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1ª Conferência Nacional Livre de Comunicação em Saúde enfatiza defesa da democracia

Encontro realizado em Brasília contou com a participação de entidades da sociedade civil pautadas pela democratização da comunicação e pela defesa da saúde pública

Realizada entre os dias 18 e 20 de abril, a 1ª Conferência Nacional Livre de Comunicação em Saúde discutiu estratégias de democratização do acesso a informações sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). A relevância dos direitos à saúde e à comunicação, identificados como pilares da democracia, foi refletida no grande número de pessoas presentes na conferência. O público foi formado principalmente por comunicadores, membros de conselhos de saúde, estudantes, assessores de comunicação e parlamentares, entre outros.

Já na mesa de abertura, o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ronald Santos, afirmou que o principal desafio do Brasil no momento é garantir a manutenção da democracia e de direitos como o acesso à saúde e a liberdade de comunicação. Segundo Santos, é preciso “juntar nossas energias para que esses elementos que traduzem nossa evolução civilizatória não deixem de existir”.

Para ele, a conferência foi uma oportunidade de reflexão sobre o momento atual do país e de discussão de estratégias de ação contra as violações de direitos verificadas nos últimos meses. Ronald Santos ainda pontuou que, no caso específico do Sistema Único de Saúde (SUS), o principal retrocesso foi a promulgação da Emenda Constitucional 95/2016, que congela os investimentos da União na área social por um período de 20 anos. Pois a emenda impede o SUS de enfrentar seu principal desafio, o subfinanciamento.

Renata Mieli, coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), também reafirmou a relevância da conferência. “A mídia produz um discurso hegemônico que desqualifica o serviço público como um todo, mas isso fica mais evidente quando se trata da saúde”, ponderou. Para ela, a luta em defesa da liberdade de expressão e do direito de acesso à informação são complementares à luta pelo direito universal à saúde.

Segundo Renata, é preciso construir uma rede de iniciativas que dialoguem em defesa da saúde pública. “O discurso da mídia comercial encobre as mazelas do sistema privado de saúde e exalta os equipamentos privados como a melhor saída para os problemas do SUS. É uma fala coordenada com os interesses empresariais que atuam no setor da saúde. Desconstruir isso é urgente e fundamental para que a população possa entender a saúde como um direito e passe a ampliar as vozes dos que estão há anos lutando por ele”, afirmou.

Rede de Comunicadoras/es em defesa do SUS

Entre as discussões apresentadas na conferência, destacou-se a criação de uma rede de comunicadoras e comunicadores voltada à produção de conteúdos diversificados sobre o SUS. Isso permitiria à população conhecer melhor este sistema público e exercer de forma mais ampla o direito constitucional à saúde.

A necessidade de comunicadoras/es da mídia alternativa criarem uma rede de difusão de conteúdo diversificado sobre o SUS foi a tônica do segundo dia do encontro, em 19 de abril, quando se debateu sobre o papel da comunicação na defesa da informação em saúde.

A jornalista e blogueira Cynara Menezes apontou um exemplo da necessidade de criação de uma rede alternativa de comunicação: o Programa Mais Médicos, criado no governo da presidenta Dilma Rousseff para melhor distribuir geograficamente a assistência médica no país. “O Programa Mais Médicos recebeu uma abordagem altamente negativa da mídia hegemônica, enquanto a mídia alternativa não fez um contraponto mostrando os avanços trazidos pelo programa”, avaliou Cynara, acrescentando que, em função disso, o resultado foi que o Mais Médicos ficou fragilizado enquanto política pública.

Desconhecimento sobre o sistema público

Adriane Cruz, assessora de Comunicação Social do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), enfatizou que “a avaliação sobre o SUS é pior entre os que não utilizam o sistema”. Para ela, esse é uma prova cabal de que a desinformação está na origem da abordagem preconceituosa da mídia hegemônica em relação ao SUS. Neste ponto do debate, o público presente se manifestou tecendo algumas críticas ao fato de o SUS gastar muitos recursos com publicidade na “grande mídia”, recebendo como retorno um tratamento preconceituoso no noticiário.

Os debatedores também discutiram alternativas para enfrentar o monopólio da comunicação no Brasil. A mesa intitulada “Desafios de Comunicação em Saúde” foi intermediada por Francisca Rêgo, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e contou com a participação de Alexandre Padilha, ex-ministro da área; da gerente do Canal Saúde da Fiocruz, Márcia Corrêa e Castro; e da conselheira do CNS Carmen Lúcia Luiz. Os palestrantes sustentaram que a própria concepção de saúde coletiva, enquanto direito de todos e dever do estado, é distorcida pela imprensa. “A concepção da mídia privada é de que a saúde coletiva está relacionada somente às ações do Estado (vigilância, controle dos riscos) e não à saúde do indivíduo”, apontou Padilha.

Márcia Corrêa frisou que o enfrentamento ao monopólio da comunicação é necessário para a construção de uma narrativa em defesa do Sistema Único de Saúde. Entre as alternativas, ela citou a atuação de comunicadores nas redes sociais, assim como a qualificação das discussões entre os defensores do sistema. “É necessário fazer esse debate sabendo que todas as mazelas do SUS têm sido apropriadas como discurso para desmontar o sistema. Precisamos nos comunicar para que a população se sinta dona do SUS, sem contribuir com o discurso de desmonte”, destacou.

Equívocos e desinformação

Na última mesa de debates da 1ª Conferência Nacional Livre de Comunicação em Saúde, realizada na quinta-feira, dia 20, foram apresentadas algumas experiências de coletivos de comunicação. Marina Pita, do conselho diretor do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social abordou a comunicação em seus aspectos relacionados ao acesso, produção e distribuição de conteúdo. Ela lembrou também da regulação da propaganda, cujo rol de produtos anunciados não pode “ser prejudicial à saúde. Entretanto, os comerciais de cerveja ainda estão liberados para passar em qualquer horário”.

Marina ainda citou casos de abordagens científicas precipitadas e até mesmo equivocadas em programas de entretenimento e até mesmo na programação mais especializada no tema da saúde, como no caso do tratamento dado ao tema do HIV pela novela teen Malhação, em 2016. No episodio em questão a mocinha Luciana (Marina Moschen) ficou ferida durante um jogo de basquete após esbarrar no colega Henrique (Thales Cavalcanti). Preocupada, a menina correu para a enfermaria do colégio e pediu um coquetel de medicamentos contra o HIV, já que Henrique é soropositivo.

Na época Lucinha Araújo, mãe do cantor Cazuza (morto em decorrência da Aids nos anos 1990) manifestou publicamente sua indignação:

“Depois de 30 anos de trabalho para combater o preconceito e informar corretamente as formas de transmissão do HIV, vemos um programa destinado ao público jovem aconselhar soropositivos a não praticar esportes, a mostrar um médico receitar medicamento antirretroviral numa situação onde dois jovens dão uma cabeçada é no mínimo de chorar.”

 

Outro relato apresentado por Marina se referiu ao programa Bem Estar, também da Rede Globo de Televisão, durante o qual foi dito que o correto é o bebê parar de mamar no peito com um ano e meio de idade ou quando começa a andar. Alertada sobre o desserviço dado à população, a emissora decidiu não atender a um pedido de correção feito pelo Ministério Público.

Neste aspecto, Marina frisou a importância da TV pública como contraponto da comunicação comercial e as perdas advindas da fusão do Ministério da Comunicação com o da Tecnologia, o que ocasionou retrocessos como o adiamento de abertura de editais para funcionamento de emissoras de rádio em comunidades tradicionais. O que também demonstraria a importância da internet como novo meio de comunicação. Também participaram desta mesa Pablo Capilé, do Mídia Ninja, e Bruno César Dias, do Abrasco Divulga. A mediação ficou por conta de Charô Nunes, do Blogueiras Negras.

Propostas do FNDC

Conheça o resumo das propostas do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) para as estratégias de democratização do acesso da população a informações sobre a saúde:

1) Defesa de uma comunicação pautada nos princípios do SUS, como universalidade, equidade, integralidade, descentralização e participação.

2) Defesa da democratização dos meios de comunicação de massa no Brasil.

3) Defesa da comunicação pública e, em especial, da retomada do caráter público da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), como estratégia central para o exercício da liberdade de expressão dos diferentes segmentos de nossa sociedade.

4) Garantia dos canais públicos de televisão previstos no Decreto nº 5.820, que instituiu o Sistema Brasileiro de Televisão Digital, e manutenção do Canal Saúde no sinal aberto digital, com a implementação de mecanismos e estruturas que garantam a gestão democrática e participativa da programação destes canais.

5) Defesa da universalização do acesso à internet banda larga no Brasil.

6) Defesa do princípio da privacidade, previsto no Marco Civil da Internet, e de uma lei de proteção de dados pessoais que garanta aos usuários/as do SUS que sua privacidade não seguirá sendo explorada e usada para atender aos interesses econômicos das empresas de saúde.

7) Defesa da regulamentação da publicidade dirigida às crianças e de produtos que possam colocar a saúde em risco (tabaco, agrotóxicos, medicamentos, álcool, alimentos, etc).

8) Defesa da responsabilização, com a retirada de recursos publicitários governamentais, de veículos que publiquem notícias que induzam à automedicação.

9) Fomento aos espaços de participação direta da população na gestão dos pontos da rede de saúde.

10) Defesa da implementação de estratégias de comunicação em saúde por parte do SUS e de sua rede de atendimento.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações do portal SUS Conecta

FrenteCom indicará nomes para representar sociedade civil no Conselho de Comunicação Social do Congresso

Atualização: Entidades terão até terça-feira, dia 25, para indicar nomes pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação com Participação Popular (FrenteCom) 

Mandato dos atuais conselheiros se encerra em agosto. Falta de transparência na indicação dos integrantes é criticada pelas entidades da sociedade civil

Representantes de várias entidades que fazem parte da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação com Participação Popular (FrenteCom) estiveram reunidos na semana passada com o coordenador, o deputado federal Jean Wyllys (PSol-RJ), para debater, entre outras pautas, a composição do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional (CCS-CN).

O mandato dos atuais integrantes do CCS-CN finaliza em agosto de 2017. O presidente do Congresso Nacional já enviou ofício às entidades que representam as empresas e os trabalhadores da comunicação pedindo suas indicações. Também foram enviados ofícios a entidades da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).

Durante a reunião, foi lembrado que, em 2015, quando a última gestão do CCS foi escolhida, a FrenteCom realizou audiências públicas prévias ao processo e apoiou o nome de 10 representantes da sociedade civil (cinco titulares e cinco suplentes), além de ter apresentado critérios para a indicação de nomes ao processo, previsão que até hoje não existe no processo de composição do CCS. Esses critérios serão debatidos pelo atual CCS em reunião agendada para o próximo dia 8 de maio.

A FrenteCom vai apresentar novamente um conjunto de critérios considerados primordiais para este debate, com base no que foi discutido e aprovado em 2015. Além de apresentar ao presidente do Congresso Nacional, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), nomes para compor o Conselho nas cinco vagas destinadas à representação da sociedade civil.

Segundo o deputado Jean Wyllys a FrenteCom permanece com “o firme compromisso de continuar lutando por um CCS plural e representativo que corresponda aos reais anseios democráticos da sociedade brasileira”, por isso espera contar com a colaboração do parlamento.

As entidades farão um chamamento público para o levantamento de nomes a serem indicados até esta quinta-feira, dia 20 de abril. Na próxima segunda-feira, dia 24, uma nova reunião da FrenteCom ocorrerá para a definição dos 10 indicados. Entre os critérios a serem adotados pela Frente para a escolha, estão: “possuir um histórico de relação com a luta pela democratização da comunicação”; “dialogar com movimentos de diferentes áreas do conhecimento, como cultura, tecnologias livres e abertas, produção audiovisual, defesa do consumidor, academia, mundo do trabalho, luta pela terra, etc”; “ter conhecimento e experiência do ponto de vista de receptor (o cidadão ouvinte, telespectador, leitor e/ou internauta)”.

A previsão é a de que a Mesa Diretiva do Congresso Nacional submeta a lista com suas indicações de nomes à apreciação dos Plenários da Câmara e do Senado em uma sessão conjunta. Não existe nenhuma informação prévia sobre critérios a serem utilizados pela Casa para a formação desta lista. Normalmente, os parlamentares apenas referendam os nomes apresentados. A falta de transparência no processo de composição do CCS é justamente um dos temas mais criticados pela FrenteCom. Por esse motivo, foi solicitada uma reunião com o senador Eunício Oliveira.

Atribuições do CCS

O Conselho de Comunicação Social tem como atribuição realizar estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso Nacional em diálogo com Título VIII, Capítulo V, da Constituição Federal: Da Ordem Social – Comunicação Social (art. 224 da CF e art. 2º da Lei nº 8.389/91). O CCS é constituído por 13 conselheiros (e seus respectivos suplentes), sendo quatro deles representantes das empresas de comunicação (um com notório saber); quatro, representantes dos trabalhadores da área; e os outros cinco, representantes da sociedade civil.

Outras pautas da FrenteCom

Entre os demais assuntos debatidos junto ao coordenador da FrenteCom, estava a denúncia e a articulação de estratégias para barrar a utilização dos meios de comunicação públicos da Câmara dos Deputados na propaganda da Reforma da Previdência, como vem acontecendo de forma indevida e partidária. “Um projeto que ainda está em debate aqui dentro e que prejudica seriamente os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, sendo propagado pelos meios de comunicação da Casa com um viés doutrinatório e não informativo”, como destaca o próprio deputado Jean Wyllys.

Uma audiência pública será solicitada em conjunto com o Senado, nas Comissões de Cultura, Ciência e Tecnologia, Direitos Humanos e Legislação Participativa, para debater as prioridades da agenda legislativa da Frente. Esse debate incluirá a atuação do Conselho de Comunicação Social, cuja nova gestão deve tomar posse em agosto/setembro deste ano.

Participaram da reunião da FrenteCom, realizada no último dia 10, representantes do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira), Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Distrito Federal (Sinttel-DF), Federação dos Radialistas (Fitert), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e Coletivo Fora do Eixo.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

BBB 2017 e Globo: atuação exemplar ou reposicionamento da emissora?

A expulsão de um agressor do reality show mostra o novo padrão Globo para lidar com casos de machismo

Por Bia Barbosa, Iara Moura e Mônica Mourão*

Ontem, depois de ampla mobilização do movimento feminista nas redes sociais e da atuação da Delegacia da Mulher do Rio de Janeiro, a Rede Globo decidiu expulsar da edição 17 do Big Brother Brasil o participante Marcos Harter. A conclusão da emissora, após consulta a especialistas – como explicou o apresentador Tiago Leifert – foi a de que a participante Emilly Araújo foi vítima de agressão física na madrugada deste domingo, após uma das festas do programa.
Diante do ocorrido, a Rede Mulher e Mídia – articulação que reúne dezenas de organizações da sociedade civil, movimentos sociais e ativistas de todo o País – emitiu nota para manifestar sua indignação e repúdio diante da postura da Rede Globo. Este artigo é baseado na nota da Rede, da qual o Intervozes faz parte, e também numa análise sobre o recente posicionamento da Globo em relação a outros casos de machismo.

Ao contrário do que a produção do programa tenta fazer o público acreditar, a emissora não agiu imediatamente para garantir a integridade de Emilly, muito menos para combater a violência dentro da “casa do BBB”. Quem acompanhou o programa viu, mesmo com as edições do conteúdo registrado, que a estudante, de 20 anos, foi vítima de inúmeras e diversas formas de violência, caracterizadas pela lei Maria da Penha.

A lei, em vigor desde 2006 no País, estabelece como tipos de violência contra a mulher a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral. E determina, em seu artigo 8o, inciso III, “o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar”.

Ao longo desta edição do BBB, as cenas exibidas pela Rede Globo na TV aberta já vinham mostrando a repetição e o agravamento de uma postura agressiva e machista por parte de Marcos, marcada por gritos, ameaças e violência psicológica, atitudes que caracterizam claramente um relacionamento abusivo, enquadrados como crime na legislação vigente.

As agressões não se limitaram a Emilly, parceira de Marcos no programa. O médico agrediu verbalmente outras participantes e cenas também mostraram situações de violência contra a mulher envolvendo outros integrantes da casa.

Tais episódios seriam motivos mais do que suficientes para que a emissora agisse e impedisse que a violência se naturalizasse naquele ambiente de confinamento. Mas não. Em vez de cumprir com a finalidade educativa de uma concessão pública de televisão, conforme dispõe a Constituição Federal, a Rede Globo, em busca de manter a audiência do programa e supostamente entreter os telespectadores com as brigas do casal, optou por aproveitar do sensacionalismo e das posturas inquestionavelmente abusadoras e agressivas do participante.

Mesmo alegando que alertava o casal sobre as agressões mútuas, a emissora permitiu que Emilly seguisse submetida a toda sorte de constrangimento, decorrente da exposição pública de sua imagem e da convivência com seu agressor.

Marcos Harter não foi punido pela violência psicológica a que submeteu dia após dia sua colega de programa: só foi expulso do BBB depois que uma lesão física foi comprovada. Ou seja, além de transmitir uma ideia de permissividade diante de agressões, este triste episódio faz crer que, para o Grupo Globo, a violência contra a mulher é tão somente circunscrita à violência física.

Necessário lembrar que não é a primeira vez que assistimos a casos de violência contra a mulher no Big Brother Brasil. Na edição veiculada em 2012, a Rede Mulher e Mídia chegou a enviar representação ao Ministério Público Federal pedindo a responsabilização da Rede Globo diante de um caso de violência sexual.

Na ocasião, uma das participantes foi vítima de estupro presumido quando, embriagada e dormindo, teve sua dignidade violada por outro participante. Infelizmente, cinco anos depois, fica explícito que as condições a que os e as participantes do Big Brother Brasil são submetidas e as “regras do jogo” definidas pela Rede Globo estão longe de respeitar os princípios constitucionais previstos para o serviço de radiodifusão no país.

A agressão a que foi submetida Emilly diz respeito não só a ela, nem às demais participantes confinadas nessa edição do reality. Trata-se de mais uma agressão a todas nós, que assistimos, doloridas, à principal emissora de TV do Brasil explorar comercialmente uma situação que, cotidianamente, oprime, violenta e mata milhares de mulheres.

Numa sociedade em que uma mulher é agredida a cada cinco minutos, aproveitar-se de uma situação de violência para acumular índices de audiência até o ponto em que uma agressão física chega a ser praticada de fato é, para nós, mais que omissão; é cumplicidade.

Sendo assim, a Rede Mulher e Mídia, uma vez mais, solicitou que o Ministério Público Federal analise o caso em questão e, além das providências que a Delegacia da Mulher do Rio de Janeiro já está tomando, envolvendo Emilly e Marcos, avalie a responsabilidade da Rede Globo em silenciar durante semanas sobre a violência praticada diante de suas câmeras.
Globo feminista ou reposicionamento de marca?

O novo episódio de machismo no BBB acontece menos de duas semanas depois de a Globo ter sido palco de outro caso de violência contra a mulher. Dessa vez, nos bastidores, praticado e sofrido por funcionários da empresa: na coluna de 31 de março da Folha de S. Paulo chamada #AgoraÉQueSãoElas, a figurinista Su Tonani denunciou ter sido vítima de assédio sexual praticado pelo galã José Mayer.

A resposta da empresa foi a suspensão do ator de qualquer produção dos estúdios por tempo indeterminado, e o caso não foi abafado. Funcionárias da emissora vestidas com camisetas com os dizeres “Mexeu com uma, mexeu com todas” foram ouvidas em programas do canal. Carlos Henrique Schroder, diretor-geral da Globo, enviou comunicado interno reforçando o posicionamento de não abafar esse tipo de violência.

A nota justificava a suspensão de Mayer para “não dar visibilidade a uma das partes envolvidas numa questão que é visceralmente contra tudo que a Globo acredita”; afirmava conhecer e apoiar a campanha “Mexeu com uma, mexeu com todas”; reforçava que o “respeito à diversidade, ao ser humano” fazem parte do Código de Ética e de Conduta do Grupo; e, por fim, num importante post scriptum, deixava claro que esse posicionamento deveria ser compartilhado: “Sinta-se à vontade de mandar estas respostas para suas equipes”. Além da comunicação interna, o caso virou notícia no Jornal Nacional e em outros telejornais da emissora, com divulgação de nota pública da Globo e de mea culpa escrito por José Mayer.

Em fevereiro deste ano, um caso diferente, por não ter acontecido nos estúdios da emissora, já dava sinais do novo posicionamento da Globo. O cantor Victor, da dupla Victor e Leo, um dos jurados do programa The Voice Kids, pediu afastamento para se dedicar ao tratamento da acusação de violência doméstica registrada numa delegacia de Belo Horizonte por sua esposa dias antes. O apresentador André Marques, no início do programa seguinte, anunciou o pedido de saída do cantor e afirmou que “a Globo repudia toda e qualquer forma de violência e acredita que essa acusação precisa ser apurada com rigor, garantindo direito de defesa na busca da verdade”.

Também deixou claro que não haveria nenhuma espécie de silenciamento para proteger o cantor: “O jornalismo da Globo vai acompanhar esse caso para que você saiba tudo que está acontecendo”. André Marques justificou ainda a veiculação de programas com a presença de Victor, por já estarem gravados, para não atrapalhar a competição das crianças. Cenas em que ele aparecia, entretanto, foram cortadas.

Entre críticas pela insuficiência das atitudes tomadas pela Globo (por que Mayer foi apenas suspenso, não demitido? Por que a demora em atuar no caso do BBB?) e celebrações a vitórias da pauta feminista, cabe-nos refletir sobre a relação entre o posicionamento dos telespectadores e as posições tomadas pela emissora. No caso do BBB, assim como no de Mayer, fica evidente o papel que a mobilização do movimento feminista, pelas redes sociais, desempenhou para os desfechos conquistados.

Nesta segunda-feira, durante todo o dia, a hashtag #GloboApoiaViolencia esteve entre os temas mais comentados do Twitter. Nesta terça, #EuViviUmRelacionamentoAbusivo é a bola da vez. A própria coluna #AgoraÉQueSãoElas nasceu como um movimento de ocupação da mídia por mulheres em 2015. A saída de Victor do The Voice Kids certamente não teria ocorrido se o debate feminista não tivesse ocupado espaço na arena pública como fez no último período – algo de que a própria Globo já havia se apropriado na nova temporada do seu Amor & Sexo.

Neste jogo de consensos e dissensos, a Globo se viu obrigada, não apenas por uma questão mercadológica, mas também para se manter em sintonia com os desejos de uma parcela de seu público, a mudar seu padrão de silenciamento. O jogo, entretanto, está longe de ser ganho. Há muito pouco tempo, o apresentador Faustão fez uma clara apologia à violência contra a mulher em seu programa dominical. O pedido de direito de resposta feito à Globo pela Rede Mulher e Mídia foi solenemente ignorado.

Tais mudanças, como já dissemos neste blog, também estão longe de alterar estruturalmente o conteúdo que ela veicula. Enquanto abre espaço para falar da violência contra a mulher e de temas como transexualidade, a Globo segue silenciando as manifestações contra a Reforma da Previdência e defendendo a proposta de retirada de direitos pela gestão Temer – que terá impactos sobretudo sobre as mulheres. Ou seja, a incorporação das pautas feministas tem limites bem delineados ali. E não se pode fechar os olhos para isso.

Porém, num país com altos índices de violência contra a mulher, numa esfera pública que ainda legitima as ações de agressores – basta o pavoroso exercício de ler os comentários das notícias sobre o tema -, o reposicionamento da Globo pode representar avanços. O que é inegável é que eles só vieram como resposta a uma luta diária de nós, mulheres.
*Bia Barbosa, Iara Moura e Mônica Mourão são jornalistas, feministas e integrantes do Conselho Diretor do Coletivo Intervozes. 

Crônica de uma morte anunciada: cobertura da guerra às favelas no Rio

Falta de aprofundamento, mito da exceção e tom policial marcam matérias sobre o tema nos jornais cariocas

Por Camila Nobrega e Iara Moura*

Até o dia 30 de março de 2017, Maria Eduarda Alves Ferreira era só mais uma aluna de uma escola municipal no Rio de Janeiro. Naquele dia, ela foi atingida por quatro tiros enquanto fazia aula de Educação Física, na quadra da Escola Municipal Jornalista Daniel Piza. Da noite para o dia, a menina de 13 anos tornou-se assunto principal dos jornais da cidade e do país.

A partir daí, as selfies sorridentes ao lado das amigas dividiam espaço com as imagens da mãe desconsolada, carregando as medalhas da filha penduradas no peito, do corpo já inerte estendido na quadra da escola, do caixão atropelando a vida.

Agora, todos sabiam que a menina sonhava em ser atleta de basquete. Sabiam também o exato percurso que tinha feito até a escola e as últimas palavras que disse à mãe. Nas páginas de jornais, Maria Eduarda ganhou uma biografia no momento em que perdeu a vida. A história parecera começar pelo fim, como na prosa de García Marquez, em Crônica de uma Morte Anunciada.

E, ao contrário do que contam a maior parte das reportagens, a história é exatamente isso, uma tragédia mais do que anunciada, no mínimo alardeada pelos dados, pelas circunstâncias. Por outro lado, absolutamente silenciada.

Como a maioria de seus colegas de escola, Maria Eduarda convivia com a intensa violência cotidiana no bairro onde morava, Acari. O local concentra 20% das mortes decorrentes de ações policiais registradas apenas nos meses de janeiro e fevereiro deste ano. Isso quer dizer que houve cerca de 36 mortes na área, sob cobertura do 41o Batalhão de Polícia Militar, em apenas dois meses.

No total, foram 182 mortes decorrentes de operações policiais no Estado do Rio de Janeiro, segundo dados oficiais do Instituto de Segurança Pública (ISP). Todas sem nome estampado em jornal, a esmagadora maioria sem direito à investigação ou até mesmo a uma mínima perícia, identificadas com um mesmo “sobrenome” nos boletins de ocorrência – “autos de resistência”, expressão que, desde a ditadura militar, é usada pela Polícia Militar para justificar morte em legítima defesa de policiais, sem necessidade de mais explicações. Todas traduzidas em, no máximo, estatísticas frias que mantêm a cidade funcionando alienada. Todas só mais um Silva.

No entanto, a história de Maria Eduarda percorreu um outro caminho. No jornal “O Globo” de 31 de março, a interrupção violenta da saga de Eduarda foi reportada como uma “tragédia com desdobramento aterrorizante”. Mesmo assim, ainda que contando detalhes sobre o caso, a reportagem segue, logo referindo-se à reação das moradoras e dos moradores: “A Avenida Brasil foi tomada por um protesto violento.”

Muitos manifestantes eram da Fazenda Botafogo, vizinha à escola, onde Maria Eduarda morava. O trânsito foi interrompido nas duas pistas. Grupos ateavam fogo a caçambas de lixo ao longo da via, uma das principais da cidade, assustando motoristas”, destaca um trecho, sem qualquer menção a um contexto cotidiano enfrentando por esses e essas moradoras.

Em uma só frase, o protesto em função da morte da jovem se torna problema. Problema de trânsito, problema que invade a vida de quem estava passando e só queria chegar em casa. Em uma frase, mais uma forma de individualização e desconexão, em uma sucessão absurda de narrativa dos fatos.

Depois das reações nas redes sociais e da comoção que o caso trouxe, no dia 1º de abril, o enquadramento e o espaço destinado ao tema mudaram. A notícia que antes ocupava uma página deu espaço a uma de quatro páginas, com fotos e infográficos destacando o número de mortes resultantes de operações policiais nas favelas e comunidades empobrecidas da cidade.

A cobertura, antes marcada por impessoalidade e por uma estrutura cara às páginas policiais com ênfase na ideia de “confronto” e nos desdobramentos das “operações” com apreensão de armamentos e drogas, modificou-se. Ali detalhes sobre a vida da menina ganharam sentido, com imagens, informações, humanidade.

Por um lado, pode-se celebrar que o caso foi amplamente divulgado. Por outro, trouxe um risco imenso de refazer um ciclo interminável, imerso à falta de aprofundamento sobre o que significa a política de Segurança Pública no Rio de Janeiro. Uma rápida análise da cobertura dos principais jornais mostra que o caso de Maria Eduarda foi alçado a um patamar de excepcionalidade. Pinçado no meio da realidade diária dos moradores de Acari e das favelas da cidade, que tem enfrentado o agravamento da violência nas operações policiais, especialmente no último mês, o quadro dramático ganhou o perigoso e falso contorno de exceção.

No Extra, também do Grupo Globo, a cobertura do caso foi para a editoria que recebe os assuntos relacionados à Segurança Pública: “Polícia”. A jovem de Acari se tornou capa do jornal, sob a manchete: “Maria Eduarda, a nova vítima da Velha Guerra”. No dia seguinte, mais uma capa seguiu acompanhando o caso, sob o título de “Qual mãe vai chorar hoje?”. Em determinado trecho da matéria, a mãe de Maria Eduarda diz: “A gente morava, sim, em comunidade, mas ela sempre foi tratada com muito carinho”.

A frase não é desligada de contexto. Em um cenário em que 182 mortes ocorrem em dois meses como consequência de operações policiais e as notícias se empilham de forma burocrática nos jornais, como se meros e frios boletins de ocorrência fossem, ela sabe como a morte de sua filha poderia ter ido seguido o mesmo caminho, caso não fosse a impossibilidade de atentar para as características da morte da menina.

Ela, como todas as mães moradoras de favelas, sabe que suas filhas e filhos são normalmente julgados e condenados pela opinião pública, sem chance de defesa ou de apuração do crime.

No mesmo dia da morte de Maria Eduarda, o mesmo jornal Extra circulava com uma única pequena matéria que fazia referência às mortes que estavam ocorrendo em favelas do Rio. A situação já era gritante e estava sendo denunciada há semanas por movimentos de favelas. Mas o chamado colunão, no jargão jornalístico, dizia apenas: “Um confronto entre policiais militares e traficantes, no Morro da Formiga, na Tijuca, assustou moradores e motoristas na Rua Conde de Bonfim, que teve o trânsito interrompido.

De acordo com a UPP da comunidade, homens armados atacaram a base da unidade e montaram barricadas. Um homem morreu baleado. Revoltados com a morte do homem, que seria mototaxista, pessoas foram para a Rua Conde de Bonfim e fizeram um protesto, impedindo a passagem dos veículos”. Mais uma vez, estava ali um homem morto anônimo, nenhum estranhamento sobre a escalada de violência nas favelas, a revolta dos moradores qualificada como exagerada, a preocupação com o trânsito, a divisão de duas cidades em uma.

O mesmo sentido, em curtas frases, repete-se em diversos textos, reportando mortes na Providência, na favela da Maré, entre outras. Com vocabulário de guerra completamente naturalizado, os jornais cariocas falam em “confronto”, dão número de balas, de mortos e usam jargões policiais.

Aliás, são eles também as principais fontes nas matérias, que não vão muito além disso. “Segundo a UPP”, “o comandante”, “números da Polícia Militar”, “no front” são expressões que se repetem diariamente, na maioria dos casos sem complemento de outras vozes.

Precisou que uma morte ocorresse dentro de uma escola, que fossem quatro balas “perdidas” acertando uma só jovem, em horário de aula, com várias testemunhas, dezenas de crianças desesperadas e fotos de turmas inteiras abaixadas dentro de sala de aula, além da necessidade de o Estado responder, pois a jovem estava, naquele momento, sob sua própria responsabilidade.

Precisou tudo isso junto para que não atirassem primeiro uma pedra sobre o caso e para que a explicação “auto de resistência” não fosse o bastante. Foram necessárias todas essas condições para que a opinião pública não repetisse o mesmo feito de sempre e julgasse a menina como culpada pela própria morte, como acontece na maioria dos casos.

E só assim as palavras que todos os dias são naturalizadas nas reportagens causaram estranhamento dessa vez. “Dano colateral dos mais absurdos”, disse o porta-voz da Polícia Militar, major Ivan Blaz, sobre a morte de Maria Eduarda. Disse, simplesmente seguindo o rumo ao qual está acostumado. É assim que a polícia fala sobre as mortes em favelas. Não é exceção, essa é a regra.

Depois disso, a mídia seguiu. O jornal O Dia também acompanhou de perto o caso de Maria Eduarda, com pelo menos quatro matérias detalhadas. A Folha de S. Paulo trouxe uma reportagem que relata o histórico de violência em Acari, mostrando, entre outros, o dado de 89 tiroteios registrados em Acari em um ano, segundo o site colaborativo Fogo Cruzado.

A situação, porém, faz pensar o papel dos meios de comunicação na situação, muito além de apenas reportar os fatos. A mídia é também parte da construção do Rio de Janeiro, essa cidade que convive com uma violência que atinge moradores e moradoras de favelas mais do que qualquer outra, negros e negras mais do que brancos e brancas. A comunicação é parte ativa nessa compreensão das pessoas sobre o lugar onde vivem. E, afinal, o que está sendo construído pela mídia tradicional que se encontra disponível?

Uma nota da ONG Justiça Global enviada à Organização das Nações Unidas chama atenção para o silenciamento da violência institucional contra a população jovem e negra, moradora de favelas e periferias. O documento, enviado à Relatoria de Execuções Extrajudiciais Sumárias e Arbitrárias da ONU, relaciona as 182 mortes causadas por agentes do Estado e chama atenção para o falho papel da Justiça brasileira, uma vez que grande parte dos casos são simplesmente arquivados.

Segundo afirmou a pesquisadora da Justiça Global na área de Violência Institucional, Monique Cruz, em entrevista à EBC, “a denúncia internacional é uma forma de dar mais visibilidade internamente, porque, quando acessamos um organismo internacional, estamos chamando também atenção da imprensa brasileira para um outro ponto de vista”. Ela se referia à política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro.

Em complemento para este artigo do Intervozes, Monique Cruz ressaltou ainda que, da forma como a política de repressão do Estado nas favelas é pensada, ela só tem o que a Polícia tem definido como “danos colaterais” que, na verdade, são mortes que nunca são investigadas, fruto de um enfrentamento ineficaz à anunciada guerra às drogas e que só está gerando mais violência na cidade. Nessa “guerra”, policiais são algozes e também vítimas de uma engrenagem da morte.

Porém, em número bem menor: para cada policial assassinado no Rio em 2016, 23 outras pessoas morreram, o que derruba a tese de que as mortes de moradores sempre ocorrem em confrontos. Os dados são de levantamento feito pelo Uol com base em números do ISP.

Em meio a essa situação e despossuídos de espaço nos meios privados para informar-se e expressar-se sobre a realidade de suas comunidades, moradores/as de favelas há muito têm se organizado para produzir eles próprios comunicação e fazer reverberar denúncias da violência com a qual convivem diariamente.

Nesse caso, o direito à comunicação está diretamente ligado ao direito à vida. Em grupos de mensagens instantâneas ou em páginas em redes sociais, moradores de favelas e comunidades invadidas por forças policiais trocam informações vitais sobre que ruas evitar em caso de confronto ou troca de tiros. A produção e troca de informações, no entanto, não é encarada como direito dessa população. Ameaças anônimas e criação de perfis fakes que buscam expor e criminalizar quem faz comunicação popular é a regra geral nas favelas.

Segundo a ONG internacional Repórteres sem Fronteiras, o Brasil é o segundo país com mais comunicadores assassinados na América Latina. Foram 22 mortes registradas desde 2012. O cenário configura uma grave violação do direito à comunicação, que causa consequências para a sociedade de uma forma geral. Violação esta que dificulta a abordagem do assunto até mesmo dentro dos grandes veículos e ainda mais em veículos de comunicação alternativa, popular ou comunitária, sem a proteção que deveriam ter.

É o silêncio forçado, o toque de recolher da comunicação, que leva a cidade do Rio de Janeiro a pensar que um número como o e 1275 vítimas fatais da intervenção policial entre 2010 e 2013, a maioria sem qualquer tipo de investigação, mesmo em casos de mortes de crianças e até idosos, confunda-se com exceção.

É o silêncio que as favelas procuram combater, com ações como a criação do aplicativo Nós por Nós, que recebeu mais de 300 denúncias de violações de direitos cometidas por policiais em apenas um ano. Maria Eduarda não foi apenas uma tragédia, ela se tornou uma brecha de anúncio do caminho que a cidade está tomando.

*Camila Nobrega e Iara Moura são jornalistas e integram o Coletivo Intervozes. Colaborou Gizele Martins, jornalista e comunicadora popular da Maré.

Emissora de rádio firma acordo e promete acabar com discurso de ódio na programação

Rádio Difusora Vale do Paraíba acordou com MPF/RJ que irá veicular, durante seis semanas, programação de uma hora voltada à defesa dos direitos humanos

Desde o dia 27 de março, a Rádio Difusora Vale do Paraíba, sediada no município de Barra do Piraí (RJ) e retransmitida na cidade de Volta Redonda, está veiculando uma hora de programação voltada à defesa dos direitos humanos, após acordo firmado com o Ministério Público Federal (MPF) em Volta Redonda.

O acordo deveu-se a uma ação de novembro de 2016, quando o MPF fez uma recomendação à emissora para que deixasse de veicular, em seus programas, expressões discriminatórias contra grupos minoritários e discursos de ódio, o que, na avaliação do PMF, poderia caracterizar exercício abusivo da liberdade de expressão. A Promotoria se manifestou após receber do Ministério Público Estadual (MPE-RJ) representação contra a rádio contendo cópias de gravações com transcrições de programas com conteúdo com “visão discriminatória acerca de determinados grupos minoritários”.

O MPE-RJ expôs o motivo de sua atuação, lembrando que as transmissões realizadas por uma rádio se dão mediante concessão federal: “A atuação do MPF se justifica em razão de a rádio se tratar de uma concessão pública federal. O objetivo é evitar violações de direitos humanos. A recomendação não se refere apenas à população LGBT, mas também a pessoas que eventualmente são investigadas, presas, sendo que determinadas maneiras de colocação são de certa forma inferiorizantes, por isso a recomendação aponta para a necessidade de abstenção do radialista e da rádio. Um programa de rádio de sucesso, popular, tem toda uma condição de trazer uma questão de outra forma. O que nos aflige é que uma rádio popular ajude a estigmatizar determinados grupos”.

Nas gravações, é possível ouvir que o locutor Willians Renato dos Anjos “utiliza termos pejorativos, estigmatizantes e discriminatórios contra homossexuais, além de incitar a violência contra adolescentes que cometem atos infracionais, disseminando também termos preconceituosos”.

A rádio aceitou abolir o uso de expressões preconceituosas e discriminatórias contra grupos minoritários e disponibilizará, por seis semanas, programação de uma hora voltada à defesa dos direitos humanos. A veiculação destes programas deve se estender até maio. Estão previstas a inserção de entrevistas de 30 minutos no programa “Gato Preto” e de outros 30 minutos de conteúdo espalhados ao longo da programação, por meio de “spots” e notícias relacionadas ao tema. As entrevistas serão realizadas com representantes de movimentos sociais e de instituições voltadas à defesa dos direitos humanos, sobretudo ligadas à defesa dos direitos dos presos, dos negros e da população LGBT, movimentos religiosos, movimentos pela ética na política, entre outros.

A articulação foi feita pelo procurador da República de Volta Redonda, Júlio José Araújo Junior, que priorizou no processo dialogar e negociar com a emissora. “Era importante abrir espaço na programação de uma rádio que antes atacava essas minorias, para a defesa das mesmas e, principalmente, para a bandeira da necessidade de tolerância e respeito ao diferente”, afirma o procurador.

O texto divulgado pelo MPF destaca que, “em casos como esse, sem prejuízos das medidas de reparação que podem ser adotadas em caso de ofensas a minorias estigmatizadas, o MPF requer a adoção de estímulos a visões plurais, de forma a conter o discurso de ódio. As medidas recomendadas devem provocar a garantia, pelo meio da comunicação, de uma programação voltada à concretização de direitos humanos e da abstenção de nova veiculação de discurso de ódio em momento futuro”.

A Rádio Difusora Vale do Paraíba acatou a recomendação em janeiro deste ano. Desde então, o MPF vinha realizando tratativas para dar viabilidade a um acordo que garantisse a elaboração de uma programação especial em defesa dos direitos humanos.

Confira aqui a Recomendação Nº 38/2016, que estabeleceu o acordo.

O procurador, Júlio José Araújo Junior ainda reforçou que a ideia é combater os silenciamentos das minorias e que foi inspirado pela solução adotada contra a Rede TV alguns anos atrás, onde a emissora foi retirada do ar e depois ela foi obrigada a colocar programas de direitos humanos.

Direitos de Resposta – A sociedade ocupa a TV

Em 2005, uma ação civil pública movida contra a Rede TV! e o programa Tardes Quentes, do apresentador João Kléber, por violações de direitos humanos obteve um resultado inédito na Justiça brasileira. Durante 30 dias, a emissora foi obrigada a exibir um direito de resposta coletivo dos grupos ofendidos pela programação. Assim, nasceu o programa “Direitos de Resposta”, produzido de forma independente por organizações da sociedade civil em torno da defesa dos direitos humanos.

Na época, a Justiça Federal concedeu liminar exigindo a suspensão do programa Tardes Quentes por 60 dias e a exibição em seu lugar do direito de resposta. A Rede TV! descumpriu a ordem judicial e teve seu sinal cortado por 25 horas ininterruptas.

Pressionada principalmente por anunciantes, a emissora voltou atrás e aceitou assinar um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Federal e as organizações da sociedade civil coautoras da ação. Assim, financiou a produção e exibiu os 30 programas, além de pagar uma multa de R$ 400 mil para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos pelos danos causados à sociedade. O movimento resultou em mais de 400 produções independentes enviadas por cerca de 150 organizações de todo o Brasil para exibição na emissora.

Confira dois dos programas exibidos que estão disponíveis on-line:

Direitos de Resposta – Direitos Humanos

Direitos de Resposta –  Pobreza e desigualdade no Brasil

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação