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As duas caras do Netflix

por Marco Konopacki*

O recente acordo para embarcar o Netflix nos setup boxes xfinity(X1)[1] da Comcast mostra que o original engajamento do Netflix na defesa da neutralidade de rede, demonstrado através de posts em seu blog corporativo[2], pode ser flexibilizado quando a empresa tem a oportunidade de ganhar uma grande vantagem na distribuição do seu serviço. Com essa postura, o Netflix está mostrando ter duas caras quando o assunto tratado é neutralidade da rede.

 

O Netflix se tornou referência numa árdua batalha pela garantia à neutralidade de rede nos Estados Unidos. Durante janeiro de 2013 e janeiro de 2014 o serviço de streaming de vídeos sob demanda teve sua velocidade de entrega gradualmente reduzida para usuários da Comcast, numa clara manipulação do tráfego de rede daquela operadora para prejudicar o Netflix (https://is.gd/W29qCC). Porém, no momento que o Netflix fez um acordo comercial com a operadora de telecom, os valores na velocidade de entrega subiram exponencialmente, demonstrando o poder que as operadoras tem para manipular o tráfego de rede e o quanto isso pode ser usado para fins comerciais na exploração de “novos negócios”.

 

O tema ganhou tanta notoriedade nos Estados Unidos que a FCC (Federal Communications Commission), a Anatel estadunidense, promoveu uma consulta pública para discutir a neutralidade de rede, a qual recebeu mais de 1 milhão de contribuições[3] em favor (com um empurrãozinho de John Oliver, é verdade). No Brasil, a neutralidade é um valor defendido e consolidado com o Marco Civil da Internet, reforçado pelo seu decreto de regulamentação que, no Art. 9, proíbe qualquer acordo que limite “o caráter amplo e irrestrito” da internet.

 

Recentemente, a Comcast passou a aplicar os famigerados limites de dados para banda larga. Muito diferente do que se queria fazer aqui pelo Brasil, com miseráveis 10Gb para planos pequenos, lá o limite médio está entre 700Gb e 1Tb. Ainda assim, com a demanda crescente por acesso a dados pesados, como o streaming de vídeos, talvez essa franquia em breve fique pequena, até para essa quantidade de dados. Por isso, algumas empresas de conteúdo estão fazendo acordo com as telcos para que seus serviços tenham bandeira livre para trafegar, sem descontar o valor da franquia contratada. Essa prática é conhecida como tarifação reversa ou, também, zero-rated services. Muitas pessoas vem defendendo que a prática de zero-rating fere a neutralidade da rede, pois cria guetos de acesso, o que vai de encontro ao espírito original da internet: a integração de redes para o compartilhamento amplo e irrestrito de conteúdos. As telcos se defendem com o argumento que isso faz parte da liberdade de modelo de negócio e que limitar essa prática feriria princípios básicos da livre iniciativa. No Brasil, a regulamentação do Marco Civil da internet vedou esse tipo de prática por ferir o caráter “universal e irrestrito da internet”.

 

Este ano a Comcast lançou o seu setup box X1, uma espécie de AppleTV ou Chromecast, em que ela disponibiliza alguns aplicativos de conteúdo que rodam usando a internet, seus e de parceiros. A Comcast anunciou que os aplicativos que usarem o seu X1 não terão os dados trafegados contados, ou seja, todo aplicativo no X1 será zero-rated e isso retomou a discussão se seria quebra de neutralidade ou não. Algumas pessoas defendem que o X1 é, na verdade, um serviço de IPTV, que usa a internet para um fim específico, numa rede específica, mas não é internet e, por isso, não feriria a neutralidade. No caso do Brasil, um serviço como esse seria vedado, uma vez que fere o inciso III do Art. 9, que limita a oferta de vantagem para aplicativos ofertados pela própria telco. Mas se fosse considerado um aparelho de IPTV, essa interpretação já mudaria, pois seria usado para um fim específico (televisão), ofertado a um grupo específico (Art. 2 inciso II alínea b) e, por isso, não feriria nenhuma regra. A verdade é que, com a convergência digital, a fronteira do que é entendido como internet ou não está cada vez mais turva. O que vem a ser a internet no momento em que praticamente tudo está conectado a internet de pessoas a objetos? Existe uma tendência a tudo convergir para internet, afinal esse foi o meio mais eficiente e barato pra transmitirmos todo tipo de conteúdo, desde um e-mail a um vídeo em 4K.

 

Zero-rating ferir ou não a neutralidade está ligado à capacidade de concentração do poder econômico na oferta de alguns serviços. Algumas empresas poderiam criar acordos capazes de formar bolhas de acesso, induzindo alguns usuários, em especial aqueles em fragilidade econômica, a acessarem serviços que lhes forem “mais vantajosos” e não de fato “o que se quer ou pode acessar”. Acabaria que a liberdade de acessar qualquer coisa na internet passaria a ser orientada por uma decisão econômica, induzida por acordo comerciais entre grandes operadores da rede. Isso é uma ameaça a ideia igualitária e distribuída com a qual a internet foi criada, criando ao contrário, “guetos internéticos” e determinando qual internet os pobres terão acesso e qualquer internet para os ricos. Os operadores de redes tem um poder desproporcional nesse jogo. Imagine um país com estradas por toda parte que permite o trânsito livre de pessoas para todo lado. Agora imagine a internet como sendo essa rede de estradas e que essas estradas são controladas por 4 ou 5 empresas. Agora imagine que essas empresas se organizam para determinar o preço dos pedágios das estradas e limitar quantos veículos podem trafegar nessas estradas. Pior, imagine que pessoas com muito dinheiro poderiam trafegar na pista do BRT e sem pagar pedágio. Isso com certeza geraria diferenças abissais com relação ao acesso aos recursos do mundo, e quem tem mais recursos já largaria quilômetros a frente.

 

Quando se fala que o Netflix está mostrando ter duas caras nesse jogo é porque a empresa que sofreu muito pelo controle de tráfego ao seu conteúdo agora está fechando um acordo para ser um dos aplicativos embarcados no X1 da Comcast. Parece que o Netflix vê a quebra da neutralidade no caso na manipulação da velocidade do tráfego, mas não vê problema em se beneficiar do tráfego não tarifado da Comcast. Mas imagine a concorrência desleal que isso representa para startups de conteúdo, com um modelo de negócio parecido com o do Netflix, que tentarem oferecer seu produto no mercado e que encontrarem uma série de barreiras comerciais porque estas empresas não tem dinheiro para oferecer seu serviço na modalidade zero-rated. Numa decisão puramente racional econômica, seria muito mais vantajoso qualquer consumidor optar por um produto que não aumenta minha conta de internet. O Netflix quer chutar a escada que o tornou num dos maiores serviços de streaming do mundo.

 

Mais uma vez, tentando contextualizar com a realidade brasileira, nós temos um sistema de radiodifusão mais concentrados do mundo. Apenas 7 famílias dominam toda a cadeia de conteúdo, desde a produção, passando pelo empacotamento até a distribuição. Além dessa concentração vertical, existe a concentração horizontal, em que os mesmos grupos econômicos dominam rádios e jornais. A internet surgiu como uma grande ferramenta para romper esse oligopólio, mas será que num cenário zero-rated isso seria assim? Imagine que a NET Serviços de Internet é parte do grupo econômico de uma dessas 7 famílias e imagine a imposição da limitação de franquia de dados para banda larga fixa se tornando realidade. Agora imagine que essa operadora comece a não tarifar quando você acessa conteúdos do grupo Globo de comunicação. Qual dos conteúdos vocês acham que terão mais chance de ser acessados? Bingo, a lógica oligopolista do conteúdo se reforça e pode ser que daqui alguns anos estejamos nos lamentando que a internet foi dominada por 7 famílias. Será a tragédia se repetindo, agora como farsa.

[1] http://www.techhive.com/article/3091722/streaming-services/netflix-will-land-on-comcasts-x1-platform-later-this-year.html

[2] http://www.huffingtonpost.com/2014/03/20/netflix-net-neutrality_n_5002935.html

[3] http://www.savetheinternet.com/press-release/105672/more-1-million-people-call-fcc-save-net-neutrality

*Pesquisador de internet e democracia. Mestre em Ciência Política UFPR. Doutorando em Ciência Política UFMG

Proposta de regulamento do SeAC prevê ações de ofício contra práticas anti-competitivas

Samuel Possebon – Tele Time News

A proposta de Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), que está sendo elaborada pela área técnica da Anatel e que balizará o mercado de TV por assinatura, tem uma série de dispositivos que preveem uma interferência da agência no mercado de TV paga quando forem detectadas distorções concorrenciais.

A proposta reitera o tempo todo que a Anatel tem poderes, pela legislação da concorrência, de interferir no mercado, e os pontos em que essa interferência podem acontecer ficam explícitos na proposta técnica de regulamentação do SeAC.

Por exemplo, a proposta técnica, que ainda passará pelo Conselho Diretor e por consulta pública, sugere que a Anatel estabelecerá, em regulamentação específica, as informações que as prestadoras deverão disponibilizar para a agência para que o órgão faça o planejamento, acompanhamento e controle da prestação do serviço.

Além disso, a Anatel pretende, para ampliar a oferta do serviço e a satisfação do usuário, determinar, inclusive por ofício, medidas contra condutas como abuso de preço onde não houver competição; medidas contra condições contratuais abusivas ou tratamento discriminatório que prejudique a competição; medidas contra a inexistência de competição ou controle de recursos essenciais, imposição de barreiras de entrada ou acesso privilegiado a insumos, equipamentos, serviços e fontes de financiamento, entre outras situações.

 

Reservas de mercado previstas na Lei 12.485/2011 devem ser foco de confusão jurídica

Enquanto a regulamentação do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) não vem, uma nova tempestade se aproxima: o que acontecerá com as empresas de radiodifusão que hoje controlam operações de cabo e MMDS e que, pela Lei 12.485/2011, precisam deixar o controle de qualquer atividade de distribuição. A medida pega grupos como a TV Bandeirantes (controladora da TV Cidade/Sim TV), SBT (controlador da TV Alphaville), ORM (controlador de operações de cabo e MMDS no Pará), TV Bahia (controladora de operações de MMDS na Bahia), grupo Jangadeiro (do empresário e ex-senador Tasso Jereissati, que controla operações de cabo e MMDS no Ceará), entre outras. Fontes do grupo Bandeirantes são categóricas ao afirmar: nada precisará ser feito. Segundo essas fontes, não há hipótese de os grupos serem obrigados a abrir mão de investimentos legalmente constituídos e com contratos válidos. Além disso, apostam as fontes, dificilmente esse dispositivo resistirá a uma análise no Supremo Tribunal Federal. A Lei 12.485/2011 dá 12 meses para que a situação seja resolvida.

Para complicar ainda mais o cenário, a lei prevê uma exceção para que grupos de radiodifusão não participem do mercado de distribuição de TV paga. Trata-se da exceção prevista no parágrafo 12 do Artigo 34 da nova lei, que estabelece que as regras que separam distribuição e distribuição previstas nos Artigos 5 e 6 da lei não se aplicam aos "detentores de autorizações para a prestação de TVA". As TVAs são licenças do Serviço Especial de TV por Assinatura, prestadas na faixa de UHF.

Grupos como Band, Globo, Record, RBS e outros grupos de mídia têm licenças do serviço de TVA. Dependendo do que é interpretado como "detentor" da autorização, isso poderia se aplicar ao controlador econômico, apontam especialistas ouvidos por esse noticiário. A leitura da Anatel não é essa, contudo. "Detentor", nesse caso, é apenas o CNPJ que tem a autorização, asseguram fontes da agência. Outro ponto confuso da legislação é se essa exceção continuaria valendo caso a autorização de TVA seja convertida em autorização de SeAC.

Uma definição sobre isso é importante porque, como as autorizações para o SeAC são transparentes em relação às tecnologias utilizadas para distribuí-lo (porque a lei assim o estabelece), e possivelmente serão autorizações de caráter nacional, uma situação curiosa pode acontecer: o grupo Band, por exemplo, pode ter que vender o controle da TV Cidade, mas poderá se tornar um operador do SeAC por ter hoje uma outorga de TVA na cidade de São Paulo, operando em qualquer tecnologia e virtualmente em todo o território nacional, se a licença for mesmo nacional como planeja a agência. Da mesma maneira, o grupo Globo, que na negociação com as teles se comprometeu a sair do mercado de distribuição de TV paga, poderá, se quiser, ser operador nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, já que tem a licença de TVA. Esses cenários acontecerão se a Anatel permitir a migração da TVA para o SeAC sem que os grupos de radiodifusão saiam do controle das empresas "detentoras" das licenças.

Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado vai ao conselho da Anatel esta semana

A Anatel está em fase final de elaboração do regulamento do novo serviço de TV por assinatura, o Serviço de Acesso Condicionado SeAC, criado pela lei 12.485/2011. De acordo com o superintentendente de Comunicação de Massa da agência, Ara Apkar Minassian, até a próxima sexta, 30, a área técnica conclui seu trabalho e encaminha o texto do regulamento para a procuradoria e para o conselho diretor.

Por lei a Anatel tem até 180 dias para regulamentar a matéria, ou seja, março de 2012, mas Minassian diz que a agência está fazendo um esforço para que o regulamento, que passará por consulta pública, esteja aprovado até fevereiro. Ele esclarece que embora Anatel e Ancine estejam em diálogo permanente sobre o assunto, cada agência regulamentará a parte que lhe cabe da lei, restando, portanto, ao final do processo dois regulamentos.

A expectativa de Minassian é que até o final do ano que vem, 70% dos 11 milhões de assinantes que o serviço tem hoje, passarão a dispor do serviço dentro das novas regras do SeAC. Hoje existem cerca de 700 empresas interessadas em explorar o serviço, mas que só terão a outorga depois que a regulamentação do novo marco for conculída.

Must carry

"Na TV aberta não haverá exceções", com essas palavras o superintendente da agência mostrou como o regulamento tratará a questão do must carry das redes abertas para empresas que usam o DTH. Hoje, o must carry é uma obrigação que as operadoras de DTH não têm, mas, segundo Minassian, passarão a ter com a regulamentação do SeAC. Já existe uma alternativa técnica que dribla a falta de capacidade nos satélites. Hoje a Sky, por exemplo, disponibiliza um equipamento que capta o sinal digital terrestre das emissoras abertas. Mas essa solução esbarras em algumas limitações. Primeiro, só funciona em regiões onde já existe o sinal digital. E, além disso, certamente haverá questionamentos sobre a isonomia em relação aos canais que as operadoras de DTH já disponibilizam o sinal da TV pelo satélite.

Debate

O superintendente da Anatel participou nesta terça-feira, 27, de debate na Comissão de Defesa dos Consumidores da Câmara dos Deputados sobre o PL 66, que obriga as prestadoras de TV por assinatura a disponibilizarem em uma ordem sequencial de numeração os canais de distribuição obrigatória.

Durante o debate, entretanto, quase não se falou sobre o PL, talvez porque diversos convidados para a audiência apontaram que a lei 12.485/2011 já trata desse tema. "Esse projeto está superado por uma legislação muito mais sofisticada, que abandona a distinção de tecnologia. Gostaria de pedir a sensibilidade dos senhores para que rejeitem esse projeto, que vai mutilar uma legislação que muitos dizem vitoriosa", disse o vice-presidente da ABTA, José Francisco de Araújo Lima. Mariana Filizola, da NeoTV, acrescenta que a TV aberta é um dos conteúdos de maior interesse para os clientes e, por isso, as empresas têm a preocupação de disponibilizar os canais de forma sequencial e até em manter a mesma numeração que eles têm na TV aberta.

Must carry dos canais abertos e serviços over-the-top são desafios da regulamentação

Os principais desafios da Anatel para regular a nova Lei do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), que foi sancionada nesta segunda, dia 12, pela presidenta Dilma Rousseff, está na questão do must carry dos canais obrigatórios (sobretudo dos canais abertos) e na questão dos serviços over-the-top (OTT).

Na questão dos serviços OTT, como Netflix e outros que estão chegando para competir com a TV paga tradicional, a avaliação de fontes da agência e do governo é que dificilmente isso  poderá ser tratado na regulamentação do SeAC. "Apesar de ser um serviço que potencialmente concorre com a TV por assinatura, a lei define o serviço de acesso condicionado como um serviço com programação linear. Serviços prestados apenas sob demanda não estariam enquadrados", avalia afonte.

 

Must Carry

 

Já a questão dos canais obrigatórios é bem mais complicada. E a dificuldade maior está com a obrigatoriedade de retransmissão dos sinais locais das geradoras de radiodifusão. O Serviço de Acesso Condicionado é obrigado a levar os sinais das geradoras em sua área de autorização. Em operações via satélite de cobertura nacional, seriam centenas de geradoras locais, o que é virtualmente impossível tecnicamente. A Anatel terá a prerrogativa de decidir sobre casos em que haja inviabilidade técnica ou econômica.

O difícil será como resolver casos já existentes. Por exemplo, operadoras como Sky, Telefônica ou Via Embratel têm acordos com algumas geradoras de TV para retransmitir os sinais. Pela nova Lei do SeAC, todas as geradoras poderão pedir o mesmo direito. A Agência terá que decidir se determina que todos os canais sejam levados ou se a operadora de TV por assinatura via satélite não transmite nenhum sinal de TV aberta, o que significaria para as operadoras atuais uma intervenção em contratos existentes. Ainda não parece haver solução para esse problema.

 

Aproveitamento

 

A Anatel deve aproveitar muito do que já estava na consulta pública da regulamentação de TV a cabo que foi proposta em junho. Sobretudo nos procedimentos de solicitação de outorga e obrigações dos operadores. Mas devem ficar fora as questões de conteúdo, agora tratadas pela Ancine. As questões de contrapartidas ainda serão colocadas, mas com remissão direta ao que for estabelecido no Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), para evitar criar regras que serão instituídas em outros instrumentos regulatórios.