expectativa do Plano era conectar 35 milhões de domicílios à internet fixa até o ano de realização do Mundial. No entanto, segundo dados de 2015 do Ministério das Comunicações, apenas 23,5 milhões de locais têm banda larga fixa. Quando se olha para fora dos centros urbanos, os números diminuem ainda mais.

Direitos de transmissão

Em dezembro de 2015, o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou que o Grupo Globo comprou os direitos dos Jogos Olímpicos até 2032 para tevê aberta, por assinatura, internet e celular, mas o valor é mantido em segredo. A título de comparação, sabe- que, nos Estados Unidos, um acordo semelhante entre o COI e a NBCU (conglomerado de mídia daquele país) custou R$ 7,6 bilhões. A falta de transparência repete erros de anos passados, já que a empresa brasileira também não revela os gastos para detenção dos direitos sobre a Copa do Mundo de 2014. O que se sabe é que a Rede Globo tem como anunciantes nos Jogos: Claro, Coca Cola, Fiat, Bradesco, P&G e Nestlé. Segundo informações da revista Meio & Mensagem, cada cota de patrocínio foi vendida a R$ 255 milhões. Ou seja, a Globo deverá ter um faturamento de pelo menos R$ 1,53 bilhão com o evento.

A emissora da família Marinho repassa direitos e certamente lucra também sobre o faturamento da Rede Record e da Bandeirantes. A Record, do bispo Edir Macedo, fechou quatro patrocinadores e, se cada cota tiver sido vendida por R$ 126 milhões, deve faturar cerca de R$ 760 milhões com os jogos. Já a Band vendeu quatro cotas de patrocínios, cada uma no valor de R$ 310 milhões, segundo o site Conexão TV.

A concentração da transmissão pela mídia privada não é uma regra universal. Albert Steinberger, jornalista freelancer que trabalha para o canal público alemão Deutsche Welle, aponta as diferenças nas transmissões de grandes eventos esportivos quando se compara o caso do Brasil com o Reino Unido e a Alemanha, por exemplo. Nesses países, as emissoras públicas BBC e Channel 4, no primeiro, e ARD e ZDF, no segundo, transmitem, entre outros, Copa, Olimpíadas e Paralimpíadas. Mas alguns campeonatos nacionais, como a Bundesliga e a Premier League, têm suas transmissões restritas às TVs privadas. “Aqui também se questiona muito se vale a pena gastar milhões em acordos de direitos de transmissão”, apontou Steinberger.

“Um caso para mim que foi super interessante foi a cobertura da BBC durante os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Eles realmente abriram todos os sinais e disponibilizaram na internet. Ou seja, era possível assistir a qualquer tipo de esporte que tivesse acontecendo ao vivo e de graça. Se o direito tivesse sido comprado por uma TV privada, obviamente o modelo de tomada de decisão seria diferente. Seria priorizado o lucro, afinal de contas, o investimento inicial é muito alto”, analisa o jornalista.

No caso brasileiro, o direito de transmissão das Paralimpíadas, que atrai menos público e, portanto, desperta menos interesse comercial, foi comprado pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC). De acordo com o plano de trabalho de 2016 da empresa pública, o orçamento total previsto para as Olimpíadas e as Paralimpíadas é de R$ 1,9 milhão de reais, sendo que R$ 450 mil foram usados para a transmissão das Paralimpíadas na televisão, quase 17 vezes menos o valor que a NBCU pagou ao COI para os Jogos Olímpicos de 2020 a 2032.

O resto do montante foi distribuído entre transmissão dos Jogos Olímpicos no rádio (R$ 600 mil), custos para viagens jornalísticas (R$ 350 mil), gastos adicionais no satélite (R$ 220 mil) e compra de espaço no IBC (R$ 280 mil). O mesmo IBC do complexo de mídia que recebeu mais de R$ 500 milhões de investimentos da prefeitura e será gerido por um grupo de empresas privadas.

Acesso à informação

QUADRO
Falta de respostas e acesso negado foram os principais retornos à consulta sobre obras olímpicas/ Reprodução relatório Artigo 19

 

Segundo aponta relatório da organização Artigo 19, no Brasil dos megaeventos esportivos, estamos muito longe de garantir a transparências das informações públicas. O orçamento detalhado e os impactos das obras olímpicas, como a do BRT (Bus Rapid Transit) Transolímpica no Rio de Janeiro, não estão ao alcance de todas as cidadãs e cidadãos como determina a Lei de Acesso à Informação (12.527/11). Os ônibus articulados que trafegam em corredores exclusivos foram uma das principais promessas de legado das Olimpíadas para a cidade do Rio de Janeiro. De acordo com o relatório, foram feitos 13 pedidos específicos de informações sobre remoções causadas pelas obras do BRT, com base na LAI.

Ao todo, 54 solicitações foram feitas para diferentes órgãos, como o Portal Cidade Olímpica, o Portal Transparência Carioca, o Portal Transparência da Mobilidade e o

Portal da Controladoria Geral do Município, além do Instituto Estadual do Ambiente. Apenas 7% dos pedidos foram atendidos. Foram três meses de busca que levou à conclusão de que o direito à informação não é respeitado e que é praticamente impossível para a população ter acesso à caixa preta das obras preparatórias para as Olimpíadas 2016. “Se não há informação, fica comprometida a efetiva participação popular no debate sobre o tema e, portanto, qualquer possibilidade real de incidência no processo decisório”, conclui a pesquisa.

A falta de transparência também abrange os investimentos para infraestrutura de telecomunicações durante os Jogos. Segundo matéria da Agência Brasil, o valor dos investimentos para possibilitar as conexões 3G e 4G não pode ser divulgado por exigência contratual do Comitê Olímpico Internacional (COI) e do Comitê Olímpico do Brasil (COB). O acordo foi firmado com o Grupo América Móvil, que engloba as marcas Claro, NET e Embratel. Mais uma vez, recursos públicos foram usados para beneficiar empresas privadas. Apesar dos investimentos feitos pelo Grupo América Móvil, coube à Embratel fornecer a rede de fibra ótica para captar os sinais de transmissão entregues ao IBC. Além disso, o site oficial dos Jogos e a venda de ingressos estão hospedados nos data centers da Embratel.

Liberdade de expressão

A violação do direito à comunicação durante as Olimpíadas também se deu através da repressão a manifestações políticas nos locais dos jogos. Responsáveis pela Rio 2016 retiraram dos estádios Mané Garrincha, em Brasília, Mineirão, em Belo Horizonte e no Sambódromo, no Rio de Janeiro, torcedores que se manifestaram contra o governo interino de Michel Temer.

No último sábado (20), o pai de um jovem morto pela Polícia Militar do Rio de Janeiro foi impedido de abrir uma bandeira de protesto no Maracanã. Segundo o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, Carlos da Silva Souza, pai de Carlos Eduardo, um dos cinco jovens assassinados por policiais do 41º Batalhão da Polícia Militar em novembro de 2015, teve cerceado seu direito à manifestação. Tais ações repressivas estão respaldadas pela Lei Geral das Olimpíadas. O inciso IV do artigo 28 estabelece como condição para o acesso e permanência nos locais oficiais, por exemplo, “não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, de caráter racista ou xenófobo ou que estimulem outras formas de discriminação”. O inciso X do mesmo artigo determina ainda que não se pode “utilizar bandeiras para outros fins que não o da manifestação festiva e amigável”.

São puníveis com prisão de até um ano a produção e distribuição de produtos que imitem símbolos oficiais da competição, mas também a mera modificação de qualquer símbolo, ainda que seu objetivo seja, por exemplo, a realização de uma paródia. Em abril deste ano, diversas entidades da sociedade civil repudiaram a Lei das Olimpíadas e Paralimpíadas, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, por seu caráter autoritário.

A coordenadora do Centro de Referência Legal da ONG Artigo 19, Camila Marques, mostrou-se preocupada com a repressão à liberdade de expressão que marcou os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. “Com apenas uma semana do início do evento, já vimos o aumento da ocupação na Maré, no Complexo do Alemão e de uma forma geral. Cada vez mais o Estado está se aprimorando no seu aparato de repressão, através da compra de equipamentos, e esse legado é o que realmente vai ficar dos megaeventos no Brasil”, considera Camila Marques.

Sangue no chão

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Pai de jovem assassinado pela polícia é impedido de abrir uma bandeira de protesto no Maracanã/ FOTO: Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas

A comunicação independente, alternativa e comunitária segue pulsante, apesar de todas as dificuldades impostas pela repressão cotidiana que se acirra no contexto dos megaeventos. As articulações de comunicadoras e comunicadores em favelas e bairros periféricos do Rio de Janeiro levaram à criação, por exemplo, de páginas no Facebook para denunciar violências cometidas pela polícia, prefeitura, governo do Estado e Forças Armadas – que ocuparam o Complexo da Maré durante a Copa de 2014. Mas, além de canal de denúncia, as redes sociais têm sido um meio para perseguir comunicadores. Gizele Martins, da Maré, já recebeu até ameaças de estupro e avisos de que deve “calar a boca”. No Complexo do Alemão, outro conjunto de favelas cariocas, Raull Santiago, do Coletivo Papo Reto, também é alvo de perseguição. Em abril deste ano, Santiago denunciou para a mídia e a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) que policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Alemão têm abordado moradores perguntando se o conhecem.

O Papo Reto atua principalmente na denúncia à violência policial, através de redes sociais e de conteúdo audiovisual. Os riscos de fato são grandes para quem defende os direitos humanos no Brasil. Segundo a organização internacional Front Line Defenders, o país está em primeiro lugar na lista mundial de defensores assassinados em 2016, ao todo, 24, entre janeiro e abril. A disputa de narrativas sobre os megaeventos e seu impacto, especialmente nas comunidades mais pobres ou periféricas, certamente incomoda as instituições violadoras de direitos. Para Gizele Martins, “com a mídia comercial ao lado da prefeitura e do governo, eles sabem que vão alienar, silenciar, apagar a história e mentir dizendo ao mundo que este é um exemplo de cidade e que durante os Jogos tudo aconteceu perfeitamente, sem qualquer sangue no chão”.

 

 

O começo do fim da comunicação pública no Brasil?

Texto: Iara Moura

Colaboraram: Oona Castro, Camila Nóbrega (Intervozes) e Caio Barbosa (Cinco de Terra e Ecoar)

 

https://www.youtube.com/watch?v=sKFE1bW8md0

Governo interino de Temer intervém na Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e ameaça a continuidade do incipiente projeto de comunicação pública nacional

Um dos primeiros atos do presidente interino Michel Temer foi a exoneração do diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Com a demissão de Ricardo Melo e de mais de uma centena de funcionários, e a declaração de que deverá editar Medida Provisória para mudar o caráter da Empresa e extinguir o Conselho Curador, sem nenhum debate público, Temer dá sinais de intenção de retomar o caráter de propaganda estatal que veículos de comunicação pública já tiveram em outros momentos da história do Brasil, como o período do Estado Novo e da Ditadura Militar.

Buscando se proteger das implicações legais da demissão de Ricardo Melo, o governo interino de Michel Temer anunciou ainda que estava editando uma Medida Provisória para mudar o funcionamento da EBC. Segundo informações divulgadas da Folha de São Paulo no dia 18/05, a MP ainda está em elaboração e contém dentre suas alterações, a extinção do Conselho Curador, órgão cuja principal função é zelar pela autonomia da EBC, impedindo ingerência do governo e do mercado sobre a programação, o conteúdo e a gestão da comunicação pública.

“Houve um boato da exoneração do presidente que feria a lei e essa exoneração foi confirmada no Diário oficial após o Conselho Curador esclarecer esse governo de que a prerrogativa de demitir o presidente é deste órgão aqui. Isso foi feito numa fase em que o país está esperando que seja julgado o processo de impeachment da presidenta Dilma. Esse ato sugere para a sociedade a intenção de aparelhamento”, defendeu Rita Freire, presidenta do Conselho Curador, durante a reunião extraordinária do órgão que aprovou nota  de pedido de esclarecimento ao presidente interino Michel Temer nesta terça-feira (31).  A reunião foi interrompida quando um grupo de ativistas foi impedido de entrar no salão. Após serem autorizados, os ativistas entoaram: “Michel Temer não me representa. Nem Rimoli não me representa. Eu vou explicar. Não tá entendendo? Mexeu com a EBC, você vai sair perdendo”.

https://www.youtube.com/watch?v=FrldaO2Vypk&feature=youtu.be

Intervenção durante reunião extraordinária do Conselho Curador da EBC, na tarde de 31/05/2016

Segundo Ricardo Melo, o clima na Empresa nos dias subsequentes à sua exoneração é de insegurança. “Eu não fui comunicado da exoneração. Eu fiquei sabendo que estava exonerado pelo Diário Oficial. São madrugadas e madrugadas que a maioria dos funcionários da nossa emissora ficam acompanhando a hora que o diário oficial vai sair pra saber o que vai acontecer no outro dia”, denunciou durante solenidade em homenagem a ele próprio realizada na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro no último dia 23 de maio. Segundo relato do jornalista, a Empresa está vivendo um processo truculento, “de fazer inveja aos momentos ditatoriais no Brasil”. “A EBC vai ser simplesmente um porta-voz das medidas que o governo golpista pretende tomar se ele continuar no poder”, afirmou.

Em entrevista à Agência Brasil, o presidente empossado, Laerte Rimoli, defendeu-se das críticas e prometeu “devolver a empresa para a sociedade brasileira”. Rimoli atuou como diretor de comunicação na Câmara dos Deputados, durante a gestão do presidente afastado da Casa, Eduardo Cunha. Ricardo Melo, porém, relata que a promessa de apaziguar os ânimos na empresa não é o que está acontecendo na prática.  Melo denunciou a truculência de episódios como o arrombamento da sala da superintendente da regional sudeste I, Marília Baracat, e a tentativa de obstrução ao trabalho que ele mesmo sofreu, quando coordenava o fechamento do Repórter Brasil no sábado anterior (21), já que continuava na função de diretor de jornalismo. O cancelamento da transmissão do show de Mano Brown (dos Racionais MCs) na Virada Cultura de São Paulo como uma tentativa de silenciar manifestações contrárias ao governo Temer e a demissão do jornalista recém-contratado, Sidney Rezende, também foram episódios repudiados pelo ex-diretor.

Para representantes dos trabalhadores e trabalhadoras da EBC e movimentos sindicais, a ingerência que hoje se apresenta de maneira “truculenta e ilegal”, marcou a história da empresa em outros momentos e se refletiu em dificuldades internas. A diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, Cláudia Abreu, lembrou que a EBC não é um “projeto de governo”, mas é “resultado de uma cobrança da sociedade civil sobre a necessidade de um projeto de comunicação pública”.

A jornalista defende que é necessário ampliar o debate interno e a valorização profissional dos trabalhadores concursados e repudiou episódios de assédio moral a líderes sindicais e a condução de trabalhadores à Polícia Federal acusados de fazer piquete durante a greve de 2013.  Apesar das críticas, Cláudia destaca a necessidade da união dos gestores, trabalhadores e sociedade civil “contra o golpe e em defesa do caráter público da empresa, que é uma conquista da sociedade e não de um governo”.

Enquanto fechávamos esse texto, estava em análise, no Supremo Tribunal Federal, um mandado de segurança impetrado por Ricardo Melo denunciando a ilegalidade de sua exoneração e da nomeação de Laerte Rimoli. Na Corte, a relatoria da ação ficou sob a responsabilidade do ministro Dias Toffoli, que determinou a notificação do presidente da República interino para que ele preste informações. Até o fechamento deste texto, Toffoli não havia se pronunciado sobre o caso . Após longo debate público que levou à criação da EBC, firmou-se a concepção de que o diretor-presidente deveria ter mandato-fixo, não coincidente com a Presidência da República, de 4 anos. O mandato de Melo seguiria até o ano de 2020 e a violação desta determinação é o principal argumento que levou à abertura do mandado de segurança em análise.

Futuro incerto

As notícias de mudanças abruptas na EBC têm sido recebidas com preocupação em várias regiões do país. É o caso da Amazônia, região comumente negligenciada na programação de canais privados de comunicação do país. A Rádio Nacional Alto Solimões, caçula das emissoras da EBC, funciona atualmente com sete funcionários que se revezam nas funções de produção, jornalismo, locução, atendimento aos ouvintes e questões administrativas. Em 2016, completa dez anos de existência. Como parte da comemoração, os funcionários da emissora e os ouvintes aguardam com ansiedade o presente prometido: reformas técnicas para propiciar a chegada do sinal às áreas rurais e ribeirinhas mais remotas e concurso público para ampliar a equipe técnica. As últimas intervenções do presidente interino Michel Temer transmitem para a pequena sucursal de Tabatinga um clima de insegurança quanto ao futuro.

Os cuidados para evitar o surto de H1N1 que o Brasil atravessa, as indicações de como identificar os sintomas da doença e os grupos prioritários na vacinação: esse era o destaque da manhã do dia 23/05/2016 no noticiário Bom Dia Amazônia, transmitido para a região da Amazônia legal e do Alto Solimões, extremo oeste do estado do Amazonas.  O programa entra no ar, ao vivo, de segunda a sábado, às 05h, pela Rádio Nacional da Amazônia e às 03h na Rádio Nacional do Alto Solimões. Entremeando a entrevista com um médico especialista na doença, ídolos da música popular brasileira e do pop nacional animavam a manhã dos ouvintes. Diferente da erudita Rádio Mec – também do campo público e que se dedica à música clássica – ali, ídolos do tecnobrega e do reggaeton também figuravam na programação.

A emissora foi criada em 2006 e está localizada no limite fronteiriço do Brasil com a Colômbia e o Peru, no município de Tabatinga (AM). Atualmente, segundo a coordenadora Miss Lene Ferreira, a rádio alcança satisfatoriamente quatro municípios: Tabatinga, Benjamin, Atalaia do Norte e São Paulo de Olivença. A medição do alcance, para além dos aparatos técnicos, se dá de maneira muito simples: pela participação ativa dos ouvintes. “As pessoas ligam ou vêm até a rádio pra dar e receber notícias sobre a família, para saber de concursos públicos, anunciar festas, reuniões. É pela Rádio que elas são convocadas a comparecer no Fórum. É a ligação com a cidade, com o país”, explica.

O sinal é uma preocupação constante da rádio que nasceu com a pretensão de alcançar nove municípios (Tabatinga, Atalaia do Norte, Benjamim Constant, São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antônio do Içá, Tocantins, Jutaí e Fonte Boa). Por meio das ondas de AM e FM, o resgate da cultura lusófona-brasileira também está entre os objetivos da emissora. Miss Lene conta que as rádios que alcançavam a maior parte da região eram colombianas ou peruanas. “As pessoas usam a rádio também do outro lado (da fronteira) para aprimorar ou aprender o português”, conta.

Segundo relatório da ouvidoria da EBC, a questão do sinal é o maior motivo das reclamações que o órgão recebeu no ano de 2015. Até nas grandes cidades é comum a TV e as rádios do sistema ficarem fora do ar. “Embora as queixas sejam provenientes de vários pontos do Brasil, as zonas norte e oeste da cidade do Rio de Janeiro se destacam. O sinal da área provém da estação retransmissora da Serra do Mendanha, cujos equipamentos não garantem boa qualidade do sinal e muitas vezes deixam a região sem sinal algum durante meses”, destaca o documento. No mesmo informe, a superintendência de suporte explica que a demora em resolver as questões técnicas se dá pela burocracia para aquisição de equipamentos e realização dos reparos.

Enquanto na tarde do dia 20./05 no Alto Solimões, ouvia-se a segunda edição do Repórter Amazônia, nas capitais São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro funcionários, ouvintes, telespectadores, leitores e apoiadores ocupavam as sedes das EBC em protesto contra a exoneração de Ricardo Melo. A nomeação que já havia sido antecipada na imprensa se confirmaria com a publicação no Diário Oficial da União na manhã daquele dia.

Para aqueles que protestavam na sexta-feira (20), a troca de presidentes fere a autonomia da EBC uma vez que passa por cima da lei de criação da empresa (11.652/2007) a qual estabelece, em seu artigo 19, que o mandato de quatro anos do presidente só pode ser interrompido por meio de dois dispositivos: a saída espontânea ou a existência de dois votos de desconfiança feitas pelo Conselho Curador da Empresa.

No ato organizado pela Frente em Defesa da Comunicação Pública em Brasília, a presidenta do Conselho Curador, Rita Freire, ressaltou: “estamos caminhando junto com os trabalhadores e a sociedade civil que está representada nesse conselho e está levantando sua voz hoje para que o direito à comunicação pública não seja maculado, violado, agredido por interesses circunstanciais de mudança na vida do país”.

A EBC foi criada em 2007 após a realização do I Fórum Nacional de TVs Públicas. Integrou as veteranas Rádio Nacional do Rio de Janeiro, Rádio Nacional Amazônia, Rádio Mec e outras emissoras geridas pela extinta Radiobrás e pela TVE do Rio de Janeiro numa só rede nacional de  comunicação pública. As emissoras estaduais educativas também foram incorporadas ao Sistema Público de Comunicação. Concomitantemente à criação da empresa, entraram no ar também a TV Brasil e a Agência Brasil. O portal da EBC estreou em julho de 2012.

Diversidade em xeque

Não é a primeira vez que a EBC sofre com interferências que comprometem o caráter público, a atividade jornalística e a relação de confiança com o público.  Ao longo da existência da empresa, questões de ingerência foram constantemente denunciadas pelos empregados e até pelos espectadores/as, ouvintes e leitores/as através da ouvidoria.

Durante o final de 2015 e o início de 2016, com o acirramento da conjuntura de crise política nacional, a ouvidoria recebeu denúncias de espectadores questionando uma suposta falta de equilíbrio nos conteúdos dos programas jornalísticos das rádios, da TV e nas coberturas da Agência Brasil. O relatório de março de 2016, por exemplo, período de manifestações a favor e contra o impeachment e de divulgação de grampos telefônicos pelo juiz Sérgio Moro, destaca a reclamação de uma telespectadora que se diz indignada com a edição do dia 10/03/2016 do Repórter Brasil:

“Considero grave o uso de uma emissora pública, bancada com recursos públicos, ser usada assim para atender os interesses político-partidários do governo do momento. Os apresentadores e os dois jornalistas convidados para comentar o pedido de prisão não disfarçaram suas preferências políticas e fizeram de tudo para tentar caracterizar as investigações recentes como injustas, indevidas”, diz um trecho da reclamação.

Em coluna publicada no portal da EBC, a ouvidora Joseti Marques endossa a crítica da leitora, mas chama atenção para o fato de que também são recorrentes reclamações que apontam os programas jornalísticos da EBC como iguais aos das emissoras comerciais em forma e conteúdo. São comuns também comentários que criticam o fato de as reportagens não defenderem o governo. A ouvidora explica que a confusão entre público, estatal e governamental ainda é um desafio a ser superado.

Para Priscilla Kerche, repórter da TV Brasil de São Paulo, a tentativa da empresa em copiar os modelos de gestão dos meios privados, hierarquizado e pouco democrático, faz confundir o papel do meio público e cria problemas para o exercício da atividade jornalística. “ A influência governista pesou em cargos decisórios assumidos por comissionados que, mais uma vez, se espelham na mídia tradicional. Muito por conta de uma cultura jornalística do país também. O desafio é produzir conteúdo qualificado e diferenciado numa estrutura que reproduz a lógica de empresas comerciais, mas que não tem estrutura pra fazer igual e nem deveria ter isso como objetivo”, defende.

Para o jornalista Albert Steinberger, que passou pelas redações da TV Câmara, TV Globo, BBC Brasil (sucursal da TV pública britânica para o Brasil), ZDF (TV pública alemã – Canal 2) e Deutsche Welle (canal alemão estatal/público voltado para o exterior), as interferências ao trabalho dos jornalistas estão presentes nos diversos tipos de meios em diferentes níveis:

“Seja uma linha editorial neoliberal, ou uma limitação para lidar com assuntos da família real britânica. Não dá para idealizar e acreditar que exista um meio com liberdade total para o jornalista. Todos os veículos têm suas limitações de acordo com a cultura da empresa, fonte de financiamento, chefia e outros fatores”, defende.

O jornalista destaca, porém, que a existência de uma variedade de vozes na grande imprensa, como acontece na Inglaterra e na Alemanha, onde é possível, por exemplo, investigar livremente as contas do governo ou as acusações de irregularidade em determinada empresa e “ver um fato sob diferentes olhares”, é positivo e necessário para a sociedade. Buscando garantir essa diversidade, a Constituição Federal estabelece em seu artigo 222 a complementaridade dos sistemas público, estatal e privado na exploração dos serviços de rádio e TV em território nacional.

Democracia fora do ar

Episódios anteriores de interferência dos governos e de grupos empresariais nas atividades das emissoras do campo público deixaram marcas profundas na história do Brasil. Em 30 de março de 1964, na madrugada que marcou a instalação da ditadura civil-militar, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro virou meio de transmissão de grupos que se opunham ao golpe que estava em vias de acontecer reunidos na Rede Pela Legalidade.

No primeiro dia do golpe, o diretor da Rádio Nacional foi informado pelo telefone da chegada de dois tanques de guerra que apontavam os canhões para os transmissores da Rádio Nacional, acompanhados por cerca de 100 soldados armados. Assim que se instalou, o presidente Castelo Branco demitiu 39 funcionários da Rádio Nacional sem qualquer processo. A emissora, criada em 1936 e estatizada pelo Estado Novo em 1940, tinha 800 empregados e produzia 20 horas de programação diária, liderando a audiência no país.

Documentos reunidos na pesquisa “O Serviço Nacional de Informações e a comunicação” (Peic/UFRJ) revelam que a espionagem, a censura e a demissão e perseguição de funcionários eram expedientes utilizados pelos governos militares como forma de conter as críticas ao regime feitas pelos movimentos democráticos. A partir da madrugada do dia 30 de março para o dia 1º de abril de 1964, os veículos públicos, privados, comunitários, educativos e alternativos eram alvos a serem neutralizados pela inteligência dos militares. A pesquisa mostra ainda que, nem mesmo com o fim da ditadura notou-se significativa mudança de  percepção do ponto de vista do controle de conteúdo.

“A linguagem e os métodos utilizados para vigiar os meios de comunicação permaneceram similares mesmo após o fim da ditadura. O que evidencia o caráter do que historicamente entendemos por ‘transição suave’ e que, mesmo no contexto democrático, a vigília e o controle permaneceram”, relata Janaine Aires pesquisadora da UFRJ.

Documentos coletados nos arquivos do SNI sobre espionagem de veículos do campo público por governos militares  

O uso dos meios públicos alemães durante a Segunda Guerra para a propaganda nazista se tornou episódio exemplar do imperativo de proteger o interesse público e garantir a diversidade de ideias nos meios de comunicação. Embora a independência financeira seja constantemente alvo de pressão dos meios privados, os canais públicos, tanto na Alemanha quanto na Inglaterra, se financiam por meio de uma taxa anual que os cidadãos dos dois países pagam. Atualmente a taxa anual de TV está em 215,76 euros  por residência na Alemanha (por ano). No Reino Unido, o valor anual é de 145,50 libras.

Na Alemanha e em outros países da Europa – como Portugal e Espanha – onde o modelo de radiodifusão se desenvolveu primeiro como monopólio público e o uso privado só veio posteriormente, a comunicação pública percorreu um caminho próprio consolidando-se e servindo de modelo para os demais sistemas no mundo. Lá, a ZDF lidera a audiência com 12,6%, seguida pela ARD com 11,5%. A rede privada RTL aparece encostada em terceiro lugar com 10%.

Do mesmo modo, a BBC inglesa é líder de audiência com uma programação variada que mescla entretenimento e informação. Por conta disso, as emissoras também são alvo das mídias privadas.  No Bild Zeitung na Alemanha e no The Sun são recorrentes os ataques. Aqui, durante a recente troca de presidentes da EBC, os jornais O Globo e O Estado de São Paulo publicaram editoriais questionando a rentabilidade e a relevância da EBC e acusando a empresa de ser instrumento de “propaganda lulopetista”. Ambos os jornais, de grandes grupos de mídia, acusam a EBC de representar um gasto estatal desnecessário e desproporcional.

A EBC custa à União cerca de R$ 750 milhões anuais.  Os gastos com publicidade do Governo Federal, empregados na Rede Globo, por outro lado, somam 6,2 bilhões de reais nos 12 anos de governo petista, ou seja, uma média de 516 milhões ao ano, sem contar a verba empregada em suas afiliadas.

Programação infantil na contramão do consumismo

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Programa TV Piá, exibido pela TV brasil. Foto: divulgação

“Nasce hoje uma nova televisão para que os brasileiros tenham mais liberdade de escolha. Isso é pluralidade. Isso é democracia. A TV Brasil quer ser um espelho de nosso país, espera refletir a multidão de brasileiros de todas as raças, cores, credos, regiões e condições sociais que formam o coletivo chamado Brasil”.

O trecho da vinheta exibida durante a primeira transmissão da TV Brasil em 2 de dezembro de 2007 foi lido pela atriz Zezé Motta e resume o intento da emissora em ter uma programação diversa que refletisse a cultura nacional e o interesse público. A grade da TV Brasil foi formatada a partir de uma perspectiva generalista com programas informativos, jornalísticos e de entretenimento, além da programação infantil.

A programação voltada para este público é reconhecida em âmbito internacional antes mesmo da TV Brasil entrar no ar. Os casos de sucesso “Meu amigãoZão” e “TV Piá”, no qual crianças de diferentes regiões do Brasil aparecem compartilhando saberes, brincadeiras e suas culturas, demonstram que a TV Brasil busca se diferenciar das TVs comerciais nos desenhos, séries e revistas eletrônicas voltadas para os pequenos.

“Enquanto as emissoras comerciais visualizam a criança e o adolescente principalmente como consumidores, a TV Brasil olha as crianças sob a ótica da cidadania. Uma implicação imediata dessa diferença é a inexistência de publicidade nas 7 horas de programação infanto-juvenil exibidas cotidianamente”, explica Inês Vitorino, pesquisadora da Universidade Federal do Ceará, coordenadora do Grupo de Pesquisa da Relação Infância e Mídia (Grim). À convite do Conselho Curador da EBC, o grupo fez um monitoramento que analisou a programação infanto-juvenil da emissora levando em consideração critérios de diversidade regional, originalidade, incentivo à criatividade, a ausência de conteúdos danosos ao desenvolvimento do público infantil, entre outros.

A transmissão de campeonatos de futebol feminino e das séries B, C e D do futebol masculino também são destaques na programação que em 2016 apostou na transmissão de eventos culturais e shows como o Desfile das Campeãs durante o carnaval do Rio de Janeiro e a Virada Cultural de São Paulo.

Pensar a programação da emissora é uma das prerrogativas do Conselho Curador formado por 22 membros: 15 representantes da sociedade civil, indicados via consulta popular e aprovados pela presidência; quatro do Governo Federal; um da Câmara dos Deputados; um do Senado Federal; e um representante dos trabalhadores da EBC. Os representantes do público são escolhidos por meio de consulta pública. Se a intenção da Medida Provisória de Temer se confirmar, o órgão pode ser extinto e o acompanhamento da sociedade civil quanto
à diversidade, a isenção jornalística e o respeito aos direitos humanos, dentre outros princípios da comunicação pública, podem ficar fora do ar por um longo tempo.

 

“Um governo do PSOL buscaria implementar todas as resoluções da Confecom”

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O Brasil vive, no campo da Comunicação, um atraso histórico – o Código Brasileiro de Telecomunicações é de 1962; nosso arcabouço regulatório para o setor não alcança os desafios dos modelos e práticas de comunicação social que emergem a partir da intensificação do uso da Internet e da convergência dos meios; a sociedade brasileira até hoje espera pela regulamentação do capítulo “Da Comunicação Social” da Constituição Federal e as práticas monopólicas se intensificam, na falta de marcos legais e compromissos políticos que assegurem a Comunicação como um direito e seus meios como bens públicos comuns. No que diz respeito à Internet, o país tem um significativo hiato a enfrentar, especialmente em relação à universalização da banda larga e à adoção de políticas que fomentem a apropriação das tecnologias digitais de informação e comunicação pelo cidadão e pela cidadã para o exercício de direitos e em prol do desenvolvimento humano e social.

Apesar de algumas conquistas recentes – como a realização, em 2009, da 1a. Conferência Nacional de Comunicação -, no campo da Comunicação o Brasil ainda está muito longe da realidade de um Estado capaz de garantir direitos fundamentais e privilegiar o interesse público. Diante deste cenário, consideramos essencial compreender se há compromisso político dos candidatos à Presidência da República com relação ao direito à Comunicação – e se há, em que extensão -, como elemento indispensável para o aprofundamento da democracia no país. Por isso, o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, através do Observatório do Direito à Comunicação, e o Instituto Nupef, através da revista poliTICs, realizam esta série de entrevistas com os/as candidatos/as à presidência. O mesmo conjunto de questões foi enviado a todos/as as coordenações de campanha, na mesma data. A ordem da publicação das entrevistas respeita a ordem de chegada das respostas às nossas redações.

Em dezembro de 2009, a 1ª Conferência Nacional de Comunicação contou com a participação de empresários, sociedade civil e governo e aprovou mais de 600 resoluções. Em julho de 2010, o governo federal criou um GT Interministerial para propor uma revisão do marco regulatório das comunicações. O/A candidato/a pretende dar prosseguimento à revisão do marco regulatório e como seriam incorporadas, neste processo, as resoluções da Confecom?
Plínio de Arruda Sampaio – Primeiramente é importante observar que o grupo de trabalho interministerial foi criado, passados seis meses da realização da 1ª Conferência de Comunicação, num período em que o atual governo já está legalmente impedido de implementar qualquer proposta que daí se consolide. Essa é a melhor tática para descomprometer o Executivo com as resoluções aprovadas pela sociedade civil, porque fica tudo para o próximo governo. Um eventual governo do PSOL buscaria implementar todas as resoluções da Conferência, especialmente aquelas que dizem respeito ao controle social, com a criação do Conselho Nacional de Comunicação com participação majoritária da sociedade civil, e a regulamentação dos artigos 220, 221 e 223 da Constituição Federal para coibir os abusos das empresas de comunicação e impedir a continuidade do monopólio midiático que existe no país.

O/A candidato/a se compromete com a criação de um Conselho Nacional de Comunicação, órgão participativo que garanta o exercício do controle social da comunicação no Brasil deliberando sobre políticas públicas do setor e acompanhando as atividades na área da comunicação, conforme resolução da Conferência Nacional de Comunicação?
PAS –
Sim, como já respondido anteriormente, essa seria uma das prioridades de um governo do PSOL, para, com a participação popular efetiva, o governo ter força para implementar as demais medidas reivindicadas pela população.

Tendo como base os parâmetros da liberdade de expressão, a Organização dos Estados Americanos (OEA) recomenda ao Brasil a revisão da legislação no que se refere à punição penal aos comunicadores comunitários. O candidato pretende seguir esta orientação internacional? Qual sua posição sobre a anistia para os condenados por crime de radiodifusão não autorizada?
PAS –
A criminalização das rádios comunitárias é um instrumento dos grandes monopólios de mídia para manter o poder concentrado. O PSOL defende o fim da criminalização das rádios comunitárias não apenas porque esta é uma recomendação da OEA, mas porque todos devem ter o direito de comunicar. Os condenados por ter uma rádio não autorizada e que transmitem efetivamente conteúdo comunitário, sem atuar como testa de ferro de políticos, serão anistiados porque essa condenação é na verdade uma perseguição política. Os pedidos de autorização ficam anos parados no Ministério enquanto políticos e igrejas ganham concessões uma atrás da outra.

Nos últimos 4 anos, o governo transformou sua estrutura de comunicação com a criação da Empresa Brasil de Comunicação. Qual é a sua avaliação sobre o papel cumprido pela EBC e o que pretende fazer para fortalecer a comunicação pública durante a sua gestão?
PAS –
Considero o sistema público de comunicação fundamental. Mas a TV Brasil ainda tem muito de televisão estatal. Basta ver que, para me convidarem para o programa 3 A 1, onde já tinham participado o Serra, a Dilma e a Marina, tive que entrar com uma ação na justiça. Isso é um absurdo. A TV pública tinha mais que obrigação de chamar todos os nove candidatos a presidente. O PSOL defende um sistema de comunicação público público de verdade, com participação popular.

Que papel deve cumprir o Estado brasileiro para evitar a concentração da propriedade e regular a presença do capital estrangeiro no setor das comunicações?
PAS –
O Estado brasileiro deveria, em primeiro lugar, revogar o decreto do Fernando Henrique que abriu a entrada do capital estrangeiro no sistema de comunicação do país. Isso é colonização da nossa comunicação que, cada vez mais, é empurrada para se igualar ao modelo norteamericano. Como é possível vermos nessas eleições com mais clareza.

O acesso à banda larga no Brasil é hoje limitado a 21% das residências, e os brasileiros pagam muito caro por um serviço ruim – mais de 54% das nossas conexões “de banda larga” têm velocidades nominais abaixo de um megabit por segundo, o que impossibilita um uso pleno das possibilidades que a Internet hoje oferece. Como o/a candidato /a pretende enfrentar o desafio de universalizar a banda larga no país e aprimorar a qualidade deste serviço? Quais os planos do/a candidato/a com relação ao Plano Nacional de Banda Larga, recentemente criado pelo governo federal?
PAS –
O PSOL defende a universalização do acesso à banda larga em regime público, usando a rede de fibras óticas das estatais brasileiras e sob gestão da Telebrás, sem relação de parceria público-privada com as empresas privadas do setor, nem isenções ou benefícios fiscais para essas empresas.

O Brasil é hoje reconhecido internacionalmente por seu modelo de governança da Internet. Qual sua opinião sobre o papel do CGI.br e do NIC.br para o desenvolvimento da Internet no país? Que ideias o/a candidato/a tem sobre o futuro destas entidades?
PAS –
Esse é o tipo de política que só conseguimos estabelecer após ter os parâmetros efetivos de possibilidades governamentais, mas o PSOL defende a democratização do acesso à produção e à gestão da internet, com participação da sociedade civil organizada.

Qual a opinião do/a candidato/a sobre o Marco Civil da Internet no Brasil, e como o/a candidato/a vê o papel do Estado no estabelecimento de parâmetros que garantam direitos fundamentais na Internet?
PAS –
A legislação da internet tem mesmo que se basear num marco jurídico civil, porque o marco penal só serve para criminalizar os setores mais explorados e excluídos de nossa sociedade.

O país hoje discute a reforma da Lei de Direitos Autorais, com uma proposta do MinC que tem o intuito de equilibrar a proteção dos autores com o direito da sociedade de acessar de forma mais ampla os bens culturais produzidos. Qual a opinião do/a candidato/a quanto a esta proposta?
PAS –
Por princípio, sou contra as patentes. Mas considero que os direitos dos autores e produtores de comunicação e cultura devem ser preservados, evitando a sua superexploração pelas leis do mercado.

A política brasileira em relação ao software livre e à adoção de padrões abertos e interoperáveis também repercute positivamente em nível internacional e representou avanços para o país em termos de inovação tecnológica, transparência, entre outros aspectos. A política de priorizar software livre, padrões abertos e interoperabilidade será continuada?
PAS –
Os padrões abertos de informática deveriam ser a regra num país com a desigualdade social que temos no país. O PSOL defende essa lógica com afinco.

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Veja entrevistas com demais presidenciáveis:


Ivan Pinheiro – “No governo do PCB, privatizações do setor de telecomunicações seriam revistas”

Foram convidados a participar deste Especial, mas ainda não enviaram respostas:

Dilma Roussef (PT)

José Serra (PSDB)

José Maria Eymael (PSDC)

Levy Fidelix (PRTB)

Marina Silva (PV)

Rui Costa Pimenta (PCO)

Zé Maria (PSTU)

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