Controle de emissoras por políticos leva à falsificação da democracia

Por Carlos Gustavo Yoda*

Nesta segunda reportagem da série sobre os “coronéis da mídia”, vamos mostrar o que diz a legislação brasileira sobre o controle de emissoras de rádio e televisão por políticos e o que pode e vem sendo feito pelas organizações de defesa do direito à comunicação acerca das ilegalidade praticadas.

Desde 2011, tramita no Supremo Tribunal Federal uma ação, intitulada Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), elaborada pelo Intervozes, em parceria com o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que pede a declaração de inconstitucionalidade à concessão de outorgas de radiofusão a emissoras controladas por políticos. A arguição – “acusação”, para desembrulhar o juridiquês, também afirma que, desde a posse, os parlamentares não podem mais ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada. Assim, defende como inconstitucional o ato de posse desses radiodifusores eleitos, pelo fato de os mesmos não terem deixado, antes, o controle de suas emissoras.

A base da ADPF 246 é o artigo 54 da Constituição, que aponta, em seus dois primeiros parágrafos, como fundamento da República, que deputados e senadores não podem firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público. Além deste artigo, a ação também entende que a prática do coronelismo eletrônico viola o direito à informação (artigo 5º e 220 da Constituição Federal), a separação entre os sistemas público, estatal e privado de comunicação (art. 223), o direito à realização de eleições livres (art. 60), o princípio da isonomia (art. 5º) e o pluralismo político e o direito à cidadania (art. 1º).

Além da Constituição Federal, o artigo 38 do Código Brasileiro de Telecomunicações, principal lei de rege o setor, aponta, em seu parágrafo primeiro, que não pode exercer a função de diretor ou gerente de concessionária, permissionária ou autorizada de serviço de radiodifusão quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial.

No entanto, a ADPF cita mais de 40 deputados federais e senadores, da atual legislatura, que controlam diretamente pelo menos uma emissora de rádio ou televisão em seu estado de origem. A tese da ação aponta diferentes órgãos como responsáveis pela ilegalidade. Em primeiro lugar, o Ministério das Comunicações e a Presidência da República, por concederem outorgas a empresas que não poderiam recebê-las e pela omissão na fiscalização das emissoras; o Congresso Nacional, também responsável pela autorização e renovação das outorgas e pela diplomação dos parlamentares; e o Poder judiciário, também responsável pela diplomação de candidatos eleitos.

O STF ainda não se manifestou sobre o tema, mas já coletou a manifestação dos órgãos envolvidos. Em parecer enviado ao Supremo, o Senado afirma que o entendimento de sua Comissão de Constituição e Justiça é de que os contratos de concessão e de permissão de radiodifusão enquadram-se na incompatibilidade constitucional prevista pelo artigo 54, II, “a”. Deputados e senadores não poderiam, portanto, ser proprietários e controladores de pessoas jurídicas prestadoras do serviço de radiodifusão pois estas gozam do benefício decorrente da celebração de contrato com pessoa jurídica de direito público – no caso, a União.

Em parecer sobre a ADPF solicitado pelo Intervozes aos juristas Gilberto Bercovici, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e Airton Serqueira Leite Seelaender, professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, eles afirmam que o ordenamento jurídico brasileiro deixa claro que há um dever estatal de impedir a oligarquização do regime democrático, de combater a oligopolização do setor e fomentar o pluralismo na mídia, destacando “a importância de preservar o dissenso na radiodifusão”. Bercovici e Seelaender afirmam que as práticas expostas na denúncia apresentada ao STF representam “clara burla à Constituição”.

A posição da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (MPF), também é de que os detentores de mandatos não podem direta ou indiretamente ter vínculo societário em empresas que detêm concessão de radiodifusão.

“Sem meias palavras, uma das grandes tragédias da comunicação social no país é o fato dos parlamentares terem o controle gerencial dessas empresas. É um poder que retroalimenta o controle político”, pontua o procurador Regional da República no Rio Grande do Sul, Domingos Sávio da Silveira. “O que me parece mais grave é o poder de gestão que esses clãs políticos exercem sobre concessões [de radiodifusão]. E mais do que isso, como o fato de ser parlamentar tem ao longo da história feito com que as concessões sejam dirigidas a empresas que estão sob o controle indireto desses parlamentares”, acrescenta.

Para Silveira, quando grupos políticos controlam as emissoras acontece a distorção direta do processo político. “É a falsificação da democracia. A opinião pública é construída pela mídia. Se frauda a democracia quando, através da utilização desigual de uma concessão, se consegue uma visibilidade incomparável em relação aos outros candidatos”, explica.

Debate recorrente

A discussão pública acerca do coronelismo eletrônico não é recente. Na Câmara dos Deputados, o relatório dos trabalhos da Subcomissão Especial da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), criada para analisar mudanças nas normas de apreciação dos atos de outorga e renovação de concessões, apontou, já em 2007 o conflito de interesses. O documento afirma que, “como o Congresso Nacional é responsável pela apreciação dos atos de outorga e de renovação de outorga de radiodifusão, a propriedade e a direção de emissoras de rádio e televisão são incompatíveis com a natureza do cargo político e o controle sobre concessões públicas, haja vista o notório conflito de interesses”.

A Deputada Luiza Erundina (PSB-SP), no entanto, que presidiu a Subcomissão, constata a dificuldade de se fazer cumprir tal compreensão, justamente porque o número de parlamentares que, de forma ilegal e inconstitucional, são detentores de concessões de rádio e TV ainda é elevado. “E eles têm seus prepostos, seus representantes, na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara e do Senado, o que explica a dificuldade que há em se avançar minimamente em relação a esse marco legal”, diz.

Em 2010, o então ministro chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, também afirmou a inconstitucionalidade do controle de outorgas de radiodifusão por políticos. De acordo com ele, “criou-se terra de ninguém. Todos sabemos que deputados e senadores não podem ter televisão, tem TV e usam de subterfúgios dos mais variados”.

Na mesma linha, em janeiro de 2011, o Ministro das Comunicações Paulo Bernardo novamente afirmou que já existe uma restrição que está colocada na Constituição: “É o Congresso que autoriza as concessões. Então, me parece claro que o congressista não pode ter concessão, para não legislar em causa própria. Os políticos já têm espaço garantido na televisão, nos programas eleitorais. E há também a vantagem nas disputas eleitorais, e o poder político e econômico”. O Ministério das Comunicações, no entanto, deu continuidade à sua política histórica de ignorar o artigo 54 da Constituição Federal e conceder outorgas de radiodifusão para empresas controladas por políticos.

Questionado pela nossa reportagem sobre o tema, o Ministério pediu que as perguntas fossem enviadas por e-mail. Perguntamos: Como o Ministério das Comunicações interpreta o artigo 54 da Constituição em relação às concessões de radiodifusão? Cabe ao Ministério das Comunicações a sua fiscalização? Se sim, quais são os canais de denúncia disponíveis à população? Se não cabe ao MiniCom, de quem deveria ser a responsabilidade por fiscalizar as emissoras controladas por políticos? O Ministério considera o atual quadro de trâmite de outorgas problemático? No entendimento dos gestores do Ministério, a legislação precisa de atualização? Até o fechamento desta reportagem, o Ministério das Comunicações não havia manifestado seus posicionamentos.

Laranjas e celebridades

Comprovar o controle de uma emissora de rádio ou TV por políticos não é tarefa simples. Os casos mais óbvios – mas também mais raros – são aqueles em que o próprio registro de acionistas da empresa concessionária inclui o nome do parlamentar, prefeito ou governador. Mas o coronelismo eletrônico tem muitas faces. De acordo com Domingos Sávio da Silveira, operam hoje no Brasil diversas formas de controle indireto da radiodifusão. Além dos chamados laranjas, usados para esconder o nome do verdadeiro dono da emissora, há casos de políticos que, mesmo sem serem proprietários da empresa, são capazes de acumular poder midiático e usar o espaço do rádio e da televisão como fonte de poder pessoal.

“É o exemplo dos comunicadores candidatos e dos parlamentares comunicadores, que passam os quatro anos de seu mandato retroalimentando sua atuação, que deveria estar no Congresso, às vezes até sem receber e, outras vezes, alugando ou arrendando espaços nos meios de comunicação. É uma relação desigual. A celebridade candidata também frauda o processo democrático”, explica Silveira.

Questionado pela reportagem, o Tribunal Superior Eleitoral declarou que “a Lei das Eleições só se refere aos permissionários públicos quando os proíbe de fazer doações”. Contudo, o TSE indica o Ministério Público Eleitoral para representações: “Quanto a denúncias, o Ministério Público Eleitoral é parte para oferecê-las à Justiça Eleitoral”, informou a assessoria de imprensa da instituição.

Para o procurador Domingos Sávio da Silveira, a sociedade deve procurar o Ministério Público Federal para denunciar possíveis casos de uso indevido de concessões públicas que podem interferir no processo eleitoral. Ele acredita que iniciativas como a ADPF 246 e demandas individuais e pontuais que podem ser delatadas não devem ser entendidas como “censura”, como colocam-se os opositores a todo e qualquer tipo de regulação da mídia. “Seria muito bom que toda a sociedade fizesse representações. É preciso provocar em cada local um processo de aplicação democrática da Constituição, de construção da igualdade. Essas ações têm poder pedagógico”, condui.

* Carlos Gustavo Yoda é jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Adultização da infância

Talvez você não se dê conta, mas, com certeza, já viu várias propagandas, dos mais variados produtos, que utilizam crianças nos papéis de adultos. Publicidades bem feitas, às vezes, engraçadas e que acabam mexendo com o emocional. Pois bem, esse é o objetivo. Porém, você já parou para pensar no efeito que isso tem na infância? O que essas imagens acabam impactando no universo, na formação das crianças? Essas práticas acabam contribuindo, de certa forma, para a adultização de meninos e meninas, para o que diversas pesquisas destacam como o encurtamento da infância.

Intrigada com o tema, a professora assistente da Universidade do Estado da Bahia, Cristhiane Ferreguett, resolveu pesquisar mais sobre o assunto. Descobriu que as crianças desenvolveram certo grau de ceticismo com relação à publicidade, boa parte sabe que tudo é imaginário, não real. Mas por outro lado identificou que “o discurso publicitário passou a se camuflar e a se inserir em diversos gêneros do discurso, especialmente nas reportagens das revistas infantis”.

Relações dialógicas em revista infantil:o processo de adultização de meninas foi o título da tese de doutorado da professora, defendida em agosto deste ano, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Em entrevista à revistapontocom, Cristhiane traz mais dados do estudo e avalia o contexto da adultização nos dias de hoje.

Acompanhe:

A sua tese tem o objetivo de discutir a questão da adultização das crianças, correto?

Cristhiane Ferreguett – Sim. O título da minha tese é Relações dialógicas em revista infantil: o processo de adultização de meninas; um trabalho de doutorado em letras defendido, em agosto deste ano, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Trata-se de um estudo sobre o discurso midiático dirigido às crianças, em especial às meninas, na faixa etária dos 6 aos 11 anos de idade. Tomei conhecimento de pesquisas que constataram que a criança desenvolveu certo grau de ceticismo em relação à publicidade. A criança sabe que o intuito da propaganda é vender e que para isso ela apresenta um discurso persuasivo que, na maioria das vezes, não corresponde à realidade. Para vencer esta resistência, o discurso publicitário passou a se camuflar e a se inserir em diversos gêneros do discurso, especialmente nas reportagens das revistas infantis. Inserido em reportagens, o discurso publicitário passa a ser mais aceito pela criança. Portanto, na minha tese, analisei como o discurso publicitário se engendra na tessitura discursiva de reportagens de uma revista infantil da Editora Abril, a Revista Recreio Girls, e que efeitos de sentidos produz no que se refere à adultização precoce da menina.

E o que você observou?

C.F. – Após analisar detalhadamente três reportagens de diferentes exemplares, constatei que as reportagens apresentam diversas características do discurso publicitário, como apresentação de marcas e preços de produtos. A adultização precoce da menina é construída discursivamente e pode ser observada pelos modelos adultos apresentados como referência de como a menina deve se vestir, maquiar, pentear e do modo como ela deve agir e ser, a fim de promover e incentivar o consumo de produtos normalmente desnecessários para uma criança.

E a adultização da infância se constitui num problema, certo?

C.F. – Sim. A inserção precoce da criança no mundo do adulto encurta sua infância. Existem estudos que comprovam um encurtamento da infância no plano fisiológico, as meninas estão entrando mais cedo no período da puberdade. Na contramão da queda da fertilidade entre as mulheres adultas, aumenta o número de gravidez na adolescência.

O fato é que essa adultização, muitas vezes, é compreendida como ‘algo normal’.

C.F. – Adultizar uma criança significa inseri-la precocemente no mundo adulto. Isso pode acontecer de diversas formas. Por exemplo, no inicio do processo de industrialização do nosso país a criança era inserida no trabalho das fábricas e era exigido delas a produtividade e a responsabilidade de um adulto. Hoje o trabalho infantil não é mais aceito. A adultização está acontecendo de outras formas, através do incentivo de comportamento e aquisição de produtos desnecessários a criança. Já é possível encontrar e comprar sutiãs com bojo para meninas a partir de 2 anos de idade. Meninas pequenas usam maquiagem e sandálias de salto alto, comprometendo a saúde da sua pele e da sua coluna. Para a indústria e o comércio isso é muito bom, no sentido em que uma criança que vive sua infância com comportamento de criança consome muito menos do que uma criança adultizada. E, sim, existe uma banalização deste comportamento no sentido que a sociedade passa a aceitar isso como normal e adequado.

Sempre que uma voz ecoa contra abusos da adultização vem à tona o discurso do direito de informação/comunicação, da liberdade da imprensa e a questão da censura.

C.F. – Compreendo que é dever do Estado e da sociedade civil organizada proteger a criança e sua infância. A liberdade da imprensa não deve comprometer o bem estar e a formação das nossas crianças, nossos futuros cidadãos. Recentemente uma resolução (Resolução n.º 163/2014 – aprovada por unanimidade pela plenária realizada no dia 13/03/2014) do Conanda proibiu “a prática do direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica à criança com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço”. Essa resolução precisa ser respeitada, precisamos da adesão dos pais, da escola e da sociedade como um todo para isso é preciso debater o assunto em diversas instâncias.

Como as crianças interpretam/analisam a adultização?

C.F. – A mídia apresenta a criança adultizada com uma conotação positiva, de uma criança que tem/faz sucesso e é feliz graças a um comportamento pautado no consumismo. Se a mídia só mostra a criança adultizada como o modelo ideal, esse modelo passa a ser um modelo idealizado e copiado pelas crianças. Daí a necessidade de um debate com os adultos que cuidam da educação das crianças. As crianças precisam ter um olhar crítico sobre o modelo que a mídia lhe apresenta.

Você acredita que é possível reverter este quadro de banalização da adultização da infância?

C.F. – Sou professora de cursos de licenciatura na Universidade do Estado da Bahia e sempre percebi a ausência da leitura e discussão de textos midiáticos por parte do professor do Ensino Fundamental e Médio. Gostaria que meu estudo servisse de apoio para o trabalho do professor do Ensino Fundamental junto às crianças no processo de discussão de textos midiáticos – em especial o texto publicitário – e para o embasamento de uma leitura crítica de revistas que circulam em nosso meio social. O diálogo e o debate permanente dentro dos diversos espaços sociais da criança é o caminho mais adequado para que ela tenha um olhar crítico sobre os diversos discursos que circulam no meio midiático.

Entrevista concedida a Marcus Tavares, publicada na revistapontocom e reproduzida do Observatório da Imprensa – www.observatoriodaimprensa.com.br

Quero ver candidato defender fim do monopólio na TV

Por Bruno Marinoni*

Quem assistiu na TV ou na internet a entrevista com Anthony Garotinho (PR) no telejornal RJTV, realizada no dia 18 de setembro, deve ter percebido o mal-estar da jornalista Mariana Gross, da Globo. Quando o candidato ao governo do Rio de Janeiro, pressionado para falar sobre seu envolvimento em casos de corrupção, se defendeu mencionando que a emissora enfrenta uma acusação de “desvio milionário” e de sonegação de impostos, a apresentadora perdeu o tom.

O incômodo foi tanto que a entrevistadora, que deveria estar ali para fazer perguntas ao candidatoT, não pôde (ou não a deixaram) permanecer em seu papel. Diante do incômodo assunto para a emissora, a funcionária saiu em defesa da empresa: “Eu queria reiterar que a TV Globo nada sonegou. A TV Globo paga seus impostos”. No dia seguinte, o próprio grupo emitiu nota em que “reafirma que não tem qualquer dívida em aberto com a Receita Federal”.

O fato envolve dois assuntos entrelaçados e que já foram comentados neste blog. Um deles, a oportunidade aberta pelo momento eleitoral para se furar o bloqueio do oligopólio comercial de televisão e trazer à tona temas fundamentais, dentre os quais a própria necessidade de democratização da comunicação. O outro diz respeito ao “silêncio midiático” sobre a acusação de que a Globo teria sonegado mais de R$ 600 milhões referentes aos direitos de transmissão da Copa de 2002.

Enquanto não temos uma democratização efetiva dos meios de comunicação no Brasil, nos contentamos a ver raros casos em que uma informação avessa ao interesse dos donos da mídia escapar por entre seus dedos. Comemoramos quando a crítica à falta de democracia nas comunicações chega à tela, mesmo quando vem do lugar mais inusitado possível, como da boca de um conservador. São chances de tratarmos daquilo que é essencial, mas que vem sendo sistematicamente sonegado.

Ao invés de raro, deveria ser comum ver esse bloqueio ser furado a partir da garantia, por parte da Justiça, do direito de resposta. Nesse sentido, são emblemáticos o caso do direito de resposta conquistado pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, contra a Rede Globo e da série de programas “Direito de Resposta”, veiculada pelas sociedade civil em resposta às violações promovidas pelo programa “Tarde Quente”, da Rede TV.

O que fazer?

Em entrevistas ao vivo e debates tão comuns ao período eleitoral, as emissoras, apesar dos filtros inerentes às práticas jornalísticas mercantilizadas e ao sistema de oligopólio, acabam ficando mais expostas. As transmissões ao vivo potencializam o risco iminente de que os tabus impostos pela nossa mídia se desvaneçam, mesmo que por pouco tempo.

Na reta final das eleições, a temperatura esquenta, o tempo acelera e as atenções se concentram no pleito. Devem acontecer agora os últimos debates, justamente aqueles que serão veiculados pelas emissoras mais poderosas, que escolhem este momento para chamar mais atenção, ter maior lucratividade e ampliar a capacidade de influir no cenário político geral.

De nossa parte, devemos aproveitar o atual momento para cobrar dos nossos candidatos pautem questões efetivamente relevantes para a sociedade. Não basta esperar o resultado das eleições. Já é hora de cobrar compromissos assumidos pelos candidatos. Se eles realmente estão dispostos a cumprir a defesa dos direitos e interesses da maioria da população, que comecem a fazê-lo desde já. De minha parte, quero ver candidato defender o fim do monopólio na TV!

* Bruno Marinoni é jornalista e doutor em Sociologia pela UFPE.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Coronelismo, antena e voto: a apropriação política das emissoras de rádio e TV

Por Carlos Gustavo Yoda*

“Coronel” é patente militar em quase todos os exércitos do mundo. O mais alto posto antes de “general” dentro das Forças Armadas do Brasil, figura responsável pelo regimento de uma ou mais tropas ou companhias. No Nordeste brasileiro, “coronel” também é sinônimo de grandes proprietários de terra, “os coroné”, quem manda, aquele que dita as regras. Daí o termo “coronelismo”, cunhado, em 1948, no clássico da ciência política moderna Coronelismo, Enxada e Voto, do jurista Victor Nunes Leal, para dar nome ao sistema político que sustentou a República Velha (1889-1930). Entre as interpretações de documentos, legislações e dados estatísticos, o livro explica como o mandonismo local se misturava aos altos escalões das estruturas de poder.

Mais de 60 anos se passaram desde a publicação de Victor Nunes Leal. E o coronelismo de outrora ganhou novos contornos, entre eles, o chamado coronelismo eletrônico. Em período eleitoral, nada mais importante do que revisitar essa história e analisar como o controle de emissoras de rádio e televisão por políticos segue influenciando os rumos da política brasileira.

Para provocar essa reflexão, a partir desta semana, o Intervozes, com o apoio da Fundação Friedrich Ebert, publica uma série de reportagens sobre o fenômeno da concentração dos meios sob o controle de grupos políticos. Daqui até o final da campanha eleitoral vamos mostrar por que e como esta prática é prejudicial à democracia, o que diz a legislação e a quem cabe fiscalizar e punir os abusos, quem são os principais partidos e grupos econômicos que violam a Constituição e se aproveitam desta ilegalidade. Por fim, buscaremos conhecer como funcionam as regras em outros países que desenvolveram mecanismos eficazes de combate ao coronelismo eletrônico.

A publicação das reportagens é uma contribuição do Intervozes à campanha Fora Coronéis da Mídia, lançada em julho deste ano pela Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (ENECOS), com o objetivo de mobilizar os mais diversos movimentos sociais e sensibilizar a sociedade e as esferas de poder sobre o tema.

Origens do problema

De acordo com Victor Nunes Leal, durante a Velha República, a milícia imperial estava a serviço dos grandes proprietários de terras e escravos. Esta articulação entre quem comandava as instituições públicas e os grandes fazendeiros passou a influenciar os processos eleitorais. Sucessivos governos locais, estaduais e federais se elegeram com o chamado “voto de cabresto”, a partir da relação estabelecida em locais pobres. O coronelismo se sustentava, assim, em um sistema político de troca de favores recíprocos, onde o voto é moeda de troca por benefícios pessoais, em detrimento do interesse público e do bem comum, também interpretados como clientelismo e fisiologismo.

Mesmo em meio a uma lavoura economicamente decadente, os coronéis continuaram a manter uma moeda de valor inestimável: a influência absoluta sobre a vontade e os destinos de empregados, meeiros e todos aqueles envolvidos em torno do grande latifúndio. O valor dessa moeda aumentou com a democratização formal do País, sobretudo no período republicano quando se universaliza o direito ao voto: o “coronel” passa a ser então o elo de ligação entre o poder estadual e os eleitores. Aos governos cabia, como contrapartida, o reconhecimento da autoridade local e a alimentação desse poder, através da cessão de alguns recursos: empréstimos, empregos e, sobretudo, os favores das forças policiais. A liderança do coronel exige o sistema representativo, e essa é a preocupação central de Victor Nunes ao longo de seu livro. Ele destaca ainda que o sistema coronelista depende sobretudo de um ambiente baseado na estrutura arcaica de concentração de propriedade do latifúndio.

Com indicadores censitários da década de 1940, Victor Nunes aponta que os grandes latifúndios ocupavam mais de 75% em área das terras disponíveis no País e que 70% da população ativa pertenciam à categoria dos não-proprietários, cifra que chegava a 90%, somados os pequenos proprietários, cuja situação era de total precariedade, na maior parte dos lugares.

Apesar do coronelismo ser um episódio histórico, consequências e processos culturais do sistema coronelista ainda se fazem sentir na arcaica distribuição fundiária, de renda e de poder no Brasil.

Coronelismo eletrônico

“Mais sofisticado, sutil e ainda mais perverso”, na opinião do cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Francisco Fonseca é o “moderno” fenômeno do coronelismo eletrônico, ou seja, o uso de canais de comunicação de radiodifusão para atender a interesses políticos – prática que perdura nos tempos digitais. Suas origens estão no autoritarismo coronelista de décadas passadas e a prática política traz inúmeras semelhanças com seus modelos de concentração de propriedade. Só que, em vez do poder sobre as terras, o controle agora também alcança as ondas do rádio e da TV.

No início da década de 1980, um repórter da Rádio Rural, de Concórdia (SC), abria espaço para o depoimento do ex-senador Atílio Fontana: “Senador, o microfone é todo seu”. O senador, ciente de suas propriedades, disse a quem quisesse ouvir: “Não só o microfone, meu rapaz, mas a rádio toda”. Este episódio foi narrado em matéria do Jornal do Brasil que, naquela época, já denunciava o uso eleitoreiro de 104 estações de rádio e televisão, espalhadas por 16 estados, de propriedade de deputados, governadores, senadores ou ministros.

O cenário da época foi analisado pela professora de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Suzy dos Santos, no artigo “o Coronelismo Eletrônico como herança do coronelismo nas comunicações brasileiras”. Nos anos 80, o processo de abertura política do regime militar dava seus primeiros passos. Depois de 15 anos de bipartidarismo, em novembro de 1979, a Reforma Partidária foi aprovada. Os novos partidos começavam a ser articulados.

“Também naquele ano, foram liberadas as eleições diretas para governos estaduais. A concentração partidária, através dos governadores, senadores e prefeitos ‘biônicos’ e da maioria do Congresso com representantes da Arena, deu o tom da distribuição das outorgas de radiodifusão para as elites políticas. Na reportagem do Jornal do Brasil, 81,73% das estações de rádio e televisão mencionadas eram controladas por afiliados do PDS”, partido de remanescentes da Arena, explica Suzy.

Desde a denúncia no Jornal do Brasil, a expressão “coronelismo eletrônico” tem sido usada com frequência na mídia e em artigos acadêmicos para se referir ao cenário brasileiro no qual políticos eleitos se tornam proprietários de empresas concessionárias de rádio e televisão – ou, então, tão comum quanto, radiodifusores são eleitos para cargos do poder público e passam, no caso dos eleitos para o Congresso Nacional, a participar das comissões legislativas que outorgam os serviços e regulam os meios de comunicação no país, legislando em causa própria. Não foram poucos os casos na história. Todos passaram impunes.

Neste cenário, alerta Francisco Fonseca, da FGV, as instituições políticas acabam cooptadas pelo poder econômico dos grupos de comunicação. “O coronelismo midiático provoca o fim da diversidade. É antidemocrático. Estimula as estruturas de oligopólios e as pautas [jornalísticas] em nome de uma elite. É uma censura de mercado, econômica”, afirma.

O impacto desta prática nos processos eleitorais e na configuração das representações das instituições também é significativo. O rádio e, principalmente, a televisão continuam sendo os meios de comunicação de massa de maior alcance na população. A última PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios) mostrou que 97,2% das residências possuem pelo menos um aparelho de televisão e 75,7%, um de rádio.

A esses meios de comunicação cabe o papel de dar expressão às demandas e à diversidade da sociedade em todos os seus aspectos, mas também de fiscalizar os poderes públicos e a iniciativa privada. É também por meio de uma mídia livre que se estabelece a ligação e o controle entre representantes e representados, como princípio fundamental para o ambiente democrático. Por isso, a Constituição Federal garante o direito de acesso à informação aos cidadãos e, em conjunto, a liberdade de imprensa.

Num quadro em que um meio de comunicação de massa, que deveria cumprir uma função pública, é controlado por um político, que pode influenciar sua linha editorial, a autonomia e independência deste veículo para exercer o controle sobre o poder público estão totalmente comprometidas. Ao mesmo tempo, o proprietário do veículo passa a ter o poder de filtrar e restringir informações e conteúdos a serem divulgados, na medida de seus interesses e de seus correligionários, numa prática de autopromoção.

Fica caracterizado, assim, um claro desequilíbrio nos princípios de igualdade dos processos eleitorais, numa situação que pode configurar até mesmo a violação de eleições livres, com candidatos e partidos em condições totalmente desiguais de disputa.

Compreendendo o risco para a democracia brasileira do controle de serviços públicos, como a radiodifusão, por políticos, a Constituição Federal, em seu artigo 54, proíbe que deputados e senadores sejam proprietários ou diretores de empresas concessionárias de serviço público ou exerçam cargo ou emprego remunerado nesses espaços privados. A medida vem sendo respeitada para diversos serviços, mas segue ignorada no caso do rádio e da televisão (como veremos nas demais reportagens desta série).

No próximo artigo, você vai saber o que pensam o Ministério das Comunicações, o Ministério Público e a Justiça Eleitoral sobre esta prática. E saber como a sociedade civil e partidos políticos contrários a este uso das concessões de rádio e TV estão lutando contra o problema.

* Carlos Gustavo Yoda é jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

TV cearense é multada por mostrar cenas de estupro de criança

Por Natasha Cruz e Bia Barbosa*

Como este blog reportou, em janeiro deste ano, a TV Cidade, emissora afiliada da Rede Record no Ceará, veiculou, por cerca de 20 minutos, no programa policial Cidade 190, cenas do estupro de uma menina de 9 anos. A repórter iniciou a matéria identificando a rua e o número da casa da vítima, exibindo as cenas do estupro (captadas por uma câmera dos pais da criança) repetidas vezes ao longo da matéria, enquanto entrevistava a família. As imagens permitiam identificar com facilidade a vítima e o agressor, pois foi possível ver os rostos, corpos e toda a cena de violência, estando apenas a imagem dos genitais embaçadas. O vídeo do caso teve grande repercussão nas redes sociais e no site oficial da emissora, chegando a ter 30 mil visualizações até às 17h do dia 08 de janeiro.

O caso, extremamente abusivo e violador de direitos infantojuvenis, gerou indignação na sociedade cearense contra a emissora, por ter explorado, em todos os sentidos, a imagem da vítima em busca de audiência. Uma nota pública exigindo a responsabilização da TV Cidade foi assinada por mais de 80 entidades e um ato público aconteceu na porta da empresa. Diversas organizações da sociedade civil, entre elas o Intervozes e o Cedeca-CE, também enviaram representação ao Ministério das Comunicações (Minicom), cobrando ações efetivas para que o órgão cumprisse “de forma célere e eficaz com seu dever de fiscalizar o respeito às normas em vigor para a radiodifusão e impeça que novas violações de direitos humanos sigam sendo praticadas impunemente pela TV Cidade no Ceará”.

O Departamento de Acompanhamento e Avaliação de Serviços de Comunicação Eletrônica do Minicom acatou a representação e, na última semana, comunicou o resultado do Processo de Apuração de Infração instaurado: multa no valor de R$23.029,34 para a TV Cidade. Na avaliação do Ministério, o vídeo transmitido viola o regulamento dos serviços de radiodifusão, que proíbe as concessionárias de “transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico”.

Em sua defesa, a TV Cidade alegou que havia adulterado a imagem para não permitir “em nenhuma hipótese, a identificação da menor” e que “a direção de jornalismo da emissora não pretendia divulgar a referida matéria”, porém o fez a pedido do pai da criança, que acreditava que “tornando o assunto de domínio público conseguiria a prisão do infrator e sua punição”. O Ministério das Comunicações, no entanto, considerou que as alegações da emissora não procediam, visto que a identificação da criança foi possível e que houve uma superexposição da sua intimidade, expondo a menina e sua família a uma situação de vulnerabilidade psíquica e moral.

Como a TV Cidade já possuía antecedentes infracionais, o Ministério decidiu aplicar a multa. O canal poderá recorrer, mas o caso já se torna emblemático. O valor da penalidade atribuído pelo Ministério é o mais alto já aplicado a uma TV por violações de direitos humanos em sua programação. Até agora, a maior multa para conteúdos deste tipo tinha sido aplicada, em 2013, à Rádio e Televisão Bandeirantes da Bahia: R$ 12.794,08, por exibir na emissora local e também em cadeia nacional uma entrevista com um jovem suspeito de estupro. Ao longo de mais de oito minutos, o suspeito foi ridicularizado e humilhado pela repórter Mirella Cunha, num caso que também ganhou repercussão nacional. A TV Bandeirantes recorreu da sanção aplicada pelo Ministério e, por conta disso, o processo administrativo não se tornou público.

Pela regulação em vigor, a fixação do valor da multa considera a gravidade da falta, a existência de advertências e processos de apuração de infração instaurados contra a prestadora de serviço, a reincidência e os antecedentes da entidade. Atualmente, no entanto, as multas no Brasil têm como teto o valor de R$ 76.155,21, que está longe de ser dissuasivo para os canais. Para se ter uma ideia, 30 segundos de inserção publicitária podem gerar R$ 15 mil para uma emissora. Assim, menos de 3 minutos de anúncio são suficientes para pagar o valor máximo de multa que qualquer programa pode receber. Assim, na prática, a sanção acaba favorecendo a perpetuação das infrações.

Para se ter uma ideia de quão limitada é a perspectiva de responsabilização das rádios e TVs brasileiras por violações de direitos humanos como esta, praticada pela TV Cidade, na França, multas por infrações deste tipo podem chegar a 3% da renda de uma operadora, indo a 5% em casos de reincidência. Em 1992, o órgão regulador francês (o Conselho Superior do Audiovisual) chegou a multar a TF1, principal TV privada francesa, em cerca de 4,5 milhões de euros por não respeitar as cotas de conteúdo nacional previstas às emissoras. A sanção marcou a história do canal e provocou uma reestruturação de toda a emissora para que este tipo de problema não se repetisse, funcionando inclusive como uma medida pedagógica.

No Reino Unido, as multas têm teto de 250 mil libras ou 5% da receita do canal (o que for maior). A diretriz geral do Ofcom, o órgão regulador britânico, é a de que, considerada a seriedade da infração, o valor de qualquer multa deve ser proporcional e “suficiente para garantir que a mesma funcionará como um incentivo eficiente ao cumprimento das regras”.

Aqui, ao contrário de França e Reino Unido, além do valor das penalidades ser insuficiente para levar as emissoras a deixarem de violar direitos em busca de audiência, há uma prática do Ministério das Comunicações de diminuir a punição prevista. São inúmeros os casos em que a avaliação inicial de uma sanção apontava para a aplicação de multas ao canal e, posteriormente, a emissora terminou sendo apenas advertida.

Certamente não será a multa de R$ 23 mil que fará a TV Cidade mudar sua linha editorial e passar a respeitar os direitos humanos nos chamados programas policialescos. Por isso, o Ministério Público Federal no Ceará também atuou no caso e garantiu, em março, a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Grupo Cidade de Comunicação. O TAC estabelece que o programa policial da TV Cidade que infringir os termos acordados exibirá um quadro com a retratação das imagens e das declarações ofensivas, esclarecendo a população acerca da abordagem ofensiva. Em caso de descumprimento dos compromissos acordados, o radiodifusor terá que pagar uma multa no valor de R$ 70 mil sobre cada programa veiculado.

A iniciativa do MPF é fundamental, mas, de toda forma, fica a questão: sendo o Ministério das Comunicações o órgão responsável pelo acompanhamento dos conteúdos difundidos pelas concessionárias do serviço de radiodifusão, não há mais nada que possa ser feito em casos assombrosos como este?

* Natasha Cruz e Bia Barbosa são jornalistas e integrantes do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.