Argentina 4 x 0 Brasil

A Argentina comemorou 4 anos de vida da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual 26.522, popularmente conhecida como lei de meios, no dia 10 de outubro. Os resultados produzidos pela lei construída para democratizar a comunicação no país saltam aos olhos, mesmo que o monopólio siga com todos os esforços para interditar a aplicação integral da regra.

O Grupo Clarín se recusa a cumprir o artigo 161 e mantém uma batalha judicial para que não seja obrigado a compartilhar o espaço que ocupa no sistema de comunicações com outras vozes. O artigo é um dos principais instrumentos de desconcentração da propriedade dos meios e de promoção da diversidade e da pluralidade, pois define que cada grupo deve ter, no máximo, 24 licenças de TV a cabo e 10 licenças de serviços abertos (TV aberta, rádios AM e FM). Estabelece, ainda, que aqueles que excederem esse limite devem apresentar um plano de adequação devolvendo as licenças que tiver em excesso para que todos possam ter o direito a ocupar esse espaço que, afinal de contas, é público.

O Clarín possui nada menos que 240 licenças de TV a cabo, 9 de rádios AM, 1 de FM e 4 de TV aberta. Depois de ter vista a falência da estratégia de chamar a lei de meios de “lei mordaça”, dado o amplo apoio popular ao instrumento multiplicador de vozes, o grupo monopólico se resignou a defender que tinha direito de ficar com todas as licenças, mesmo que isso não fosse o mais democrático. O Clarín agora reivindica abertamente o direito de ter o monopólio que adquiriu ao longo da história, porém a história agora é outra.

Mesmo com boa parte do espectro radiodifusor nas mãos do monopólio, a lei já criou um ambiente com uma diversidade de vozes que faz inveja a países como o Brasil. Os números do que já foi feito em 4 anos dão a dimensão da mudança. Desde a aprovação da lei de meios, foram instaladas, na Argentina, 152 rádios em escolas de primeiro e segundo graus, 45 TVs e 53 rádios FM universitárias. Se, no Brasil, os povos originários lutam para não perder direitos constitucionais, no país vizinho eles já passaram a ter o seu primeiro canal na TV aberta e 33 canais de rádio. A posse de meios de comunicação por parte desses povos era proibida antes da nova lei entrar em vigor.

Além de distribuir o espaço de forma mais equilibrada e plural, a lei de meios também começa a transformar radicalmente a economia setor. Mais de 65% do país está coberto por cooperativas de operadoras de TV a cabo e a distribuição gratuita de 1 milhão e duzentos mil codificadores digitais já possibilita a cobertura de 82,5% do território com TV digital aberta. Mais de 4.200 horas de conteúdos e 900 séries de ficção foram produzidas com fomento federal e distribuídas em mais de 30 canais nacionais e estaduais. A Argentina agora conta com 9 polos de produção audiovisual e 100.000 novos postos de trabalho no setor.

Centenas de comunicadores também surgiram nos últimos 4 anos. E para comemorar a política pública que tem tornado efetivo o direito à comunicação e transformado milhões de consumidores em comunicadores ativos não se restringiu a um tradicional ato público, eles foram reunidos no Primeiro Encontro de Comunicação dos Territórios. Nele, compartilharam experiências que estão sendo construídas do extremo norte do país à Patagônia, não mais apenas na cidade de Buenos Aires. O evento aconteceu na antiga Escola de Guerra Naval, hoje transformada no Espaço da Memória e de Defesa dos Direito Humanos. Não há como descrever a emoção de ver os corredores onde 5.000 pessoas foram torturadas, mortas e desaparecidas pela ditadura tomados por pessoas que comemoravam a vitória da democracia. Some-se a isso o fato do espaço não se dedicar apenas à memória, mas também à defesa dos direitos humanos, o que faz dele um espaço vivo que abriga, além do Arquivo Nacional da Memória a Universidade da Madres de Mayo, a produção de um dos canais de TV Públicos e diversas outras estruturas de organizações de ativistas defensores de direitos humanos.

A mesa que abriu os trabalhos estava composta pelo Ministério da Educação, Ministério da Saúde, Ministério do Desenvolvimento Social, Ministério do Trabalho Emprego e Seguridade Social, Ministério de Relações Exteriores, Comissão Nacional de Comunicação e Autoridade de Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA) e pelo Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA). A composição nos dá a dimensão do que é trabalhar os diretos humanos como uma política de Estado e não apenas como uma pasta secundária. O INTA é o instituto equivalente à EMBRAPA no Brasil. Se levarmos em conta que foi o INTA o setor que mais mobilizou comunicadores para o evento, conseguiremos entender o que de fato significa construir políticas públicas que considerem a comunicação como direito e não como um negócio comercial. Um país que assume essa postura permite que se torne uma ferramenta importante não apenas para jornalistas e produtores audiovisuais, mas também para camponeses, povos originários e cidadãos.

Pedro Ekman é integrante da Coordenação Executiva do Intervozes

Ministra propõe ampliar proposta de proteção a jornalistas

A ministra da Secretaria dos Direitos Humanos (SDH), Maria do Rosário, defendeu no dia 15  (terça) a federalização dos crimes contra os direitos humanos durante o Colóquio sobre Medidas Nacionais e Internacionais para a Proteção de Profissionais de Comunicação, realizado no Rio de Janeiro. Presente no evento, a Unesco apresentou um plano de trabalho e indicadores de segurança de jornalistas.

Tramita atualmente na Câmara o Projeto de Lei 1078/11, de autoria do deputado Protógenes Queiroz (PCdoB/SP) que considera assunto da polícia federal os crimes “contra a atividade jornalística”. O Conselho de Comunicação Social, órgão consultivo do Senado, já declarou seu apoio à proposta.

A declaração da ministra propõe que a pressão política dos jornalistas pela aprovação da lei extrapole o corporativismo e se articule com o movimento em defesa dos direitos humanos de uma forma geral. Maria do Rosário relacionou os assassinatos de jornalistas com a formação de grupos de extermínio, que vitimam comunicadores, defensores dos direitos humanos e diversos outros grupos. Segundo ela, o grupo de trabalho da SDH que trata da violência contra jornalistas “deverá propor medidas específicas contra jornalistas e os grupos de extermínio”.

O discurso da ministra é reforçado pela posição defendida pela organização Artigo 19, que investiga casos de violência contra jornalistas e defensores dos direitos humanos. No ano anterior, o Brasil esteve no ranking entre os 10 países com maior número de assassinatos de profissionais de imprensa. O número de ativistas dos direitos humanos, porém, teria sido maior, embora não haja um ranking específico para se fazer comparação. Neste último ano, já são oito o número de casos investigados para jornalistas e nove para militantes de direitos humanos.

Existe atualmente uma emenda constitucional de 2004 que institui o Incidente de Deslocamento de Competência (que seria o nome técnico da federalização). A transferência em casos graves de violações de direitos humanos que representem risco de descumprimento de obrigações assumidas por tratados internacionais firmados pelo Brasil, no entanto, precisa da autorização pelo Superior Tribunal de Justiça.

Dez anos de luta pela democratização da comunicação

Dizem as boas pesquisas e consolidados bordões ligados à democratização da comunicação que 9 famílias controlam a mídia no Brasil, o que pode ser veiculado, assistido, acessado.

Hoje, pode-se dizer que não são mais exatamente 9 famílias – talvez sejam 7, podem ser 10. É preciso lembrar que figuras estrangeiras, por meios legais e outros nem tanto, também já reservam seu quinhão na comunicação brasileira. As empresas de telecom, após toda a generosidade que marcou as privatizações, também se assanham com outras belezas do mercado nacional. E até a equipe do Excelentíssimo Sr. Presidente dos Estados Unidos já tira a sua casquinha. Por outro lado, muito além do Cidadão Kane, nem tudo mais é controlado, distorcido, concentrado.

Nos últimos dez anos, a concentração aumentou junto com a convergência midiática e com a abertura do mercado nacional para o capital estrangeiro. Vimos, por exemplo, a Oi e a Portugal Telecom virarem uma só empresa e a SKY comprar a DirecTV. As empresas do setor cresceram em influência econômica e mantiveram o poderia político. Mas, por outro lado, a internet e o barateamento das tecnologias multiplicaram os produtores de comunicação. E movimentos sociais e demais organizações da sociedade civil intensificaram a pressão para que a comunicação seja tomada como um direito humano.

É neste contexto que o Intervozes- Coletivo Brasil de Comunicação Social se insere.

Em 10 anos de existência, o Intervozes se soma aos anseios de construção de um país em que a comunicação não seja um ambiente monopolizado. Mas as perspectivas se tornaram maiores, acompanhando o crescimento do movimento de comunicação. Almeja-se diversidade e pluralidade. Objetiva-se a efetivação do direito à comunicação, a busca por uma sociedade mais justa, solidária e igual, entre tantas outras expectativas delineadas pelo Coletivo em sua Carta de Princípios.

Neste sábado (19/10), o Intervozes promove uma roda de conversa com diversos atores que viveram as transformações da luta pela democratização da comunicação. A partir das 14h30, o Centro Cultural Municipal Parque das Ruínas, no Rio de Janeiro, será sede do encontro de várias gerações que se unem para avaliar as lutas dos últimos 10 anos, mas também para refletir sobre as perspectivas do movimento pelo direito à comunicação para os anos vindouros. No mesmo dia, a partir das 22h, um grande momento de confraternização será realizado no Centro de Arte Maria Teresa Vieira, também no Rio de Janeiro.

Nesse sentido, impossível não destacar o simbolismo de os debates – e a festa – acontecerem no Rio de Janeiro. Rio de contrastes, de todas as classes, povos, raças e cores. De inigualável elite, e sua formosa Vênus Platinada. Das manifestações sociais em profusão, novas mídias, ninja e comunidade, da polícia equipada, brutal repressão.

Se por um lado pode soar interessante a reflexão a respeito de como o Intervozes foi se transformando a partir dessas mudanças, se renovando e se recriando, o que é realmente notável, contudo, é perceber as transformações experimentadas pela sociedade, pelas comunicações, pelas possibilidades futuras que essa área ainda poderá registrar.

Assim, revisitar um pouquinho de cada momento dessa história do Coletivo, reunida no site que registra os seus 10 anos , é também rememorar um pouquinho da história do país, das comunicações, do muito que já foi feito nessa luta, do tanto que sempre estará por fazer.

Conselho da EBC discute modelo de eleição

O Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) realizou uma audiência pública no dia 14 de outubro (segunda), para debater o modelo de eleição dos seus conselheiros. Realizado na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, o evento contou com a participação dos membros do órgão, da administração da empresa, de funcionários, de organizações da sociedade civil e de telespectadores.

O debate girou em torno da habilitação de entidades que poderiam indicar nomes ao conselho, da competência para a decisão final sobre os eleitos, do processo eleitoral e do perfil das candidaturas. A conselheira Rita Freire, representante da sociedade civil no órgão, destacou a quase completa ausência de pluralidade étnica entre os conselheiros. “Só vemos caras brancas”, afirmou.

Foi enfatizada também a necessidade de se atentar para a diversidade regional, prevista na regulamentação do conselho. O presidente da Associação Brasileira de Televisão Universitária, Cláudio Guimarães, defendeu que as entidades que participassem da indicação deveriam ter representação nacional, embora pudessem atentar para o critério da regionalização em suas indicações.

O Intervozes defendeu que para se garantir a participação democrática deveria ser organizado um colégio eleitoral coordenado pelo Conselho Curador e que os eleitos fossem nomeados conselheiros. Atualmente o órgão recebe indicações da sociedade civil (uma indicação para cada vaga), o conselho realiza uma votação e envia a lista com os resultados para a Presidência da República que toma a decisão final.

Na última eleição foram indicados 22 nomes por 50 entidades e foi elaborada uma lista de dez candidatos para a escolha da presidenta Dilma. O Intervozes apresentou a proposta de que os mais votados pelo colégio eleitoral (a ser instituído) sejam designados para as vagas do conselho, dispensando assim o filtro feito pelo órgão às indicações da sociedade civil (pois os mais indicados não necessariamente coincidem com os mais votados no conselho) e pela Presidência da República (que apenas confirmaria o nome indicado, sem a necessidade de elaboração de uma lista).

O Conselho Curados se encontra atualmente realizando uma consulta pública sobre o modelo de escolha de seus novos integrantes. Acesse aqui.

Semana pela Democratização da Comunicação deve intensificar luta por mudanças

Dia 17 de outubro é o Dia Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação. A data, comemorada desde o início dos anos 2000, está relacionada ao Media Democracy Day, que, em diversos países, ocorre no dia 18 de outubro, em alusão à fundação da rede britânica BBC, considerada modelo de sistema público de comunicação.

O dia escolhido para marcar essa luta, no Brasil, pode ter sido fruto de um equívoco. Mas, talvez por uma dessas artimanhas da história, a mudança acabou conferindo à comemoração brasileira um diferencial. Afinal, o mesmo 17 de outubro foi consagrado como o Dia Internacional pela Erradicação da Pobreza pela Organização das Nações Unidas (ONU). E o que comunicação tem a ver com pobreza? Tudo. O oligopólio dos meios de comunicação é um dos (re)produtores da concentração de poder político e econômico que marca nosso país.

Apenas em 2012, o lucro líquido da Globo foi de  R$ 2,94 bilhões, valor 36% maior do que o resultado do ano anterior, de R$ 2,16 bilhões, de acordo com balanço divulgado pela própria empresa. O montante é o sexto maior do Brasil entre empresas não financeiras. Fica atrás apenas da Petrobras, Vale, Telefônica/Vivo, Ambev e Cemig. E não só os números explicam a pobreza brasileira. A ausência de diversidade na mídia também produz pobreza ao invisibilizar as desigualdades sociais ou ao naturalizá-las. Isso para não falar na pobreza cultural dos programas de auditório repletos de estereótipos e de humor à base de opressão.

Para dar à luta pela democratização da comunicação a dimensão que ela tem para a sociedade brasileira, desde 2003 tem sido articulada a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação. A iniciativa busca unificar esforços de distintos grupos – estudantes, profissionais, sindicatos e organizações culturais – e fortalecer a luta por mudanças estruturais que sejam capazes de dar outro sentido aos meios de comunicação no país, fortalecendo a democracia, distribuindo renda e poder.

Este ano, em que a sociedade civil está mobilizada em torno do Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática, a data ganha mais relevância. Movimentos sociais e organizações de vários estados irão às ruas, entre os dias 13 e 20 deste mês, fortalecer a luta por um novo marco regulatório das comunicações e ampliar a coleta de assinaturas em apoio ao projeto de lei. Integram a agenda de mobilizações: lançamentos do PL; um ato pela Internet Livre em frente à VIVO/Telefônica, em São Paulo; debate com os relatores pela liberdade de expressão, Frank La Rue (ONU) e Catalina Botero (OEA), no Rio de Janeiro; além discussões sobre o direito à comunicação e à liberdade de expressão, lançamentos de livros, passeatas e ações culturais.

Para se somar às mobilizações, basta seguir a programação divulgada pelos movimentos sociais. A atualização das informações está disponível na página do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.