Ministério Público fortalece ações por comunicação democrática

*Por Helena Martins

A omissão histórica dos governos brasileiros em relação ao setor da comunicação ganhou um oponente de peso nos últimos anos: o Ministério Público Federal (MPF). Detentor da missão de defender a ordem pública, o regime democrático e os interesses sociais e individuais, o órgão confirmou seu interesse em atuar pela garantia de direitos na comunicação em seminário realizado nesta semana, em São Paulo.

Promovido pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), o encontro discutiu a regulação da mídia e o direito à comunicação, a partir das experiências brasileiras e de países tais como Argentina, Uruguai, Equador, Colômbia e Espanha.

No debate, que reuniu procuradores integrantes do Grupo de Trabalho sobre Comunicação do MPF, organizações da sociedade civil e estudiosos do tema, ficou claro o atraso do nosso País na adoção de políticas que garantam a pluralidade e a diversidade nos meios de comunicação.

Enquanto no Brasil se vivencia uma brutal desigualdade entre meios privados e públicos, o cerceamento da liberdade de expressão da maioria da população que não tem acesso aos veículos e a ausência de canais para a defesa do público, em países vizinhos há defensorias específicas, regras que limitam a concentração da propriedade e que garantem a presença de conteúdos regionais e independentes na mídia. Neles há também uma atuação decisiva do Estado para garantir que as normas saiam do papel, o que, infelizmente, também não encontra eco na realidade brasileira.

Há décadas analisando a comunicação brasileira, o jornalista Alberto Dines classificou o envolvimento do MPF na pauta como histórico, por anunciar o rompimento com a lógica do silêncio sobre a mídia e com a ausência de ações para efetivar os mecanismos de regulação existentes nas leis brasileiras.

Legislações estas que são ignoradas pelo órgão que têm a função garantir outorgas para a exploração do serviço de radiodifusão, fiscalizar o setor e, quando necessário, aplicar sanções, o Ministério das Comunicações (MiniCom).

O MiniCom, além de não tirar das suas gavetas as diversas propostas que tratam de um novo marco regulatório da comunicação, sequer tem utilizado as leis existentes no sentido de garantir um ambiente democrático e sanar o desrespeito que marca a atuação dos oligopólios midiáticos. Ao contrário, por diversas vezes a leitura jurídica feita pelo Ministério das Comunicações em relação às normas existentes é não apenas equivocada como legitimadora de práticas ilegais no setor.

Confirmação disso foi a resposta enviada por esse Ministério à denúncia feita pelo Intervozes das violações praticadas pelas emissoras Record e Band nos programas Cidade Alerta, apresentado por Marcelo Rezende, e Brasil Urgente, que tem José Luiz Datena à frente. Recentemente, eles exibiram, ao vivo, uma perseguição policial a dois suspeitos, chamados de “bandidos” e outros termos do gênero, praticaram incitação à violência e ainda legitimaram a ação das forças de segurança, que mataram os dois homens.

Apesar dos problemas flagrantes, o MiniCom ainda não sancionou as empresas. Na justificativa, o órgão disse que abriu um procedimento interno para estudar o caso, mas já alegou que tem o papel de fiscalizar apenas grades de programação e que uma sanção por incitação à prática de crime dependeria de uma decisão judicial.

Diante disso, uma atuação independente dos interesses que permeiam o vasto campo da comunicação é muito importante. Ela pode ser capaz de mostrar que os limites à concentração da propriedade são desrespeitados no País, que as concessões são públicas, mas seguem sendo tratadas como mercadoria, e que direitos não podem ser violados na mídia. Todas as ações podem ter mais impacto se capilarizadas nos estados, como propõe o projeto Ministério Público pelo Direito à Comunicação, site que reunirá mostras de boas práticas, ações judiciais e artigos sobre o tema.

Exemplos do que pode ser concretizado já existem. O Ministério Público Federal, em parceria com a sociedade civil, atuou contra transferências ilegais de concessões, como ocorreu quando a Abril anunciou a venda do canal que era ocupado pela MTV por R$ 290 milhões, sem sequer informar o Ministério das Comunicações sobre a intenção de fazer a transação.

No campo da regulação democrática do conteúdo, o MPF também tem sido importante para proteger direitos, como comprovam as várias ações movidas devido às violações de direitos humanos constatadas em programas, dos policialescos aos supostamente humorísticos. Entre essas ações, podemos citar a que resultou, em 2005, num direito de resposta na Rede TV! contra o programa Tardes Quentes, do apresentador João Kléber, que violava direitos da população LGBT; outra relativa à humilhação de um suspeito por uma repórter da Band Bahia; e, por fim, uma terceira que resultou na garantia de direito de resposta, também na Band, para reparar violações presentes em conteúdos exibidos pela emissora contra ateus. Sem dúvida, uma medida relevante para a defesa do Estado laico.

De forma geral, a criação do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac), que reúne integrantes do MPF de São Paulo e representantes de organizações da sociedade civil, é uma mostra do potencial dessa parceria em favor da defesa do interesse coletivo. A partir dessa experiência, que neste ano foi vencedora do Prêmio República na categoria Constitucional, várias outras ações já foram promovidas, o que é fundamental para se conquistar medidas concretas e exemplares, bem como para ampliar e manter presente na agenda política do país o debate público sobre comunicação.

Uma mudança estrutural no setor é necessária para que, de fato, o direito à comunicação seja garantido para toda a população brasileira. Isso só vai ser efetivado com amplo debate público e muita vontade política de quem está à frente dos Poderes, especialmente do Executivo e do Legislativo. A falta de coragem para enfrentar os muitos interesses que permeiam o setor está clara e deve ser ainda mais abafada na atual conjuntura, marcada por retrocessos profundos em relação a direitos.

É claro que, como acontece em outras instituições,  o conservadorismo também está presente e tem força no Judiciário. Medidas tomadas por esse Poder contra a liberdade de expressão e que criminalizam movimentos sociais não deixam esquecer que esse é um campo de disputa intensa, inclusive de classes. Mas, também por isso, é importante destacar o trabalho daqueles e daquelas que, atuantes nesse espaço complexo e muitas vezes contraditório, abrem-se à boa discussão e à participação popular para fazer valer o Estado Democrático de Direito, como vem fazendo o Ministério Público Federal.

*Helena Martins é jornalista, membro do Conselho Diretor do Intervozes e integrante do Conselho Nacional de Direitos Humanos.

**Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

PL que permite espionagem na internet será votado nesta terça

A mais importante comissão da Câmara dos Deputados, a de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), pode aprovar nesta semana um projeto de lei que vai, na prática, legalizar a espionagem generalizada, sem autorização da Justiça, dos dados pessoais dos usuários de internet. Se isso se confirmar, abre-se caminho para uma mudança radical no Marco Civil da Internet (MCI), lei aprovada em 2014 e que tornou-se referência internacional como garantia de direitos na rede mundial de computadores.

O texto que vai à votação nesta terça-feira 22 é um substitutivo do deputado Juscelino Filho (PRP-MA) ao Projeto de Lei 215/2015, de autoria do deputado Hildo Rocha (PMDB-MA), e que traz propostas de outros dois projetos apensados – PL 1547/2015, do deputado Expedito Netto (SD/RO), e PL 1589/2015, da deputada Soraya Santos (PMDB/RJ), que apresentou mudanças significativas ao texto.

Ele não apenas altera o MCI prevendo que os registros de conexão (o número IP, a data e horário da sua conexão à rede) e de acesso a aplicações de internet (que sites ou aplicativos você visitou ou utilizou) possam ser obtidas por “autoridade competente”, sem depender de ordem judicial – como hoje. Mas também autoriza tais órgãos a acessar seus dados pessoais e o conteúdo de suas comunicações privadas (e-mails e mensagens no Whatsapp, por exemplo).

Ou seja, se ele for aprovado, uma “autoridade competente” – sobretudo a polícia e o Ministério Público – não precisará mais justificar para o Poder Judiciário por que precisa dos dados de um determinado usuário que está sendo investigado. Não haverá um juiz para avaliar se aquele acesso é aceitável ou não. E, sem uma definição clara do que é “autoridade competente”, qualquer órgão que se diga “competente” pode acessar seus dados pessoais.

O projeto também explicita que qualquer pessoa poderá solicitar judicialmente a retirada de um conteúdo publicado na internet que possa ser entendido como calúnia, injúria e difamação ou que a associe a um crime do qual já tenha sido absolvida.

Assim, reforça-se a possibilidade de qualquer site receber uma ordem judicial para remover um fato (com ou sem julgamento) que possa ser considerado prejudicial à honra de alguém (inclusive dos políticos e autoridades públicas). Em casos de ofensa online, deixaria de ser obrigatória inclusive a existência de uma queixa do atingido, abrindo a possibilidade do Ministério Público poder ajuizar processo por conta própria.

O projeto também avança na linha punitivista e dobra a pena no caso de crimes que tenham o “emprego de equipamento, aparelho, dispositivo ou outro meio necessário à realização de telecomunicação, ou por aplicação de internet” (Art. 2o). Para qualquer um desses crimes, não caberá fiança, ou seja, a pessoa acusada vai presa e não pode responder em liberdade. Quando o crime resultar na morte da vítima, a pena seria ampliada cinco vezes.

#PLespião

Da forma como está, o substitutivo do deputado Juscelino Filho representa um ataque à privacidade dos usuários de internet, já que dados e conteúdos das comunicações poderão ser acessados de forma bastante generalizada, sem qualquer crivo judicial. Com o fim da exigência de ordem judicial, assegurada no Marco Civil, cairá por terra a necessidade de que esse acesso seja concedido após o exame de um juiz em relação aos diferentes direitos em jogo. De acordo com o art. 23-A, incluído na proposta de substitutivo, qualquer autoridade policial poderá requerer esses registros do provedor de conexão ou das aplicações online e acessá-los sem maiores garantias.

Você, usuário, pode ter seus e-mails, mensagens no Facebook ou Whatsapp invadidas e lidas diante de uma mera solicitação da polícia se tiver, por exemplo, feito qualquer manifestação na rede que possa caluniar, injuriar ou difamar alguém. Será que os deputados estão legislando em causa própria para perseguir e reprimir aqueles que os criticam?

Essa postura vai na contramão de toda a construção e mobilização para a aprovação do Marco Civil da Internet, que teve como fundamento básico o reconhecimento da Internet como um espaço que potencializa o exercício de direitos e o usuário como o sujeito desses direitos. Ao contrário, o PL 215/2015 reforça a concepção do internauta como um criminoso em potencial e pune a prática de crimes na rede com mais severidade do que no contexto offline.

Ao criar o direito de acesso aos registros de conexão e aplicações e até mesmo aos conteúdos das comunicações privadas sem ordem judicial, o texto tenta destruir um dos pilares do Marco Civil, conquistado a partir de longas e complexas negociações com diversos setores, e que instituiu na obrigatoriedade de autorização judicial o elemento chave para a proteção da privacidade em equilíbrio à investigação de ilícitos na Internet.

É por este motivo que entidades de defesa dos direitos dos usuários classificaram esse projeto como #PLespiao.

Com o discurso do crescimento dos crimes na internet, mais uma vez parlamentares tentam ressuscitar o vigilantismo, quando no restante do mundo a tendência é de legislações que protegem a privacidade das pessoas. Pior: pretendem fazer isso sem qualquer debate com a sociedade, já que os projetos estão previstos para tramitar apenas na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, sem passar por nenhuma comissão de mérito antes de irem ao Plenário.

O que está por trás do texto é flexibilizar os direitos conquistados no Marco Civil, justamente no momento em que o Parlamento e também o governo federal discutem uma lei para a proteção de dados pessoais.

A aprovação do PL 215/2015 neste contexto está sendo considerado um retrocesso por diversas entidades da sociedade civil, em especial aquelas reunidas na Articulação Marco Civil Já, que lutaram pela aprovação da lei no ano passado, defendem os direitos dos usuários nas redes e estão conclamando os internautas preocupados com a sua privacidade a pressionarem os parlamentares.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

LEIS DE ARGENTINA E URUGUAI DEMOCRATIZAM A MÍDIA E IRRITAM MONOPÓLIOS

Motivo de insônia para os barões da mídia no continente, as leis aprovadas na Argentina e no Uruguai para regular a radiodifusão – comumente referidas como ‘Ley de Medios’ – foram discutidas e esmiuçadas por Nestor Busso, do Conselho Federal de Comunicações da Argentina, e Sergio de Cola, do Conselho de Telecomunicações do Uruguai. O debate, ocorrido neste sábado (19), em São Paulo, integrou a programação do Seminário Internacional Mídia e Democracia nas Américas.

Apesar de promoverem a liberdade de expressão e ‘desmontarem’ os monopólios midiáticos em seus países, as legislações enfrentam a reação das grandes empresas privadas de comunicação: em ambos os países há um processo de constante judicialização da lei, criando entraves para a sua implementação.

Conforme explica Busso, a luta pela aprovação da Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual argentina remete a 2004, quando diversos setores populares se unificaram em torno da pauta da mídia. “Tínhamos uma lei imposta pela ditadura militar, em 1978, que além de defasada, era conveniente apenas ao poder econômico”, diz. “A Argentina sempre teve uma forte concentração de meios. Só o Clarín contava com 270 serviços de rádio e TV, além de jornais e outros investimentos empresariais”.

Somado ao monopólio dos direitos de transmissão dos jogos de futebol, dominados pelo Clarín e transmitidos apenas na TV paga, o cenário levou a sociedade a apresentar “21 pontos básicos pelo direito à comunicação” à presidenta Cristina Kirchner. “O importante”, avalia Busso, “foi sair do mundo da comunicação, das organizações do setor, para ascender ao conjunto da sociedade. A questão do futebol foi fundamental no despertar da sociedade para o debate”.

Cristina levou a discussão ao Congresso em 2008 e se antes a mídia silenciava e interditava o debate, passou a acusar o governo de impor uma ‘lei da mordaça’. Apesar da campanha midiática contra a iniciativa de regulação, 15 mil argentinos marcharam rumo ao Congresso para levar o anteprojeto de lei, produto de fóruns públicos com participação social. A votação terminou em 147 a 3, no dia que ficou marcado pelo mote “um gol da democracia”.

Entre audiências públicas e mudanças no projeto, a população continuou a apoiar a lei: 40 mil argentinos concentraram-se em frente ao Senado para acompanhar o debate sobre ela. “A lei teve grande legimidade e respaldo popular, mas na mídia sempre aparecia como ‘a lei K’, de Kirchner, como se fosse imposta pelo governo”, comenta Busso. “Não é uma lei de meios, como gostam de chamar. Ela apenas regulamenta o uso do espectro radioelétrico e define regras para a sua exploração”, esclarece.

No fim de 2009, a lei entra em vigência e, imediatamente, é judicializada pelo Clarín. Foram quatro anos até a Corte Suprema declará-la constitucional. A pressão popular, avalia Busso, foi fundamental para a conquista – 50 mil pessoas marcharam do Congresso até Tribunales para cobrar que a Justiça colocasse a lei em vigência.

“O resultado deste processo é uma lei com legitimidade, devido à participação popular e aprovação com ampla maioria, e qualidade institucional, por contar com controles e participação popular”, pontua. “A lei é uma conquista do povo argentino, pois trata a comunicação como direito humano e não como um simples negócio”. O maior desafio para a implementação, alerta Busso, é o atrelamento do Poder Judiciário ao poder econômico.

Uruguai: em ‘stand by’

A legislação aprovada no Uruguai, também batizada Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual, enfrenta uma situação semelhante a do país vizinho: apesar de ter sido aprovada em dezembro de 2013, o governo aguarda a Suprema Corte de Justiça dar seu parecer quanto ao recurso protocolado pelos grandes empresários do setor.

O cenário anterior à lei, conforme explica Sergio de Cola, também era parecido com o argentino. “A legislação era antiga e também criada durante a ditadura militar”, diz. “Além da concentração, também sofríamos com a debilidade dos meios públicos e com a falta de transparência quanto às concessões públicas de rádio e televisão”.

Cola, que participou do processo de elaboração da lei, argumenta que ela estabelece a regulação básica para a prestação de serviços de radiodifusão e comunicação audiovisual. “Para além do conceito clássico de rádio e TV, compreendemos comunicação audiovisual em diversos suportes tecnológicos, não apenas o espectro radioelétrico”, afirma. “Comunicação audiovisual é um serviço cultural ou cultural e econômico, nunca um serviço meramente econômico. E como esses serviços compreendem valores e significados, não devem ser considerados apenas por seu valor comercial”.

O processo que culminou na aprovação da lei teve início em 2010, sob o governo de Pepe Mujica, destaca Cola. “Foi constituído um comitê técnico consultivo, reunindo diversos setores, como academia, organizações da sociedade civil e empresários, para discutir os conteúdos da lei”.

De acordo com o uruguaio, a lei garante independência e liberdade editorial aos meios e liberdade de expressão aos cidadãos. “A lei promove a diversidade e a pluralidade informativa, o acesso universal aos meios, a proteção à infância e à adolescência e a transparência em relação à outorga de concessões públicas, que agora ocorrem por concurso público”, ressalta.

Como a discussão do projeto se arrastou até a véspera do ano eleitoral de 2014, houve limitações no texto final, que gerou preocupação aos movimentos sociais. Um exemplo é a proibição da criação de cargos devido à proximidade do pleito. “Com a transição de governo, Tabaré assumiu a responsabilidade de finalizar a regulamentação da lei”, diz. “Esta história, portanto, continuará”.

Escrito por Felipe Bianchi
para Barão de Itararé

‘SEM PLURALIDADE NA MÍDIA, NÃO HÁ LIBERDADE DE EXPRESSÃO’, AFIRMAM DEBATEDORES

A urgência de democratizar a comunicação no Brasil foi tema de debate na abertura do Seminário Internacional Mídia e Democracia nas Américas, nesta sexta-feira (18), em São Paulo. Por videoconferência, Edison Lanza, Relator Especial para Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), defendeu que diversidade e pluralidade nos meios de comunicação é uma condição fundamental para a garantir a liberdade de expressão.

Ciente da ausência de regulação do setor no Brasil – o advogado e jornalista esteve em Brasília recentemente, reunindo-se com autoridades políticas e entidades da sociedade civil – Lanza criticou a concentração dos meios de comunicação e o falso argumento de que regulação é censura, o que já se tornou uma espécie de ‘mantra’ dos grandes empresários do setor. “Monopólios e oligopólios atentam contra a democracia e a liberdade de expressão”, disse. “É obrigação do Estado garantir este direito a partir da regulação do sistema de comunicação”.

Segundo ele, os governos não devem intervir no que se produz, mas sim facilitar e construir políticas públicas para garantir que haja diversidade de vozes nos meios. Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, explica Lanza, é papel do Estado impedir uma excessiva concentração de meios por grupos privados, o que atenta contra a diversidade de fontes e opiniões. “É fundamental que haja intervenção em um mercado com tendência ao monopólio”, acrescenta.

Os organismos que implementem essas regulações, conforme explica o relator da OEA, têm de gozar de autonomia e independência, tanto do ponto de vista político quanto em relação ao poder econômico. “Estes órgãos não devem ser instrumentos para calar vozes ou beneficiar interesses privados”, pontua.

Mídia brasileira ‘corrompe’ opinião pública

Referência em estudos de mídia e democracia no Brasil, Venício Lima avalia que a urgência em se democratizar a comunicação no país diz respeito a findar um processo sistemático de corrupção da opinião pública. “Se a corrupção ¨C palavra preferida dos grandes meios ¨C é a prevalência de interesses privados e ilegitimos sobre interesses públicos, o que a mídia brasileira é corromper a opinião pública”, diz.

“A própria elite política da América Latina identificou, em uma pesquisa feita há dez anos, que os meios de comunicação são um dos principais obstáculos para a consolidação da democracia no continente”, sublinha o professor. “Se houve alguma alteração nesse panorama, é de que a situação se agravou”.

As condições para que os meios cumpram o papel de formar uma opinião pública democrática não ocorre no Brasil, na opinião do estudioso. “Em primeiro lugar, a legislação está desatualizada”, aponta. “Além disso, até hoje os princípios previstos na Constituição de 1988 [dentre eles a proibição do monopólio e do oligopólio no setor] seguem sem regulamentação”.

Segundo Venício, uma simples folheada nas manchetes dos grandes jornais, em um único dia, escancaram a falta de diversidade e pluralidade. “A narrativa da mídia é tão homogênea que é como se houvesse um super editor que editasse as notícias de todos os meios”, critica. “É essa a impressão que você terá se ler diariamente os grandes jornais, todos com as mesmas pautas e narrativas”.

O único remédio, de acordo com ele, é cobrar do Poder Executivo que saia da armadilha na qual o próprio governo caiu. “Os governos dos últimos 12 anos acreditaram, equivocadamente, que poderia ser feita uma aliança com os oligopólios midiáticos”, afirma. “Por isso, perdemos oportunidades históricas de se fazerem mudanças fundamentais, de fazer o mínimio para sanar os problemas que nos colocam na situação crítica de hoje”.

O Ministério das Comunicações foi representado por Emiliano José, histórico militante pela democratização da comunicação que ocupa o cargo de Secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica. Segundo ele, existe a clareza, no MiniCom, de que o debate sobre a regulação é fundamental para o avanço da democracia no país. “O ministro Ricardo Berzoini tem dito que está disposto a desenvolver esse debate, assumindo o compromisso de intensificar esse processo”.

De acordo com Emiliano José, a luta pela democratização da mídia é árdua e, infelizmente, esbarra no cenário político desfavorável ao governo. “Imaginar que haverá alguma proposta concreta de regulação do setor é uma contradição”, admite. “Sabemos a composição e como funciona esse Congresso, e nenhum governo pode prescindir do Congresso”, disse, lamentando a conjuntura desfavorável.

“É bastante difícil separar meu papel no Ministério e meu histórico na luta por uma mídia democrática, causa a qual me dedico há décadas”, diz. “Como militante”, Emiliano opina que a mídia não está ao lado do povo brasileiro. “O suicídio de Vargas, em 1954, quando já estava praticamente consumado um golpe contra ele, vanguardeado pela imprensa, tem relação íntima com o bombardeio midiático sobre a presidenta Dilma”, avalia. “É inegável que os meios têm empreendido um gigantesco esforço golpista”.

O parlamentar listou iniciativas que o Ministério das Comunicações tem tomado. Além do Canal da Educação e do Canal da Cidadania, que fomentam canais educativos e públicos, Emiliano José cita também o Plano Nacional de Outorga de Rádios Comunitárias, que deve desburocratizar o processo de outorgas. “É preciso cavar espaços para amenizar o problema do monopólio. Não se trata de excluir vozes, mas ampliá-las”.

Escrito por Felipe Bianchi
para Barão de Itararé

Como o governo pode economizar bilhões restringindo a propaganda de bebida na TV

O Senado deve votar no segundo semestre o PLC 83/2015, que prevê mudanças na Lei 9.294/96, proibindo a propaganda de bebida alcoólica nas emissoras de televisão e de rádio e demais meios de comunicação.

Um em cada três brasileiros deixou de fumar depois que o Congresso Nacional proibiu a publicidade de cigarros na TV, no final dos anos 90.

Ainda assim, em 2011 o governo gastou mais de R$ 20 bilhões no tratamento de pacientes com doenças relacionadas ao cigarro. O valor equivale a 30% do orçamento do Sistema Único de Saúde daquele ano e é 3,5 vezes maior do que a Receita Federal arrecadou com produtos derivados do tabaco no mesmo período.

O Brasil perde 7,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em decorrência de problemas relacionados ao álcool. O custo do uso abusivo de bebida alcoólica atingiu, em 2014, algo como R$ 372 bilhões.

Todo ano, motoristas embriagados matam 50.000 pessoas. As vítimas de traumatismo chegam a 500 mil pessoas. A maioria dos feridos são levados para um pronto-socorro público. Os planos de saúde não devolvem nada ao SUS. Quem paga a conta dos feridos e mutilados é o cidadão, com seus impostos.

Dilma enviou um orçamento com previsão de déficit de R$ 30,5 bilhões, o que corresponde a 0,5% do produto interno bruto do país, e pediu ajuda ao Congresso para que encontrem saídas juntos.

O governo precisa cortar sem dó seus excessos e fazer muitos ajustes, mas é importante que, assim como a corrupção, certos comportamentos não sejam mais tolerados.

Por que aumentar impostos da população e cortar certos benefícios sociais se existem alternativas que podem beneficiar a todas as classes sociais?

Fazendo uma conta rápida, dá para ver onde economizar bilhões, salvar milhares de vidas e ainda ter um bom troco para investir em prevenção e educação, assim como aconteceu com o cigarro.

Os dois maiores adversários de uma decisão corajosa e responsável do Congresso para evitar o desperdício inestimável de vidas e de dinheiro são, pela ordem: o modelo de financiamento de campanhas eleitorais e o regime de concessão de rádio e TV.

No primeiro caso, várias carretas lotadas com R$ 242 milhões foram entregues pela indústria de bebidas para 76 deputados de 16 partidos nas últimas eleições.

Somente Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, recebeu sozinho um caminhãozinho com mais de 1 milhão de uma empresa da Ambev.

O financiamento de campanhas de políticos deixa evidente que os interesses de algumas empresas são opostos aos interesses da população e do país.

No segundo caso, a indústria de bebidas despeja anualmente mais de 4 bilhões de reais em publicidade em emissoras de rádio e TV e estima-se que mais de 80 senadores e deputados possuem centenas de concessões de rádio e TV espalhadas em todo pais. Os congressistas são parte deste negócio bilionário.

O Ministério da Saúde, a OMS (Organização Mundial de Saúde) e centenas de organizações não governamentais são radicalmente contra qualquer publicidade de cerveja na TV.

A opinião pública, diferentemente do que aconteceu com o cigarro, ainda não está ciente da relação direta entre a publicidade de cerveja e as tragédias urbanas com acidentes de carros, especialmente com os jovens.

As grandes empresas de comunicação silenciam sobre este tema. Há, inclusive, a regra interna de uma grande emissora de TV de jamais mostrar latas de cerveja em reportagens a respeito de acidentes automobilísticos.

A ABERT, Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, atua fortemente para manter seu território, as agências de publicidade lucram com as comissões das emissoras e o Conar, Conselho Nacional de Auto Regulamentação Publicitária, que reúne empresários de comunicação, alega que qualquer restrição a publicidade de bebidas seria “bullying” da liberdade de expressão (sic).

A consequência do atual estado de coisas é que as empresas de bebidas e de mídia ampliam seus lucros enquanto os cidadãos ficam com o ônus dos problemas de saúde e pagam sozinhos uma conta cada vez mais alta, em todos os sentidos.

Cada um faz suas escolhas, não se está discutindo no Congresso o direito de beber ou fumar, nem proibir seu uso. Mas estimular o consumo de álcool, da forma como a publicidade faz na TV e no rádio, não falar abertamente sobre isso e nem tentar impedir esta epidemia de mortes, é uma covardia sem fim e uma falta de amor ao próximo — além de não ajudar em nada a economia do país.

Escrito por Marcelo Godoy
para Diário do Centro do Mundo