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Comunicação como direito humano é tema de livro lançado na UnB

Após 30 anos da publicação do seu primeiro volume, a série “O Direito Achado na Rua” chega agora à oitava edição com o tema Introdução Crítica ao Direito à Comunicação e à Informação

Lançado no último dia 29, o livro “O Direito Achado na Rua, v.8: Introdução Crítica ao Direito à Comunicação e à Informação” traz o atualíssimo debate sobre o direito à comunicação e à informação enquanto direito humano, 30 anos após a edição do primeiro volume da série.

O debate a respeito desta temática vem sendo travado há muitos anos pelos movimentos sociais e pelas entidades que atuam em defesa da democratização da comunicação como essencial para a existência real de uma democracia. A concepção de direito à comunicação para além da liberdade de informação e de imprensa já aparecia de forma mais sistêmica no Relatório MacBride, de 1983, intensificando a necessidade de reconhecimento do direito humano à comunicação como princípio jurídico.

Nesse sentido, o livro idealizado pelo grupo de pesquisa O Direito Achado na Rua e pelo Laboratório de Políticas de Comunicação (LaPCom) da Universidade de Brasília (UnB) embarca no desafio de compreender o direito à comunicação e à informação como um direito humano “achado na rua”, ou seja, como sendo fruto da luta dos movimentos sociais e dos sujeitos coletivos de direito. “Essa obra deve servir para contribuir com que mais pessoas tenham entendimento sobre a democratização da comunicação”, frisa Fernando Paulino, professor de Comunicação na UnB.

Segundo a professora coordenadora do LaPCom, Elen Cristina Geraldes, o trabalho serviu para integrar os temas comunicação e direitos, que muitas vezes não dialogam entre si mesmo tendo muitas convergências. Marcos Urupá, jornalista e doutorando de Comunicação, concorda com essa tese. “É muito difícil encontrar publicações que tenham como objetos comunicação e direito”, afirma o jornalista, também formado em Direito.

O professor José Geraldo de Sousa Junior, ex-reitor da UnB, destaca a publicação como um marco. “Essa obra registra os 30 anos da primeira publicação de “O Direito Achado na Rua”, em um momento em que lutamos para construir uma democracia pós ditadura, e agora nos vemos envolvidos por interesses de uma mídia controversa em que novamente temos que lutar pelo básico em uma democracia, como no caso dos direitos à comunicação e informação, de forma plural”, pondera ele.

A obra envolveu cerca de 60 pessoas, entre organizadores, autores, ilustradores e colaboradores, entre os quais Boaventura Santos e Nita Freire. A publicação tem organização dos professores José Geraldo de Sousa Junior, Murilo César Ramos, Elen Cristina Geraldes, Fernando Oliveira Paulino, Janara Sousa, Helga Martins de Paula, Talita Rampin e Vanessa Negrini.

Conheça o livro “O Direito Achado na Rua – v.8: Introdução Crítica ao Direito à Comunicação e à Informação”

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

 

31 de Março, dia de Luta: Levante Popular da Juventude convoca para ocupação da Globo

O grupo ocupou a calçada em frente a uma das sedes das Organizações Globo no RJ e fez escracho em frente às sedes da empresa em Brasília e São Paulo

Dia 31 de Março é dia de luta! No Rio de Janeiro, o Levante Popular da Juventude começou o dia montando acampamento na sede da Rede Globo, localizada na Rua Jardim Botânico, e também realizou um escracho em frente às sedes da empresa em Brasília e São Paulo.

A ação faz parte das mobilizações desencadeadas por movimentos sociais e populares e por centrais sindicais previstas para esta sexta-feira, dia 31, contra as reformas que exterminam com os direitos dos trabalhadores e que estão sendo conduzidas pelo governo de Michel Temer. Os atos em frente às sedes da Globo também lembram o passado de apoio da emissora ao golpe de 1964 e à ditadura militar que se seguiu a ele.

O Levante ainda destaca que a Rede Globo também foi uma das avalistas do golpe parlamentar de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff, que comprometeu a economia nacional e manchou a imagem do Brasil no mundo. A empresa é responsável por articular junto aos setores da extrema direita uma suposta crise econômico-política vivida então pelo país. O que se viu desde o golpe parlamentar é que a crise se instaurou de fato no Brasil.

No RJ, os manifestantes montaram dezenas de barracas e ergueram faixas com os dizeres “Golpe, a gente vê por aqui” e “Se a Juventude se unir, a Globo vai cair”, além de gritarem palavras de ordem contra a imprensa golpista.

As organizações Globo apoiaram o golpe militar de 1964 e só pediram desculpas 50 anos depois, para logo em seguida apoiar um novo golpe, o de 2016, que levou Michel Temer ao poder. Um projeto reprovado por 90% dos brasileiros, segundo a última pesquisa divulgada pelo IBOPE.

Em nota divulgada, o Levante destaca o caso de sonegação de impostos durante transação pelos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002. “O DARF (Documento de Arrecadação de Receitas Federais”, a ser recolhido pela emissora, era de R$ 358 milhões. Em 2013, base de cálculo junto aos juros era de R$ 732,5 milhões. Até hoje não há notícias sobre o pagamento e os novos valores desta dívida”, afirma um trecho da nota.

O escracho do Levante pretende denunciar o objetivo central da Globo neste momento, que vai no sentido de consolidar o golpe e fazer o povo aceitar a retirada de direitos e o ajuste fiscal. Temer e a sua base aliada, na grande novela que se constituiu o noticiário da Globo sobre o golpe, foram sempre apontados como os protagonistas da reconstrução econômica e social do país. Eles estão protegidos pela organização de comunicação para fazer reformas que só beneficiam uma elite no Brasil. Enquanto isso, o trabalhador é mantido mal informado. E a cada dia perde mais direitos.

O Levante apelidou o ato de “Golpe, a gente vê por aqui”, e está convocando toda a sociedade a ocupar a Globo neste sábado, dia 1°. “O Levante convoca agora a população do Rio de Janeiro a se somar à ocupação na Rua Jardim Botânico e toda a sociedade a participar dos atos do 1º de abril, em todas as capitais, nas sedes da Globo ou suas afiliadas, para ocupar a Globo, constranger a emissora e ver até onde consegue [ela] esconder a denúncia”.

Confira a nota divulgada pelo Levante Popular da Juventude:

Levante faz escracho em sede da Globo para denunciar apoio da emissora nos golpes de 1964 e 2016

Na tarde desta sexta-feira (31), em Brasília, o Levante Popular da Juventude realiza um escracho em frente à sede da Rede Globo, localizada na Quadra 701 do Conjunto A, Asa Norte. Na véspera do aniversário de 53 anos do golpe militar de 1964, jovens do Levante denunciam a participação da Rede Globo no golpe contra a Presidente Dilma Rousseff, em 2016.

Junto ao judiciário, a Rede Globo é uma das forças que até ao momento tem conseguido sair ilesa. Com o aprofundamento da crise, a Globo cobra de Michel Temer a Reforma Trabalhista, a Reforma da Previdência, a Reforma Tributária, entre outras, e tenta desvincular-se de Temer, fazendo críticas ao sucessor ilegítimo de Dilma.

O escracho realizado pelo Levante pretende denunciar a verdadeira ação da Globo, que vai no sentido de consolidar o golpe e fazer o povo aceitar a retirada de direitos e o ajuste fiscal. Temer e a sua base aliada, na grande novela do golpe na Globo, foram sempre apontados como os protagonistas da reconstrução econômica e social do país. Enquanto a Globo defende golpistas, o trabalhador perde direitos.

A Rede Globo sonega 

Segundo a Receita Federal, a Rede Globo usou onze empresas em paraísos fiscais para sonegar impostos pela compra dos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002. O DARF, a ser recolhido pela emissora, era de R$358 milhões, Em 2013, base de cálculo junto aos juros era de 732,5 milhões. Até hoje não há notícias sobre o pagamento e os novos valores desta dívida.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Violação do sigilo da fonte: atentado ao direito à comunicação

Condução coercitiva do blogueiro Eduardo Guimarães é o caso mais emblemático das perseguições contra quem tenta exercer a liberdade de expressão

Frente a mais uma violação à liberdade de expressão e ao direito à comunicação, o Intervozes convidou a advogada Tatiana Stroppa para analisar o caso Eduardo Guimarães.

Por Tatiana Stroppa*

Na terça-feira, 21, o blogueiro Eduardo Guimarães, autor do Blog da Cidadania, foi conduzido coercitivamente para prestar depoimento na Superintendência da Polícia Federal de São Paulo, além de ter computadores e celulares apreendidos por ordem do juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, em inquérito que apura o suposto vazamento de informações da 24ª fase da Operação Lava Jato, deflagrada em março de 2016.

Na época, Eduardo Guimarães antecipou informações sobre a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e acerca de diligências de busca e apreensão na sede do Instituto Lula.

A Justiça Federal no Paraná, como os membros do Ministério Público Federal, que atuam na Lava Jato, emitiram notas para explicar a situação. Segundo a JF, “Eduardo Guimarães não é jornalista e seu blog destina-se apenas a permitir o exercício de sua própria liberdade de expressão e a veicular propaganda político-partidária”; “não é necessário diploma para ser jornalista, mas também não é suficiente ter um blog para sê-lo” e “a proteção constitucional ao sigilo de fonte protege apenas quem exerce a profissão de jornalista, com ou sem diploma”.

Já a nota do MPF menciona que a investigação pretende descobrir “se informações sigilosas foram repassadas a investigados por Guimarães antes de ele ter publicado em seu blog” e que “portanto, a diligência não foi motivada pela divulgação das informações à sociedade.”

Por outro lado, a defesa de Eduardo Guimarães rebateu defendendo que: “condicionar a qualificação de ‘informação jornalística’ ao conteúdo das manifestações não tem outro nome: é censura” e que “é inquestionável que o fato em apuração (divulgação pública de uma informação) foi praticado no exercício de atividade jornalística”.

Essas defesas remetem a um antigo imbróglio: o da regulamentação da profissão de jornalista. Em junho de 2009, o Supremo Tribunal Federal considerou que não era necessária a exigência do diploma de jornalista e a obrigatoriedade de registro profissional para exercer a profissão.

O ministro Gilmar Mendes entendeu que o artigo 4º, inciso V, do Decreto-Lei 972/1969, baixado durante a ditadura militar, estava em desacordo com a Constituição Federal (CF) de 1988 e que “o jornalismo e a liberdade de expressão são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensados e tratados de forma separada”. Portanto, com a decisão do STF operou-se a desregulamentação da profissão de jornalista e, dessa forma, fixou-se que qualquer pessoa, mesmo sem o diploma, pode exercer a atividade jornalística.

Liberdade de imprensa x liberdade de expressão

O professor Venício Lima discute uma das questões mais polêmicas do atual debate público das comunicações: as diferenças entre os conceitos de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa.

A partir da análise de textos históricos sobre o tema, explica que há uma diferença óbvia entre três palavras que não foi preservada em suas traduções: press (imprensa), print (impressão) e speech (fala). Neste sentido, afirma que a liberdade de imprensa não tem hoje o mesmo significado que tinha na Inglaterra do século XVII em que “the press” era apenas a tipografia onde indivíduos livres para imprimir e divulgar suas ideais estariam mais preparados para o autogoverno.

Diante disso, conclui que faz tempo que a velha “imprensa” se transformou em uma poderosa instituição – na mídia, que é o coletivo dos diferentes meios impressos e eletrônicos – e não tem mais qualquer relação direta com a liberdade individual de expressão dos cidadãos.

Assim, não se pode dizer que no Brasil a construção histórica do sistema de mídia, privatizado, concentrado e oligopolizado, apesar da vedação contida na Constituição Federal, tenha contribuído efetivamente para a formatação de uma comunicação democratizada e de um espaço público participativo.

Por consequência, é inegável a contribuição da evolução digital. Abriram-se novos espaços de interlocução na arena pública, permitindo que vozes que antes não tinham espaço nos meios de comunicação convencionais passassem a ter expressão. O acesso à internet – embora ainda limitado – pode permitir às pessoas assumir uma posição ativa na relação comunicacional ao saírem da posição de receptores da informação e passarem à posição de criadoras de conteúdos, os quais podem ser divulgados de maneira instantânea e com acentuada velocidade de propagação.

Segredo x publicidade

A leitura da Constituição Federal revela a preferência pela publicidade e transparência na política de informações, acessível a todos os cidadãos, que permita o controle da atividade governativa e o acompanhamento do exercício do poder. Esse direito, portanto, somente pode ser restrito quando o sigilo for imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, conforme incisos XIV e XXXIII do Art. 5º, Art. 37, e inciso IX do Art. 93.

A ideia era vencer a cultura do sigilo, impondo a divulgação das informações de caráter público que estão sob a guarda e gestão de órgãos e entidades governamentais. O acesso é a regra, e o sigilo, a exceção. Aliás, a existência de uma política de informações totalmente transparente e pública é essencial em uma democracia.

O sigilo da fonte é reguardado, por exemplo, quando necessário ao exercício profissional (Art. 5º, XIV). Mas essa garantia precisa ser interpretada a partir de duas mudanças radicais: a) a retirada da exigência do diploma para o exercício da atividade jornalística; b) a utilização dos potenciais democratizantes que a internet oferece para tornar públicas notícias e críticas.

Nesse cenário, deve-se compreender que o que está constitucionalmente protegido é o exercício da atividade jornalística, e não do jornalista. Em outras palavras, o sigilo da fonte é uma garantia fundamental para o exercício do direito à informação e, por isso, estão protegidas tanto a emissão de notícias como as críticas a elas correlacionadas, independentemente do meio utilizado e da forma de recepção das mensagens.

Entendemos também que o sigilo da fonte, além de permitir a ampliação das possibilidades de recolhimento de informação, é uma verdadeira proteção constitucional para pessoa (informante) que revela os fatos e as informações, permitindo que tragam ao conhecimento público acontecimentos que nunca revelariam se soubessem que poderiam sofrer represálias ou ser sujeitos de responsabilidades perante eventuais denúncias.

Portanto, o sigilo da fonte protege tanto o exercício da atividade jornalística ao permitir que aquele que divulgue as notícias e críticas não seja punido por não revelar a identidade da fonte, como garantia para as pessoas que fornecem as informações sob a condição de não serem identificadas.

É evidente que constitucionalização do sigilo da fonte não isenta aquele que exerce a liberdade de informação jornalística de responsabilidade pelo que divulgue, diante da vedação, também constitucional, do anonimato (Art. 5º, IV). Agora, impossível pretender justificar a quebra do sigilo daqueles que estão exercendo atividade jornalística para que as instituições judiciais, administrativas e policiais consigam sucesso em suas investigações, sob pena de assistirmos ao esvaziamento deste direito, com consequências bastante negativas para a própria sociedade, já que tais relativizações afetam o pluralismo de informações e o conhecimento de assuntos de interesse público sem os quais impossível caracterizar uma sociedade democrática.

É preciso avançar na análise e entender a importância do sigilo da fonte para o exercício da liberdade de informação jornalística que não pode ficar dependendo de qualificações arbitrárias sobre o seu significado e a sua abrangência.

Calar jamais

Em tempos de golpe, ameaças e perseguições a comunicadores populares e jornalistas fazem parte da agenda do retrocesso. Na semana passada, o repórter Caio Barbosa foi demitido do jornal O Dia por exigência do bispo Marcelo Crivella, prefeito do Rio de Janeiro. O prefeito desmente o jornalista em nota que mistura, como é sua prática, política e fé religiosa. A convite do Intervozes, Barbosa vai compartilhar seu relato hoje, às 19h, na Casa Pública (Rua Dona Mariana , 81 – Botafogo – Rio de Janeiro), durante o lançamento do relatório Direito à Comunicação no Brasil 2016. O caso se soma a um cenário sombrio que está sendo denunciado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação através da campanha Calar Jamais.

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Nota de esclarecimento da defesa de Eduardo Guimarães

Informamos que o juiz Sérgio Moro acabou de publicar uma decisão por meio da qual reconhece que Eduardo Guimarães é jornalista e, em tom de arrependimento, afirma ser “o caso de rever o posicionamento anterior e melhor delimitar o objeto do processo”.

Como consequência, determinou a exclusão de “qualquer elemento probatório relativo à identificação da fonte de informação”.

Dessa forma, o magistrado voltou atrás e reconheceu a tese alegada pela Defesa desde o início dessa investigação, admitindo ter tomado medidas ilegais.

Após o levantamento do sigilo dos autos, cumpre-nos informar fato extremamente grave. 

Antes de ser conduzido coercitivamente, o jornalista Eduardo Guimarães teve o sigilo de suas ligações telefônicas violado. O magistrado determinou que a operadora de celular informasse seu extrato telefônico, com o objetivo claro de identificar a fonte que teria passado a informação divulgada no blog.

É importante ressaltar que a fonte jornalística foi identificada mediante quebra de sigilo dos extratos telefônicos do Eduardo Guimarães.

Portanto, a decisão não corresponde à realidade ao afirmar que Eduardo “revelou, de pronto, ao ser indagado pela autoridade policial e sem qualquer espécie de coação, quem seria a sua fonte de informação”.

Basta perceber que o próprio juiz Sérgio Moro agora reconhece a ilegalidade das medidas tomadas visando à obtenção prévia da fonte de informação, para concluir que houve nítida coação ilegal no ato de seu depoimento.

Está devidamente comprovado que, na ocasião do depoimento, as autoridades já tinham conhecimento da sua fonte de informação, obtido mediante o emprego de meios que o próprio magistrado agora assume serem ilegais.

Não bastasse tamanha arbitrariedade, a autoridade policial sequer aguardou a chegada deste advogado para iniciar o depoimento.

Assim, é evidente a ilegalidade deste depoimento, cuja anulação será oportunamente requerida pela Defesa, bem como a restituição de todos os equipamentos eletrônicos ilegalmente apreendidos.

Caso se julgue necessário, estaremos à inteira disposição para prestar novos esclarecimentos, pois não há dúvida de que o jornalista Eduardo Guimarães agiu de acordo com a ética de sua profissão.

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*Tatiana Stroppa é doutoranda em Direito Constitucional, professora e pesquisadora do Centro Universitário de Bauru (ITE).democratizaçã

Proteção de dados pessoais é tema de audiência pública na Câmara dos Deputados

Atividade realizada na Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais debateu uma definição para “dados pessoais, sensíveis e anonimizados” nesta quarta, dia 22

Apesar de a privacidade ser um direito garantido pela Constituição brasileira e de o tema ser tratado pela Lei de Cadastro Positivo, pela Lei de Acesso à Informação e pelo Marco Civil da Internet, o país é um dos poucos no mundo que não tem uma lei específica para proteção de dados pessoais. A informação foi dada por Luiz Fernando Martins Castro, conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br; Paulo Rená, representante do Instituto Beta para Internet e Democracia – IBIDEM; e Laura Schertel, representante do Centro de Direito, Internet e Sociedade do Instituto Brasiliense de Direito Público – Cedis/IDP-DF, que participaram da audiência.

Paulo Rená, advogado e chefe de pesquisa do Instituto Beta, entende que dado pessoal é qualquer um que sirva para identificar alguém. “Estamos falando em dados que identifiquem, ou mesmo que permitam a identificação de uma pessoa. Um exemplo é a divulgação de uma lista com números de CPF. Ela não necessariamente identifica uma pessoa, mas a associação desses números com outras informações podem vir a identificar alguém”, aponta.

A falta de legislação mais abrangente sobre a proteção de dados permite hoje que o que está registrado seja utilizado para discriminar uma pessoa, seja por uma questão econômica, política, racial, religiosa, ou outra. Até por isso, Rená defende que a legislação explicite que o dado pessoal é privado, e não público. “Isso significa que não pode haver o entendimento de que um dado, porque é tornado público, vira público”, destaca. Outra questão levantada por ele é de que o projeto de lei elaborado a partir da comissão tenha como princípio o consentimento da pessoa para qualquer divulgação destes dados, e de que tal divulgação possa ser revogada a qualquer momento.

A professora Laura Schertel, do Cedis/IDP, afirma que o dado pessoal é uma das principais moedas hoje em todos os segmentos da economia, porém alerta para o fato de que a manipulação desses dados pode trazer riscos ao cidadão. Portanto, eles precisam ser protegidos. “O objetivo aqui não é impedir o fluxo de dados, mas regulamentar o fluxo, para que o processamento desses dados não seja usados para discriminar nem para cercear direitos do cidadão”, argumenta ela, propondo uma lei geral de proteção de dados que englobe todos os setores da sociedade, nas esferas pública e privada. Schertel frisa também a importância da lei brasileira dialogar com outras leis no mundo e que preveja a ação de uma autoridade de enforcement capaz de garantir a aplicação desta lei.

Para o advogado Luiz Fernando Castro, do CGI.br, não é mais possível evitar o fluxo de dados, mas é necessária uma norma legal que seja transparente, que garanta o direito à portabilidade e que garanta ainda o direito de proteção. “O importante é criar um ambiente minimamente seguro, pois há um grande perigo de continuarmos sem regra nenhuma”, pondera. Castro ressalta a importância da lei não estar formulada genericamente sobre os temas que pretende regular. “O Brasil está muito atrasado nessa questão. Precisamos elaborar uma lei que se adeque ao panorama internacional e, ao mesmo tempo, que possa apontar novos caminhos para a proteção de dados no mundo”, avalia.

Sendo assim, Castro sugere que o texto a ser proposto pelo relator da Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais se concentre em princípios defendidos por leis europeias, como a transparência na coleta de dados, a lealdade à finalidade descrita de uso dos respectivos dados e o tratamento de trais informações em prazo limitado.

Na outra ponta do debate, a diretora da Associação Nacional de Birôs de Crédito (ANBC), Vanessa Butalla, defende que o conceito de dado pessoal não ultrapasse o aspecto da pessoa identificada ou razoavelmente identificável. Para ela, deve haver uma flexibilização do acesso a dados pessoais cadastrais, como nome, filiação, data de nascimento e dados biométricos. “Se usados com a simples finalidade de identificação, esses dados não demandam o consentimento do cidadão”, opina. Os demais participantes da audiência não compactuam com esta posição.

Durante o debate, o relator do projeto na comissão, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), questionou Butalla sobre o que ela entendia por “razoavelmente identificável”, conforme sua proposta de conceituação para dados pessoais. Ao responder, Butalla disse que sua proposta é de que a lei defina justamente quais dados se enquadram nesta condição de identificação razoável de uma pessoa. “Se não é possível identificar a pessoa, então o uso do dado não é capaz de gerar prejuízos a essa pessoa. E se não é passível de gerar prejuízos, não deve estar protegido”, argumenta ela.

O que diz a Constituição

O direito à privacidade é garantido pela Constituição Federal de 1988 em seu Art. 5, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

A privacidade é fundamental para a democracia, porque garante, por exemplo, a liberdade de organização política, a liberdade de pensamento, a liberdade religiosa, entre tantas outras. Pessoas sob vigilância tendem a se comportar de acordo com o padrão de comportamento vigente e a não questionar regras.

Tal direito, entretanto, é um desafio cada vez maior para as democracias modernas. O desenvolvimento tecnológico criou uma capacidade nunca antes vista de vigiar massivamente as comunicações entre pessoas e de interceptar e armazenar dados.

A Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais analisa os projetos de lei 4060/2012, do deputado Milton Monti (PR-SP), e 5276/2016, do Executivo, que tramitam apensados e tratam, entre outros assuntos, da definição de “dados pessoais, sensíveis e anônimos”. O texto do PL 5276/2016 define dado pessoal como aquele que identifica ou pode vir a identificar alguém. A comissão é presidida pela deputada Bruna Furlan (PSDB-SP).

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Polícia Federal tenta intimidar blogueiro que denunciou vazamento de informações

Blogueiro já havia denunciado o juiz Sergio Moro ao Conselho Nacional de Justiça por ter mandado prender uma cidadã de forma equivocada

O blogueiro Eduardo Guimarães foi vítima de condução coercitiva da Polícia Federal (PF) na manhã desta terça-feira, dia 21. Agentes federais estiveram na residência do representante comercial e editor doBlog da Cidadania e o conduziram coercitivamente até a sede da Superintendência Regional da PF em São Paulo, no bairro da Lapa.

Segundo as primeiras informações divulgadas pelo Jornalistas Livres, Eduardo Guimarães foi levado pelos policiais para falar sobre a denúncia publicada por ele de possíveis vazamentos de informações quando da condução coercitiva do ex-presidente Lula, em março do ano passado. À época, o Ministério Público Federal informou que o fato seria investigado. Jornalistas de veículos tradicionais anteciparam informações a respeito e as divulgaram nas respectivas empresas de comunicação.

Vazamentos de notícias são práticas recorrentes desde o início da operação Lava Jato. A grande imprensa “vaza informações, delações, dados todos os dias há dois anos, desde o início da Operação Lava Jato, mas quando aparece o primeiro vazamento que mostra o jogo armado entre Polícia Federal, Ministério Público e mídia, os meganhas correm para censurar, intimidar e, agora, violentar a liberdade de um cidadão brasileiro, jornalista e blogueiro”, desabafa Miguel Rosário, do blog O Cafezinho.

Sobre o motivo da condução coercitiva, o próprio Eduardo Guimarães afirmou: “Recebi de uma fonte as informações antes, e eles queriam saber se tenho alguma ligação com a pessoa que vazou. Não conheço essa pessoa. Divulguei porque é o meu trabalho jornalístico. Sou blogueiro e o meu trabalho é divulgar”, declarou. Ele questionou a motivação da condução, já que não teria se recusado a prestar depoimento. Na saída da Superintendência da PF, Eduardo também reclamou da apreensão de seus equipamentos. “Sou agora um blogueiro sem equipamento nenhum”. Os agentes ficaram com celulares, inclusive de sua mulher, notebook e pen drive.

Às 14h30, Eduardo Guimarães fez uma transmissão ao vivo pelas redes sociais, informando que estava bem e tranquilo, que nada deve à Justiça e que estava pronto para o depoimento, que era sobre a “fonte” responsável pela informação publicada em seu blog. O blogueiro se queixou da ação desnecessária da Polícia Federal. “Minha casa é uma ‘home care’, uma casa com ambiente hospitalar, pois precisamos dessa estrutura para nossa filha, e de repente chegam policiais armados na minha casa… Que perigo posso oferecer à sociedade? Não precisava disso”, ponderou. Eduardo ressalva que a lei está sendo usada para intimidar as pessoas: “Eu cresci numa ditadura e, do jeito que as coisas estão, vou morrer numa ditadura”.

O deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) classificou a ação da PF contra o blogueiro como um fato de “extrema gravidade”. “É uma restrição à liberdade de imprensa e informação. É censura. É uma tentativa de constranger aqueles que questionam a postura do Judiciário e do próprio juiz (Sérgio) Moro”, afirmou. Em audiência por videoconferência da qual participou como testemunha de defesa em um dos processos da Lava Jato, também realizada nesta terça-feira, o deputado questionou diretamente o juiz Sérgio Moro sobre a condução coercitiva de Eduardo Guimarães. “Disse a ele que a constituição garante o segredo da fonte. Ele afirmou que o Eduardo Guimarães não é jornalista. Eu respondi que no Brasil não precisa ser jornalista para exercer o jornalismo”.

Segundo o parlamentar, a assessoria de imprensa da Superintendência Regional da PF em São Paulo afirmou que a ordem de condução coercitiva foi dada pela Justiça Federal do Paraná. “Ou seja, é de Sergio Moro mesmo. Que São Paulo só cumpriu a ordem”, enfatizou Paulo Teixeira.

Guimarães x Moro

O blogueiro Eduardo Guimarães terá de voltar à Superintendência da PF em 3 de abril por causa de outra publicação, de 2015, desta vez em sua conta no Twitter, em que criticou o juiz Sérgio Moro por este estar prejudicando a economia brasileira. Devido à publicação, foi acionado judicialmente pela Associação Paranaense dos Juízes Federais. No final de fevereiro, o blogueiro recebeu uma intimação da Polícia Federal para que compareça perante um delegado para “prestar esclarecimentos no interesse da Justiça”.

O advogado de Eduardo buscou informações na PF e foi informado de que seu cliente estava sendo acusado de “ameaçar” o juiz Sergio Moro. O blogueiro nega ter feito qualquer tipo de ameaça ao juiz federal em questão. Em 4 de maio de 2015, o blogueiro representou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz Sergio Moro por ter prendido uma cidadã por engano. A representação foi arquivada. A condução coercitiva de Eduardo ocorrida nesta terça tem fortes indícios de retaliação por parte de Sergio Moro.

O advogado Fernando Hideo Lacerda relata uma “série de arbitrariedades” na decisão judicial e em sua execução. “Em primeiro lugar, não faz sentido conduzir coercitivamente alguém que não foi chamado a depor anteriormente e jamais se recusou a prestar esclarecimentos. Segundo ponto: iniciaram o depoimento sem a presença de seu advogado. Além disso, confiscaram celulares e computadores com o claro objetivo de identificar a fonte das informações do jornalista. Por fim, Moro é suspeito para determinar tal medida contra ele, pois ambos possuem contendas na Justiça”.

Calar Jamais

Em solidariedade a Eduardo Guimarães, e pela liberdade de expressão, será realizado um ato hoje, às 19h, no Sindicato dos Engenheiros, que fica na Rua Genebra, 25, no Centro de São Paulo.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação com informações de Jornalistas Livres