Consultoria Legislativa do Senado aponta erros no projeto que altera Lei de TeleCom

Parecer aponta a inexistência de obrigações por parte das empresas e o repasse de bens no montante de R$ 120 bilhões sem contrapartida à sociedade entre os problemas constatados

A Liderança do Governo no Senado solicitou à consultoria da Casa um parecer técnico sobre o Projeto de Lei da Câmara 79/2016 (PLC 79). O resultado provavelmente não agradou em nada ao governo, pois o parecer traz uma série de críticas ao projeto que modifica as regras do serviço de telecomunicações no Brasil.

Uma das primeiras críticas apontadas no relatório é o fato de não serem exigidas obrigações por parte das empresas no regime de autorização, entre elas a universalização do atendimento e a continuidade dos serviços prestados, ao contrário do que é previsto hoje no regime de concessão. O PLC 79 determina que a infraestrutura da telefonia fixa, hoje operada pela iniciativa privada sob o regime de concessão, possa ser modificada para o regime de autorização.

O relatório também aponta que a União arrecadou R$ 31,8 bilhões com a venda de frequências para uso nas telecomunicações desde 2007, mas enfatiza que ela perderia outros R$ 120 bilhões em bens estruturais e físicos no caso do projeto ser aprovado, pois estes bens seriam entregues às empresas privadas sem qualquer contrapartida para a sociedade – também o Tribunal de Contas da União avalia em mais de R$ 100 bilhões o patrimônio formado por estes bens. Mas o parecer vai mais além: ele amplia o entendimento sobre o conceito de bens reversíveis, contrariando análise da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). E ainda questiona o fim das licitações para os satélites.

Além das críticas técnicas ao projeto, os técnicos apontam um possível “erro formal” antes da aprovação do projeto pelo Senado. Segundo a consultoria, o erro está presente na mudança feita pelo PL 3453 na Câmara dos Deputados quanto ao artigo 133 da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), que foi modificado.

O artigo 133 original da LGT estabelece em seu caput (a parte principal) e em outros quatro incisos um regramento mínimo para a obtenção de autorização de serviço. O projeto da Câmara, no entanto, modificou o caput e não manteve os outros incisos.

Segurança na tramitação

Segundo o documento do Senado, o erro foi detectado antes da aprovação final do projeto, e por isso a sua votação “deveria ter sido sustada para os devidos esclarecimentos da Câmara dos Deputados e sua posterior deliberação na mesa comissão ”. A correção foi feita pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CEDN), com emenda do relator, senador Otto Alencar (PSD-BA). Entretanto, ele apresentou a correção como “emenda de redação”, quando, para haver segurança jurídica, o parecer da consultoria alerta que a Comissão de Constituição e Justiça deveria confirmar este entendimento.

A consultoria ainda considera que, por ser uma matéria de alta complexidade técnica, deveria ter sido encaminhada para pelo menos duas comissões temáticas do Senado: Ciência e Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT); e Comissão de Infraestrutura (CI). O fato de ter sido distribuída apenas para a Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CEDN) não chegaria a incorrer em problema regimental, mas não atende à complexidade técnica do tema. Nesta linha, o relatório destaca a “celeridade com que o projeto foi aprovado, em uma semana”.

Bens reversíveis

O parecer esclarece que, mesmo que o PLC 79 mude o conceito de bem reversível de patrimonial para funcional, à medida em que a voz passe a ser transmitida exclusivamente pela rede de dados da concessionária, essa rede “passa a ser reversível” e não será um “mico” para a União receber estes bens de volta, como chegou a alegar o presidente da Anatel, Juarez Quadros.

A consultoria também avalia que, mesmo que os valores dos bens reversíveis correspondessem aos R$ 17,7 bilhões alegados pela Anatel, esse deveria ser o valor abatido da valoração a ser realizada na reversão dos bens. De qualquer forma, o parecer destaca a inconsistência da lista desse patrimônio apresentada pela agência.

Outro ponto levantado no parecer diz respeito ao artigo 9 do projeto, que muda as outorgas de frequências. Hoje, a LGT permite a renovação “por uma única vez”. A partir do PLC 79, as empresas poderão “de forma onerosa, renovar esse direito indefinidamente, criando uma espécie de autorização perpétua para a utilização do espectro”, destaca o relatório.

O parecer alerta também para o fato do projeto, se for aprovado tal como está, restringir a entrada de outras empresas interessadas na prestação do serviço, mantendo o mercado limitado às atuais operadoras. Conforme o relatório, essa situação pode implicar inclusive em queda de arrecadação para o erário, além de desestimular um ambiente de competição no segmento de satélite. O documento finaliza tratando sobre a revogação do artigo 168, que acaba com o limite de frequência por operadora, o que “poderia levar a uma excessiva concentração de mercado”.

Crime de lesa-pátria

A LGT (Lei nº 9472/1997), que permitiu a privatização dos serviços de telecomunicações, vem sendo alvo de ataques recorrentes dos setores que querem flexibilizá-la ainda mais, de forma que se acabe com o regime público na prestação dos serviços. Isso retiraria das empresas obrigações tais como a garantia da continuidade dos serviços, a universalização do atendimento e a oferta de tarifas acessíveis às camadas mais pobres da população.

Ao modificar as regras do setor e permitir a migração de concessões de telefonia fixa para o regime de autorização, o projeto também transforma os bens reversíveis (que deveriam voltar ao patrimônio do Estado após o tempo previsto para a prestação do serviço) em “investimentos” e concede às empresas espectro perpétuo. Isso porque as licenças para operar espectro pelas redes móveis e por satélite poderão ser renovadas indefinidamente.

Entidades que atuam na defesa da comunicação democrática e ativistas pela internet livre denunciaram aos senadores que o projeto de lei é um crime contra o patrimônio público e a sociedade brasileira.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações da TeleSíntese

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