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Revisão da Lei de Telecomunicações não levará fibra óptica ao Brasil

Com as novas redes de fibra óptica protegidas por feriado regulatório, não há garantia de que os R$ 100 bi doados às teles serem investidos em banda larga

Por Marina Pita*

A palavra feriado soa como música aos ouvidos do trabalhador. Se não evoca aquele dia de folga mais do que merecido, funciona – especialmente para os autônomos, precarizados e terceirizados – como dia pra tirar o atraso de algumas (muitas) tarefas.

Mas “feriado” também pode significar um assalto à mão armada dos recursos públicos. É o que vai acontecer se o PLC 79/2016, que contém a proposta de alteração da Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/1997), for sancionado por Michel Temer.

O termo “feriado regulatório” tem sido usado pelos técnicos de diferentes áreas para identificar a suspensão de determinada regra ao longo de um período.Seria o mesmo que dispensa temporária da obrigatoriedade de uma norma.

No caso do setor de telecomunicações, este feriado foi estabelecido pela Resolução nº 600, editada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em 2012.

Tal resolução criou o Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), estabelecendo obrigação de acesso e fornecimento de recursos de rede, além da oferta de produtos de atacado no caso de áreas onde não há competição adequada entre os fornecedores de serviços de telecomunicações.

Em outras palavras, em localidades onde uma empresa tem tanto poder de mercado que não há livre-concorrência, essa empresa tem obrigação de liberar o acesso à sua rede para as concorrentes (20% da capacidade).

Imagine que uma única empresa controla o acesso ao único poço de água de uma cidade. O que o PGMC faz é obrigar que a empresa controladora do poço garanta acesso a ele a todas as outras empresas que vendem água engarrafada, cobrando um aluguel por isso. Assim, as demais empresas também poderão vender garrafas d’água.

Tomando a alegoria do poço para explicar o funcionamento no caso das redes, as novas redes de fibra ótica (construídas a partir de 2012) são os poços, enquanto a infraestrutura da última milha, que chega até a casa das pessoas, são as garrafas d’água.

Acontece que, a pedido das empresas de telecomunicações, no PGMC, as novas redes de acesso de fibra óptica (o poço) não precisam ser compartilhadas durante nove anos porque estão protegidas pelo feriado regulatório.

O argumento das empresas para suspender a obrigatoriedade de compartilhamento é garantir o retorno do investimento já realizado.

Mas o resultado é que essas redes, tão necessárias para a ampliação do acesso à Internet no Brasil, ficarão protegidas até 2021 – o que significa quase uma década de atraso.

Por que isso importa?

O Projeto de Lei 79/2016, em tramitação no Senado e que ficou conhecido por entregar R$ 100 bilhões em infraestrutura pública para as empresas de telecomunicações, faz isso exatamente propondo que as operadoras, em troca, invistam valor equivalente no setor.

Segundo o discurso das empresas, seria essa a forma de garantir justamente a ampliação da oferta de banda larga no país, via a construção de novas redes de fibra óptica.

O PL das Teles, entretanto, não explicita como esse investimento deverá ocorrer. Fala apenas – de forma genérica – que a definição deverá ser do Poder Executivo e da Anatel, “priorizando áreas sem competição adequada e considerando a redução das desigualdades”.

Assim, além de estarmos a mercê de um governo ilegítimo e de uma agência reguladora que há muito tempo prioriza os interesses das operadoras em vez dos usuários, o resultado da combinação entre o PLC 79 e o feriado regulatório previsto na resolução da Anatel é a de que esses investimentos, que serão na prática financiados com recursos da União, serão feitos em infraestrutura que sequer será compartilhada para gerar uma ampliação da oferta.

Quando uma empresa investe em fibra óptica com o dinheiro dela, pode até ser compreensível o estabelecimento de um feriado regulatório para proteger o investimento. Mas, neste caso, o dinheiro a ser aplicado em novas redes de acesso de fibra óptica será da própria União.

E, se a regra do feriado regulatório para novas redes se mantiver, a estrutura da Internet no Brasil se manterá como está, ou seja, excludente.

Vale lembrar ainda que a construção de infraestrutura de fibra óptica requer abertura de vias (ruas avenidas, estradas, rodovias), instalação de postes e de cabeamentos.

Se uma empresa que oferta este serviço na ponta (última milha) não tem acesso a esta infraestrutura, de duas uma: ou não oferecerá o serviço, o que acarretará em falta de competitividade no mercado e prejuízos ao cidadão, ou terá que edificar sua própria infraestrutura, o que significa desperdício de recursos públicos, impacto ambiental, transtornos para os usuários das vias e mais poluição visual.

Divergências no setor

A questão do compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações construída com recursos púbicos não é um problema só aos olhos das organizações da sociedade civil que atuam na defesa dos direitos dos usuários.

O vice-presidente da TIM, Mário Girassole, também já questionou o modelo, em seminário do setor, em meados de fevereiro.

“Isso não pode ser. Essa infraestrutura em áreas menos favorecidas, implantada com recursos que seriam da União, precisa de um regime de compartilhamento regulado que não preveja feriado regulatório para que a transição se torne neutra do ponto de vista competitivo”, disse ele, conforme informação publicada no site Convergência Digital.

Também houve reclamação por parte da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), que representa pequenos e médios empresários que operam no mercado de distribuição de acesso a vários locais ignorados pelas grandes operadoras.

Aumento da concentração 

Considerando que há uma aposta dos analistas na “consolidação do setor de telecomunicações” – expressão usada para dizer que haverá fusões e aquisições e, portanto, concentração de mercado –, estruturar uma política para investimento em banda larga que garanta a competitividade é mais do que nunca fundamental.

Se somarmos a isso o fato de que, há anos, especula-se que a TIM deve ser vendida e que a Oi está falida, esta política se torna ainda mais relevante.

De acordo com o relatório da Associação para o Progresso das Comunicações (APC) “Ending Digital Exclusion: Why the Acess Divide Persists and How to Close It”, de abril de 2016, o valor do compartilhamento de infraestrutura é subdimensionado e deve ser uma das premissas de países que pretendem acabar com a exclusão digital:

“Países em desenvolvimento podem poupar bilhões e aumentar a velocidade do acesso universal à banda larga por meio de compartilhamento de infraestrutura.”

Assim, é fundamental estabelecer que a infraestrutura de telecomunicações usada para banda larga não será protegida por feriado regulatório. É o básico. E nem isto consta no PLC 79/2016.

Não há desculpas para gastarmos tão mal um recurso que é do povo brasileiro.

Banda larga é cada vez mais um meio para a garantia de direitos; não deve ser meramente tratada como um negócio para poucos, onde os conchavos são feitos a portas fechadas e sem debate com os demais setores interessados.

É por essas e outras que o PLC 79 não pode ser aprovado como está no Senado Federal. Que os senadores percebam rapidamente o tamanho do crime que estão cometendo.

*Marina Pita é jornalista e compõe o Conselho Diretor do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

O escárnio de Temer com as concessões de rádio e TV

Governo altera regras para outorgas de radiodifusão via MP e retira obrigações básicas das empresas na prestação do serviço. Empresariado comemora

Por Bia Barbosa*

A imprensa toda noticiou e o empresariado de radiodifusão comemorou as mudanças no marco regulatório do setor, publicadas na quarta-feira 29 no Diário Oficial da União. Para a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert), foi “a maior vitória dos últimos 50 anos”.

Quem quiser entender de fato o que mudou nas normas que as concessionárias devem respeitar – as poucas em vigor no país – não vai achar muita explicação nas matérias e reportagens. O discurso que prevaleceu foi o da “desburocratização para apoiar as empresas”.

O ministro Gilberto Kassab falou em “liberdade para os empreendimentos”. E Michel Temer, na cerimônia de sanção da lei no Palácio do Planalto, chegou a afirmar que as novas regras são uma “contribuição à imprensa livre”. Com o perdão do trocadilho infame, só se for “livre de obrigações”.

Uma simples leitura do texto da Medida Provisória sancionada – que agora já é lei – revela o tamanho do escárnio com que este governo passa a tratar o serviço de radiodifusão. Entre o envio para o Congresso Nacional no final de 2016 e a sanção nesta terça-feira, a MP 747 ganhou requintes de crueldade para qualquer um que acredita que o interesse público deveria ser o condutor dos processos de licenciamento das outorgas de rádio e TV no Brasil.

Por incrível que pareça, num país em que as concessões sempre foram usadas como moeda de troca política, foi possível piorar o procedimento das licenças. E agora não é nenhum exagero afirmar que o empresariado da radiodifusão pode fazer o que bem entender com este bem que, vale lembrar, é público.

Vejamos:

1. Anistia nos prazos para renovação

Pelas novas regras, todo concessionário que tenha perdido o prazo para renovar suas outorgas ganha de presente 90 dias para fazê-lo. Não interessa se o atraso foi de um mês ou de dois anos. Todo mundo poderá fazer o pedido agora. Aquelas emissoras que já pediram a renovação, mas o fizeram fora do prazo – inclusive as que o Executivo já tinha revogado a licença justamente pelo atraso na solicitação da renovação –, também ganham mais uma chance para recolocar seus canais em funcionamento, caso o Congresso Nacional ainda não tenha se manifestado sobre o caso.

E, daqui pra frente, se mais alguém se esquecer de pedir para renovar suas outorgas dentro do prazo, caberá ao Estado brasileiro a tarefa de avisar as empresas sobre isso.

Ou seja, em vez de retomar as outorgas que foram abandonadas pelas empresas que não pediram sua renovação e abrir novos processos de licitação, para que outras empresas ou atores possam participar da disputa por um espaço no espectro eletromagnético, o governo Temer “facilitará” a vida de antigos radiodifusores, para que eles voltem a operar, agora “dentro da lei”.

A mesma anistia foi concedida às rádios comunitárias, depois de muita pressão, sobretudo da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), porque a proposta inicial de Temer era conceder o benefício apenas às comerciais.

2. Renovação mais do que automática

Foi excluído do texto da lei a previsão de cumprimento de “todas as obrigações legais e contratuais” e o atendimento “ao interesse público” como requisito para o direito à renovação das outorgas. Já se sabe que o processo de renovação das licenças de rádio e TV no Brasil é quase automático, sendo necessário o voto aberto de dois quintos dos deputados e senadores, em sessão conjunta do Parlamento, para que uma concessão não seja renovada.

Agora, as obrigações que tinham de ser respeitadas – pelo menos segundo a letra da lei – desapareceram. Se o (antigo) Ministério das Comunicações (hoje Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) já pouco fiscalizava o cumprimento dessas “obrigações legais e contratuais” e nada olhava para o atendimento “ao interesse público” no momento de renovar licenças, agora isso nem mais será solicitado.

Pelas mudanças que entraram em vigor, as empresas também não precisam mais demonstrar ou comprovar que possuem recursos técnicos e financeiros para participar de um edital de concessão de outorgas Tudo em nome da “desburocratização” dos processos…

3. Cotas pra quem quiser

Pela regra em vigor antes da edição da Medida Provisória, qualquer alteração nos objetivos sociais das empresas concessionárias, assim como cessões de cotas e ações que alterassem o controle societário das empresas, deveria ser previamente autorizada pelo Executivo.

Isso porque, em teoria, há (mínimas) regras anti-concentração na propriedade dos canais que devem ser respeitadas no País. Mas isso também caiu com a nova lei de Temer. Agora, basta que as empresas informem o governo sobre as alterações feitas.

A cereja do bolo é que aquelas que fizeram alterações ilegalmente sem a autorização prévia do ministério, quando a lei anterior ainda valia, ganham agora 60 dias para informar o governo das mudanças, sem qualquer prejuízo para continuarem funcionando normalmente.

O que segue dependendo de autorização prévia do Estado é somente a transferência total e integral da concessão para outra empresa, numa prática já bastante conhecida, chamada “comércio de outorgas”. Na avaliação de procuradores do Ministério Público Federal, a venda e transferência total de licenças de rádio e TV para terceiros viola totalmente a legislação brasileira, ao ignorar processos licitatórios e permitir o enriquecimento ilícito de empresários da radiodifusão com a comercialização de um bem (a frequência eletromagnética) que é público.

Mas o governo federal sempre autorizou as transferências diretas e indiretas, e nada nunca foi feito. Isso continua como está, claro. Mas os radiodifusores também ganharam uma ajudinha: a transferência agora está liberada inclusive para as outorgas que estiverem funcionando em caráter precário, ou seja, que ainda não tiverem seus processos de renovação concluídos dentro do Estado brasileiro.

Ação entre amigos

É essa a “liberdade para empreender” que o ministro Kassab defende; é essa “a maior vitória dos últimos 50 anos” para a Abert: oficializar o uso e exploração privada e particular das outorgas por meio do mercado, reduzindo as obrigações que os concessionários devem respeitar, anistiando todos aqueles que não tiveram a mínima capacidade de solicitar a renovação de suas licenças dentro dos prazos e legalizando um verdadeiro balcão de negócios das concessões de rádio e TV.

Para não dizer que não falamos do único veto de Temer às normas que o Congresso pariu a partir de sua MP 747, segue o informe: por orientação da Casa Civil, foi excluído do texto sancionado a autorização para que políticos detentores de foro privilegiado pudessem ser diretores ou gerentes de rádios comunitárias.

Hoje a lei proíbe que eles exerçam essa função em qualquer tipo de emissora. O Congresso queria liberar os cargos em emissoras comunitárias – afinal, várias delas são de propriedade de políticos. O governo não concordou e manteve a proibição para todas, provavelmente atendendo a um pedido de sua aliada de primeira hora, a Abert, que sempre combateu ferozmente a concorrência das comunitárias.

E tem gente que ainda diz que não foi golpe.

*Bia Barbosa é jornalista, mestre em Políticas Públicas (FGV), coordenadora do Intervozes e Secretária Geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.  

Proteção de dados pessoais é tema de audiência pública na Câmara dos Deputados

Atividade realizada na Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais debateu uma definição para “dados pessoais, sensíveis e anonimizados” nesta quarta, dia 22

Apesar de a privacidade ser um direito garantido pela Constituição brasileira e de o tema ser tratado pela Lei de Cadastro Positivo, pela Lei de Acesso à Informação e pelo Marco Civil da Internet, o país é um dos poucos no mundo que não tem uma lei específica para proteção de dados pessoais. A informação foi dada por Luiz Fernando Martins Castro, conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br; Paulo Rená, representante do Instituto Beta para Internet e Democracia – IBIDEM; e Laura Schertel, representante do Centro de Direito, Internet e Sociedade do Instituto Brasiliense de Direito Público – Cedis/IDP-DF, que participaram da audiência.

Paulo Rená, advogado e chefe de pesquisa do Instituto Beta, entende que dado pessoal é qualquer um que sirva para identificar alguém. “Estamos falando em dados que identifiquem, ou mesmo que permitam a identificação de uma pessoa. Um exemplo é a divulgação de uma lista com números de CPF. Ela não necessariamente identifica uma pessoa, mas a associação desses números com outras informações podem vir a identificar alguém”, aponta.

A falta de legislação mais abrangente sobre a proteção de dados permite hoje que o que está registrado seja utilizado para discriminar uma pessoa, seja por uma questão econômica, política, racial, religiosa, ou outra. Até por isso, Rená defende que a legislação explicite que o dado pessoal é privado, e não público. “Isso significa que não pode haver o entendimento de que um dado, porque é tornado público, vira público”, destaca. Outra questão levantada por ele é de que o projeto de lei elaborado a partir da comissão tenha como princípio o consentimento da pessoa para qualquer divulgação destes dados, e de que tal divulgação possa ser revogada a qualquer momento.

A professora Laura Schertel, do Cedis/IDP, afirma que o dado pessoal é uma das principais moedas hoje em todos os segmentos da economia, porém alerta para o fato de que a manipulação desses dados pode trazer riscos ao cidadão. Portanto, eles precisam ser protegidos. “O objetivo aqui não é impedir o fluxo de dados, mas regulamentar o fluxo, para que o processamento desses dados não seja usados para discriminar nem para cercear direitos do cidadão”, argumenta ela, propondo uma lei geral de proteção de dados que englobe todos os setores da sociedade, nas esferas pública e privada. Schertel frisa também a importância da lei brasileira dialogar com outras leis no mundo e que preveja a ação de uma autoridade de enforcement capaz de garantir a aplicação desta lei.

Para o advogado Luiz Fernando Castro, do CGI.br, não é mais possível evitar o fluxo de dados, mas é necessária uma norma legal que seja transparente, que garanta o direito à portabilidade e que garanta ainda o direito de proteção. “O importante é criar um ambiente minimamente seguro, pois há um grande perigo de continuarmos sem regra nenhuma”, pondera. Castro ressalta a importância da lei não estar formulada genericamente sobre os temas que pretende regular. “O Brasil está muito atrasado nessa questão. Precisamos elaborar uma lei que se adeque ao panorama internacional e, ao mesmo tempo, que possa apontar novos caminhos para a proteção de dados no mundo”, avalia.

Sendo assim, Castro sugere que o texto a ser proposto pelo relator da Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais se concentre em princípios defendidos por leis europeias, como a transparência na coleta de dados, a lealdade à finalidade descrita de uso dos respectivos dados e o tratamento de trais informações em prazo limitado.

Na outra ponta do debate, a diretora da Associação Nacional de Birôs de Crédito (ANBC), Vanessa Butalla, defende que o conceito de dado pessoal não ultrapasse o aspecto da pessoa identificada ou razoavelmente identificável. Para ela, deve haver uma flexibilização do acesso a dados pessoais cadastrais, como nome, filiação, data de nascimento e dados biométricos. “Se usados com a simples finalidade de identificação, esses dados não demandam o consentimento do cidadão”, opina. Os demais participantes da audiência não compactuam com esta posição.

Durante o debate, o relator do projeto na comissão, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), questionou Butalla sobre o que ela entendia por “razoavelmente identificável”, conforme sua proposta de conceituação para dados pessoais. Ao responder, Butalla disse que sua proposta é de que a lei defina justamente quais dados se enquadram nesta condição de identificação razoável de uma pessoa. “Se não é possível identificar a pessoa, então o uso do dado não é capaz de gerar prejuízos a essa pessoa. E se não é passível de gerar prejuízos, não deve estar protegido”, argumenta ela.

O que diz a Constituição

O direito à privacidade é garantido pela Constituição Federal de 1988 em seu Art. 5, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

A privacidade é fundamental para a democracia, porque garante, por exemplo, a liberdade de organização política, a liberdade de pensamento, a liberdade religiosa, entre tantas outras. Pessoas sob vigilância tendem a se comportar de acordo com o padrão de comportamento vigente e a não questionar regras.

Tal direito, entretanto, é um desafio cada vez maior para as democracias modernas. O desenvolvimento tecnológico criou uma capacidade nunca antes vista de vigiar massivamente as comunicações entre pessoas e de interceptar e armazenar dados.

A Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais analisa os projetos de lei 4060/2012, do deputado Milton Monti (PR-SP), e 5276/2016, do Executivo, que tramitam apensados e tratam, entre outros assuntos, da definição de “dados pessoais, sensíveis e anônimos”. O texto do PL 5276/2016 define dado pessoal como aquele que identifica ou pode vir a identificar alguém. A comissão é presidida pela deputada Bruna Furlan (PSDB-SP).

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

PROJETO QUE PROÍBE LIMITAÇÃO DE DADOS NA INTERNET FIXA É APROVADO NO SENADO

Projeto proíbe as operadoras de internet de estabelecer franquias de dados em seus contratos de banda larga fixa 

O plenário do Senado aprovou na quarta-feira, dia 15, o Projeto de Lei do Senado (PLS 174/2016) que proíbe as operadoras de internet de estabelecer franquias de dados em seus contratos de banda larga fixa. O projeto altera o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) para vedar, expressamente, os planos de franquias de dados para esse tipo de serviço.

Na justificativa do projeto, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) destacou que diversos aspectos do exercício da cidadania dependem da internet, como ensino à distância, declaração do imposto de renda e pagamento de obrigações tributárias, de modo que, a seu ver, não seria razoável limitar o tráfego de dados na rede. Segundo o senador, “limitar o uso da internet seria uma péssima novidade no Brasil, sendo somente repetida em países liderados por governos autoritários, que cerceiam o acesso à informação por parte de seus cidadãos”.

Responsável pelo relatório o senador Pedro Chaves (PSC-MS) diz que a internet tem papel fundamental na inclusão social, no exercício da cidadania e como indutora de inovação e avanço tecnológico. Para ele, é inadmissível que haja esse tipo de limitação na internet fixa, o que poderia prejudicar consumidores, empresas e ações governamentais.

A senadora Vanessa Grazziotin afirmou que a internet atualmente é sinônimo de acesso à informação e, cada vez mais, se configura como um bem de primeira necessidade para a população.

Ela lembrou que o Brasil viveu uma grande polêmica no ano passado porque as empresas operadoras de telecomunicações revelaram a intenção de passar a limitar o acesso à internet por banda larga fixa, de telefonia fixa. “Isso faria com que encarecesse enormemente o custo do serviço, que nós não podemos mais tratar como um serviço qualquer, como um serviço passível de ser escolhido para que a população acesse ou não, porque a internet hoje significa exatamente a informação, o acesso à informação”, destacou.

O senado chegou à conclusão de que o próprio Marco Civil da Internet não permite que haja essa limitação e essa cobrança. “Quando há a contratação do serviço de internet para a telefonia fixa, as famílias contratam uma velocidade, e não um conteúdo limitado. Elas estão contratando a velocidade, aliás, diga-se de passagem, nunca chegamos sequer perto da velocidade comprada”, reclamou Grazziotin.

O Brasil hoje conta com mais de 56 milhões de brasileiros conectados pela internet – algo em torno de 56% da população, mas ainda em um nível muito abaixo ao de vários outros países. E a mudança na forma de contratação de banda larga poderia criar um efeito de diminuir ainda mais o acesso da população ao serviço.

Uma pesquisa realizada pelo DataSenado, entre maio e junho do ano passado, revelou que 99% de um total de 608.470 internautas entrevistados são contrários à limitação de dados na internet de banda larga fixa.

Por meio do portal e-Cidadania, quase 35 mil internautas opinaram sobre o projeto que impede a limitação de dados. Praticamente a totalidade se manifestou a favor, já que apenas 308 votaram contra. Esse número representa menos de 1% do total de votos.

Debates
O tema também mobilizou o Senado em debates. No início de maio, uma audiência pública promovida em conjunto pela Comissão de CCT e pelas Comissões de Serviços de Infraestrutura (CI) e de Meio Ambiente e Defesa do Consumidor (CMA) trouxe representantes de empresas, de consumidores, da Anatel e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para discutir o problema. O presidente da OAB, Claudio Lamachia, também participou de uma reunião do Conselho de Comunicação em que o assunto foi debatido.

A matéria segue agora para análise da Câmara dos Deputados. A proposta não altera as regras dos planos de internet móvel.

O presidente do Senado, Eunício Oliveira, informou hoje, dia 16, que pediu ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, rapidez na tramitação do Projeto de Lei do Senado (PLS) 174/2016.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações da Agência Senado

Entidades de defesa dos consumidores apontam problemas no projeto que modifica modelo de Telecom no Brasil

IDEC e Proteste destacam falta de clareza sobre a forma como o governo vai definir compromissos com as operadoras que migrarem do regime público para o privado

Em debate realizado nesta terça-feira, dia 14, no 47º Encontro Tele.Síntese, em Brasília, representantes de empresas de telecomunicações, do governo federal, da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) discutiram a revisão do modelo de telecomunicações em curso no Brasil, proposto pelo Projeto de Lei 79 (PLC 79).

A mesa de abertura do encontro contou com as presenças da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), de Juarez Quadros, presidente da Anatel, e de André Borges, secretário de Telecomunicações do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

O presidente da Anatel, Juarez Quadros, propôs às concessionárias antecipar a redução da VUM (Valor de Uso da rede Móvel, que a operadora de telefonia fixa paga à operadora de telefonia celular para uma chamada de fixo para móvel), que estava prevista para 2019, para o ano que vem. Segundo ele, a medida é mais uma tentativa de dar sobrevida ao serviço de telefonia fixa, que perde assinantes desde 2014.

A redução, que vem ocorrendo desde 2016, tem diminuído o custo das ligações de telefones fixos para celulares. A proposta não foi bem recebida pelas empresas, que não têm nenhum interesse em melhorar o serviço, menos ainda em manter o funcionamento da telefonia fixa no Brasil.

Quadros afirmou que o PLC 79/2016 é essencial para atender à demanda por internet banda larga no país e lembrou que, apesar de não pode dar palpite sobre a tramitação da matéria no Legislativo, ela deveria ser mais debatida no Senado Federal, inclusive em plenário.

O secretário de Telecomunicações do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, André Borges, informou que o órgão deverá abrir uma consulta pública para discutir a prioridade de investimentos na expansão da banda larga em algumas semanas. O secretário também ressaltou que haverá outras alternativas em debate para a expansão da banda larga, entre elas a retomada do programa Cidades Inteligentes.

A senadora Gleisi Hoffmann deixou claro que a oposição vai continuar brigando por um trâmite que envolva mais debate e discussões. “Queremos que o PLC 79 passe pelas Comissões de Economia e de Ciência e Tecnologia no Congresso. São áreas que terão muito impacto com as mudanças”, frisou.

Soberania Nacional

Durante sua fala, a senadora Gleisi Hoffmann afirmou que iria encaminhar um pedido de informações ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, à Casa Civil, à Telebrás e ao Ministério da Defesa sobre o processo de “privatização do satélite brasileiro”, que foi divulgado pela Telebrás no dia 23 de fevereiro como um modelo de negócios de comercialização com previsão de venda de três lotes de transponders, somando 89% da capacidade da banda ka, para operadoras privadas.

Segundo a senadora, o Ministério da Defesa fez pressão durante a gestão da presidenta Dilma Rousseff para que o Brasil fizesse investimentos em um satélite de comunicação próprio, inclusive por uma questão de soberania. “Se era uma questão de soberania, porque deixou de ser? Os setores militares concordam com isso? Fizemos investimentos de R$ 2 bilhões e agora isso será jogado no lixo?”, questionou. Ela pedirá também que o governo participe de audiência pública no Senado para dar explicações sobre a forma como está conduzindo esse processo.

Flávia Lefèvre, advogada da Proteste, criticou a condução do PLC 79/2016, principalmente no Senado. “Não foi feito de forma transparente e nem levou em conta os riscos associados à migração do serviço”, analisou. Ela leu trechos de um documento em que o Tribunal de Contas da União (TCU) aponta prejuízos ao erário por inexatidão do cálculo dos bens reversíveis.

Segundo Lefèvre as telecomunicações precisam, sim, de novas regras, mas certamente não é este projeto que irá atender ao interesse público. “A LGT teve mais 2 anos de discussões na sociedade e no Congresso, no cenário atual onde as tecnologias e demandas são muito maiores é necessário ampliar e aprofundar o debate com a sociedade”, acentuou.

Muito poder, pouco compromisso

Rafael Zanatta, pesquisador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), reiterou a posição da entidade sobre o PLC 79. Na visão da organização, subscrita por outras organizações sociais participantes da Coalizão Direitos na Rede, o projeto dá muito poder à Anatel e ao Executivo, enquanto elimina compromissos das concessionárias com a universalização de serviços.

Zanatta frisou que o texto falha em estabelecer estes compromissos. “O procedimento de criação desses deveres é extremamente vago, abrindo espaços para capturas regulatórias e diminuição do controle social”, defendeu.

Para ele, deixar a regulamentação das obrigações nas mãos apenas do governo “afronta a arquitetura de governança do uso e expansão da internet no Brasil, definido pelo Marco Civil da Internet. Se os compromissos de investimento servem à inclusão digital e redução de desigualdades, então a lógica a se seguir não é somente a da Lei Geral de Telecomunicações, mas também a da sistemática criada pelo Marco Civil da Internet”, afirmou.

O advogado reclama da postura adotada pelos defensores do PLC 79, que, a seu ver, tentam focar o debate no valor dos bens reversíveis. “O que sempre nos preocupou, mais do que a polêmica dos bens reversíveis, foi o desenho regulatório para estimular investimentos em regiões mais pobres e os riscos de opacidade e captura que a agência pode sofrer no processo de negociação do ‘onde investir’ e do ‘como investir’, uma vez abandonados os instrumentos jurídicos do regime público previstos na Lei Geral de Telecomunicações”. Ele ressaltou que não está claro para especialistas e profissionais do setor como a Anatel pretende firmar compromissos de investimento em banda larga e como irá ocorrer o cálculo do valor da migração do serviço de concessão para autorização.

Consultoria e mapeamento

Ainda sobre bens reversíveis, o presidente da Telefônica, Eduardo Navarro, disse que a empresa irá contratar uma consultoria para fazer o levantamento dos seus ativos, a fim de identificar o que pode ser classificado como bem reversível, de acordo com o que foi estabelecido na época da privatização. Segundo ele, essa iniciativa está relacionada à necessidade de transparência nas discussões que envolvem o PLC 79.

Nesta linha, o conselheiro da Anatel Igor de Freitas relatou que a agência contratou o Ipea para definir critérios de priorização dos investimentos, levando em conta dados objetivos sobre as situações em que os reflexos da banda larga são mais efetivos e as situações em que são menos efetivos. O resultado deste trabalho foi a divisão dos municípios brasileiros em seis grupos, levando em conta população, PIB, participação industrial e acesso à internet. O trabalho, que está perto de ser finalizado, será apresentado em abril em um workshop.

De acordo com o conselheiro, um mapa detalhado produzido a partir o estudo do Ipea, com informações sobre a aplicação de recursos e seus efeitos para a economia local e a geração de empregos, irá subsidiar o novo Plano de Banda Larga que está sendo preparado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

Pequenos provedores

Helton Posseti, gerente da Abrint, que representa pequenos provedores de acesso, afirmou no encontro que é importante assegurar que os investimentos decorrentes das políticas públicas não inibam o desenvolvimento dos provedores regionais, muitos dos quais estão em operação nas cidades que as grandes empresas categorizam como pouco atrativas. “Achamos que os investimentos devem ser naquelas cidades em que realmente apenas os investimentos públicos vão viabilizar o acesso”, ponderou.

Ele questionou ainda se não seria o caso desses investimentos serem coordenados pela Telebrás, e não pelas próprias empresas, e lembrou que a estatal teve um efeito positivo sobre os preços cobrados pelos serviços naqueles locais em que conseguiu atuar. “O problema da Telebrás é ter pouca capilaridade”, concluiu.

Visão dos grandes

Entre as grandes operadoras, não parece haver muitas divergências sobre quais deveriam ser as políticas do governo para possibilitar a expansão da infraestrutura: uso de recursos públicos para as áreas de baixa atratividade e desonerações fiscais. Avaliações divergentes, contudo, começam a aparecer quando se analisa o que deve ser feito com os investimentos realizados com os recursos provenientes da migração do modelo.

Fundos de Financiamento
André Borges destacou às restrições orçamentárias do governo e afirmou que é preciso discutir caminhos alternativos, como fundos setoriais que permitam a expansão do serviço. Além dos recursos provenientes da revisão do modelo de telecomunicações, outra fonte de financiamento são as obrigações previstas nos Termos de Ajustamento de Condutas (TACs). Segundo ele, dois desses acordos já foram aprovados na Anatel – da Oi e da Telefônica -, mas dependem do aval do TCU.

A criação de um novo “Fust” (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) encontra apoio em vários representantes empresariais e governamentais. O presidente da Oi, Marco Schroeder defendeu a reavaliação do modelo de fundos setoriais, lembrando que apenas 7% dos R$ 80 bilhões arrecadados de 2001 a 2016 foram utilizados.

Flávia Lefèvre fez uma ressalva de que o fundo estava sendo usado, mas para outros fins e que a Anatel não permitiu acesso aos documentos sobre o uso do Fust.

O Idec também ressaltou que o PLC 79 falha ao tratar do Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações (Fust). O projeto dá margem para que as concessionárias que migrarem para o regime de autorizadas entrem na Justiça pedindo isenção do dever de contribuir para o fundo.

“Do jeito como o projeto está, o PLC gera enormes vantagens para empresas que se tornarão autorizatárias, mas não ataca o problema da universalização – do direito de acessar à Internet banda larga –, pois o FUST, além de não estar desenhado para esse fim, tem sido historicamente contingenciado”, salientou.

Desde o dia 16 de fevereiro, a Mesa Diretora do Senado está devendo uma resposta à questão de ordem levantada pela senadora Gleisi Hoffmann. A parlamentar pediu esclarecimento sobre quando se decidirá sobre os recursos apresentados ao PLC 79, nos termos da decisão do Ministro Luís Roberto Barroso sobre a matéria, para que vá ao plenário.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação