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EBC e emissoras estaduais definem modelo da Rede Brasil

Desde sua idealização, no início de 2007, a TV Brasil vem se deparando com o desafio de definir como será sua relação com as outras emissoras educativas existentes no país. Após intensos meses de discussão entre a direção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e as TVs reunidas em torno da Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), uma reunião realizada na última quinta-feira (8) em Brasília bateu o martelo sobre o modelo de organização destes veículos no que será denominado Rede Brasil.

A iniciativa será estruturada em uma grade de programação de, no mínimo, oito horas, a ser veiculada pelas associadas. Destas, quatro horas serão obrigatoriamente preenchidas pelo conjunto de emissoras educativas estaduais, ou as chamadas “praças” na linguagem televisiva. O restante do tempo será ofertado pela TV Brasil. “É a maneira de assegurar diversidade de aportadores”, defende o diretor de relacionamentos e rede da EBC, Mario Borgneth.

 

O formato apresentado foi bem aceito pelos presentes à reunião. “Esta proposta nova de rede tem compromisso muito claro com a questão da regionalização, da diversificação de produção e da participação da produção independente das emissoras , e tem um viés interessante que é valorização do conteúdo e não da mídia, da venda de audiência”, avalia Marco Antônio Coelho, da Abepec.

 

As emissoras poderão se relacionar de maneiras diferenciadas com a rede. Se optar pela associação plena, uma TV tem o dever de transmitir no mínimo a grande comum de oito horas, mas ganha o direito a benefícios como investimentos e apoios financeiros na produção e compartilhamento de conteúdo e no desenvolvimento de infra-estrutura. Na modalidade mínima, a emissora pode veicular pelo menos três horas da grade nacional, porém terá apoio menor.

A grade de programação será definida por um “comitê de rede” composto por representantes das associadas. Este órgão terá poder de decisão não só sobre o conteúdo mas também sobre os projetos que forem desenvolvidos pela rede. A TV Brasil terá papel de liderança, mas este será mais de suporte e de organização do que de uma cabeça-de-rede.

Segundo Mario Borgneth, a grande diferença da proposta em relação ao que acontece no setor comercial ou o que já foi tentado pela Abepec entre 1999 e 2001 é que o centro organizador da Rede Brasil será o conteúdo. Isto é, o elemento que cada ente agrega à rede é seu conteúdo, e não a sua capacidade de veiculação. “A TV Brasil podia botar em cada cidade uma geradora, mas fez opção de trabalhar com TVs que existem respeitando o espírito do Fórum de TVs públicas”, apóia Marco Antônio Coelho, fazendo referência a evento realizado em 2007 que apontou em seu documento final a cooperação e horizontalidade como princípios da rede que seria criada a partir da “nova TV pública do governo federal”.

Financiamento

Esta arquitetura tem consequências no modelo de financiamento. A distribução dos recursos arrecadados pelos programas da grade nacional se dará de maneira diferente ao que é praticado pelas redes hoje no Brasil.  Ao invés das emissoras receberem pelo quoeficiente da sua “praça” (índice que cruza o alcance de uma TV afiliada com o poder de consumo de sua área de abrangência), o acesso aos recursos se dará pela quantidade de conteúdo que está sendo veiculado na grade nacional.

Assim, aquelas associadas que tiverem um programa de debates, por exemplo, dentro da grade nacional, terão maior participação no que for captado por esta grade do que uma TV que só retransmita a programação. A idéia é incentivar as emissoras educativas e produzirem conteúdos de qualidade com condições de serem ofertados nacionalmente. Hoje, apenas a TV Brasil, a TV Cultura de São Paulo, a Rede Minas e, de maneira menos efetiva, as TVEs do Rio Grande do Sul e Bahia estão neste patamar.

Na reunião os participantes também aprovaram a veiculação de no máximo 15% de propaganda institucional, tal qual prevê a Medida Provisória que criou a EBC. Além disso, foi definido que em conteúdos infantis e filmes de longa metragem não haverá intervalo para qualquer tipo de vinheta ou peça de publicidade.  Mario Borgneth destaca que a política de financiamento tem como foco diminuir as assimetrias existentes entre emissoras de estados como São Paulo e o Acre. Para além da distribuição dos recursos arrecadados com a grade nacional, haverá um montante de investimentos nas TVs estaduais, incluindo do investimento em estúdios e equipamentos de captação e processamento de imagem até suporte à ampliação da estrutura de transmissão e ampliação da rede de distribuição. 

Próximos passos

 

Definido o formato da rede, haverá um período de cerca de dois meses para as emissoras decidirem se farão parte ela. “A tendência é a adesão. Aos poucos cada TV vai se encaixando nas modalidades propostas por que elas serão beneficiadas”, prevê Marco Antônio Coelho. Segundo Mario Borgneth, concluído este processo a EBC vai retomar a articulação com outros segmentos do campo público, como as TVs comunitárias, legislativas e universitárias para discutir a inserção destas no sistema público de comunicação.

 

Desde a realização do Fórum de TVs Públicas, quando todas estas modalidades estiveram reunidas na elaboração de políticas para o campo público de televisão, que estes segmentos citados por Borgneth têm estado relegados a segundo plano. A principal demanda é que estes canais tenham espaço no sinal aberto com a implantação da TV digital no Brasil. Vencida a etapa da Rede Brasil, a ampliação deste esforço para o conjunto do campo público passa por desatar este nó.

Conselho Curador evidencia limites do modelo de gestão da EBC

Passados seis meses da criação da Empresa Brasil de Comunicação, a dinâmica do trabalho do Conselho Curador indica com clareza as limitações do modelo escolhido pelo governo federal para a representação da sociedade dentro da estatal responsável por criar o embrião de um sistema público de comunicação. Segundo organizações da área da comunicação, a indicação dos conselheiros foi feita pelo governo e as funções estabelecidas para o colegiado dentro da EBC – restritas ao acompanhamento e fiscalização – resultaram na criação de uma instância que é pouco capaz de intervir dentro da estrutura da empresa e dos seus veículos.

Ao mesmo tempo, as decisões tomadas até agora pelos conselheiros sobre o funcionamento da instância não ajudam a superar estas insuficiências.

Quatro meses após a posse dos 15 conselheiros indicados pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, foram realizadas duas reuniões ordinárias, além da sessão inaugural. As atas destes encontros não foram tornadas públicas. Isso significa que a sociedade não pode saber, por exemplo, que posições cada conselheiro – que, em tese, a representa – assumiu em cada debate.

Segundo o presidente do Conselho, o economista Luiz Gonzaga Beluzzo, não é intenção do colegiado que a publicação das atas seja uma prática corrente. Para Beluzzo, as funções da instância são internas. Ele acredita, ainda, que as decisões mais importantes ganharão visibilidade pela cobertura da imprensa, como vem acontecendo até agora.

Outro detalhe que elucida a relação estabelecida entre conselho e sociedade é a não divulgação dos registros de presença dos conselheiros. Este registro é organizado por um funcionário da EBC, responsável por secretariar as reuniões. Não é, segundo Beluzzo, uma informação sigilosa, mas tampouco será divulgada amplamente.

O problema, aqui, é que a participação nas reuniões é um critério para a permanência de uma personalidade no conselho. Com três faltas injustificadas em 12 meses, o conselheiro pode ser afastado do colegiado. Nesse sentido, o presidente do colegiado é enfático ao dizer que “serão seguidas as exigências do estatuto”.

Audiências públicas

A única medida aprovada até agora pelo Conselho Curador da EBC que permitirá a interação da sociedade com o colegiado é a realização de audiências públicas, pelo menos uma por semestre. O formato definido pelos conselheiros, no entanto, é o da participação por convite. “Não será um 'vai quem quer'. A idéia é que as audiências sejam temáticas e que os conselheiros possam ouvir e falar com representantes de organizações que já tenham história nos debates sobre comunicação ou o que quer que esteja em pauta”, explica Beluzzo.

“A ritualística atual não corresponde ao que esperávamos do Conselho Curador, mas isso é decorrência do modelo de gestão adotado. Este formato ‘Academia Brasileira de Letras’ do conselho não ajuda a instaurar um caráter de fato público à EBC”, avalia o coordenador do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Celso Schroeder.

Para o conselheiro Luiz Edson Fachin, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, a decisão sobre as audiência públicas é positiva, mas insuficiente. “Se o conselho não possuir mecanismos de diálogo efetivo com a sociedade, nós corremos o risco de ter um conselho fechado em si mesmo. E isso contradiz a sua natureza, que é justamente ser a ponta com o cidadão”, avalia Fachin, referindo-se especialmente à ausência de canais diretos e permanentes de contato entre os cidadãos e o colegiado. No site da EBC, por exemplo, não há um local para o envio de mensagens ao Conselho Curador, nem mesmo a indicação de um endereço para envio de correspondência.

“Para avançar neste sentido, seria fundamental iniciar tornando suas reuniões abertas e suas atas públicas. Outra contribuição seria ter papel ativo, promovendo audiências públicas em locais e junto a diversos segmentos sociais”, avalia Jonas Valente, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. A realização das reuniões do Conselho Curador em localidades diferentes, segundo Fachin, já é uma proposta em discussão entre os conselheiros.

Ouvidor e secretário

A instalação da Ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação, medida prevista na lei 11.652, deve resolver em parte a questão da comunicação entre os usuários das mídias gerenciadas pela estatal e a própria empresa. A previsão da figura do ouvidor e a  abertura de um espaço de pelo menos 15 minutos na TV Brasil para que este apresente suas avaliações ao público foram incluídas na lei durante a tramitação no Congresso da Medida Provisória editada pelo Executivo. Ambas as medidas são consideradas grandes avanços.

Segundo a direção da EBC, a instalação da Ouvidoria é uma prioridade e a indicação do primeiro ouvidor já está sendo encaminhada. Além disso, a direção estaria comprometida com a criação de ouvidorias por mídia. Assim, a TV teria um ouvidor próprio, assim como o conjunto das rádios exploradas pela empresa e a Agência Brasil (que funciona na internet). Estes ouvidores-adjuntos se reportarão à Ouvidoria da EBC.

A ponte entre o ouvidor e o Conselho Curador está garantida também na lei 11.652. O ouvidor tem assento no colegiado, assim como os membros da direção da EBC, todos sem direito a voto.

O presidente do Conselho, Luiz Gonzaga Beluzzo, no entanto, acredita que o acompanhamento que o colegiado precisa fazer do trabalho da EBC é diferente do que se espera da Ouvidoria. “O ouvidor serve à diretoria-executiva. Não quero este tipo de mistura. Não podemos ter nossa relação com a empresa baseada num órgão que está ligado à direção”, comentou.

A idéia de Beluzzo é que o secretário-executivo do Conselho Curador desempenhe a função de acompanhar o cotidiano da EBC e municie o colegiado tanto para que este defina a sua pauta e a desenvolva. Segundo o presidente do Conselho, a diferença fundamental entre o secretário-executivo e o ouvidor é que o primeiro tem uma função estritamente interna à EBC. O secretário poderá, claro, manter contato com a Ouvidoria, mas não terá responsabilidade de dialogar com o público.

A criação da Secretaria-executiva do Conselho já foi aprovada pelos conselheiros. De acordo com Beluzzo, já há a indicação de um nome para ocupar este posto. A indicação foi feita pela presidente da EBC, Tereza Cruvinel, e está sendo avaliada.

Capacidade de intervenção

Schroeder, do FNDC, diz ser necessário ainda dar tempo ao tempo para que a EBC e o próprio Conselho Curador organizem sua rotina. Avalia que é muito positivo que se tenha estabelecido uma estrutura de fiscalização da EBC e dos veículos ligados a ela. “Fiscalização é desejável e melhor que a não-fiscalização”, salienta. O problema, entretanto, é que o Conselho Curador não tem o status de “primeira instância de decisão”.

“O fato do Conselho Curador ser apenas uma estrutura subjacente à gestão de fato, que é feita pelo Conselho de Gestão ainda muito ligado à estrutura de governo, faz com o modelo seja uma mistura entre o estatal e o privado, mas não público”, diz Schroeder, do FNDC. Uma das questões que poderia estar sendo definida dentro do conselho, aponta Schroeder, é a forma de estruturação da rede da TV Brasil, como será a relação entre ela e as emissoras educativas que venham a fazer parte da rede.

Jonas Valente, do Intervozes, ressalta que há espaços possíveis de intervenção junto à EBC para que esta assuma modelos mais democráticos e participativos na gestão. Uma destas oportunidades é o estabelecimento das regras para a consulta pública que terá de ser realizada na renovação da composição do Conselho Curador. A consulta está prevista na Lei 11.652, que criou a EBC em definitivo, mas não foram estabelecidos os parâmetros para a indicação de candidatos ou a forma de escolha, por exemplo a votação direta, dos futuros conselheiros.

Governo cumpre acordo e sanciona lei que cria EBC com veto

O governo cumpriu o acordo com as empresas de televisão e vetou o artigo 31 da Lei nº 11.652/2008, que cria a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) , a TV Pública, e que foi sancionada ontem e publicada na edição de hoje do Diário Oficial da União. Com isso, as emissoras comerciais não terão a obrigatoriedade de repassarem à TV Brasil a transmissão de jogos de seleções brasileiras de qualquer esporte, se comprarem os direitos, mas optarem por não transmitir.

O artigo foi incluído pelo relator da medida provisória da TV Pública na Câmara, deputado Walter Pinheiro (PT-BA), com o intuito de assegurar que os cidadãos tenham acesso às práticas esportivas onde há a representação do País. O parlamentar já avisou que tentará mobilizar o Congresso Nacional para derrubar o veto.

Outro ponto da nova lei deve ser contestado na Justiça pelo Partido Democratas, que considera a criação da contribuição de fomento como um novo imposto e que, por esta razão, não poderia ser estabelecido por medida provisória. A taxa deve assegurar uma receita extra de R$ 150 milhões este ano, além dos R$ 350 milhões previstos no Orçamento da União.

A contribuição de fomento será composta por recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel).

Jornalista demitido acusa Planalto de interferir na TV Brasil

Primeiro âncora da TV Brasil, o jornalista Luiz Lobo, 42, afirma que o Palácio do Planalto interfere no jornalismo praticado pela TV pública federal, lançada pelo governo Lula, em dezembro, com a promessa de que não seria uma emissora chapa-branca. "Existe, sim, interferência do Planalto lá dentro. Há um cuidado que vai além do jornalístico", afirma.

Lobo foi demitido na última sexta-feira, segundo ele, por ter resistido às interferências. Afirma que o Planalto controla o conteúdo das reportagens por meio da jornalista Jaqueline Paiva, mulher do também jornalista Nelson Breve, assessor de imprensa da Presidência da República. Lobo era também editor-chefe do "Repórter Brasil", primeiro e único, até agora, programa da TV Brasil. Jaqueline ocupa o cargo de coordenadora de telejornais.

Lobo diz que a "pressão" aumentou nas últimas duas semanas, quando a crise dos cartões corporativos atingiu a ministra Dilma Rousseff, com o vazamento de um dossiê, elaborado pela Casa Civil, de gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de sua mulher, Ruth Cardoso.

"Não podíamos falar em dossiê, mas em "levantamento sobre uso dos cartões". Depois, a orientação era falar "suposto dossiê'", relata Lobo.

Autonomia

"Todo texto sobre Planalto, Presidência, política e economia tem que passar por ela [Jaqueline Paiva]. É ela quem edita, faz as cabeças [a introdução das reportagens de televisão, lida pelo apresentador]. Existe um poder dentro daquela redação. Eu era editor-chefe, mas perdi autonomia até para fazer a escalada [as manchetes de um telejornal]. A Jaqueline muda os textos dos repórteres freqüentemente. Há muita insatisfação entre os jornalistas", afirma.

Outro exemplo de interferência, de acordo com Lobo, foi a orientação para, nas reportagens sobre deficiências da saúde pública, informar que o setor sofreu um corte orçamentário devido ao fim da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). A derrubada da CPMF foi uma vitória da oposição.

"Fizemos uma reportagem falando que a verba do SUS [Sistema Único de Saúde] acabaria antes do fim do ano. A Helena [Chagas, diretora de jornalismo da TV Brasil] me chamou na sala dela e disse que era um absurdo uma matéria daquelas ir ao ar, porque em nenhum momento mencionava a falta dos bilhões da CPMF", diz.

Lobo e Jaqueline Paiva travavam embates quase diários na redação de Brasília da TV Brasil. Para o jornalista, a função de Jaqueline deveria ser a de dar direcionamento ao telejornal, não a de editá-lo. "Nunca gravei nem uma nota que ela [Jaqueline Paiva] não revisasse. Não vou dizer que fui um editor-chefe de faz-de-conta porque lutei muito", afirma.

Para Lobo, o espaço dado à oposição na TV Brasil é um disfarce. "A forma que se encontrou para mostrar que a TV não era chapa-branca foi ouvir os dois lados. Mas isso é obrigatório no jornalismo."

A demissão de Lobo ocorreu dois dias depois de ele, como conta, ter relatado interferências a Orlando Senna, diretor-geral da TV Brasil.

O jornalista, que trabalhou durante seis anos na PBS (TV pública americana), afirma que continua acreditando no projeto: "Sou defensor da TV Brasil. Ainda acredito no projeto de uma TV pública. Mas de domínio público, não estatal".

'O que a gente faz é jornalismo', diz Helena Chagas

"Tudo o que está ali [no telejornal] é responsabilidade minha. Jaqueline [Paiva] não é interventora. Nós demos matérias sobre o dossiê todos os dias. Levo muita crítica por ser muito chapa-preta. Mas o que a gente faz não é chapa-preta nem branca. É jornalismo", diz. Helena afirma que a decisão de contratar Jaqueline foi dela. "A Jaqueline trabalhava comigo no SBT, está acostumada a trabalhar comigo."

A diretora diz que demitiu Luiz Lobo, principalmente, por "incompatibilidade" com a função de editor-chefe. Conta que ele, desde dezembro, se recusava a assinar contrato. A jornada prevista era de 30 horas semanais e ele só se dispunha a trabalhar das 16h às 22h.

"Não dá para ser editor-chefe de jornal entrando às 16h. É incompatível. Como Jaqueline é chefe de telejornais, portanto acima dele [Lobo], e como ele não comparecia, é claro que os textos passavam por ela", afirma.

Lobo contesta. Diz que chegava à TV Brasil às 10h30, saía às 13h30 e retornava às 16h. Apenas nas últimas semanas, quando a "pressão se tornou insuportável", é que passou a entrar às 16h, diz.

Helena confirma a cobrança da informação do fim da CPMF em reportagem sobre saúde pública. "Eu cheguei e falei que faltava um detalhe na matéria: faltam os R$ 30 bilhões da CPMF, em nome do bom jornalismo. Não foi um episódio político, mas um reparo jornalístico", diz.

A diretora também confirma a orientação para o uso de "suposto dossiê". "O tempo todo eu pedi "suposto dossiê." Acho que é mais correto do ponto de vista jornalístico."

Para Helena Chagas, Luiz Lobo resolveu acusar interferência no jornalismo da TV Brasil porque "está ressentido" por ter sido demitido.

Jaqueline Paiva também se defende da acusação de "interventora". "Sou uma mulher de televisão. O que mais gosto é de notícia", diz, lembrando seus dez anos de Record, um de Globo e um de SBT, além de um mestrado na UnB. "Tenho vida profissional em Brasília que me habilita para o cargo", afirma.

A jornalista nega que tenha assumido funções de editor-chefe. Diz que sua função era a de discutir com os editores o conteúdo do telejornal. "Jamais fechei um texto sem o editor junto."

EBC é só o embrião de um sistema público, afirma pesquisadora

A criação da Empresa Brasil de Comunicação e, especialmente, da TV Brasil não pode ofuscar o debate de fundo sobre a implantação de um Sistema Público de Comunicação, previsto no artigo 223 da Constituição Federal. A preocupação esteve presente no seminário “A TV Brasil e os desafios para a constituição de um sistema público de comunicação”, promovido pelo Intervozes na Escola de Comunicações e Artes da USP na última sexta-feira (7), onde especialistas no tema e representantes da sociedade civil ressaltaram a importância do fortalecimento da EBC como um primeiro passo neste sentido.

“Equipamento é diferente de sistema. O que o governo faz agora, com a criação da EBC, é instituir um equipamento que pode ser fomentador da criação do sistema público de comunicação”, ressaltou Wilma Madeira, pesquisadora do Grupo de Trabalho em Comunicação da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Wilma traçou um paralelo entre a disputa colocada para o campo da comunicação e a já realizada pelo movimento de saúde pela implementação do Sistema Único de Saúde (SUS).

O representante do Intervozes, João Brant, lembrou o desequilíbrio entre a força do sistema privado e a fragmentação de iniciativas dentro do chamado campo público, especialmente no que diz respeito à radiodifusão. No entanto, alertou também para o fato que a “TV pública é apenas o embrião de um sistema público de comunicação”.

“É preciso trabalhar no presente, cuidar dos buracos no caminho, mas sem deixar de olhar para o futuro”, disse Brant. A afirmação é uma clara referência às disputas pontuais pela aprovação da Medida Provisória que criou a EBC e à organização interna do canal federal.

Para Wilma Madeira, é preciso resguardar desde já os princípios mínimos de um sistema público: participação e controle social na gestão, e independência do governo e do mercado. “Temos de ter em mente que a estrutura e a gestão formatam as idéias”, comentou.

Brant lembrou ainda que o debate em torno da TV Brasil faz com que temas como a constituição de uma rede pública de rádios e de uma política de incentivo real à produção popular, como a criação de Centrais Públicas de Comunicação, tenham sido postas de lado. Da mesma forma, para ele é preciso ter desde já uma posição clara sobre a constituição do sistema público em um ambiente de convergência tecnológica.

Regulamentação

O professor da Universidade de São Paulo e pesquisador do tema da TV pública, Laurindo Lalo Leal Filho, reconhece as limitações das ações desenvolvidas até agora no âmbito do governo, mas comemora o fato do tema ter voltado à berlinda. “A unidade em torno da implantação de um sistema de radiodifusão pública é sinal de um avanço na democracia do país”, afirmou.

Lalo apontou a regulamentação do artigo 223 da Constituição brasileira como uma meta a ser perseguida. O artigo prevê que o sistema de comunicação nacional será formado pelos sistemas público, privado e estatal funcionando em equilíbrio. O pesquisador da USP, assim como João Brant, reforçaram que praticamente todos os pontos relacionados ao tema da comunicação, até hoje não há uma regulamentação que caracterize o funcionamento dos sistemas público e estatal.

Mais cedo, a presidente da empresa, Tereza Cruvinel, havia dito que a “regulamentação do artigo 223 não saiu de um deslumbre repentino: vamos fazer uma TV Pública”. Segundo ela, a discussão sobre o artigo constitucional tinha sido, até agora, “um debate interditado”. “A EBC foi criada para fazer acontecer o artigo 223”, afirmou Tereza.

Para o pesquisador da USP, a MP 398, que criou a EBC, não pode ser considerada uma regulamentação. Lalo também indicou que a empresa estatal e a TV Brasil são um núcleo a partir do qual pode se estabelecer um sistema público.