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Apropriação tecnológica é essencial para proteção de mulheres na rede

Orientações restritivas às mulheres limitam o uso das redes e da tecnologia, desencorajando a participação e o empoderamento feminino

Marina Pita*

Um grande amigo tem uma camisa com os dizeres: “código é poesia”. Acho lindo e sempre sorrio pensando que, sim, é mesmo, a depender do uso que se faz da programação – como mudar o mundo, por exemplo. Mas, convenhamos, antes de ser poesia, código é poder.

As habilidades tecnológicas – incluindo a capacidade de compreender e escrever as linguagens de programação – são cada vez mais relevantes à medida que a tecnologia da informação ganha crescente espaço como mediadora de todas as esferas da vida.

Preocupa, portanto, o resultado da pesquisa Parenting for a Digital Future do Departamento de Mídia e Comunicação da Escola de Economia e Ciência Política da Universidade de Londres que investigou como os pais lidam, gerenciam e educam seus filhos para o uso da internet. Foram consideradas duas formas de orientações dos pais, as restritivas e as mediadoras, e identificado que meninas têm mais chance de receber as orientações restritivas como educação para o uso da internet.

A mediação restritiva é composta por lista de proibições, banimento de algumas práticas e obrigação de supervisão. Já a mediação “habilitadora” inclui diálogo, estímulo ao uso de tecnologia ao mesmo tempo em que discute riscos, com algumas restrições, mas sempre considerando que, em geral, a web pode oferecer mais oportunidades que riscos.

A pesquisa é interessante porque nos ajuda a explicar porque muitas de nós mulheres ainda prefere distância da tecnologia e da web. No Brasil, de cerca de 520 mil pessoas que trabalham no setor de tecnologia da informação, apenas 20% são mulheres.

A culpabilização de meninas, adolescentes e mulheres pelo comportamento machista da sociedade também por meio da rede mundial de computadores precisa ser olhada com muita atenção e combatida se quisermos que mais mulheres se apropriem da poesia e do poder que as habilidades técnicas podem propiciar.

Os pais não educam as meninas para temerem as tecnologias e a Internet desejando sua exclusão do mundo digital ou que não tenham acesso às oportunidades que a web oferece. Trata-se de uma tentativa de protegê-las.

Tampouco há má intenção (assim imaginamos) em campanhas sobre privacidade direcionada a adolescentes. Por outro lado, não dá pra negar que, recorrentemente, estas campanhas colocam as meninas e mulheres em posição de responsáveis pela violência que sofrem, já que foram elas que escolheram a exposição na internet. Em ambas as perspectivas há uma enorme culpabilização da mulher.

A orientação para o uso das redes deveria ser em outro sentido, mostrando a elas que existe machismo no mundo, mesmo em pleno século XXI, e que elas precisam, sim, se proteger. Porém esta proteção não deve ser se ausentando das redes e das tecnologias e sim se apropriando delas.

Cenário de desigualdades

Infelizmente, hoje ainda sabemos pouco sobre a desigualdade de gênero no acesso à web e em termos de conhecimento tecnológico, principalmente porque há diversas interseccionalidades que precisam entrar na análise: renda, raça, local de moradia e etc.

Uma pesquisa da Women’s Right Foundation World Wide Web Foundation, de 2015, em áreas pobres urbanas do mundo em desenvolvimento, aponta que as mulheres têm 50% menos chance de se conectar à internet do que homens da mesma comunidade.

As mulheres têm, ainda, 30% a 50% menos chance de usar a Internet para empoderamento econômico e político; 25% menos chance de fazer uso da Internet para procurar emprego do que homens, 52% menos chance de compartilhar opinião controversa online do que homens.

E, um dos dados mais importantes, as mulheres têm 1,6 vezes mais chance de relatar falta de conhecimento como barreira para uso da internet do que os homens.

Ódio e violência nas redes

É preciso esclarecer que a violência de gênero cometida contra mulheres – hoje presente nas redes sociais – não nasceu com o advento da internet.

Se ainda convivemos com o machismo e com a violência é porque nossa sociedade não foi capaz de produzir equidade de gênero e respeito às mulheres na vida fora das redes também.

Então, o mesmo respeito que cobramos garantir no mundo “real” deve ser buscado no mundo virtual – se é que ainda faz sentido distinguir um do outro.

É claro que o medo de mulheres – e de seus familiares – sobre os riscos a que estão submetidas no mundo virtual não é desprovido de embasamento real. São inúmeros os casos já registrados no Brasil e no mundo de pornografia de vingança, por exemplo. O termo é usado quando um ex-marido ou namorado posta vídeos ou fotos íntimas com a intenção e punir a mulher pelo fim do relacionamento.

Além disso, mesmo quando estão exercendo atividades moralmente aceitáveis como escrever uma opinião ou crítica nas redes – e não compartilhando “nudes” de seus corpos – as mulheres são criticadas e expostas de forma diferenciada e terão mais chances de sofrer algum tipo de violência.

Campanha de ONG sugere às pessoas, especialmente às mulheres não enviar nudes.

Uma pesquisa do jornal inglês The Guardian acerca dos comentários nos artigos que publica mostrou que dos 10 articulistas mais ofendidos, oito são mulheres.

Das oito, quatro são brancas, uma é judia, duas são homossexuais e uma é muçulmana. E, enquanto afastamos as mulheres do conhecimento sobre a internet e a tecnologia as amedrontando, cresce o registro de ataques de misocrackers (misóginos que se dedicam a ataques na web), que derrubam sites feministas e invadem contas de mulheres que ousam se posicionar publicamente.

Recentemente, em busca de coletivos hackers do Brasil, me deparei com um coletivo que dizia ser contra as práticas da Cryptorave – evento de 24hs sobre privacidade que o Intervozes ajuda a organizar e que conta com uma trilha apenas para discutir questões de gênero e empoderar mais mulheres no universo da segurança digital.

Ao tentar entender as diferenças, a resposta curta e grossa: “nós não acreditamos em gênero, nós somos hackers”. E aí ficou claro que é preciso disputar o imaginário do hacker – usualmente relacionado a homens que não conseguem/querem se relacionar com mulheres.

Não podemos permitir que se formem mais misocrackers do que hackers feministas. Acabar com a cultura do medo das mulheres à tecnologia é urgente.

Rotas a navegar

A Associação para o Progresso das Comunicações (APC), que tem feito um trabalho muito interessante (vale conhecer) no que diz respeito a gênero e tecnologia/web, listou algumas sugestões para acabarmos com os abusos: informar as mulheres sobre o que fazer em caso de abuso, ensinar as mulheres quais as acusações possíveis e criar serviços de proteção adequados.

É essencial que passemos a monitorar, criar evidências, documentar e analisar a violência contra as mulheres na web. Também é fundamental construir alternativas que permitam discutir e falar sobre obre a violência, o ódio, a perseguição a mulheres na web sem cair na culpabilização ou afastar as mulheres do universo tecnológico/digital. “Meu corpo, minhas regras” também precisa valer para o mundo virtual.

Além de denunciar o machismo e a violência nas redes sociais, é preciso seguir fomentando a construção de lideranças femininas, que sejam capazes de incidir sobre a legislação da rede e das aplicações, de atuar nos serviços de proteção às vítimas, de influenciar na forma como os negócios na internet funcionam.

Por fim, é preciso construir outras rotas de navegação para o empoderamento feminino nas redes. Um deles é justamente a apropriação tecnológica. As mulheres precisam entender e conhecer mais os códigos e as tecnologias que atuam por trás das plataformas digitais.

O uso da criptografia no envio de mensagens pessoais é apenas uma das infinitas possibilidades existentes.

Então, é urgente que ampliemos a formação em tecnologia para mulheres e introduzamos a formação em direitos humanos nos cursos de tecnologia do país.

*É jornalista e membro do Conselho Diretor do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Publicado originalmente no blog do Intervozes na Carta Capital em 10 de março de 2017.

Consultoria Legislativa do Senado aponta erros no projeto que altera Lei de TeleCom

Parecer aponta a inexistência de obrigações por parte das empresas e o repasse de bens no montante de R$ 120 bilhões sem contrapartida à sociedade entre os problemas constatados

A Liderança do Governo no Senado solicitou à consultoria da Casa um parecer técnico sobre o Projeto de Lei da Câmara 79/2016 (PLC 79). O resultado provavelmente não agradou em nada ao governo, pois o parecer traz uma série de críticas ao projeto que modifica as regras do serviço de telecomunicações no Brasil.

Uma das primeiras críticas apontadas no relatório é o fato de não serem exigidas obrigações por parte das empresas no regime de autorização, entre elas a universalização do atendimento e a continuidade dos serviços prestados, ao contrário do que é previsto hoje no regime de concessão. O PLC 79 determina que a infraestrutura da telefonia fixa, hoje operada pela iniciativa privada sob o regime de concessão, possa ser modificada para o regime de autorização.

O relatório também aponta que a União arrecadou R$ 31,8 bilhões com a venda de frequências para uso nas telecomunicações desde 2007, mas enfatiza que ela perderia outros R$ 120 bilhões em bens estruturais e físicos no caso do projeto ser aprovado, pois estes bens seriam entregues às empresas privadas sem qualquer contrapartida para a sociedade – também o Tribunal de Contas da União avalia em mais de R$ 100 bilhões o patrimônio formado por estes bens. Mas o parecer vai mais além: ele amplia o entendimento sobre o conceito de bens reversíveis, contrariando análise da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). E ainda questiona o fim das licitações para os satélites.

Além das críticas técnicas ao projeto, os técnicos apontam um possível “erro formal” antes da aprovação do projeto pelo Senado. Segundo a consultoria, o erro está presente na mudança feita pelo PL 3453 na Câmara dos Deputados quanto ao artigo 133 da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), que foi modificado.

O artigo 133 original da LGT estabelece em seu caput (a parte principal) e em outros quatro incisos um regramento mínimo para a obtenção de autorização de serviço. O projeto da Câmara, no entanto, modificou o caput e não manteve os outros incisos.

Segurança na tramitação

Segundo o documento do Senado, o erro foi detectado antes da aprovação final do projeto, e por isso a sua votação “deveria ter sido sustada para os devidos esclarecimentos da Câmara dos Deputados e sua posterior deliberação na mesa comissão ”. A correção foi feita pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CEDN), com emenda do relator, senador Otto Alencar (PSD-BA). Entretanto, ele apresentou a correção como “emenda de redação”, quando, para haver segurança jurídica, o parecer da consultoria alerta que a Comissão de Constituição e Justiça deveria confirmar este entendimento.

A consultoria ainda considera que, por ser uma matéria de alta complexidade técnica, deveria ter sido encaminhada para pelo menos duas comissões temáticas do Senado: Ciência e Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT); e Comissão de Infraestrutura (CI). O fato de ter sido distribuída apenas para a Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CEDN) não chegaria a incorrer em problema regimental, mas não atende à complexidade técnica do tema. Nesta linha, o relatório destaca a “celeridade com que o projeto foi aprovado, em uma semana”.

Bens reversíveis

O parecer esclarece que, mesmo que o PLC 79 mude o conceito de bem reversível de patrimonial para funcional, à medida em que a voz passe a ser transmitida exclusivamente pela rede de dados da concessionária, essa rede “passa a ser reversível” e não será um “mico” para a União receber estes bens de volta, como chegou a alegar o presidente da Anatel, Juarez Quadros.

A consultoria também avalia que, mesmo que os valores dos bens reversíveis correspondessem aos R$ 17,7 bilhões alegados pela Anatel, esse deveria ser o valor abatido da valoração a ser realizada na reversão dos bens. De qualquer forma, o parecer destaca a inconsistência da lista desse patrimônio apresentada pela agência.

Outro ponto levantado no parecer diz respeito ao artigo 9 do projeto, que muda as outorgas de frequências. Hoje, a LGT permite a renovação “por uma única vez”. A partir do PLC 79, as empresas poderão “de forma onerosa, renovar esse direito indefinidamente, criando uma espécie de autorização perpétua para a utilização do espectro”, destaca o relatório.

O parecer alerta também para o fato do projeto, se for aprovado tal como está, restringir a entrada de outras empresas interessadas na prestação do serviço, mantendo o mercado limitado às atuais operadoras. Conforme o relatório, essa situação pode implicar inclusive em queda de arrecadação para o erário, além de desestimular um ambiente de competição no segmento de satélite. O documento finaliza tratando sobre a revogação do artigo 168, que acaba com o limite de frequência por operadora, o que “poderia levar a uma excessiva concentração de mercado”.

Crime de lesa-pátria

A LGT (Lei nº 9472/1997), que permitiu a privatização dos serviços de telecomunicações, vem sendo alvo de ataques recorrentes dos setores que querem flexibilizá-la ainda mais, de forma que se acabe com o regime público na prestação dos serviços. Isso retiraria das empresas obrigações tais como a garantia da continuidade dos serviços, a universalização do atendimento e a oferta de tarifas acessíveis às camadas mais pobres da população.

Ao modificar as regras do setor e permitir a migração de concessões de telefonia fixa para o regime de autorização, o projeto também transforma os bens reversíveis (que deveriam voltar ao patrimônio do Estado após o tempo previsto para a prestação do serviço) em “investimentos” e concede às empresas espectro perpétuo. Isso porque as licenças para operar espectro pelas redes móveis e por satélite poderão ser renovadas indefinidamente.

Entidades que atuam na defesa da comunicação democrática e ativistas pela internet livre denunciaram aos senadores que o projeto de lei é um crime contra o patrimônio público e a sociedade brasileira.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações da TeleSíntese

PLC que altera a LGT é enviado para sanção sem debate no Senado, mas volta por “inexatidão material”

Renan Calheiros enviou para sanção presidencial o PLC 79/16, que altera lei das telecomunicações a revelia do regimento da Casa e de orientação anterior do Supremo

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), enviou à sanção presidencial o Projeto de Lei 79/2016, que altera a Lei Geral das Telecomunicações, na terça-feira, dia 31, – seu último ato na presidência do Senado. Entidades de defesa da comunicação, e ativistas pela internet livre denunciaram aos senadores que a medida é um crime contra o patrimônio público e a sociedade brasileira.

Senadores de oposição ao projeto acusaram o ato de Calheiros como uma afronta às normas regimentais da Casa e questionaram a decisão através de medida cautelar incidental.

O projeto prevê que a infraestrutura da telefonia fixa, hoje sob o regime de concessão, seja modificada para oregime de autorização e entrega para empresas privadas um patrimônio público avaliado pelo Tribunal de Contas da União em mais de 100 bilhões.

Entenda o caso
A nova legislação modificaria as regras do setor, permitindo a migração de concessões de telefonia fixa para regime de autorização, transformando bens reversíveis em “investimentos” e concedendo espectro perpétuo. Segundo a Agência Nacional das telecomunicações (Anatel), as licenças poderão ser renovadas indefinidamente, de espectro para redes móveis e satelitais.

A proposta de alteração da lei foi votada de maneira terminativa (sem necessidade de passar pelo plenário) em 6 de dezembro de 2016 na Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional. A oposição apresentou recursos contra a tramitação acelerada e sem o amplo debate que seria necessário para o tema.

Senadores de oposição ao projeto ingressaram então com mandado de segurança no STF (Supremo Tribunal Federal) para barrar a tramitação do projeto. A ação havia sido delegada ao ministro Teori Zavascki, morto em acidente aéreo em 19 de janeiro. Agora, aguarda a indicação do novo relator.

De plantão durante o recesso Judiciário, a presidente do STF, Cármen Lúcia, não acatou o pedido de urgência paraanalisar o tema, pois recebeu a informação de Calheiros de que não havia nenhuma posição sobre o projeto e que ele não seria enviado antes do recesso parlamentar. Naquele momento a magistrada entendeu não existir motivos para uma decisão cautelar visto a posição do Senado.
Os senadores contrários às mudanças na lei foram pegos de surpresa, pois havia um acordo de discutir o projeto após a eleição do novo presidente da Casa, porém em uma medida unilateral e provavelmente pressionado por agentes externos, Renan deu seguimento no projeto na noite do último dia como presidente do senado.

Para a senadora Vanessa Grazziotin existem dois problemas sérios nesse processo, o primeiro é a falta de ética ao descumprir acordo estabelecido entre os senadores para que o projeto fosse debatido em plenário e o segundo odesrespeito a uma orientação do Supremo Tribunal Federal. “No despacho da presidente do STF, feito depois de ter recebido os recursos, é importante destacar um trecho  ‘o eventual encaminhamento do projeto antes do término do recesso parlamentar configura na forma e com conteúdo exposto nas informações prestadas fraude contra a jurisdição passível de punição’, dia 31 ainda estávamos em recesso parlamentar o que contraria a orientação do Supremo”, declara Grazziotin.

Mobilização da sociedade
Nesta quarta, dia 01, ativistas de direitos na internet reunidos pela Coalizão Direitos na Rede estiveram mobilizados no Congresso Nacional para defender os direitos dos usuários e cobrar de deputados e  senadores a defesa dos direitos dos cidadãos e solicitar medidas que pudessem reverter a situação.
Para Bia Barbosa, secretária geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, e integrante da Coalizão Direitos na Rede, esse é um caso de lesa-pátria. “A rede que está sendo entregue para essas operadoras é a mesma rede que passa toda estrutura de internet banda larga no Brasil, além de toda estrutura física que formam um patrimônio de mais de 100 bilhões que é do povo brasileiro”.

Ela questiona a forma acelerada que o projeto passou pela Câmara dos Deputados e também pelo Senado, e neste último o fato do presidente do então presidente da Casa, Renan Calheiros, de ignorar o recurso da liderança da minoria que deveria ser acatado automaticamente por ter o número mínimo de assinaturas exigidas pelo regimento. “Durante todo o processo foram descumprido os prazos regimentais, inclusive os que assegurariam que os parlamentares apresentassem emendas ao projeto”, destaca.
A Coalizão defende que o dinheiro pago em impostos pela população brasileira seja usado para a melhoria das condições de vida do povo e não para “socorrer empresas mal geridas e que, sistematicamente, desrespeita, os direitos dos consumidores”.

“É incrível que no contexto de crise do qual estamos passando o governo decida por entregar todo esse patrimônio para as empresas privadas, sem que haja nenhum retorno ao povo brasileiro. Cortam na saúde, na educação, na previdência, mas não cortam nos privilégios dos empresários”, afirma Bia.

Melhorias na Banda Larga, mas não para todos

Além do problema da entrega dos bens reversíveis da União existe outro que preocupa ainda mais os ativistas por uma internet livre e de qualidade. A possível precarização dos serviços em localidades mais distantes e sem atrativos econômicos para investimento do setor de telecom.

O projeto não estabelece nenhuma obrigação para que haja investimento na universalização dos serviços de banda larga. A mudança de regime de concessão para autorização acabará acarretando menos direitos aos consumidores, com um custo mais alto nos serviços.

Em julho do ano passado, o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) se posicionou a respeito da mudança na lei, ressalvando que, por força do regime de concessão, o serviço de telefonia fixa é prestado em regime público e as concessionárias são obrigadas a seguir metas de universalização – ou seja, disponibilizar o serviço em todo o país –, a prestar o serviço de forma ininterrupta e a manter tarifas dentro dos critérios definidos pela Anatel. “Com o fim das outorgas, todas essas exigências podem acabar, o que resultaria em significativa perda de qualidade do serviçode telefonia fixa para o consumidor brasileiro”, destacou à época Rafael Zanatta, advogado pesquisador do Idec.

O Idec defendeu no estudo uma ampla revisão da Lei Geral de Telecomunicações, a fim de garantir a expansão dos serviços prestados e o respeito aos direitos dos usuários e usuárias, e não mudanças pontuais na legislação que objetivam apenas beneficiar as empresas concessionárias.
 
Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

valorizar quem constrói a rede no país internet como agenda nacional

Pesquisa revela que 55% dos brasileiros não percebem vida online fora da plataforma criada por Mark Zuckerberg

Por Jonas Valente*

A Fundação Mozilla publicou neste mês uma versão preliminar de um relatório anual sobre a “Saúde da Internet” (Internet Health, no termo empregado pela entidade). O conceito abarcaria a plena realização do potencial da rede, incluindo a “criatividade coletiva, a invenção e livre expressão”. Essa condição inclui cinco eixos: (1) o grau de abertura (capacidade de produzir e difundir sem barreiras ou impedimentos); (2) o quão a rede é acessível para todos; (3) quem controla e o quão centralizada é a rede; (4) o nível de segurança e privacidade; e (5) a apropriação e o empoderamento dos internautas para lidar com as tecnologias e usar os recursos disponibilizados pela web.

O estudo traz um dado alarmante: 55% dos brasileiros consideraram que o Facebook é a Internet. Ou seja, mais da metade dos entrevistados afirmou não perceber vida online fora da plataforma. O País perde apenas para Índia, Indonésia e Nigéria nesta visão, que tiveram índices de resposta maiores. Já nos Estados Unidos, apenas 5% dos entrevistados igualaram a web ao Facebook. O levantamento foi divulgado originalmente pelo site Quartz, especializado em economia digital.

Embora o fenômeno não seja exclusividade tupiniquim, o alerta trazido pelo dado é potencializado pelo crescente avanço do Facebook no Brasil. O país é o terceiro em número de usuários da plataforma (90 milhões), atrás apenas dos EUA (191 milhões) e da Índia (195 milhões).

Se considerada a proporção entre o total da população, o Brasil sobe para a segunda colocação com 45%, apenas atrás dos EUA (59%), os dois muito acima da Índia (14%). Considerando a diferença entre a conectividade entre os dois – maior lá (75%) do que aqui (59%) – e o fato de que a questão teve baixíssimo índice de endosso na terra de Trump, o Brasil assume posição de destaque neste assustador ranking: oito em cada 10 brasileiros conectados estão na plataforma.

A estatística, contudo, não é uma percepção desviante de internautas com baixa apropriação tecnológica, mas reflete um objetivo almejado pela plataforma: ser A Internet ou, na impossibilidade disso, a principal porta de entrada para ela. A primeira estratégia, e mais ousada para isso, é o projeto Free Basics, em que a empresa busca parceria com governos e operadoras para ofertar acesso à “Internet” a pessoas de baixa renda (não à toa o projeto era chamado originalmente de Internet.org). No entanto, não se trata de Internet, mas de um pacote que envolve o acesso ao Facebook e a determinados aplicativos e sites escolhidos por ele. Neste caso, a web seria literalmente o Facebook para bilhões de pessoas, se confirmadas as intenções de Zuckerberg. O projeto foi alvo de críticas por entidades de todo o mundo.

WebA Fundação Mozilla alerta para o perigo da concentração de propriedade na Internet

Império econômico
A segunda estratégia é no âmbito do mercado. Se por um lado a companhia não está, ainda, avançando verticalmente (seja na produção de conteúdo audiovisual próprio, como faz a Amazon, ou entrada no mercado de fabricantes de dispositivos, como fez a Microsoft e o Google), por outro, ela constituiu uma hegemonia no mundo das plataformas digitais. Atualmente são 1,79 bilhão de usuários únicos, sendo mais de 1 bilhão com uso frequente. Além disso, a empresa controla o segundo e o terceiro aplicativos mais usados do mundo, o Whatsapp e o Facebook Messenger, ambos na casa de 1 bilhão de usuários.

Ela ainda adquiriu outro app na lista dos maiores do mundo: o Instagram, com 600 milhões de usuários, sendo 100 milhões somente no segundo semestre de 2016. A exceção e o obstáculo ao império de Zuckerberg estão na China, onde o aplicativo WeChat é adotado por 90% dos internautas, segundo o relatório. Para além das mensagens instantâneas, ele é usado para outros serviços como transações bancárias, agendamento de taxis e compras.

O relatório da Fundação Mozilla alerta para o perigo da concentração de propriedade na Internet e apresenta uma defesa enfática de um ambiente mais descentralizado. “Descentralização é a chave para garantir que a Internet continue um recurso público que é saudável e disponível para todos nós e que não é controlado por poucos governos ou conglomerados. Se conseguimos fazer isso, é possível que a Internet permaneça a força para a liberdade e a criatividade humanas. Se não, o futuro deverá ser mais distópico”.

Filtros, algoritmos e “efeito bolha”
A terceira estratégia do Facebook está no controle da circulação de informação. Ela passa pela definição da dinâmica de funcionamento do feed de notícias (denominado na empresa de NewsFeed), o mecanismo que seleciona os posts disponibilizados a cada usuário na sua timeline. Ele se baseia em um algoritmo no qual o Facebook define quem e o que deve ter mais peso. O domínio deste fluxo não é trivial. Segundo o relatório 2016 de Notícias Digitais do Instituto Reuters, 72% dos brasileiros entrevistados afirmaram usar as redes sociais como fontes de informação.

Uma primeira questão a ser levantada diz respeito à organização das timelines por meio de algoritmos. Esses sistemas de processamento e decisão automatizada em si são alvo de diversos questionamentos (como nessa entrevista dos integrantes do Intervozes, Marina Pita e André Pasti). No caso específico do Facebook, o uso do NewsFeed também tem gerado fortes polêmicas. Uma delas são as críticas ao chamado “efeito bolha”, segundo o qual a pessoa visualiza apenas o conteúdo relacionado à sua ideologia, em um claro prejuízo ao debate democrático e à diversidade de opiniões.

Outra polêmica são os casos de censura de determinados conteúdos, como a exposição de seios ou outras partes do corpo de mulheres. O Ministério da Cultura chegou a processar a plataforma por este motivo. A empresa adotou em determinado momento uma “curadoria de conteúdos” com jornalistas como forma de mediação para a filtragem do NewsFeed e dos Trending Topics (assuntos mais comentados), mas a experiência também foi alvo de críticas. Em seguida, a companhia decidiu deixar o algoritmo funcionando sem esta supervisão, mas se viu novamente envolta em forte questionamento após ele favorecer notícias falsas.

O levantamento do relatório da Fundação Mozilla mostra como há uma parcela representativa de brasileiros totalmente refém dos filtros estabelecidos pelo Facebook. O controle das notícias dá à plataforma a condição de decidir quem vai ter visibilidade e quem não terá. Seja na escolha de um critério ou em um veto deliberadamente político, o Facebook tem o poder de “porteiro” (gatekeeper, termo usado para designar o comando das mídias tradicionais que definem o que é publicado) junto a mais de 90 milhões de brasileiros.

Notícias falsas e parcerias
Outra questão é a potencialização das notícias falsas como consequência do “efeito bolha”.  Levantamento do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação da USP revelou que na semana do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, três das cinco notícias mais compartilhadas eram falsas. Também nos EUA o Facebook foi questionado pela sua influência nas eleições presidenciais de 2016. No Brasil, esse efeito bolha potencializa a radicalização política e a ofensiva de criminalização da esquerda e dos direitos sociais em curso. As notícias falsas cumprem papel importante neste processo, sem um contraponto em outros tipos de mídia.

Mas a profusão dessas informações sem lastro na realidade também gerou questionamentos e levou o Facebook a abrir outra frente para tentar realizar o controle do fluxo de informações. A direção da empresa anunciou no fim de 2016 a criação de um mecanismo de classificação de notícias como falsas ou verdadeiras. Então, além do controle da circulação, a plataforma terá o poder de atestar o que é verdade e o que não é, podendo elevar a hegemonia da mesma de forma preocupante.

Além disso, lançou neste ano o “Projeto Jornalismo”, em que vai firmar parcerias com organizações de mídia. A medida é uma jogada para tentar se posicionar próximo às organizações que dispõem de alguma imagem de credibilidade. Mas é também o aprofundamento de outra tática de ambiente de circulação de notícias: o Instant Articles.

Pelo projeto, empresas de mídia podem fechar parcerias para que suas matérias apareçam diretamente na plataforma, sem ter que direcionar o leitor para o site do veículo. Segundo o Facebook, o recurso acelera em 10 vezes a velocidade de carregamento de um texto, aumenta em 20% a leitura e diminui em 70% a chance de abandono antes do fim. Em 2016, o serviço passou a ser usado por veículos brasileiros como Estadão, Exame e outros. Ou seja, o usuário passará a consumir notícias sem sair da plataforma. Esta medida reforça a percepção registrada no levantamento da Fundação Mozilla e pode contribuir para que o quadro de concentração na Internet não só não se altere como se aprofunde.

“Efeito antolho”
Esse mundo confinado do Facebook consiste, em última instância, em um fenômeno apelidado aqui de “efeito antolho” (viseira colocada nos cavalos para que olhem somente para frente). Para além do controle e enviezamento interno da plataforma já abordados, esse efeito tem implicações ainda mais graves quando usuários ignoram todo o mundo de possibilidades presente na Internet com fontes de informação, serviços e aplicativos e resume sua experiência ao Facebook.

Isso diminui em muito o potencial da web para os mais diversos campos. Estudantes, acadêmicos ou todo tipo de interessado em uma temática podem estar deixando de usar a Rede para pesquisar um mundo de fontes (a “biblioteca online” Wikipedia, por exemplo, tem 16 bilhões de acessos mensais). Artistas e criadores podem estar deixando de produzir imagens, vídeos e áudios em distintos repositórios e dentro de inúmeros circuitos de troca. Cidadãos podem estar deixando de acompanhar as ações e os gastos de governos e políticos por meio de espaços como o Portal da Transparência, prática que deveria ser cotidiana em uma conjuntura em que se fala tanto de combate à corrupção.

Tal cenário sinaliza um retrocesso preocupante. Nos debates sobre inclusão digital, ganhou força a preocupação com o que ficou conhecido como “alfabetização digital”: não bastava garantir acesso, era necessário fazer com que os internautas se apropriassem das tecnologias e dos recursos para a plena participação no mundo online. A percepção evidenciada na pesquisa dá um passo atrás nesse movimento, levantando a questão de que não se trata apenas de aprender a lidar com os recursos tecnológicos, mas de conhecimento do que é a Internet e da criação de uma cultura de fruição deste meio que vá além da timeline do Facebook.

A afirmação pode parecer trivial para o leitor deste texto que dispõe desta consciência, mas se justifica pela força do dado indicado pelo levantamento e deve ser tratada como um dado alarmante. Além disso, ela deve ser percebida no contexto das estratégias listadas componentes de um perigoso movimento do Facebook para de fato fazer com que a percepção limitada se torne realidade de fato com a tentativa de “cercar” a Internet e fazer da navegação uma experiência limitada à plataforma. Em um momento em que se discutem os riscos reais à democracia no Brasil, e por que não dizer do mundo, colocar o debate sobre a relevância do Facebook e desses impactos é fundamental.

Outros dados do relatório:

– Há hoje 1,1 bilhão de sites na web;
– Há 1 bilhão de obras com licenças Creative Commons, que permitem a reprodução, alteração e reuso;
– 27% dos sites são feitos na plataforma wordpress, baseada em tecnologia de código aberto;
– Há um avanço de medidas de proteção de copyright que ameaça a inovação e é anacrônica em relação à vida digital atual;
– Em 2016, ocorreram 51 derrubadas da Internet em 18 países;
– 3,3 bilhões de pessoas possuem acesso à Internet, 50% da população;
– 58% da população mundial não tem dinheiro para pagar por um serviço de banda larga;
– A China é o país com o segundo maior número de internautas, mas somente 2% do conteúdo circulante na web é em mandarim;
– 52% dos sites são em inglês, embora somente 25% da população mundial compreenda o idioma;
– A estimativa é que somente 16% da população dos países mais pobres esteja conectada em 2020;
– O ranking existente sobre liberdade na rede ainda lista 65 países classificados nos quais a web não é livre ou é parcialmente livre;
– Os 10 países mais ricos embolsam 95% da renda obtida com aplicativos. Economias emergentes ficam apenas com 1% desse valor;
– 94% das buscas em smartphones são feitas no Google;
– Somente 50% dos estadunidenses se preocupam com a quantidade de dados sobre eles disponível na web;
– Somente um vazamento de dados, relatado pelo Yahoo, atingiu 1 bilhão de pessoas.

*Jonas Valente é jornalista, doutorando em Sociologia da Tecnologia na UnB e membro do Conselho Diretor do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Franquia de dados na banda larga fixa afronta direitos dos usuários

Kassab declara que internet ilimitada termina no próximo semestre. Impactos para informação, educação, cultura e para democracia podem ser brutais

Por Marcos Urupá*

O ano de 2017 já não começa bem para os usuários da internet no Brasil. Além da ameaça de desmonte do marco regulatório das telecomunicações, por meio de um projeto de lei aprovado a toque de caixa no Senado, agora a polêmica da franquia de dados na banda larga fixa volta à tona.

Em entrevista publicada na quinta-feira(12, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, deixou claro que, a partir do segundo semestre deste ano, as operadoras poderão implementar modelos de pacotes com franquia, extinguindo assim os planos ilimitados na banda larga fixa.

O presidente da Agência Nacional de Telecomunicações, Juarez Quadros, desmentiu o ministro nesta sexta-feira 13. Disse que a Anatel não pretende retirar a medida cautelar do órgão, em vigor, que impede as alterações nos planos ilimitados – enquanto não toma uma decisão definitiva sobre o caso. Porém, na entrevista, Kassab deixa claro o governo atuará neste sentido.

Parece mesmo que o ministro e sua equipe não ouviram os milhões de usuários da internet que, no primeiro semestre de 2016, se manifestaram fortemente contra tal mudança depois de surpreendidos pelo anúncio de algumas operadoras de que, a partir de fevereiro de 2017, haveria regras de franquia de dados para a banda larga fixa.

Além dos internautas, diversas organizações de defesa do consumidor e entidades que lutam pela liberdade de expressão na internet – entre elas o Intervozes – promoveram uma petição online pedindo que tal prática comercial não fosse implementada.

A medida afeta de maneira substancial a forma como entendemos e usamos a internet hoje: desde práticas simples, como mandar um email com uma foto anexada, até realizar uma formação à distância ou acompanhar uma audiência pública transmitida ao vivo pelos sites do Senado ou da Câmara dos Deputados.

O número de envios e downloads de arquivos como vídeos, imagens, textos ilustrativos e áudios passaria, por exemplo, a ser controlado pelo usuário e sua família. Empreendedores autônomos que utilizam a internet como trabalho e pequenas escolas e projetos sociais que se conectam através de redes domésticas também seriam limitados.

Estabelecimentos comerciais ou públicos, como uma biblioteca municipal, deixariam de abrir suas redes wi-fi para a conexão de visitantes. Quem não tem acesso à rede hoje por limitações econômicas seria ainda mais excluído digitalmente.

Ou seja, não apenas os impactos na educação, na participação na vida política do País e no acesso à informação e à cultura, garantidos pela Constituição Federal, seriam desastrosos. A medida afetaria decisivamente nossa relação com a internet como a conhecemos hoje.

Em um contexto em que a rede se tornou espaço e mecanismo para o exercício de direitos, aprendizado e entretenimento, impor limites à franquia de dados na internet fixa traria consequências opostas às declarações de Kassab, para quem a medida “está de acordo com os interesses do usuários” e “tenta dar prioridade à melhoria dos serviços e ao que é melhor para o consumidor”. Engana-se o ministro e sua equipe. É justamente o contrário.

A quem interessa a franquia de dados

Impor uma franquia de dados na internet fixa é um modelo de negócio conhecido, que existe em vários países, e há tempos vem sendo reivindicado pelas operadoras no Brasil. Mas não é possível ignorar as diferentes realidades – aqui e lá fora – no momento de discutir tal proposta.

Para além do fato de a internet fixa custar muito caro no Brasil e ser um privilégio de apenas metade da nossa população, outras premissas devem ser levadas em conta.

Em primeiro lugar, mais do que uma relação comercial, o acesso à rede tem se consolidado como um serviço essencial para a sociedade, conforme estabelecido no Marco Civil da Internet. Em segundo lugar, a forma como usamos a rede está intimamente ligada com o seu crescimento.

Ou seja: o alto tráfego de informações, de serviços de e-gov, de cursos à distância – usado hoje como justificativa pelas operadoras para não mais oferecer serviços ilimitados – são consequências da maneira aberta e abrangente de usar a rede mundial de computadores. Liberdade, inclusive, é uma palavra intrinsecamente associada à internet.

O argumento das empresas e, ao que parece, também defendido pelo ministro Gilberto Kassab, é de que hoje a infraestrutura disponível é usada de forma desigual. “Alguns assistem a dezenas de filmes por mês (ou por dia), em streaming. Outros, só aos fins de semana. Por esse raciocínio, não faria sentido cobrar mensalidades iguais de todos os usuários”, disse Kassab.

Ora, mas a diferença entre os usuários (e o que eles pagam pelo acesso) já não está estabelecida na contratação de pacotes de velocidades diferentes? É essa forma desigual de uso da rede que permite às empresas, por exemplo, realizarem uma melhor gestão do tráfego de dados. Agora, pretendem mudar esta lógica.

Será a restrição no volume de dados que permitirá às operadoras alterar o preço dos planos comercializados – muito provavelmente ocasionando um aumento do valor ofertado, que já é alto. O resultado não será outro que não a ampliação da desigualdade digital que já existe no País, com aqueles que podem pagar mais tendo acesso a todas as potencialidades da rede e, os mais pobres, a seus recursos “básicos”, mesmo assim limitados.

Decisões como essa, com data já marcada (no caso, o segundo semestre), não podem ser tomadas sem um amplo debate com a população. Uma discussão, inclusive, que considere, tanto pela Anatel quanto pelo governo federal, a qualidade do acesso à internet hoje no Brasil. Qualquer decisão que atropele essa discussão e ignore a posição dos usuários – como parece fazer o ministro Kassab – será tão ilegítima quanto o governo que a anuncia.

 * Marcos Urupá é membro do Conselho Diretor do Intervozes. É pesquisador do LapCom e Doutorando em Políticas Públicas de Comunicação da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.