Câmara do Uruguai aprova lei que democratiza a mídia

O Uruguai é o mais novo país latino-americano a enfrentar históricas oligarquias midiáticas e levar a cabo uma lei que democratiza os meios de comunicação. Na terça-feira, 10 de dezembro, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Serviços de Comunicação Audiovisual, proposta por iniciativa do governo de José “Pepe” Mujica.

Com 50 votos favoráveis dentre 85 parlamentares presentes, a Câmara dos Deputados ratifica e encaminha o projeto ao Senado, que deve discuti-lo no começo de 2014, de acordo com a bancada da Frente Ampla.

Com 183 artigos, a “Lei de Meios” uruguaia, que trata dos meios de comunicação eletrônicos, inclui cerca de 100 mudanças em relação à proposta inicial, enviada pelo Poder Executivo no começo do ano – sim, a elaboração e a votação do marco regulatório tem tudo para levar pouco mais de um ano no país vizinho, apenas.

De acordo com o texto final, os serviços abordados na pauta são de interesse público e, por isso, “é dever do Estado assegurar o acesso universal aos mesmos, contribuindo desta forma com liberdade de informação, inclusão social, não-discriminação, promoção da diversidade cultural, educação e entretenimento”.

Além de abordar o direito à comunicação como direito humano que deve ser garantido a todo cidadão uruguaio, o projeto também cita a relevância do tema para consolidar e aprofundar a democracia no país: os monópolios e oligopólios que são proprietários e controlam os meios de comunicação “conspiram contra a democracia ao restringir a pluralidade e a diversidade que asseguram o pleno exercício do direito à informação”, segundo o texto.

A importante questão do sistema de concessões públicas não ficou de fora. A partir da aprovação da lei, a concentração dos meios deverá ser significativamente reduzida, a partir da “plena transparência no processo de concessão de autorizações e licenças para exercer a titularidade”.

A lei uruguaia também prevê a criação de um Conselho de Comunicação Audiovisual, com a ideia de “propor, implementar, monitorar e fiscalizar o comprimento das políticas” que estão vinculadas aos meios eletrônicos, assegurando um importante instrumento de participação social no setor.

A iniciativa estabelece, ainda, cotas mínimas de produção audiovisual nacional; institui o horário eleitoral gratuito nos canais; e determina que empresas telefônicas não poderão explorar ondas de rádio nem de televisão.

Por fim, as mudanças previstas contemplam a proteção à criança e ao adolescente, já que regula a veiculação de imagens com “violência excessiva”, por exemplo. Das 6h às 22h, esse tipo de conteúdo está proibido, com a exceção para “programas informativos, quando se tratar de situação de notório interesse público” e somente com aviso prévio explícito sobre a exposição dos menores.

Por autonomia financeira, EBC luta por recursos públicos

Por Bruno Marinoni*

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) luta para ter acesso à Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, recurso previsto pela lei que criou a empresa, em 2008. Mas as empresas de telecomunicações, devedoras do tributo, têm questionado na justiça a constitucionalidade da contribuição, alegando não haver relação entre as finalidades da comunicação pública e a atividade das teles. Embora os tribunais tenham se mostrado favoráveis à posição da EBC e contrários ao Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviços Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil), os recursos são depositados em juízo, desde 2009, impedindo sua utilização pela EBC.

O montante já chega a, aproximadamente, R$ 1,37 bilhão. No começo deste mês, a empresa conseguiu, na Justiça, a liberação de cerca de R$ 321 milhões, parte dos recursos referentes à cota da operadora TIM, que abriu mão do depósito em juízo, embora não tenha desistido da ação judicial. O desafio agora é fazer com que esse dinheiro chegue até a empresa. Para ter acesso ao dinheiro liberado, a EBC tem ainda que negociar com o governo, pois o dinheiro estava sendo depositado em conta única. Defensores da democratização da comunicação e da comunicação pública temem que esse dinheiro seja subtraído para a aplicação em outras finalidades (como o provável buraco sem fim do pagamento da dívida pública).

Neste ano de 2013, o orçamento previsto para EBC foi de R$ 533,5 milhões, dos quais R$ 26 milhões foram contingenciados. A captação de receitas próprias, por meio do apoio da publicidade institucional e da prestação de serviços, reuniu desse volume total cerca de R$ 106 milhões. O recurso é insuficiente para ampliar a prestação de serviços para todo o país. Por isso, o presidente da empresa, Nelson Breve, está empenhado em fazer com que seja confirmada, no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2014, a ampliação dos recursos da EBC em R$ 114 milhões, conforme previsto na emenda do deputado Paulão (PT-AL). A pressão recai agora sobre o relator da matéria, o deputado Miguel Correa (PT-MG).

Um dos pilares da comunicação pública que tem sido defendido pelo movimento de democratização da comunicação é a autonomia dos veículos desse setor em relação aos interesses privados e governamentais, diferenciando-se, assim, tanto do sistema comercial quanto do estatal. Para que a comunicação pública possa existir de fato, o aporte dos recursos do fundo e a ampliação do orçamento são fundamentais, pois sem isso iniciativas como a EBC ficam sujeitas às chantagens do mercado e das estruturas burocráticas. Uma empresa de comunicação pública que não tenha um instrumento autônomo de financiamento, como a Contribuição para o Fomento da Comunicação Pública, corre o risco de não ter condições econômicas e, portanto, políticas, para cumprir o seu papel de servir à cidadania.

*Bruno Marinoni é integrante do Intervozes, doutor em Sociologia pela UFPE e repórter do Observatório do Direito à Comunicação.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Fórum Mundial de Direitos Humanos terá 26 atividades tematizando a comunicação

Redação – Observatório do Direito à Comunicação

O Fórum Mundial de Direitos Humanos, iniciado no dia 10/12, tem em sua programação ao menos 26 atividades com o tema da comunicação, das quais são destaques o debate "Comunicação e Direitos Humanos" e a atividade sobre a Lei da Mídia Democrática.

O evento acontece em Brasília (DF) e segue até o dia 13. É uma realização da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e conta com diversas atividades auto-gestionadas pelas entidades participantes.

Saiba mais e confira a programação clicando aqui.

Mídia e Direitos Humanos: um debate necessário

Por Paulo Victor Melo, Raquel Dantas e Thaís Brito*

Nesta terça-feira, 10/12, será celebrado mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Por assinalar a fase de internacionalização dos direitos humanos e interferir na elaboração de dezenas de tratados e convenções, a Declaração é um marco na história da luta pela efetivação dos direitos humanos em todo o mundo.

Após 65 anos da assinatura do documento, uma das questões centrais nos debates sobre direitos humanos é, sem dúvidas, o papel desempenhado pelos meios de comunicação. Em seu artigo 19, a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.

Assim, a comunicação se configura como um direito humano a ser reivindicado, interferindo diretamente na garantia ou negação de outros direitos. Espaço político com capacidade de formar valores, propagar ideias e influenciar comportamentos, a mídia desempenha, historicamente, um papel duplo: por um lado, podem atuar como instrumentos estratégicos na construção de uma cultura de respeito aos direitos humanos; por outro, muitas vezes, reproduz e legitima violações desses direitos, fortalecendo, assim, a constituição de uma sociedade baseada no preconceito e na opressão.

E no Brasil, como a mídia tem atuado em relação aos direitos humanos? Quantos programas nas emissoras de televisão debatem, com profundidade e de modo permanente, temáticas relativas aos direitos humanos? Quantas campanhas educativas nas emissoras de rádio incentivam mudanças de comportamento para conseguirmos, por exemplo, combater o racismo ou a violência aos/às homossexuais? Quantas propagandas de cerveja se utilizam das mulheres como objetos e a colocam em posição de inferioridade e sob assédio moral? Quantos programas disponibilizam mecanismos de acessibilidade para que pessoas com deficiência tenham acesso aos seus conteúdos? Em qual capital, de Norte a Sul do país, temos programa de TV que criminaliza negros e pobres das periferias?

As respostas a essas e outras questões não deixam dúvidas: em nosso país, a mídia tem se revelado, indiscutivelmente, um eficaz instrumento de violação de direitos. Uma análise mais cuidadosa e ampla da produção midiática consegue escancarar uma dimensão ainda mais séria e preocupante dessa realidade, tendo em vista o poder de alcance dos meios de comunicação de massa e a manutenção de uma postura, se não sempre violadora, mas omissa, desde que o sistema de comunicação brasileiro foi implantado.

A televisão aberta, assistida cotidianamente por 94% da população brasileira, segundo recente pesquisa da Fundação Perseu Abramo, coleciona programas campeões de violações. Dois exemplos são emblemáticos: os programas de auditório que exploram conflitos pessoais e abusam da exposição das mazelas de pessoas em situação de vulnerabilidade psicológica e social; e os programas policiais que violam direitos de crianças e adolescentes, criminalizam a pobreza, invadem domicílios e desrespeitam, de todas as formas, a dignidade humana. Em síntese, a mídia brasileira, de um modo geral, tem sido criminosa e irresponsável pela infinidade flagrante de reforços de intolerância e violência.

Atento a este cenário e buscando intervir diretamente na construção de uma nova postura dos meios de comunicação de massa, o Intervozes está realizando o Ciclo de Formação Mídia e Educação em Direitos Humanos, um projeto do coletivo fruto de convênio com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Por meio de oficinas que discutem história, princípios e características dos direitos humanos, direitos de mulheres, negros e negras, população LGBT, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência e população idosa, o Ciclo busca capacitar – nas cidades de Brasília, Curitiba, Fortaleza, Salvador e São Paulo – militantes de movimentos sociais e comunicadores/as comunitários/as para a educação em direitos humanos e a multiplicação de uma cultura de paz e valorização da diversidade.

Porém, mais que o debate sobre a relação entre mídia e direitos humanos ou a capacitação dessas lideranças sociais, o Ciclo visa incentivar denúncias de violações e a exigibilidade dos direitos humanos em diferentes espaços, incluindo os meios de comunicação, bem como ampliar o debate sobre o papel da mídia em temáticas relativas. Justamente por isso, as oficinas têm como público pessoas que lidam diretamente com direitos humanos ou que representam grupos que, cotidianamente, têm seus direitos violados.

Com as oficinas em andamento, o Ciclo já proporcionou encaminhamentos que vão ao encontro destes objetivos, como a criação de um grupo de trabalho permanente formado pelas entidades participantes das oficinas e o Ministério Público, em Curitiba; e o envolvimento e participação dos grupos e coletivos presentes às oficinas em Salvador na Frente Baiana pela Democratização das Comunicações.

Acreditamos que esse é um caminho essencial. O debate permanente, a qualificação de militantes sociais e a articulação para medidas efetivas de denúncia e exigibilidade de direitos são ações necessárias para que tenhamos, no Brasil, uma mídia que valorize e promova os direitos humanos de mulheres, da população LGBT, dos negros e das negras, das populações tradicionais, das crianças e adolescentes, das pessoas com deficiência e da população idosa.

*Paulo Victor Melo, Raquel Dantas e Thaís Brito, integrantes do Intervozes e compõem a Coordenação do Ciclo de Formação Mídia e Educação em Direitos Humanos.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

EBC deverá receber recursos retidos desde 2009

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) conseguiu na Justiça a liberação de cerca de R$ 321 milhões, parte da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública. Os recursos são referentes ao recolhimento feito pela operadora TIM, que abriu mão de depositar em juízo, embora não tenha desistido do recurso na Justiça.

A contribuição foi criada em 2008, na lei de criação da EBC, que determinou que 75% do Fundo  de Fiscalização de Telecomunicações (Fistel) deverá ser destinado à empresa. Mais 2,5% devem ir para a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e 22,5% para as demais emissoras públicas. Como as operadoras de telefonia, que pagam o fundo, questionaram o recolhimento, desde 2009, os recursos estão sendo depositados em juízo. Segundo o presidente da EBC, Nelson Breve, atualmente há aproximadamente R$ 1,37 bilhão depositados em juízo, sem contar a correção monetária.

A Justiça tinha decidido em primeira instância favoravelmente ao recolhimento dos valores para a EBC. O setor recorreu com um mandado de segurança para suspender a decisão anterior, mas como a TIM decidiu abrir mão de depositar em juízo, foi autorizado o recolhimento do tributo para a EBC.  A Agência Nacional de Telecomunicações questionou a decisão, mas perdeu o prazo para apresentação de recurso, o que liberou o caminho para que os valores sejam repassados para a EBC.

Para ter acesso aos recursos da TIM, a EBC terá que negociar com o Tesouro Nacional, porque o dinheiro estava sendo depositado na Conta Única do governo. Breve disse que espera que agora o caminho fique mais fácil para que as outras empresas também liberem o recurso a exemplo da TIM.

“Não abrimos mão de continuar negociando a abertura. Acho que está perto porque a TIM foi a primeira, acho que os outros vêm depois, a tendência é muito grande, porque a jurisprudência do STF é muito recente”, disse Breve no dia 2 de dezembro, após reunião do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional.

Em outubro, o Conselho Curador da EBC enviou um ofício à Anatel pedindo a liberação dos recursos pagos pela TIM.  Segundo o órgão, a previsão orçamentária é fundamental para o cumprimento das funções da EBC previstas em Lei. “É nesta contribuição que está aportada a garantia da autonomia da empresa, visto se tratar da única receita não contingenciável e que não oscila de acordo com o mercado de prestações de serviço e com os contingenciamentos do governo federal”.

Em 2013, a empresa teve orçamento previsto de R$ 533,5 milhões, dos quais R$ 26 milhões estavam contingenciados. Desse total, R$ 106 milhões dependem de captação de receitas próprias, por meio do apoio da publicidade institucional e da prestação de serviços.