Mídia livre: uma luta muito além do Brasil

Por Bia Barbosa*

Criminalização de rádios comunitárias, blogueiros e ativistas digitais. Ausência de diversidade e pluralidade dos meios de comunicação de massa. Acesso à internet somente para quem pode pagar (caro) pelo serviço. Leis que cerceiam a liberdade de expressão do conjunto da sociedade, dando voz apenas aos “donos da mídia”. Um sistema público de comunicação frágil e insipiente. Falta de incentivo aos produtores e comunicadores independentes.

Este quadro no sistema midiático está longe de ser exclusivo do Brasil e é mais comum do que imaginamos em todo o planeta. Desafios semelhantes levaram então defensores do direito à comunicação de diferentes países a se articularem, desde 2009, em torno de um fórum de diálogo e planejamento de estratégias conjuntas para enfrentar lado a lado os mesmos problemas.

No último final de semana, esses defensores e ativistas se encontraram novamente, em Porto Alegre, num seminário internacional do Fórum Mundial de Mídia Livre, que reuniu movimentos da Argentina, França, Itália, Alemanha, Moçambique, Senegal e Marrocos. O encontro, além de debater questões centrais da luta pela democratização das comunicações no Brasil, deu um pontapé para a elaboração da Carta Mundial de Mídia Livre.

O documento tem como objetivo estabelecer princípios e garantias para o funcionamento de uma outra mídia e para o exercício da liberdade de expressão em todo o mundo. Entre elas estão a reserva de espectro para emissoras comunitárias, políticas públicas de sustentabilidade a novas iniciativas de comunicação, uma governança democrática da internet, com neutralidade de rede e preservação da privacidade na web.

Nas últimas décadas, o avanço das novas tecnologias de informação e comunicação, principalmente da internet, abriu novas possibilidades de compartilhamento de conhecimento assim como multiplicou a formação de redes de ativismo. Apropriando-se dessas novas tecnologias, a sociedade civil ampliou iniciativas de rádios e TVs independentes, blogs, redes sociais, plataformas de compartilhamento de áudio e vídeo, jornais e revistas eletrônicos, entre outros. Também desenvolveu software livres e interfaces alternativas aos programas e serviços comerciais, além de ter impulsionado mudanças em marcos legais como forma de promover o direito à comunicação.

No entanto, apesar desses avanços, a concentração da propriedade dos meios de comunicação de massa continua crescente. Cotidianamente, em diferentes regiões do globo, interesses de grupos sociais oprimidos seguem invisibilizados. Múltiplas visões de mundo são sonegadas ao grande público.

Em busca de uma radicalização da democracia e entendendo a informação e a comunicação democráticas como condição fundamental para a participação cidadã, as mídias livres atuam para transformar essa realidade, contra-hegemônicamente. Cumprem sua missão com independência em relação ao poder político e econômico dos governos e grandes grupos de comunicação. Não à toa, seguem marginalizadas na maior parte dos países.

A Carta Mundial da Mídia Livre surge então para ser um instrumento de mobilização de diferentes grupos e plataformas de comunicação em torno deste tema. Ela será elaborada ao longo de 2014 em mais três encontros internacionais e colocado em consulta a todos os interessados em uma plataforma virtual. Sua adoção acontecerá em 2015, em Tunes, durante o Fórum Social Mundial. O Intervozes é uma das organizações brasileiras que participa desta iniciativa, e informações sobre o andamento do processo serão publicadas na página do Fórum Mundial da Mídia Livre: www.fmml.net

* Bia Barbosa é jornalista, mestre em políticas públicas e integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Denúncia aponta criminalização de rádio comunitária no interior de São Paulo

O Movimento Nacional de Rádios Comunitárias (MNRC) denuncia que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) teria cometido uma série de irregularidades no fechamento de uma rádio comunitária em Capivari, no dia 23 de janeiro. Entre os problemas apontados na ação, afirma-se que um radialista que já responde a outros dois processos teria sido apontado de forma equivocada como responsável pela emissora, fazendo recair sobre ele mais uma ação judicial.

Para um dos coordenadores do MNRC, Jerry de Oliveira, o caso expressa uma tentativa de criminalização de um radialista. Além disso, aponta uma série de problemas nos procedimentos adotados. Segundo seu relato, os agentes da Anatel teriam abordado um coordenador da emissora fora das instalações da rádio e o coagido a se dirigir ao local, sem mandado. A coação teria se dado com a apresentação da identificação de agentes federais induzindo a compreensão equivocada de que se tratava da polícia federal.

Segundo Oliveira, faz 15 anos que não são publicados os aviso de habilitação para rádios comunitárias no município de Capivari, apesar de haver muito espaço no espectro. Tal situação obrigaria os comunicadores populares a se calarem ou operarem sem autorização. O interesse privado de duas rádios, afirma o coordenador do MNRC, estaria pesando também como obstáculo para o desenvolvimento da comunicação comunitária local.

De acordo com a Anatel, "a ação dos fiscais  está de acordo com a legislação. A emissora denominada Monte Sinai não possui outorga e operava clandestinamente da faixa de 102,5MHz. No endereço fiscalizado, os fiscais encontraram o estúdio da emissora. Além disso, o transmissor de link não possui certificação da Anatel. O serviço foi interrompido e os equipamentos apreendidos devido ao uso não autorizado da radiofrequência. O Auto de infração foi lavrado em nome da Associação Cultural Monte Sinai, responsável pela rádio. Durante a ação, o filho do presidente da Associação encontrava-se no estúdio e negou fornecer o endereço da estação principal".

Antecedentes

O município de Capivari fica a cerca de 60 km de Campinas (SP). O ex-prefeito Luis Donisete Campaci, em um vídeo disponível na internet , revelou a influência que o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), exerceu para facilitar a liberação de uma outorga para uma rádio “comunitária” da região, o que pode dar uma ideia de como as forças políticas locais se apropriam dos instrumentos do Estado brasileiro e das políticas de comunicação.

Violações ao direito humano a comunicação como as apontadas nessa matéria foram objeto de denúncia pela organização Artigo 19 e a Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc Brasil) em março de 2013, em uma audiênca com a Organização dos Estados Americanos (OEA).

Governo abandona Ginga, sistema de interatividade para TV digital

Por Gustavo Gindre*

O Decreto 4901/2003 permitiu que recursos do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel) fossem usados para financiar consórcios de universidades brasileiras que fizessem pesquisas ligadas à digitalização da TV aberta. Foram listados temas como transmissão e recepção, modulação, interatividade, middleware, serviços, aplicações e conteúdo e investidos cerca de R$ 100 milhões.

Mas, quando o governo decidiu pela implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T), através do Decreto 5820/2006, uma única tecnologia brasileira foi aproveitada: o middleware Ginga. No restante, a TV digital brasileira usaria as tecnologias do sistema japonês, o ISDB-T (Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial). A essa combinação, de uma única tecnologia brasileira com um sistema inteiro japonês, o governo chamou de nipo-brasileira (sic).

Middleware é um software base, que se posiciona entre o hardware e as diferentes aplicações que rodam naquela máquina. No caso do Ginga, ele nasceu vocacionado para lidar com interatividade, e sua parte principal (Ginga-NCL) foi escrita em código-fonte aberto. Ao longo dos anos, o Ginga se tornou um padrão da Associação Nacional de Normas Técnicas (ABNT) e da União Internacional de Telecomunicações (UIT).

Embora o decreto que decidiu por sua utilização na TV aberta seja de junho de 2006, o Ginga só se tornou obrigatório em 2013, mesmo assim para 75% das TVs fabricadas no Brasil. A instalação em todas as TVs está prevista apenas para 2015. Com isso, é possível dizer que o Ginga fracassou na TV aberta e com ele morreu a única tecnologia nacional de um sistema dito “nipo-brasileiro”.

Oracle

O primeiro problema enfrentado pelo Ginga foi a opção por usar a tecnologia Java, de propriedade da Oracle. Com isso, viveu-se uma longa batalha em torno da possibilidade de pagamento de royalties que tornariam proibitivo o uso do Ginga. Mas a Oracle não foi nem de perto o principal adversário do Ginga.

Radiodifusores

Ainda é possível lembrar de representantes dos radiodifusores no Conselho Consultivo do SBTVD-T afirmando que interatividade na TV não passava de ficção científica e que TV e internet sempre seriam coisas totalmente diferentes.

Obviamente não se trata de ignorância, mas da determinação política dos radiodifusores de evitar ao máximo possível qualquer mudança no modelo de negócios da TV aberta. E quanto maior a interatividade, maior o risco de evasão de audiência. Por isso, os radiodifusores tentaram evitar qualquer tecnologia que integrasse a TV com outras mídias. E entre elas estava o Ginga, combatido desde o início. Naquela altura, porém, mal sabiam os radiodifusores que a interatividade chegaria à TV e que seu maior problema não estava no Ginga.

Samsung, LG, Sony, Google e Apple

A venda de aparelhos de TV tem uma pequena margem de lucro. O negócio, portanto, só é sustentável para aqueles que operam em grande escala. É justamente por isso que fabricantes vêm abandonando o setor, que se concentra em poucas empresas, como Samsung, LG e Sony.

Nos últimos anos, essas empresas têm procurado agregar valor às TVs, através de novas e maiores telas (LED e Oled), do aumento da definição (com o novíssimo 4K), mas, principalmente, da introdução das smarTVs, integradas à internet. Esses aparelhos são a porta de entrada para os fabricantes criarem lojas de aplicativos. Também Google e Apple já perceberam o potencial de conectar as TVs à internet e apostam em seus próprios aparelhos e, claro, nas suas lojas de aplicativos.

Esse modelo de negócio contraria o interesse dos radiodufusores e faz do Ginga um concorrente indesejado. Qual fabricante gostaria de ter uma loja de aplicativos em código-fonte aberto concorrendo com sua própria loja de aplicativos?

Governo

Diante de tantos adversários, o Ginga teria, em tese, um único, mas poderoso, aliado: o governo. Justamente aí é que as coisas parecem não ter dado certo. O governo aceitou pressões para adiar ao máximo a obrigatoriedade do Ginga. Somente nove anos após a edição do decreto que criou o SBTVD-T todos os aparelhos terão que trazer o Ginga.

Mas o principal problema é a incapacidade de gerar uma loja de aplicativos. E sem aplicativos, nenhum sistema operacional (ou middleware) consegue sobreviver. Poucas instituições públicas desenvolveram aplicativos, e a quantidade é ainda menor na iniciativa privada. Com o Ginga, morre a ideia de termos uma TV com software livre, com aplicativos de interesse social, feitos a partir de tecnologia brasileira. No seu lugar fica uma TV conectada à internet através de “jardins murados”, fortemente controlados pelos interesses comerciais de fabricantes estrangeiros, com tecnologia importada.

Sem o Ginga, a TV digital brasileira é a primeira do mundo a ser “nipo-japonesa”.

*Gustavo Gindre é jornalista formado pela UFF, pós-graduado em Teoria e Práxis do Meio Ambiente (ISER) e mestre em Comunicação e Cultura (UFRJ). Foi membro eleito do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) por dois mandatos (2004-2007 e 2007-2010). Integrante do Coletivo Intervozes. Fellow da Ashoka Society. É servidor público concursado, especialista em regulação da atividade cinematográfica e audiovisual. 

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Campanha pela Lei da Mídia Democrática terá plenária em SP

Redação – FNDC

No próximo dia 7 de fevereiro, a Campanha “Para Expressar a Liberdade – Uma nova lei para um novo tempo” promove, em São Paulo, mais uma Plenária Nacional, com o objetivo de avaliar o andamento de suas ações em 2013 e planejar o primeiro semestre de 2014. A atividade, aberta ao público, acontecerá no Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo, das 15 às 19 horas.

A campanha tem mobilizado ao redor do Brasil um conjunto de militantes em torno da coleta de assinaturas de apoio ao Projeto de Lei por uma Mídia Democrática.

Contato para informações: Secretaria Executiva do FNDC – (61) 3224-8038, (61) 3223-3652 e secretaria@fndc.org.br