Quando a Justiça cega (literalmente)

O Intervozes vem debatendo a necessidade de proteção aos comunicadores na cobertura de protestos desde que a violência contra repórteres, cinegrafistas, fotógrafos e midialivristas eclodiu nas manifestações de junho passado. O assunto foi tema de um recente debate organizado pelo coletivo em parceria com a organização Artigo 19 no dia 20 de agosto, com a presença da Relatora Especial para Liberdade de Expressão da OEA (Organização dos Estados Americanos), Catalina Botero.

Na última semana, a Justiça paulista decidiu o injustificável, em um país considerado democrático: culpar o repórter-fotográfico Alex Silveira por ter perdido a visão ao ser atingido por uma bala de borracha lançada pela Polícia Militar durante um protesto em 2010.

Neste momento, o Intervozes se coloca uma vez mais ao lado dos comunicadores, que lançaram uma campanha para dar visibilidade à decisão absurda da Justiça e manifestar sua solidariedade a Alex. Convidamos a também foto-jornalista Julia Chequer, que participa da mobilização, para contar para o nosso blog essa história.


Por Julia Chequer

Em 2010, Alex cobria para o jornal Agora São Paulo, do grupo Folha, uma manifestação de servidores da saúde e da educação, na avenida Paulista. Foi atingido pela ação da Tropa de Choque, que usou balas de borracha, gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral contra os manifestantes.

Alex, que perdeu 80% da visão do olho esquerdo, fez o que todo cidadão deveria fazer. Processou o Estado pela violência injustificável e pediu uma indenização por danos materiais e morais. A resposta da Justiça foi a pior possível. A sentença parte do princípio de que, em momentos de confronto, o profissional de imprensa que ficar para exercer seu papel de cúmplice e interlocutor dos fatos pode ser agredido pelas forças do Estado.

“Permanecendo no local do tumulto, dele não se retirando ao tempo em que o conflito tomou proporções agressivas e de risco à integridade física, mantendo-se, então, no meio dele, nada obstante seu único escopo de reportagem fotográfica, o autor [refere-se ao repórter-fotográfico] colocou-se em quadro no qual se pode afirmar ser dele a culpa exclusiva do lamentável episódio do qual foi vítima”, escreveu o relator do caso, desembargador Vicente de Abreu Amadei.

Trata-se de um precedente assombroso para o livre exercício da imprensa e, nesse sentido, para a democracia no país. E, pior: a história de Alex Silveira está longe de ser um caso isolado. Durante as “jornadas de junho” de 2013, foi impressionante o número de colegas chegando em redações sangrando, mancando. Houve aqueles que não voltaram para o local de trabalho, por estarem hospitalizados e até presos.

Tampouco se trata do acaso. Em geral, quando imagens de violência policial são feitas, é possível visualizar o agressor mirando em nossa direção. Daí a quantidade de profissionais atingidos no rosto no ano passado, dentre eles, Giuliana Vallone, então repórter da TV Folha – que não foi atingida no olho porque usava óculos -, e o repórter-fotográfico Sérgio Lima, que também perdeu a visão do olho esquerdo, ambos vítimas de bala de borracha.

Em todos esses casos, no entanto, a mobilização pública contra a violência praticada contra comunicadores não chegou perto à que seguiu a morte do cinegrafista da TV Bandeirantes, Santiago Ilídio Andrade, atingido por explosivo durante um protesto no Rio de Janeiro. Claro que uma morte choca. Mas talvez o que tenha diferenciado a repercussão de uma violência da de outra tenha sido o autor da violência: no caso de Alex, o Estado; no de Santiago, um manifestante.

A violência do Estado contra manifestantes tem sido praxe no Brasil, resquício das práticas da ditadura. Mas choca ainda mais a violência contra a imprensa. Não porque ela tem um status diferente do que gozam os demais cidadãos. Não. Mas porque comunicadores, em seu exercício profissional, garantem uma série de direitos humanos coletivos à população, como o acesso à informação e o direito de participação na vida política, que também são violados quando a imprensa se torna alvo. A presença da mídia nas manifestações também é importante para coibir o uso da violência, e é combustível para um debate plural sobre o que está sendo reportado, seja lá qual o tema do protesto. Cabe lembrar que toda pessoa em ato de registro de uma mobilização deve ser tratada como imprensa, sem distinção entre a grande empresa produtora de notícia e o pequeno blog.

A mobilização dos repórteres-fotográficos, profissionais da comunicação e militantes que, na semana passada, divulgaram fotos usando um tapa-olho, é, portanto, mais do que uma amostra do inconformismo com a decisão da Justiça e de apoio a Alex. É também um ato em defesa da liberdade de expressão, informação e imprensa em nosso país.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Dilma propõe lei para universalizar acesso à internet

Por Bia Barbosa, Marina Cardoso e Pedro Ekman*

A Presidenta da República e candidata à reeleição Dilma Rousseff participou nesta terça-feira (9) da primeira edição do Diálogos Conectados – Um papo sobre Direitos e Internet, promovido pela Campanha Banda Larga é um Direito Seu! Para um auditório cheio de ativistas e especialistas no tema, Dilma propôs a criação de uma lei para garantir a universalização do acesso à banda larga no país, com qualidade e boa velocidade por meio da instalação de fibra óptica em 80% dos municípios. “Temos que universalizar via lei, senão não teremos força política para obrigar as empresas a cumprirem as metas estabelecidas”, defendeu a candidata à reeleição.

Discordamos da Presidenta, pois entendemos que um decreto presidencial bastaria para garantir a universalização, ao colocar a prestação do serviço de acesso à banda larga em regime público. Neste regime de prestação de serviços, seria possível, por exemplo, que os recursos do FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações –, hoje congelados e usados pelo governo para fazer superávit primário, passassem a ser utilizados em investimentos em infraestrutura para o cumprimento de metas de universalização do acesso à internet. Metas de qualidade, continuidade e modicidade tarifária também seriam impostas no regime público.

Além disso, duas leis que definem que o acesso à banda larga deveria se dar em regime público. A Lei Geral de Telecomunicações (LGT) e o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). A LGT estabelece que todo serviço essencial deve ser prestado em regime público, enquanto o Marco Civil da Internet reconhece a essencialidade do acesso à internet para o exercício da cidadania. A LGT também define que é por decreto presidencial que se define a qual regime pertence cada serviço de telecomunicação.

Ou seja, seria necessário só um pouco de vontade política. Mas Dilma insistiu na aprovação de uma lei sobre o tema, para evitar inclusive a judicialização de um eventual decreto presidencial. Uma lei de universalização não é um instrumento ruim, mas apresenta riscos que devem ser considerados, entre eles a demora para sua aprovação e o de que uma alteração da LGT no Congresso pode acabar piorando a lei em seus outros aspectos, a depender da correlação de forças que se estabeleça.

Telebras

Outra promessa da candidata Dilma foi retomar a expansão da Telebras, congelada durante seu mandato, depois do impulso dado à estatal na segunda gestão de Lula. Dilma reconheceu que não será possível fazer a universalização do acesso sem ela, “que tem condições de trabalhar com pequenos e médios provedores e forçar a competição em mais de 800 municípios”, e sem recursos do orçamento geral da União.

Mas explicitou também que não há como o governo garantir sozinho um investimento deste porte no setor. “Não temos como fazer isso sozinhos. Achar que só o Estado dará conta desta tarefa é uma temeridade. Vamos fazer a universalização em quatro anos em parceria com as empresas, mas colocando metas e o que vier de investimento público como bens reversíveis”, declarou, defendendo então o regime misto para o serviço. Para atrair o interesse das empresas, Dilma prometeu juros subsidiados ao setor, com maior prazo e carência para pagamento dos empréstimos.

Mas, de novo aí, o problema da prestação do serviço apenas em regime privado persiste. Ao pretender universalizar o serviço de internet sem mudança para o regime público, a candidatura do PT bate pé em um modelo que apenas oferecerá recursos às empresas do setor sem exigir qualquer contrapartida. Isso seria fazer justamente o que a Presidenta não quer, ou seja, financiar a expansão da rede apenas com dinheiro público. O regime público garante, ao contrário, que haja de fato investimento privado e que o dinheiro público investido volte depois para o Estado, e não fique pra sempre como infraestrutura das empresas privadas.

O Brasil conhece bem essa história de transferência de recursos públicos para a iniciativa privada no campo da internet. Foi exatamente isso o que aconteceu com o Programa Nacional de Banda Larga, lançado em 2010, sobre o qual Dilma não falou. O PNBL definia metas importantes para interiorizar e ampliar a infraestrutura para a conexão em localidades não atendidas pelo setor privado, mas a pressão das operadoras de telecomunicações levou ao seu esvaziamento pelo governo, e poucas ações do programa estão em andamento.

“Com isso, o Brasil continua sem redes suficientes para atender a demanda crescente do país, principalmente onde não há interesse de mercado, do que decorrem as baixas velocidades de provimento do serviço de acesso à Internet, com preços elevados, de péssima qualidade e ainda para poucos”, diz o documento da Campanha da Banda Larga, que critica ainda o fato de as políticas para o setor terem sido construídas no governo Dilma de forma fragmentada e “sem diálogo efetivo com a sociedade, alinhando-se mais aos interesses das empresas privadas”.

Direitos e cultura digital

Os segundo e terceiro blocos de perguntas feitos à Presidenta trataram de direitos dos usuários na rede, cultura e políticas de inclusão digital.

Os ativistas da campanha lembraram que a conquista da aprovação do Marco Civil da Internet (MCI) não conseguiu evitar a imposição, por parte de setores vigilantistas, do artigo 15 do texto, que obriga a guarda massiva de dados pessoais para fins de investigação policial. E que, apesar da lei já estar em vigor, as empresas de telecomunicação, que por muito tempo tentaram barrar o Marco Civil por serem contra a neutralidade de rede, seguem violando tal princípio cotidianamente. As entidades debatedoras perguntaram que instrumentos o governo pretende criar para não transformar uma lei que garante direitos civis em um instrumento que aponta para a construção de uma sociedade vigiada, e o que a candidata pretende fazer para impedir que as empresas continuem quebrando a neutralidade de rede.

Dilma foi genérica. Acompanhada na atividade do deputado Alessandro Molon (PT/RJ), relator do Marco Civil na Câmara, ela lembrou que a aprovação do projeto dependeu de um acordo no Congresso que incluiu a inclusão do Artigo 15, e voltou a afirmar que acordos políticos não serão quebrados. Ficou claro, neste sentido, que o governo não espera operar durante a regulamentação da lei para reduzir os impactos do vigilantismo ali presente. Por outro lado, Dilma se comprometeu a dar atenção à lei de proteção de dados pessoais, cujo anteprojeto, formulado pelo Ministério da Justiça, está parado na pasta.

Sobre a quebra da neutralidade, Dilma se limitou a dizer que, após a regulamentação do Marco Civil, será preciso “fiscalizar e punir as empresas que estão desrespeitando a lei”. A candidata afirmou que a consulta pela regulamentação do MCI, esperada desde junho, será lançada logo após o período eleitoral, no início de novembro. “Temos que regulamentar o Marco Civil imediatamente. E fiscalizar e punir quem desrespeitar a neutralidade”, declarou.

Por fim, sobre cultura digital e modelo de desenvolvimento, a Campanha queria saber se o governo continuará gastando anualmente mais de R$ 2 bilhões em licenças e serviços de softwares proprietários enquanto aloca um recurso irrisório no desenvolvimento, manutenção e suporte de softwares livres e no apoio a comunidades de desenvolvedores. Ainda, interpelou a candidata à reeleição a respeito da retomada políticas mais amplas de inclusão cultural e digital, como os Pontos de Cultura e Pontos de Mídia Livre.

A candidata disse que pretende retomar a política dos Pontos de Cultura e que, no campo do software livre, é preciso encontrar mecanismos jurídicos e políticos para apoiar as comunidades de desenvolvedores. Dilma propôs o uso da ferramenta das compras governamentais para incentivar o desenvolvimento de softwares não proprietários e disse que apoiará a abertura de startups.

A avaliação das entidades que fazem parte da Campanha Banda Larga é Um Direito Seu, incluindo o Intervozes, é a de que o debate foi importante e positivo, na medida em que a candidata teve que se posicionar sobre tais temas, em alguns casos pela primeira vez.

A campanha reúne diversos coletivos e organizações da sociedade civil que atuam no campo da internet, e lançou, em agosto, uma carta às candidaturas com propostas de políticas públicas para o setor. Agora, espera dos candidatos/as que assumam compromissos em torno de temas como a infraestrutura e universalização do acesso à banda larga, promoção da cidadania e cultura digitais e regulamentação do Marco Civil da Internet ao longo do processo eleitoral. Dilma foi a primeira a atender ao convite da campanha. Agora começa a pressão para que os candidatos Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB) também apresentem suas propostas.

* Bia Barbosa, Marina Cardoso e Pedro Ekman são integrantes do Intervozes e participam da Campanha Banda Larga é Um Direito Seu!

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Plebiscito Popular pede mudança no sistema político no Brasil

Por Mayrá Lima e Paulo Victor*

Durante a semana da pátria (1 a 7 de setembro), urnas estarão espalhadas pelo Brasil coletando votos para o Plebiscito Popular por uma Assembleia Constituinte. Com uma única pergunta, o plebiscito quer saber se a população brasileira é a favor da convocação de uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político. Uma constituinte, cujos representantes serão exclusivamente eleitos para este fim.

O plebiscito faz parte da ação concreta e articulada da sociedade civil organizada diante de um quadro pós-manifestações de 2013, quando melhorias em diversas áreas (transporte, saúde, educação, etc.) foram objeto de reivindicação nas ruas de todo o país. Passado aquele momento de manifestações populares massivas, algumas reivindicações foram atendidas, em certa medida, pelo poder público, principalmente no que tange à pauta que unificou a maioria dos grupos que foram às ruas: o preço da tarifa de ônibus. No entanto, a falta de mecanismos de participação efetiva da sociedade nas principais decisões do país e o sentimento de não-representação diante da estrutura do sistema político permanecem presentes.

É por esta análise que movimentos sociais, entidades sindicais, organizações populares, partidos políticos de esquerda, coletivos e associações identificaram a reforma do sistema político como uma pauta organizativa desta insatisfação popular. Reforma que se baseia em três questões fundamentais: acabar com a influência determinante do poder econômico no processo eleitoral, pondo fim ao financiamento empresarial das campanhas eleitorais e da atividade política em geral; ampliar os instrumentos, mecanismos e espaços de controle social e de participação direta da população; e garantir mecanismos de participação de mulheres, negros/as, indígenas, jovens, LGBTs e setores populares no sistema político.

Os dados ajudam nesta compreensão. A cada eleição, cresce a participação empresarial no financiamento dos candidatos e partidos. Em 2008, as empresas “doaram” 86% dos recursos totais das campanhas. Em 2010, o montante representou 91% e, em 2012, 95%. No que diz respeito à composição, o Congresso Nacional condensa o que há de mais conservador da política e não dá conta da diversidade e do pluralismo da sociedade brasileira. Mais de 70% dos parlamentares federais são ruralistas ou empresários (de diversas áreas, como saúde, educação, comunicação, indústria, etc.). E mais: apenas 9% da Câmara dos Deputados e 12% do Senado é ocupado por mulheres (ainda que sejam mais da metade da população do país); somente 8,5 dos deputados federais e senadores se declaram negros; nenhum é indígena e menos de 3% são jovens.

Mas engana-se quem acredita que o “não me representa” tão presente nas manifestações era direcionado exclusivamente para o sistema político. Os meios de comunicação também foram colocados em xeque durante os protestos de junho e julho de 2013. Após o comportamento da grande mídia diante dos atos de rua, marcado pela manipulação das informações veiculadas, a Rede Globo tornou-se também um alvo da insatisfação popular. Por isso, não era raro ouvir os manifestantes gritando palavras de ordem como “a verdade é dura, a Rede Globo apoiou a Ditadura”, ou “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”.

Neste sentido, as manifestações de junho e julho de 2013 abriram uma oportunidade de massificarmos de forma mais contundente a pauta da democratização da comunicação, em articulação com a reforma do sistema político.

O diálogo entre as duas pautas não encerra por aí. O oligopólio midiático é parte do que se resume como poder econômico brasileiro. Só a família Marinho, com as organizações Globo, somam a fortuna de US$ 28,9 bilhões, configurando-se como a família mais rica do Brasil, segundo dados recentes da revista Forbes. A mesma família – assim como outras famílias detentoras de concessões de rádio e televisão – tem forte influência nas discussões e decisões do Congresso Nacional. Congresso que, é preciso ressaltar, tem em sua composição uma presença ativa de políticos concessionários de veículos de radiodifusão, ferindo inclusive a Constituição Federal de 1988, que são usados para benefício próprio, o que também contribui para gerar privilégios, desigualdades e distorções no sistema político.

Por esses motivos, a democratização das comunicações, especialmente a partir da luta por um novo marco regulatório para o setor (tendo como estratégia a coleta de assinaturas para o Projeto de Lei de Iniciativa Popular) e a reforma do sistema político, por meio da realização de uma Constituinte Exclusiva e Soberana, apresentam-se como duas demandas essenciais no processo de radicalização da democracia brasileira.

A organização do Plebiscito Popular já possui esta compreensão de que a democratização dos meios de comunicação é pauta fundamental. A campanha Para Expressar a Liberdade, que busca recolher mais de um milhão de assinaturas em apoio ao Projeto de Lei da Mídia Democrática,  também faz parte da mobilização por reforma política. Nesse sentido, em muitas urnas, também será possível manifestar apoio a esse projeto.

Além das urnas espalhadas em todos os estados, também é possível votar pela Internet. Basta acessar o seguinte link: http://bitbitbit.com.br/plebiscito/

Nós apoiamos essas iniciativas e vamos votar sim por mudanças reais no sistema político. Sim à democratização dos meios de comunicação.

*Mayrá Lima e Paulo Victor são integrantes do Intervozes

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Liquidação da indústria gráfico-editorial: um novo padrão de concentração?

Por Bruno Marinoni*

A semana teve início com maus agouros em relação ao mercado de publicações impressas no Brasil. Na mesma manhã do dia 25, foi anunciada pela Editora Abril a demissão de alguns de seus executivos e foi publicado, no site da colunista social Anna Ramalho, que as organizações Globo procuram vender o seu imenso parque gráfico, “enquanto ainda há quem queira comprá-lo por preços competitivos”. Há rumores de que o grupo português Ongoing também procura compradores para a sua gráfica no Brasil, mas não estaria encontrando interessados.

Os cortes do Grupo Abril, segundo maior grupo de mídia do país, são anunciados como parte de “um projeto de reformulação”, mas expressam, na verdade, a crise pela qual vem passando. A empresa sul-africana de mídia e comércio eletrônico Naspers (conhecida, vale ressaltar, pela sua relação com o apartheid), dona de 30% da Abril desde 2006, anunciou em junho uma diminuição de 1,2 bilhão de rands (cerca de 113,5 milhões de dólares), em seus investimentos. A empresa brasileira teria custado, também aos sul-africanos, uma baixa de 110 milhões de rands nos lucros do último ano contábil.

Outros sinais da crise da Abril são evidentes nas ações que o grupo vem tomando em outros mercados em que participa.  A Abrilpar anunciou recentemente a venda de uma fatia da Abril Educação avaliada em R$ 607 milhões para a Tarpon Investimentos. Em dezembro, a empresa tornou pública a decisão de vender a MTV Brasil, avaliada em R$ 350 milhões, para o grupo Spring (que edita a versão nacional da revista Rolling Stone). O Ministério das Comunicações, responsável pela radiodifusão, sequer se manifestou sobre a legalidade da venda de concessões públicas de TV, apesar disso, o pagamento não teria sido efetuado ainda devido à ausência de uma aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Nesse contexto, está também o caso do parque gráfico das Organizações Globo, o maior da América Latina, no qual rodam hoje os jornais O Globo, Extra e O Expresso. Embora não necessariamente expresse uma crise nos negócios do grupo, a busca por compradores aponta para um temor generalizado de que a indústria gráfica esteja com os seus dias contados. Corrobora essa impressão (com o perdão do trocadilho) o rumor de que o grupo Ongoing (acionista da Portugal Telecom e do Espírito Santo Financial Group), terceiro maior grupo de imprensa no país, detentor dos jornais O Dia, Meia-Hora e Brasil Econômico, estaria fazendo o mesmo movimento em busca de compradores para sua gráfica.

Talvez seja cedo para termos certezas sobre para onde estamos caminhando, mas algo importante está acontecendo na (re)configuração da concentração da propriedade de meios de comunicação no país. Essas tendências são importantes de serem observadas por aqueles que defendem a democratização da comunicação, pois é com este novo quadro que emerge que devemos lidar nos próximos anos.

Nitidamente, o capital internacional e financeiro, cada vez mais, passam a ser uma peça que interfere de forma direta no setor de comunicação, decidindo em que lugares serão aplicados os grandes volumes de investimento. Aparentemente, a indústria gráfica, assombrada pela perspectiva de se tornar peça de museu, não é este lugar. Se nos debruçarmos sobre as relações com o mercado de telecomunicações, o que não é o objetivo desse texto, isso fica mais evidente.

Fato é que os principais grupos de mídia que controlam o setor passam a lidar direta e indiretamente com a concorrência ou apoio do capital internacional. Ao mesmo tempo, defrontam-se com o desafio de ter que apostar em mercados nos quais não possuem tradição e, logo, know-how. Os três principais grupos de mídia brasileiros (Globo, Abril e Saraiva) têm suas raízes no mercado gráfico, seja de imprensa, seja de revistas e livros. Desligar-se desse lugar significa se renovar radicalmente, ao que se soma como dificuldade a tradição conservadora do empresariado brasileiro.

De outro lado, pouco ou nada se vê na política de comunicação dos governos brasileiros que aponte no sentido de se aproveitar as reconfigurações no setor para imprimir um impulso na direção da maior diversificação e desconcentração das mídias ou mesmo na regulação de um ambiente que hoje é praticamente controlado pelo interesse privado e monopolista.

Uma iniciativa recente que vem sendo discutida nas casas legislativas tenta reservar cotas na verba oficial de publicidade do poder público para a comunicação alternativa, independente e popular. É pouco, mas já é alguma coisa. Nesse sentido, deveríamos aproveitar este momento do período eleitoral para cobrar de nossos candidatos compromissos que possam garantir alguma margem de manobra para a democratização da comunicação nos imprevisíveis dias que estão por vir.

* Bruno Marinoni é repórter do Observatório do Direito à Comunicação, doutor em Sociologia pela UFPE  e integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Justiça condena jornalista por texto ficcional. Liberdade de expressão?

Por Ana Carolina Westrup*

Quantos de nós ouvimos histórias em que o rei tinha o poder soberano e todos os seus subordinados o respeitavam e faziam da sua ordem a lei? Mais do que contar a história de personagens, os contos revelam a busca íntima do escritor em provocar nos leitores a reflexão sobre determinado contexto histórico. A linguagem literária, que usa a ficção como elemento chave, pode se adequar, assim, a qualquer realidade, pessoas, tempos ou lugares. Essa foi a característica central de um texto publicado pelo jornalista sergipano Cristian Góes, em maio de 2012.

Mas não foi essa a compreensão do desembargador e atual vice-presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe, Edson Ulisses, que pediu a condenação de Góes. O papel de escritor do jornalista logo deu espaço então ao de alguém que vive um dos momentos mais dramáticos da sua vida. E o episódio expõe, de forma mais do que concreta, a fragilidade em torno do exercício da liberdade de expressão em nosso país.

Vamos ao caso. Em 2012, Cristian Góes publica em um blog de Sergipe a crônica Eu, o coronel em mim, que não cita nomes ou períodos históricos. O desembargador Edson Ulisses, no entanto, entendeu que um dos personagens da história – o “jagunço das leis” – o representava. Ingressou então com dois processos contra o jornalista: uma ação criminal em que pedia a prisão Góes por difamação e uma ação cível, com pedido de indenização por danos morais.

Em janeiro de 2013, na primeira audiência de conciliação, o jornalista propôs publicar uma nota esclarecendo que o texto não fazia referência a ninguém. O desembargador não aceitou a proposta e, em contrapartida, ofereceu ao jornalista a possibilidade de admitir a culpa a ele embutida, visando uma redução da pena. Na mesma ocasião, provocado pelo autor do processo, o Ministério Público Estadual (MPE) também impetrou uma ação penal contra o autor.

Neste momento, já estava claro que o objetivo do desembargador não era esclarecer qualquer erro de interpretação dos leitores, mas sim punir Góes com todo o peso de um processo criminal. Sem conciliação, o processo correu e, em uma velocidade digna das metas do Conselho Nacional de Justiça, em julho do mesmo, o juiz Luiz Eduardo Araújo Portela condenou o jornalista a sete meses e 16 dias de reclusão.

O cerceamento à liberdade de expressão do jornalista ganhou repercussão nacional e internacional. Cristian Góes chegou a participar de uma audiência pública na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) para denunciar o caso.

A pressão social, no entanto, não foi suficiente para mexer as peças no tabuleiro jurídico. O recurso impetrado na turma recursal do Tribunal de Justiça de Sergipe, apesar da consistência dos argumentos, foi negado por maioria. A estratégia foi recorrer, junto ao Supremo Tribunal Federal, pedindo a revisão da condenação. Porém, na última sexta-feira (15), sem sequer julgar o mérito da ação, o ministro do Supremo Ricardo Lewandowski negou o pedido, mantendo, portanto, a condenação à prisão do jornalista.

Para o advogado do caso, Rodrigo Machado, o texto do jornalista não promove qualquer tipo de dano pessoal. Trata-se do direito à crítica através de uma linguagem ficcional.

“O direito da liberdade de expressão não deve ser confundido com o direito de elogiar. É papel de todo e qualquer cidadão fazer crítica a uma situação ou conjuntura política. Cristian fez isso através de um texto ficcional, que se adéqua a qualquer realidade ou personagens. No nosso entender, sua condenação é uma distorção do conceito de liberdade de expressão”, defende o advogado.

A condenação de Góes em diversas instâncias do Poder Judiciário também revela um quadro de desequilíbrio na forma como a Justiça é aplicada para jornalistas de grandes veículos e para comunicadores independentes. Ela mostra o quão seletivo o Judiciário é ao utilizar um texto ficcional para privar alguém de sua liberdade enquanto silencia diante de uma série de violações praticadas por jornalistas da grande imprensa, que destroem reputações e não sofrem qualquer punição.

Um novo recurso deve ser apresentado ao STF, com base no próprio posicionamento do órgão acerca de proteção à liberdade de expressão, manifestada no julgamento do ADPF 130. Já no âmbito da pressão social, uma nova nota de repúdio está aberta a adesões. Entidades de defesa da liberdade de expressão também se preparam para apresentar uma denúncia formal contra a decisão da Justiça brasileira nos organismos internacionais de proteção aos direitos humanos.

*Ana Carolina Westrup é jornalista sergipana e integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.