Hora de ocuparmos a TV aberta

A possibilidade de que os movimentos sociais tenham liberdade para falar diretamente à população por meio da TV aberta pode ser uma realidade a médio prazo, no Brasil. Na última segunda-feira (20), o Ministério das Comunicações aprovou o pedido do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb) para operar o Canal da Cidadania. Com a medida, a cidade de Salvador terá reservado, na TV aberta, espaço para duas emissoras não-comerciais dirigidas pela sociedade civil.

O desafio para a concretização dessas emissoras, no entanto, é ainda muito grande. Embora esteja previsto na norma regulamentar do Canal da Cidadania que “o Ministério das Comunicações selecionará para este fim (operar duas faixas de programação) duas associações comunitárias por município e três no Distrito Federal”, montar uma emissora de televisão aberta e garantir sua gestão democrática é algo que pode ser considerado inédito no país, apesar dos esforços que já foram feito nesse sentido.

No Brasil, as TVs comunitárias foram relegadas ao ostracismo (para utilizar um eufemismo) pelos interesses comerciais que pressionaram as tentativas de regulamentação desse segmento. Sem condições para se financiar razoavelmente, em um cenário em que a produção audiovisual independente sempre andou mal das pernas, capturadas por interesses individuais ou eleitoreiros que sufocam a democracia em suas gestões e restritas às transmissões por meio de TV por assinatura, dificilmente essas TVs puderam exercer sua dimensão comunitária de fato.

Agora, o Canal da Cidadania abre espaço para que as emissoras comunitárias possam ser sintonizadas na TV aberta e para que sejam formados conselhos participativos que discutam o conteúdo e a gestão dessas TVs. Além disso, a produção audiovisual independente tem crescido no país e as novas tecnologias têm favorecido a ampliação do número de produtores, alguns fundos públicos já prevêem recursos a serem aplicados no setor direta ou indiretamente (como a Condecine, por exemplo).

O papel da sociedade civil

Apesar das possibilidades inscritas na implementação do Canal da Cidadania, duas questões precisam ser enfrentadas: a grande dependência da iniciativa do poder público e a necessidade de que a sociedade civil compreenda a importância do espaço e se mobiliza para ocupá-lo.

A outorga para que o serviço seja operado é dada a órgãos das prefeituras ou dos governos estaduais, que devem ocupar uma das quatro ou cinco faixas de programação suportadas pelo canal (grosso modo, cada faixa de programação equivale a uma emissora). As duas emissoras comunitárias, para operarem no Canal da Cidadania, dependem do pedido de concessão pelo poder público, da instalação dos conselhos locais de comunicação (costumeiramente rejeitados pelas forças políticas influenciadas pelos empresários de mídia), da instalação dos equipamentos de transmissão pelo órgão responsável e dos avisos de habilitação publicados pelo Ministério das Comunicações.

No caso de Salvador, por exemplo, o pedido foi feito pela TV Educativa do governo do estado e não houve conversa com a sociedade civil. Já no Rio de Janeiro, o processo todo tem acontecido por pressão da Frente Ampla pela Liberdade de Expressão (Fale-Rio), que tem levantado a bandeira da importância de ocupar esse espaço. No dia 13 de janeiro, a Câmara dos Vereadores autorizou a prefeitura (que já fez a solicitação da outorga) a dispor do orçamento para instalar o Canal da Cidadania e o conselho municipal.

A lista de pedidos de outorga do Canal da Cidadania disponibilizada pelo site do Ministério das Comunicações, ainda que incompleta (Salvador não consta na lista), contabiliza apenas 149 de um total de 5.570 municípios brasileiros. É muito pouco. Talvez por desconhecimento, talvez por descrença. O fato é que os movimentos sociais ainda não abraçaram a ideia do Canal da Cidadania e, com isso, poderemos perder a chance de ter um veículo de comunicação com a população que não seja orientado pela busca do lucro ou pelo discurso oficial.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Salvador e Rio se adiantam para ter Canal da Cidadania

Tudo indica que duas grandes capitais brasileiras poderão em breve contar com transmissões do Canal da Cidadania. Foi publicada no dia 20 de janeiro a portaria que autoriza o Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb) a operar o canal. Na segunda-feira anterior (13), foi a Câmara Municipal do Rio de Janeiro que autorizou a destinação de recursos para serem investidos na implementação do canal e do conselho municipal de comunicação na capital fluminense.

O Irdeb, vinculado ao governo da Bahia, valeu-se da alteração da norma do Canal da Cidadania, a qual autorizou a exploração da multiprogramação pelas TVs educativas que se propuserem a operar o serviço. A medida foi tomada com o intuito de agilizar o processo de implementação, que nesses casos dispensa a etapa de pedido de outorga, haja vista que os canais já se encontram em operação.

Segundo o diretor geral do Irdeb, Pola Ribeiro, a solicitação partiu da emissora porque seus dirigentes consideram “importante”a implementação do Canal da Cidadania e souberam aproveitar a alteração que foi feita na norma. De acordo com ele, o pedido foi feito ao Ministério das Comunicações no dia 26 dezembro, tendo a autorização sido publicada com menos de um mês de processo transcorrido.

O Ministério das Comunicações considera que “o início da operação [do Canal da Cidadania em Salvador] depende apenas da instalação dos equipamentos necessários na emissora do Irdeb”. Alguns pré-requisitos previstos na norma que regulamenta o canal, porém, ainda não foram cumpridos, como a criação de um conselho de comunicação social local dentro de um prazo de até 60 dias depois de recebida a autorização.

Em breve, segundo o diretor de Acompanhamento e Avaliação de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, Octavio Pieranti, o MiniCom deverá publicar aviso de habilitação para selecionar as associações comunitárias interessadas em utilizar as duas faixas do canal disponíveis para esse fim em Salvador.

No Rio de Janeiro, a Câmara aprovou a Lei do Orçamento para 2014 que prevê a implementação e exploração do Canal da Cidadania, além da criação e manutenção de um conselho municipal de comunicação. No caso da capital fluminense, a sociedade civil organizada na Frente Ampla pela Liberdade de Expressão (Fale-Rio) que provocou o poder público para se tomar a iniciativa de solicitação da outorga.

Para Daniel Fonsêca, integrante do Coletivo Intervozes e um dos coordenadores da Fale-Rio, “a prioridade, agora, é pressionar a prefeitura do Rio para que seja criado o Conselho de Comunicação, exigência para o funcionamento do canal. Além disso, a Frente Ampla pela Liberdade de Expressão e pelo Direito à Comunicação (Fale-Rio) trabalha na articulação do melhor formato de associação para habilitar-se a administrar as faixas de programação destinadas à sociedade civil”.

Pedidos

A lista disponibilizada pelo Ministério das Comunicações apresenta 149 municípios que solicitaram a outorga do Canal da Cidadania, porém, alguns, como Salvador, não aparecem na lista. A capital maranhense, São Luís, por exemplo, que já discute a criação do conselho municipal de comunicação para viabilizar a criação do Canal da Cida não consta no documento.

Porto Alegre sedia seminário internacional do Fórum Mundial de Mídia Livre

Redação – FMML

Acontece, nos dias 24 e 25 de janeiro, como parte da programação do Fórum Social Temático em Porto Alegre, mais uma etapa do processo internacional do Fórum Mundial de Mídia Livre. Desta vez, ativistas brasileiros e vindos de diversos países se reunirão para discutir a elaboração da Carta Mundial da Mídia Livre, além de debater temas como mídia pública, marcos regulatórios para uma mídia democrática e a importância da comunicação nas mobilizações de junho de 2013 no Brasil.

O evento em Porto Alegre também levantará propostas para o IV Fórum Mundial de Mídia Livre, que deve acontecer na Tunísia, em 2015. A programação completa do seminário já se encontra disponível em http://www.fmml.net/spip.php?article93 .

O jornalismo também precisa de ações afirmativas

Por Aida Feitosa e Isabela Vieira*

Em novembro passado, o governo brasileiro enviou ao Congresso Nacional a proposta de cotas para negros e negras nos concursos públicos promovidos pelo poder Executivo. A proposta, pauta antiga de reivindicação do movimento negro, também possibilita a reflexão do quadro organizativo dos órgãos federais no que se refere à representação de negros e mulheres. O artigo de Aida Feitosa e Isabela Vieira, integrantes da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do DF e do RJ, respectivamente, mostra que os empregados e empregadas da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) saíram na frente. Com a proposição de que os cargos de chefia e direção sejam preenchidos a partir de critérios de gênero e raça, a EBC (caso a sua atual diretoria tivesse absorvido a proposta) poderia ser exemplo para os demais órgãos públicos e até mesmo para as empresas jornalísticas do Brasil, cujo cenário de exclusão de mulheres e negros é assustador.

Confira o artigo:

Para Combater a desigualdade: ações afirmativas na EBC

Em diálogo constante com a sociedade brasileira, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) encontra-se frente ao desafio de incorporar a diversidade brasileira à sua estrutura organizacional. No momento em que o governo federal propõe a reserva de vagas em concursos públicos para pretos e pardos (negros), empregadas e empregados da EBC vão além: querem todos os cargos de chefia e direção preenchidos de acordo com critérios de gênero e raça, proporcional ao verificado no país.

A proposta – rejeitada pela diretoria da empresa – constava da pauta de reivindicações do Acordo Coletivo de Trabalho 2013/2014 e foi tema de debates nos piquetes de greve, com apoio de representantes do movimento negro.

A EBC aguarda a tramitação do Projeto de Lei 6738 que reserva a pretos e pardos (negros) 20% das vagas oferecidas nos concursos do executivo federal, e enquanto o projeto tramita, a diretoria se comprometeu a implementar o Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, da Secretaria de Políticas para as Mulheres. A adesão – defendida nas duas últimas pautas de reivindicações do acordo coletivo – ocorreu em setembro deste ano.

No momento, a atual estrutura da empresa é excludente. A EBC tem apenas uma mulher entre os seus oito cargos de diretoria. A presidência, ocupada nos primeiros anos pela jornalista Tereza Cruvinel agora está sob a responsabilidade do jornalista Nelson Breve. Os seis superintendententes, vinculados à Diretoria-geral, são homens, assim como os principais gestores da vice-presidência. No Rio, levantamento feito com dados do Portal da Transparência, mostra que dos 57 cargos de chefia, somente 15 são ocupados por mulheres (sendo três do quadro funcional). Em São Paulo, de 20 cargos de gestão na TV Brasil, 16 estão preenchidos por homens.

O problema na estrutura organizacional das empresas de comunicação e no jornalismo não é exclusividade da EBC. Levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) mostrou que, embora a maioria dos jornalistas seja mulheres, brancas e jovens (64%), elas ocupam posições hierárquicas mais baixas e recebem salários menores que os homens. Já os negros e negras jornalistas somam 23% desses profissionais, o que não corresponde nem de perto ao percentual de 50,74% de pretos e pardos (negros) na sociedade brasileira, segundo o IBGE.

No bojo da criação da EBC, em 2008, o pesquisador PHD em Comunicação e cineasta Joel Zito Araújo já alertava para o problema. Estudo coordenado por ele constatou que apenas 8,6% dos apresentadores das emissoras públicas de televisão eram negros/negras. Do total de repórteres de vídeo desses mesmos canais, somente 5,5% eram considerados pretos ou pardos.

O racismo institucional deve ser enfrentado desde os processos seletivos aos programas de progressão de carreira, passando pelas regras de acesso à empresa, que ainda proíbe a entrada de empregados ou entrevistados trajando chinelo ou bermuda.

Pesquisas censitárias sobre a composição do quadro de funcionários e campanhas de esclarecimentos devem acompanhar as práticas de combate ao racismo e valorização da diversidade. Dessa forma, a EBC cumprirá sua função constitucional de produzir conteúdos que promovam os direitos humanos, desconstruam estereótipos e garantam a pluralidade.

*Aida Feitosa jornalista integrante da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-DF) e Isabela Vieira jornalista da EBC e integrante da Cojira-RJ.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

A corrupção está no ar

Por Pedro Ekman*

A privatização dos recursos públicos e comuns a todos os cidadãos é uma proposta sempre presente em programas políticos de direita. A alegação é de que um gerente que precise obter lucro em suas operações naturalmente vai manejar os recursos de toda a sociedade da forma mas eficiente. A suposta eficiência inerente ao processo de acúmulo de capital impediria a corrupção, pois diminuiria o lucro.

Essa forma de ver a sociedade estabelece comodamente a corrupção no setor da gestão pública e a eficiência no setor da gestão privada como se fossem coisas naturais e intrínsecas a cada forma de atuação. No Brasil, esse pensamento se tornou hegemônico, criando um sistema onde a notícia de formação de cartel bilionário de empresas privadas em obras de públicas não levam o nome de corrupção. O que não se diz é que elas estão corrompendo regras e violando o interesse público para obter vantagens privadas.

As ondas eletromagnéticas que carregam consigo os canais de rádio e TV aberta são recursos naturais finitos e, por isso, são geridas pelo Estado, em nome da sociedade brasileira, e não por uma corporação privada que representa apenas seus acionistas. Entretanto, a comunicação social de nosso país está absolutamente tomada pelo setor privado, o que é mantido com o argumento de que essa seria a forma mais eficiente de oferecer a melhor programação e conteúdos para a sociedade.

Você diria que a maneira mais eficiente de oferecer conteúdo de qualidade para uma cidade seria a de informar, ao longo de todo o dia, sobre o trânsito de veículos de outra cidade? O Ministério Público Federal também percebeu alguns furos nessa lógica e recomendou que o Ministério das Comunicações e a Anatel fiscalizassem 16 rádios comerciais localizadas na cidade de São Paulo, dentre elas a Sulamérica Trânsito. Esta, apesar de ser uma rádio da cidade de Mogi das Cruzes, transmite exclusivamente conteúdos sobre o trânsito da cidade de São Paulo.

De acordo com a lei, o deslocamento de antenas de uma cidade para outra só é permitido quando isso for necessário para munir a cidade de origem de um melhor sinal de rádio. O que ocorre, por exemplo, no caso do pico do morro mais alto da região estar em cidades vizinhas. Para que esse deslocamento seja autorizado, a empresa tem que garantir alguns requisitos básicos, como ter um estúdio principal e a maior parte de funcionários na cidade de origem; produzir a maior parte da programação nesse mesmo município; e, é claro, garantir que o sinal de fato chegue aos moradores da cidade para qual a empresa recebeu licença para funcionar.

Mas a lógica incorruptível de se obter lucro levou os empresários da comunicação a deslocar a não apenas as antenas, mas também a programação, o estúdio e os funcionários para as cidades vizinhas, roubando dezenas de canais de rádios de municípios que não foram agraciadas com mercados tão robustos. Esses empresários “incorruptíveis” participam de licitações a baixo custo em cidades menores e acabam recebendo canais que custariam bem mais nos lugares onde de fato as rádios estão instaladas.

Em relatório da Anatel produzido, a partir da recomendação feita pelo MPF, sobre as rádios fiscalizadas que deslocaram suas antenas na grande São Paulo, apenas 16 não cumpriam os requisitos básicos para tal. São elas: Bandeirantes (FM 90,9) de Itanhaém, Sulamérica Trânsito (FM 92,1) de Mogi das Cruzes, Nativa (FM 95,3) e Mix (FM 106,3) de Diadema, Tupi (FM 104,1) de Guarulhos, Terra (FM 97,3) de Atibaia, Sê tu uma benção (FM 98,1) de Itatiba, Expressão (FM 106,9) e Scalla (FM 102,1) do Arujá, 89 (FM 89,1) e Alpha (FM 101,7) de Osasco, 106 Love (FM 105,7) e Tropical (FM 107,9) de Itapecerica da Serra, Energia 97 (FM 97,7) e Rede Aleluia de rádio (FM 99,5) de Santo André e Vida (FM 96,5) de São José dos Campos.

Nenhuma dessas rádios atende plenamente aos requisitos mínimos estabelecidos pela lei. Nem mesmo o suposto objetivo fim do deslocamento da antena se verifica, pois apenas duas rádios fazem seu sinal chegar ao local de origem da licença e, mesmo assim, com programas inteiramente produzidos em outra cidade. E como essas empresas conseguiram burlar por tanto tempo a lei? Algum funcionário público recebeu propina para não ver as irregularidades? Não, desta vez a corrupção está centralmente no setor privado. O Estado, por sua vez, omite-se completamente de fiscalizar o cumprimento das regras que visam a preservar o interesse público, pois uma única fiscalização revelou todo o problema.

O Ministério das Comunicações e a Anatel simplesmente não se sentem na obrigação de fiscalizar as empresas privadas. Eles só o fazem se provocados pelo MPF ou por outro organismo independente. Segundo a coordenadora do Grupo de Trabalho de Radiodifusão Comercial do Ministério das Comunicações, Denise de Oliveira, isso acontece para evitar a caracterização de perseguição política. Em outras palavras, para evitar constrangimentos entre os donos da mídia e o governo. Com essa postura, cidades inteiras passam décadas sem usufruir de um recurso natural que lhes é de direito.

O relatório da Anatel recomenda um prazo de 270 dias para correção das irregularidades sob pena de suspensão do serviço. Um prazo generoso e bem diferente ao dado para as rádios comunitárias irregulares, que têm seus equipamentos apreendidos e seus integrantes presos por tentar se comunicar. Para elas, não há qualquer prazo para defesa ou adequações. Duas das rádios comerciais citadas no relatório da Anatel obstruíam a fiscalização impedindo sua conclusão. Até agora, não se tem notícia de que a Polícia Federal tenha sido acionada para intervir.

O governo precisa fazer a sua parte e deixar de ser omisso. O MPF já enviou nova recomendação pedindo que a fiscalização realizada em São Paulo se repita em todo o país, a começar pelas capitais. Cabe ao Ministério das Comunicações a decisão de defender o interesse público ou de se juntar aos demais, no banco dos réus.

Pedro Ekman é integrante da Coordenação Executiva do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.