Entidades de defesa dos consumidores apontam problemas no projeto que modifica modelo de Telecom no Brasil

IDEC e Proteste destacam falta de clareza sobre a forma como o governo vai definir compromissos com as operadoras que migrarem do regime público para o privado

Em debate realizado nesta terça-feira, dia 14, no 47º Encontro Tele.Síntese, em Brasília, representantes de empresas de telecomunicações, do governo federal, da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) discutiram a revisão do modelo de telecomunicações em curso no Brasil, proposto pelo Projeto de Lei 79 (PLC 79).

A mesa de abertura do encontro contou com as presenças da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), de Juarez Quadros, presidente da Anatel, e de André Borges, secretário de Telecomunicações do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

O presidente da Anatel, Juarez Quadros, propôs às concessionárias antecipar a redução da VUM (Valor de Uso da rede Móvel, que a operadora de telefonia fixa paga à operadora de telefonia celular para uma chamada de fixo para móvel), que estava prevista para 2019, para o ano que vem. Segundo ele, a medida é mais uma tentativa de dar sobrevida ao serviço de telefonia fixa, que perde assinantes desde 2014.

A redução, que vem ocorrendo desde 2016, tem diminuído o custo das ligações de telefones fixos para celulares. A proposta não foi bem recebida pelas empresas, que não têm nenhum interesse em melhorar o serviço, menos ainda em manter o funcionamento da telefonia fixa no Brasil.

Quadros afirmou que o PLC 79/2016 é essencial para atender à demanda por internet banda larga no país e lembrou que, apesar de não pode dar palpite sobre a tramitação da matéria no Legislativo, ela deveria ser mais debatida no Senado Federal, inclusive em plenário.

O secretário de Telecomunicações do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, André Borges, informou que o órgão deverá abrir uma consulta pública para discutir a prioridade de investimentos na expansão da banda larga em algumas semanas. O secretário também ressaltou que haverá outras alternativas em debate para a expansão da banda larga, entre elas a retomada do programa Cidades Inteligentes.

A senadora Gleisi Hoffmann deixou claro que a oposição vai continuar brigando por um trâmite que envolva mais debate e discussões. “Queremos que o PLC 79 passe pelas Comissões de Economia e de Ciência e Tecnologia no Congresso. São áreas que terão muito impacto com as mudanças”, frisou.

Soberania Nacional

Durante sua fala, a senadora Gleisi Hoffmann afirmou que iria encaminhar um pedido de informações ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, à Casa Civil, à Telebrás e ao Ministério da Defesa sobre o processo de “privatização do satélite brasileiro”, que foi divulgado pela Telebrás no dia 23 de fevereiro como um modelo de negócios de comercialização com previsão de venda de três lotes de transponders, somando 89% da capacidade da banda ka, para operadoras privadas.

Segundo a senadora, o Ministério da Defesa fez pressão durante a gestão da presidenta Dilma Rousseff para que o Brasil fizesse investimentos em um satélite de comunicação próprio, inclusive por uma questão de soberania. “Se era uma questão de soberania, porque deixou de ser? Os setores militares concordam com isso? Fizemos investimentos de R$ 2 bilhões e agora isso será jogado no lixo?”, questionou. Ela pedirá também que o governo participe de audiência pública no Senado para dar explicações sobre a forma como está conduzindo esse processo.

Flávia Lefèvre, advogada da Proteste, criticou a condução do PLC 79/2016, principalmente no Senado. “Não foi feito de forma transparente e nem levou em conta os riscos associados à migração do serviço”, analisou. Ela leu trechos de um documento em que o Tribunal de Contas da União (TCU) aponta prejuízos ao erário por inexatidão do cálculo dos bens reversíveis.

Segundo Lefèvre as telecomunicações precisam, sim, de novas regras, mas certamente não é este projeto que irá atender ao interesse público. “A LGT teve mais 2 anos de discussões na sociedade e no Congresso, no cenário atual onde as tecnologias e demandas são muito maiores é necessário ampliar e aprofundar o debate com a sociedade”, acentuou.

Muito poder, pouco compromisso

Rafael Zanatta, pesquisador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), reiterou a posição da entidade sobre o PLC 79. Na visão da organização, subscrita por outras organizações sociais participantes da Coalizão Direitos na Rede, o projeto dá muito poder à Anatel e ao Executivo, enquanto elimina compromissos das concessionárias com a universalização de serviços.

Zanatta frisou que o texto falha em estabelecer estes compromissos. “O procedimento de criação desses deveres é extremamente vago, abrindo espaços para capturas regulatórias e diminuição do controle social”, defendeu.

Para ele, deixar a regulamentação das obrigações nas mãos apenas do governo “afronta a arquitetura de governança do uso e expansão da internet no Brasil, definido pelo Marco Civil da Internet. Se os compromissos de investimento servem à inclusão digital e redução de desigualdades, então a lógica a se seguir não é somente a da Lei Geral de Telecomunicações, mas também a da sistemática criada pelo Marco Civil da Internet”, afirmou.

O advogado reclama da postura adotada pelos defensores do PLC 79, que, a seu ver, tentam focar o debate no valor dos bens reversíveis. “O que sempre nos preocupou, mais do que a polêmica dos bens reversíveis, foi o desenho regulatório para estimular investimentos em regiões mais pobres e os riscos de opacidade e captura que a agência pode sofrer no processo de negociação do ‘onde investir’ e do ‘como investir’, uma vez abandonados os instrumentos jurídicos do regime público previstos na Lei Geral de Telecomunicações”. Ele ressaltou que não está claro para especialistas e profissionais do setor como a Anatel pretende firmar compromissos de investimento em banda larga e como irá ocorrer o cálculo do valor da migração do serviço de concessão para autorização.

Consultoria e mapeamento

Ainda sobre bens reversíveis, o presidente da Telefônica, Eduardo Navarro, disse que a empresa irá contratar uma consultoria para fazer o levantamento dos seus ativos, a fim de identificar o que pode ser classificado como bem reversível, de acordo com o que foi estabelecido na época da privatização. Segundo ele, essa iniciativa está relacionada à necessidade de transparência nas discussões que envolvem o PLC 79.

Nesta linha, o conselheiro da Anatel Igor de Freitas relatou que a agência contratou o Ipea para definir critérios de priorização dos investimentos, levando em conta dados objetivos sobre as situações em que os reflexos da banda larga são mais efetivos e as situações em que são menos efetivos. O resultado deste trabalho foi a divisão dos municípios brasileiros em seis grupos, levando em conta população, PIB, participação industrial e acesso à internet. O trabalho, que está perto de ser finalizado, será apresentado em abril em um workshop.

De acordo com o conselheiro, um mapa detalhado produzido a partir o estudo do Ipea, com informações sobre a aplicação de recursos e seus efeitos para a economia local e a geração de empregos, irá subsidiar o novo Plano de Banda Larga que está sendo preparado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

Pequenos provedores

Helton Posseti, gerente da Abrint, que representa pequenos provedores de acesso, afirmou no encontro que é importante assegurar que os investimentos decorrentes das políticas públicas não inibam o desenvolvimento dos provedores regionais, muitos dos quais estão em operação nas cidades que as grandes empresas categorizam como pouco atrativas. “Achamos que os investimentos devem ser naquelas cidades em que realmente apenas os investimentos públicos vão viabilizar o acesso”, ponderou.

Ele questionou ainda se não seria o caso desses investimentos serem coordenados pela Telebrás, e não pelas próprias empresas, e lembrou que a estatal teve um efeito positivo sobre os preços cobrados pelos serviços naqueles locais em que conseguiu atuar. “O problema da Telebrás é ter pouca capilaridade”, concluiu.

Visão dos grandes

Entre as grandes operadoras, não parece haver muitas divergências sobre quais deveriam ser as políticas do governo para possibilitar a expansão da infraestrutura: uso de recursos públicos para as áreas de baixa atratividade e desonerações fiscais. Avaliações divergentes, contudo, começam a aparecer quando se analisa o que deve ser feito com os investimentos realizados com os recursos provenientes da migração do modelo.

Fundos de Financiamento
André Borges destacou às restrições orçamentárias do governo e afirmou que é preciso discutir caminhos alternativos, como fundos setoriais que permitam a expansão do serviço. Além dos recursos provenientes da revisão do modelo de telecomunicações, outra fonte de financiamento são as obrigações previstas nos Termos de Ajustamento de Condutas (TACs). Segundo ele, dois desses acordos já foram aprovados na Anatel – da Oi e da Telefônica -, mas dependem do aval do TCU.

A criação de um novo “Fust” (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) encontra apoio em vários representantes empresariais e governamentais. O presidente da Oi, Marco Schroeder defendeu a reavaliação do modelo de fundos setoriais, lembrando que apenas 7% dos R$ 80 bilhões arrecadados de 2001 a 2016 foram utilizados.

Flávia Lefèvre fez uma ressalva de que o fundo estava sendo usado, mas para outros fins e que a Anatel não permitiu acesso aos documentos sobre o uso do Fust.

O Idec também ressaltou que o PLC 79 falha ao tratar do Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações (Fust). O projeto dá margem para que as concessionárias que migrarem para o regime de autorizadas entrem na Justiça pedindo isenção do dever de contribuir para o fundo.

“Do jeito como o projeto está, o PLC gera enormes vantagens para empresas que se tornarão autorizatárias, mas não ataca o problema da universalização – do direito de acessar à Internet banda larga –, pois o FUST, além de não estar desenhado para esse fim, tem sido historicamente contingenciado”, salientou.

Desde o dia 16 de fevereiro, a Mesa Diretora do Senado está devendo uma resposta à questão de ordem levantada pela senadora Gleisi Hoffmann. A parlamentar pediu esclarecimento sobre quando se decidirá sobre os recursos apresentados ao PLC 79, nos termos da decisão do Ministro Luís Roberto Barroso sobre a matéria, para que vá ao plenário.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *