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Mídia vandaliza cobertura de ato e legitima uso de Exército por Temer

Jornais ignoram importância do protesto e repressão da PM contra manifestantes pacíficos para apoiar autoritarismo do governo

Por Bia Barbosa*

Quando a fumaça preta subiu em alguns pontos da Esplanada dos Ministérios, não havia mais dúvida: as manchetes de todos os veículos da mídia tradicional – impressos, online e televisivos – seriam sobre o vandalismo praticado contra os prédios públicos durante o ato desta quarta-feira 24 em Brasília.

Sim, os ataques devem ser noticiados. Mas não pareceu relevante à imprensa brasileira também reportar que esta foi a maior manifestação que Brasília recebeu nos últimos 15 anos? Que mais de 100 mil pessoas, de todas as regiões do país, se deslocaram para a capital para exigir direitos e lutar contra retrocessos? Que essas 100 mil pessoas foram brutalmente reprimidas com balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e muito spray de pimenta?

O foco foi para o que fizeram os poucos e nada numerosos grupos de encapuzados. Uma vez mais, quem não participou presencialmente da manifestação contra as reformas de Michel Temer e por Diretas Já e ainda se informa apenas pelos jornais tradicionais, vai achar que tudo não passou de quebradeira. E o buraco, caros leitores e leitoras, é bem mais embaixo.

Comecemos pelo enfoque da cobertura feita nos telejornais noturnos e portais e a repercussão nos impressos desta quinta-feira 25. O Jornal da Band abriu os trabalhos dando o tom: “Depredações e confronto com a Polícia Militar marcaram protestos em Brasília das centrais sindicais contra o governo e as reformas no Congresso; prédios de Ministérios foram destruídos e incendiados”. No Jornal Nacional, poucas imagens da marcha e muitas cenas de violência e “vandalismo de mascarados”.

O Jornal das 10, na GloboNews, construiu sua narrativa afirmando que todo o “confronto” havia sido iniciado pelos manifestantes. A abertura do telejornal usou frases como “Polícia Militar tenta avançar e conter manifestantes”, “Ministérios são esvaziados por questão de segurança” e “restos de violência”. A âncora Renata LoPrete destacou que o protesto foi “organizado e financiado pelas centrais sindicais”, para, uma vez mais, retirar a legitimidade dos manifestantes que ali estavam.

A primeira reportagem abriu com um “A confusão começou quando furaram o bloqueio de revista”, e continuou com “Mascarados jogavam pedaços de pau e garrafas, a polícia revidava”. “Vândalos arrastaram banheiros químicos e usaram para fazer barricadas”; “Vários ministérios foram depredados, o da Agricultura foi incendiado. Destruição também no Ministério da Cultura, com portas, vidros e computadores quebrados. Vandalismo no Turismo, Fazenda, Minas e Energia, no Museu e na Catedral”.

Os portais seguiram a mesma linha durante a noite. Para o UOL, Brasília “estava um verdadeiro caos” e o DF era “terra arrasada”. No Portal do Estadão, destaque para os feridos, os detidos e a depredação dos edifícios.

O Bom Dia Brasil começou nesta quinta com a Globo vistoriando o Ministério da Agricultura com uma engenheira. “O tamanho do estrago ainda está sendo levantado”. Houve até infográfico dos prédios vandalizados.

As centrais sindicais foram ouvidas apenas para dizer que não eram responsáveis pela ação dos black blocs, e não para apresentar as reivindicações que levaram milhares de pessoas à Esplanada.

Miriam Leitão não perdeu a chance de atacá-las: “fazem política desigual e seletiva, condenam a corrupção apenas de alguns partidos e vão para a rua em defesa de outros”. A frase cairia como uma luva para caracterizar a atuação da empresa de comunicação em que ela mesma trabalha.

A menção, pela apresentadora do telejornal, ao uso da força desproporcional pela polícia foi tão superficial que chegou a justificar o uso de armas de fogo contra um grupo de manifestantes, “em reação a um ataque de paus”.

As manchetes dos impressos deste dia 25 são uníssonas. Na Folha de S.Paulo: “Protesto contra Temer em Brasília acaba em violência”; na Zero Hora/RS: “Brasília arde”; no Diário Catarinense: “O dia em que Brasília virou campo de guerra”. As fotos são de manifestantes feridos, de mascarados e de um policial sozinho atirando com arma de fogo. Nada sobre a brutal repressão policial, que atingiu a todos e feriu inclusive jornalistas a trabalho.

Boas vindas às Forças Armadas

Diante do quadro pintado, até o maior dos democratas poderia concordar que pedir a ajuda das Forças Armadas seria uma alternativa. Afinal, tudo foi retratado como fora de controle; a vida dos funcionários dos ministérios teria sido ameaçada e a Esplanada, literalmente, pegava fogo. O decreto presidencial editado por Temer, então, não foi criticado pela imprensa. Pelo contrário, foi noticiado quase que como uma consequência natural do que ocorria.

“Presidente Temer chama Exército para conter a violência”, anunciou na TV o Jornal da Record. A justificativa do uso das Forças Armadas foi ilustrada até com um trecho da Constituição Federal.

No final da tarde, na GloboNews, a chamada era: “Depois de confronto e depredação de ministérios, Temer envia Forças Armadas para as ruas do Distrito Federal”. À noite, Renata LoPrete foi categórica: “Diante de um protesto que transformou a Esplanada num campo de batalha, Temer convocou as forças armadas para garantir a ordem pública”.

O limite da polêmica em torno do emprego das Forças Armadas foi o disse-me-disse entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ministro da Defesa, Raul Jungmann. O primeiro disse que pediu apoio da Força de Segurança Nacional, e não do Exército, ao governo federal. O segundo declarou que “os soldados que estão na rua estão obedendo à Constituição e atendendo a um pedido do Legislativo, nada mais constitucional e democrático”.

A oposição no Congresso criticou duramente a medida, mas a imprensa, não. Deram espaço para o líder do governo, Romero Jucá, tentar explicar que “Temer chamou as Forças Armadas porque um bando de marginais estava tacando fogo em ministérios”.

Para Gerson Camarotti, Jungmann alegou: “Não existe democracia sem ordem. A PM não conseguiu conter o vandalismo e o incêndio dos prédios. Havia risco para a vida das pessoas. Então cabia ao Presidente da República tomar uma medida. (…) Só tínhamos 100 homens da Força de Segurança Nacional, por isso foi preciso chamar o Exército”.

Se Camarotti estivesse acompanhando o protesto de perto, como nós estávamos, talvez não tivesse caído na ladainha do ministro. O número de agentes da Força de Segurança Nacional na Esplanada era bastante superior a 100.

E mesmo estes teriam sido suficientes para conter o pequeno grupo de black blocs que atacaram os edifícios e pontos de ônibus. Bastaria que tivessem recebido a ordem para tal.

Mas, pelo visto, alguém no Planalto buscava um bom motivo para colocar o Exército nas ruas – em princípio por uma semana.

Foi só deixar o barco rolar, os prédios pegarem fogo e editar o decreto, que estava pronto desde dezembro passado. Durante mais de uma hora, seguimos de perto a ação dos mascarados na Esplanada sem que qualquer iniciativa da Força de Segurança Nacional – responsável pela preservação do patrimônio federal, como bem lembrou o governador do DF, Rodrigo Rollemberg – fosse tomada. A justificativa estava dada.

“Temer põe Forças Armadas na rua após ataques”, publicou A Tarde, da Bahia, nesta quinta.Mas nada superou o editorial de O Estado de S. Paulo. Intitulado “Isto não é política, é caso de polícia”, o jornal conservador classifica o protesto de “manifestação de autoritarismo da esquerda”.Para os Mesquita, “hordas de manifestantes impuserem o caos” e fizeram “necessário” que o presidente Michel Temer convocasse as Forças Armadas. Os manifestantes “não vinham debater propostas ou difundir argumentos, lá estavam para vandalizar”.

O Estadão chega ao cúmulo de criticar até a tentativa da oposição parlamentar em barrar a leitura do parecer da reforma trabalhista no Senado. Acha que a atuação da oposição é um “ataque à democracia” e que parlamentares “querem barrar o avanço das reformas pelo uso da violência”. Ou seja, para o jornal de São Paulo, não há povo na rua lutando contra a retirada de direitos nem parlamentares de esquerda fazendo oposição a um governo ilegítimo. Há, somente, “violência”.

Temer revogou seu decreto na manhã de quinta 25, mas pelo visto tem muita gente na imprensa com saudades da ditadura.

E a Globo, nisso tudo?

Há uma semana, muita gente tenta entender as movimentações da Rede Globo – e de todos os seus veículos – na crise política instaurada. Depois de dar o furo de reportagem com a divulgação da gravação de Joesley Batista em O Globo, a empresa segue com uma linha editorial diferente do restante da chamada grande mídia do país. Enquanto a maior parte dos veículos não defende abertamente a saída de Temer da Presidência, a Globo parece mesmo já ter tomado esta decisão.

Criminalizar os protestos não é um ponto fora da curva nesta nova conjuntura. Esta é a postura histórica da emissora. Mas a Globo foi a única, nas últimas 24 horas, a relacionar explicitamente o chamado às Forças Armadas como um ato de fraqueza de Temer.

“Poucas vezes tivemos uma manifestação com tanta depredação dentro dos ministérios. Temer recebeu ligações de pessoas com medo. Mas quando convoca as Forças Armadas, ele inicia outra crise dentro do Congresso. (…) Quis passar uma ideia de que consegue conter manifestações e conflitos com a “garantia da lei e da ordem””, analisou Cristiana Lobo.

Para a âncora da GloboNews, Renata Lo Prete, “a condição do governo para votar qualquer coisa chegou próxima de zero. Isso num dia em que o PSDB resolveu ficar no governo, mas sabemos que é uma decisão momentânea e que o partido está preparando um desembarque. Isso num dia em que o Planalto perdeu mais um assessor, Sandro Mabel, investigado”. “Quantos assessores o governo já não perdeu por corrupção?”, questionou na sequência, no J10, Gerson Camarotti.

O Jornal Nacional também foi dos poucos a ouvir parlamentares de oposição, incluindo Paulinho da Força, que declarou que “o Presidente precisa reconhecer a crise e que o governo está perdendo força”. Para O Globo, o decreto foi o grande exemplo de que o governo e seus aliados estão desorganizados. “Isolado, Temer usa Exército após depredações em Brasília”, diz a manchete desta quinta.

Os próprios colegas da imprensa estão estranhando a postura da Vênus Platinada. Em artigo para a Folha publicado hoje, o Diretor de Jornalismo, Ali Kamel, foi obrigado a afirmar que “a posição da TV Globo na crise de Temer é a de quem não tem lados”.

Dá pra acreditar?Certamente, o jogo que está sendo traçado pelo principal grupo de comunicação do país está longe de ser baseado na imparcialidade.

Déficit publicitário? Negócios com Carlos Slim? Laços históricos com o PSDB, que pode assumir indiretamente o governo se Temer renunciar?

Todas as hipóteses estão sobre a mesa. Seguir acompanhando o que disso tudo vai ao ar ou para as páginas dos jornais pode, sim, ajudar a entender os próximos capítulos dessa novela.

*Bia Barbosa é jornalista, coordenadora do Intervozes e Secretária Geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Colaboraram Ana Cláudia Mielke, Marcos Urupá, Marina Pita, Ramênia Vieira e Veridiana Alimonti, integrantes do Intervozes.

Encontro Nacional reunirá defensores da Liberdade de Expressão e do Direito à Comunicação

Evento acontece entre os dias 26 e 28 de maio, em Brasília e qualquer pessoa interessada nos temas de direito à comunicação e liberdade de expressão pode participar do evento

O 3º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação (3ENDC), promovido pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, acontece entre os dias 26 e 28 de maio, na Universidade de Brasília (UnB). O 3º ENDC chega esse ano com o objetivo de estabelecer redes e fortalecer os mais diversos movimentos que lutam pelo direito à comunicação, potencializando o espectro de ação dos diversos atores e a capacidade de intervir na formulação de políticas públicas.

A abertura do encontro será marcada por um Ato Público em Defesa da Liberdade de Expressão e da Democracia, durante o ato o FNDC pretende denunciar a escalada de violência contra as manifestações populares, censura privada e judicial na internet e nos meios de comunicação, violência contra comunicadores e cerceamento de liberdade da mídia alternativa. O ato será aberto ao público sem necessidade de inscrição prévia, mas sujeita à lotação do espaço, que será realizado no Centro Cultural da Associação dos Docentes da UnB (ADUnB), no Campus Darcy Ribeiro da UnB, às 19h do dia 26.

Na programação do 3ENDC também estão previstas conferências e atividades que abordarão temas como violações à liberdade de expressão, construção de um marco regulatório democrático para a mídia brasileira, defesa da comunicação pública, políticas de internet (liberdade de expressão e direito à privacidade), políticas de inclusão digital, entre outros, incluindo a participação de convidados nacionais e internacionais referenciais em cada tema.

Qualquer pessoa interessada no debate sobre direito à comunicação e liberdade de expressão pode participar do evento. A taxa de inscrição não inclui hospedagem, mas a comissão organizadora fechou convênios para descontos em hotéis e alojamentos. A taxa também inclui alimentação (almoço e coffee-break) nos dias 27 e 28. No dia 26, será servido um coffee-break durante o Ato Político pela Liberdade de Expressão, que será o momento de abertura oficial do evento, à noite. As inscrições serão feitas exclusivamente pela internet, no site www.doity.com.br/3endc, com valor de R$ 65,00 (cartão de crédito, boleto bancário ou débito bancário).

Como parte da programação do 3º ENDC, o FNDC também realizará sua 20ª Plenária Nacional, no dia 28 de maio. Entidades nacionais filiadas e comitês regionais do FNDC poderão indicar delegados e delegadas, de acordo com as regras gerais aprovadas pelo Conselho Deliberativo da entidade.

Confira a programação oficial

Sexta-feira 26 de maio
19h/22h – Ato Público em Defesa da Liberdade de Expressão e da Democracia
Local: Centro Cultural da Associação de Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB) – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

Sábado 27 de maio
9h/12h – Conferência: Internet, liberdade de expressão e privacidade

Flávia Lefèvre – Coalizão Direitos na Rede | Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) | Associação Proteste
Dafne Plou – Associação para o Progresso das Comunicações (APC) | Argentina
Murilo Ramos – professor Faculdade de Comunicação da UnB
Joana Varon – Coding Rights
Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

12h30/13h30 – Almoço

14h/16h – Painéis temáticos – Parte 1
1 – O papel da mídia no avanço da pauta conservadora e o discurso de ódio
Márcia Tiburi – Professora de Filosofia da UniRio e Universidade Mackenzie.
Paulo Henrique Amorim – Blog Conversa Afiada e TV Record
Cynara Menezes – Blog Socialista Morena

2 – Desnacionalização da economia na área de telecomunicações
Flávia Lefèvre – Coalizão Direitos na Rede | Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) | Associação Proteste
Márcio Patusco – Clube de Engenharia do Brasil
Marcos Dantas – Professor titular da Escola de Comunicações (ECO) da UFRJ | Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)

3 – A mídia e a luta contra a LGBTfobia e a discriminação de gênero
Ana Veloso – Professora de jornalismo na UFPE | Centro das Mulheres do Cabo
Elen Geraldes – Professora de Comunicação na UnB e uma das organizadoras do livro “Mídia, Misoginia e Golpe”
Julian Rodrigues – Associação Nacional LGBTI
Charô Nunes – Coordenadora do portal Blogueiras Negras

4 – Políticos donos da mídia
Bia Barbosa – Coordenadora nacional do coletivo Intervozes e secretária-geral do FNDC
Suzy Santos – Professora da Escola de Comunicações (ECO) da UFRJ
Artur Romeu – Coordenador de comunicação da Repórter Sem Fronteiras
Deborah Duprat – Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (PFDC/MPF) – (a confirmar)

5 – O monopólio da mídia e o ataque aos direitos trabalhistas e previdenciários
Roni Anderson – Secretário nacional de comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Raimunda Gomes (Doquinha) – Secretária nacional de comunicação da Central de Trabalhadores de Trabalhadoras do Brasil (CTB)
Paulo Kliass – Doutor em Economia e especialista em políticas públicas e gestão governamental

6 – Comunicação e cultura na mira do golpe
Sérgio Mamberti – Ator, diretor e roteirista, ex-secretário nacional do Ministério da Cultura
Dríade Aguiar – Gestora de comunicação do coletivo Fora do Eixo | Mídia Ninja
Dácia Ibiapina – Cineasta, professora e pesquisadora da UnB

16h30/18h30 – Painéis temáticos – Parte 2

7 – O desmonte da comunicação pública
Rita Freire – Jornalista | presidenta cassada do Conselho Curador (CC) da EBC
Venício Lima – Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) | Pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros do DCP-FAFICH-UFMG | conselheiro cassado do CC da EBC
Fernando Paulino – Professor e Diretor da Faculdade de Comunicação da UnB
Richard Santos – Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira)

8 – Os desafios da radiodifusão comunitária
Geremias dos Santos – Coordenador nacional da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço)
Jerry de Oliveira – Movimento Nacional de Rádios Comunitárias de Paulo (MNRC) | Diretor da Rádio Comunitária Noroeste FM (Campinas/SP)
Taís Ladeira – Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC Brasil)
Beto Almeida – Diretor da TV Comunitária de Brasília

9 – A mídia e a luta contra o racismo
Nilza Iraci – Instituto Geledés
Joelzito Araújo – cineasta, pesquisador e escritor
Jacira Silva – Coordenação nacional do Movimento Negro Unificado (MNU)

10 – O papel do jornalismo e da mídia alternativa na disputa informativa
Laura Capriglione – Jornalistas Livres
Renato Rovai – Diretor da Revista Fórum
Altamiro Borges – Presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Maria José Braga – Presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ)

11 – Transparência, acesso à informação e proteção de dados pessoais
Janara Sousa – Professora e pesquisadora da FAC/UnB
Danilo Rothberg – Professor e pesquisador da Unesp
José Antônio Moroni – Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)
Joana Varon – Coding Rights

12 – O monopólio da mídia e o ataque aos direitos sociais
Representante da Frente Brasil Popular (FBP)
Representante da Frente Povo Sem Medo (FPSM)
Juliana Acosta – conselheira do Conselho Nacional de Saúde (CNS)
Gilson Reis – Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)

Locais: anfiteatro 10 (ICC Sul), anfiteatro 8 (ICC Sul), anfiteatro 9 (ICC Sul), auditório Pompeu de Souza (Faculdade de Comunicação/FAC), sala 12 (FAC) e sala 13 (FAC).

18h30/20h – Atividades Livres

Domingo 28 de maio
9h/11h30 – Conferência: Meios de comunicação, regulação e democracia

Aleida Calleja – jornalista mexicana, coordenadora do Observatório Latino-americano de Regulação, Meios e Convergência (Observacom)
Renata Mielli – Coordenadora-geral do FNDC e secretária geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
César Bolaño – professor e pesquisador da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Cynthia Ottaviano – jornalista e professora | ex-defensora do público pela Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina

Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

11h45 – Abertura da 20ª Plenária Nacional do FNDC e aprovação da Carta de Brasília
Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)
12h30/13h30 – Almoço

13h30 – Deliberações 20ª Plenária Nacional do FNDC
Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

15h30 – Encerramento

 

Representação de LGBTs na mídia: entre o silêncio e o estereótipo

Na semana do Dia Internacional contra a Homofobia, questionamos a ausência dos LGBT e o imaginário construído sobre o grupo nos meios de comunicação

Por Gyssele Mendes*

As noções de representação e representatividade são complexas e caras aos movimentos e minorias sociais. No regime da visibilidade em que vivemos, “ser visto” é também uma forma de pressionar instâncias governamentais por mais direitos e políticas de igualdade, a fim de garantir a dignidade humana de grupos sociais cotidianamente vilipendiados. Daí um dos papéis fundamentais da mídia na contemporaneidade: é o espaço da visibilidade por excelência.

Além disso, a aglomeração de identidades e sexualidades distintas sob o mesmo guarda-chuva, como é o caso da sigla LGBT, é um indicativo de disputas. O movimento de lésbicas possui pautas que nem sempre serão observadas pelo movimento gay, assim como as travestis e pessoas trans possuem reivindicações específicas relativas às identidades de gênero. Já temos aí a ponta do iceberg da representação: o seu limite em retratar e (re)criar o outro.

Há 43 anos, o primeiro personagem gay surgia na televisão brasileira, na novela “O Rebu”, da TV Globo. A trama girava em torno de um misterioso assassinato. O pesquisador Luiz Eduardo Peret destaca que “até o fim da primeira metade da novela, o público não sabia quem havia morrido, nem se era homem ou mulher. Só no último capítulo se revelava que o rico Conrad Mahler matara a jovem Sílvia por ciúmes dela com seu ‘protegido’ Cauê. A homossexualidade estreou na telenovela através do crime ‘passional’ e da dependência financeira de um jovem por um homem mais velho”.

Nesse mesmo período, tivemos a primeira “onda” de movimentos LGBTs no Brasil, formados majoritariamente por gays e travestis, como resposta ao silenciamento imposto pela “moral e bons costumes” da época.

Desde então, muita coisa mudou, outras nem tanto. É fato que, nos últimos anos, a população LGBT tem conquistado cada vez mais espaço na mídia brasileira, seja nas telenovelas, em reportagens pedagógicas da mídia impressa e online ou programas humorísticos e de variedades. Mas quando pensamos nisso, quais personagens LGBTs vêm à mente?

Em um breve esforço, lembramos de Rafaela e Leila, o casal de lésbicas mortas na explosão de um shopping, em Torre de Babel (1997); Clara e Rafaela, de Mulheres Apaixonadas (2003), cujo final contava com uma apresentação teatral do trágico “Romeu e Julieta”; um personagem ou outro interpretando o “gay afeminado” e “afetado” em programas de humor; a travesti Sarita, integrante do núcleo cômico de Explode Coração (1995); Júnior e Zeca, de América (2005), que tiveram o beijo censurado no último capítulo; o casal Niko e Félix, de Amor à Vida (2013), cujo beijo no final da novela rendeu inúmeras discussões, e por aí vai.

Outra questão vem à tona, além de como são representados os personagens LGBTs: entre eles, quantos são interpretados por pessoas LGBTs? Quantas travestis estão no elenco da Globo, do SBT, da Band ou da Record? Quantos homens trans ocupam espaços de poder na mídia? Quantas lésbicas participaram da produção do roteiro das telenovelas em que são representadas? Provavelmente, a resposta não se distanciará muito do zero.

Recentemente, a nova produção de Glória Perez para a TV Globo ocupou os noticiários com uma polêmica que tocava exatamente nesse ponto. “A Força do Querer”, que estreou no mês passado, buscará representar o processo de transição de um homem trans, interpretado por uma atriz cisgênero (pessoas cujo gênero é o mesmo que o designado em seu nascimento).

Ao anunciar isso, a autora e a emissora foram bombardeadas com críticas do movimento LGBT, que alertava para a importância de um homem trans ocupar esse espaço. Apesar de não conseguirem reverter a situação, a militância LGBT deixou um recado: “queremos falar, ocupar, e não ficaremos calados diante do uso das nossas vivências como álibi para responsabilidade social da emissora”.

Democratizar a mídia não implica somente em ampliar o acesso e buscar a pluralidade nas representações. Em outras palavras, não se trata apenas de democratizar o produto, mas também o processo de construção dessas representações, que servem como um mapa social de leituras e condutas sociais, indicando quem deve ter sua existência respeitada e quem simboliza uma ameaça ao status quo.

De acordo com o relatório anual do Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2016 foram mortas 347 pessoas vítimas de LGBTfobia, quase uma por dia. Para chegar a esse número, o GGB realizou um levantamento a partir da mídia e de informações que recebeu de familiares e amigos das vítimas. Nota-se, portanto, que esse dado reflete apenas uma parcela dos atos de violência motivados por homofobia, lesbofobia, bifobia ou transfobia.

Maria Clara Araújo, figura importante do movimento recente de mulheres trans no Brasil, ressalta que “quando se fala em representar, é sobre existir, de fato, em uma sociedade em que 90% das mulheres trans e travestis estão na prostituição como um lugar condicionado”. A representação nas telas pode ser parte de uma ficção, mas as consequências nas vidas dos grupos representados irresponsavelmente são reais.

Carlo Ginzburg, no ensaio “Representação: a palavra, a ideia, a coisa”, sublinha a dupla função de representar uma ausência e continuar uma existência, destacando uma ruptura e uma continuidade. Ginzburg nota que “a substituição precede a intenção de fazer um retrato, e a criação, a de comunicar”, mostrando que as representações não são apenas constituídas da “imitação” de algo ou alguém, mas do duplo processo de substituição e (re)criação daquilo ou daquele que se representa, de figuração e produção de sentidos, de simbolização e significação. Logo, representar é o processo de criar e substituir.

Imaginem quantas vidas seriam poupadas ou quantas pessoas não poderiam ter suas visões de mundo ampliadas se a mídia optasse por representações mais humanizadas, inclusivas, focadas na construção de empatia entre os diferentes e não em publicidade ou lucro? Essa pode não ser a solução, mas certamente é um caminho que a grande mídia brasileira poderia tomar, caso estivesse interessada em erguer uma sociedade que saiba reconhecer e conviver com as diferenças.

*Gyssele Mendes é jornalista, mestra em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense e militante LGBT

UNESCO publica relatório sobre concentração de mídia e liberdade de expressão

Documento, que abrange a situação nas Américas, foi lançado nesta quarta-feira, 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa

Foi lançado nesta quarta-feira, 3 de maio, na cidade de Assunção, Paraguai, o relatório “Concentração de Propriedade de Mídia e Liberdade de Expressão: Padrões e Implicações Globais para as Américas”, elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

O ato faz parte da celebração do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa na América Latina e no Caribe, que começou nesta quarta e segue até sexta, dia 5 de maio. O relatório representa uma importante contribuição da UNESCO e de vários parceiros nos esforços para desenvolver padrões de comunicação que ultrapassem a barreira do exercício da liberdade de expressão, de forma a alcançar um ambiente de mídia diversificado e pluralista.

O documento elaborado por Toby Mendel, Angel Garcia Castillejo e Gustavo Gómez, especialistas mundiais na área da regulação dos meios de comunicação e em questões relacionadas à liberdade de expressão, mostra que há um esforço mundial para normatizar estas questões nos últimos 70 anos.

O relatório aborda a dupla proteção dos direitos à liberdade de expressão, do “falante” e do “ouvinte”, e apresenta ações para regular o mercado de mídia, com base no direito internacional. Este elemento proporciona a base jurídica do conceito de diversidade de meios de comunicação, o que pressupõe a colocação de obstáculos à concentração indevida da propriedade destes meios.

Neste contexto, a publicação pretende lançar luz sobre a regulamentação internacional dos meios de comunicação, bem como analisar as várias abordagens em nível nacional para fazer implementar essas normas.

A primeira parte do relatório dá exemplos de como a concentração indevida da propriedade e controle dos meios de comunicação afeta o livre fluxo de informações e ideias na sociedade, que em última análise representa o núcleo do direito à liberdade de expressão.

Na segunda parte, é apresentada uma visão geral das mais importantes normas internacionais sobre a concentração, bem como a jurisprudência apresentada pelos principais tribunais internacionais em relação ao assunto. A terceira parte, do anti-monopólio da mídia, relata o que têm sido implementado em algumas democracias consolidadas pelo mundo, a fim de atenuar a concentração da propriedade dos meios de comunicação, e são analisadas as consequências destas iniciativas. A quarta parte descreve as principais tendências na América Latina sobre a questão.

A quinta e última parte apresenta um conjunto de conclusões e recomendações que devem servir como orientações para os poderes políticos e a quem possa decidir sobre o tema.

Os principais conteúdos do relatório foram previamente discutidos pelos autores durante o seminário internacional “Mídias livres e independentes em sistemas midiáticos plurais e diversos”, ocorrido na cidade de Bogotá, Colômbia, em 18 e 19 de novembro de 2015, quando jornalistas, acadêmicos, gestores e representantes da mídia de mais de 25 países na América e Europa tiveram a oportunidade de discutir este e outros temas relacionados.

Confira o relatório disponível em Espanhol e Inglês.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações do Observatorio Latinoamericano de Regulación, Medios y Convergencia (OBSERVACOM)

Temer mandou, a imprensa obedeceu: cobertura não fala ou foca na greve

No dia em que milhões de trabalhadores pararam o país contra as reformas da previdência e trabalhista o jornalismo brasileiro não falou em greve geral

Por Bia Barbosa e Mônica Mourão*

Manda quem pode, obedece quem tem juízo, diz a sabedoria popular. Bastou a primeira greve no país desde que assumiu ilegitimamente o governo para se perceber que a relação entre a imprensa comercial e Michel Temer é de servidão ou sintonia.

O posicionamento oficial do governo, divulgado através de nota do Presidente e em entrevista do ministro da Justiça Osmar Serraglio, estava no mesmo tom da cobertura feita nesta sexta (28) pelos principais veículos do país. A ordem era não falar em “greve geral”, mas sim em “dia de protestos” e, no máximo, “paralisações”.

E isso foi o difundido para a população brasileira.

Segundo a BandNews, o que houve no Rio de Janeiro “não foi uma greve. […] Foi um dia de muitos problemas, de muito caos para as pessoas que seguiam para o trabalho, que queriam tocar a vida”. No Jornal Hoje, da Globo, foram ao ar 40 minutos de matérias sobre a greve sem que a palavra fosse usada. Falou-se em “paralisação de 24 horas chamada pelos sindicatos”. Na Record, nada da expressão “greve geral”. O tom da cobertura deu ênfase para as depredações e nenhuma explicação das motivações do movimento.

Nos bastidores do jornalismo, circulou a notícia de que essa foi uma orientação das chefias em diferentes veículos, de grupos de mídia diversos. Mas aí não houve coincidência, e sim uma orquestrada combinação entre governo e corporações midiáticas, que os jornalistas – também trabalhadores – tiveram que seguir.

Palavras são arma sem pólvora e, quando apontadas para o mesmo lado, têm um grande poder de destruição de certas ideias e construção de outras. Afinal, o que se espera de uma greve e qual a diferença entre ela e protestos de rua?

A greve é justamente um momento chave na consciência da classe trabalhadora, que se nega a vender o único bem que possui para a economia: sua força de trabalho. O que se espera de uma greve é, portanto, o esvaziamento do comércio, das escolas, repartições, escritórios. Justamente o contrário de um “dia de protestos”, cujo sucesso pode ser medido por ruas cheias, tomadas por manifestantes. Embora também houvesse atos de rua marcados para 28 de abril, reduzir a data a isso e “esquecer” de mencionar ou adotar o termo “greve geral” (ou mesmo “greve”) faz com que a população não tenha acesso ao básico para compreender o que aconteceu no dia de ontem – e o que está em curso no país.

Definir a sexta-feira como “dia de protestos”, como também fez a GloboNews durante todo o dia, não só distorceu o que de fato ocorria como legitimou as declarações da gestão Temer de que “tudo não passou de vias interditadas”. A parceria Planalto-grande mídia continua firme.

O foco nos transtornos e na violência, o silêncio dos manifestantes

“Protesto de centrais afeta transportes e tem violência” (O Globo), “Greve afeta transporte e comércio e termina com atos de vandalismo” (O Estado de S. Paulo), “Greve afeta transporte e termina em vandalismo” (Correio Braziliense), “Greve atinge transportes e escolas em dia de confronto” (Folha de S. Paulo).

As manchetes dos jornais deste sábado (29) não conseguiram mais omitir o termo vetado durante o dia de ontem. Mas mostram, uma vez mais, que a mídia pratica o velho “faça o que eu digo, mas não o que eu faço”. Enquanto publica matérias sobre como a criatividade brasileira pode nos tirar da crise, segue com a mesma velha fórmula em coberturas de manifestações: foco nos transtornos gerados nos transportes para quem quis trabalhar (sem ouvir se essa escolha de fato existia) e na violência dos “vândalos”.

Ao longo da sexta-feira, o Intervozes acompanhou a cobertura jornalística dos principais noticiários do Brasil, na televisão (Globo, GloboNews, Record), na internet (Uol, R7, G1, Correio, Veja, Portão Estadão) e no rádio (BandNews, CBN e Agência Brasil). Com algumas sutilezas, em especial no Jornal Nacional, o tom foi o mesmo das manchetes de hoje. E a cobertura foi abundante, durante todo o dia, ao contrário do silêncio sobre as mobilizações registrado na véspera da greve. Mesmo sendo de conhecimento público que ela estava programada para aquele dia, a mídia preferiu não anunciá-la.

Na Globo, o Jornal Nacional foi o único a falar sobre o conteúdo das reformas trabalhista e da previdência. Em cerca de 4 minutos, ao final das reportagens sobre as manifestações, apresentou as principais propostas de cada uma. Dos 50 minutos totais de programa, toda a primeira parte do jornal, de 20 minutos, foi dedicada à greve geral. O termo acabou sendo usado pelos apresentadores, depois de ter sido evitado ao longo do dia. Foram entrevistadas 16 pessoas (entre elas Paulinho da Força Sindical, o presidente da CUT Wagner Freitas e o ministro da Justiça Osmar Serraglio) e lida a nota de Michel Temer. O JN tentou equilibrar as opiniões sobre a greve, ao contrário dos outros telejornais da emissora.

Pela manhã, no Bom Dia Brasil, a culpabilização dos sindicatos foi gritante. Segundo Alexandre Garcia, “o movimento sindical não quer deixar de receber o valor de um dia de trabalho do assalariado com a contribuição sindical, ainda tira mais um dia de trabalho do país que precisa produzir, voltar a crescer e gerar emprego”. A pauta reduziu-se a uma tentativa de se manter “privilégios” desse grupo.

No Jornal da Record, foi entrevistado um advogado que disse: “Nunca vi sindicato pagar multa, nunca vi sindicato fazer uma prestação de contas em relação aos seus sindicalizados do movimento e nunca vi o sindicato obedecer ordem judicial”. O mesmo tom seria depois repetido na fala do ministro da Justiça Osmar Serraglio, mostrando mais uma vez a orquestração da mídia com o governo.

No rádio, a Agência Brasil, agora com sua independência cerceada pelas mudanças na lei da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) feitas via Medida Provisória, veiculou notas do governo e defendeu amplamente as reformas trabalhista e da previdência. No CBN Brasil, só foram lidos os comentários de ouvintes contrários à greve. A propaganda da previdência privada do Bradesco, veiculada várias vezes durante o programa, explica bem os interesses em jogo.

Enquanto se ouviu muito sobre transtornos e vandalismo, o silenciamento dos principais atores da mobilização foi brutal. O Jornal da Record conseguiu não dar voz sequer a um manifestante ou sindicalista, enquanto deu espaço para Temer e seu ministro da Justiça. No Jornal Hoje, da Globo, sindicatos só foram citados ao mencionar os números de adesão à greve. Em 40 minutos de cobertura, foram reservados menos de 10 segundos para ouvir um manifestante e um sindicato. A primeira fala de uma central sindical na programação da GloboNews foi veiculada, pasmem, às 22h18 – e não durou um minuto.

A velha tática de mostrar cenas de violência para colocar a população contra as manifestações também se repetiu. Na GloboNews, quatro horas praticamente ininterruptas (das 16h30 às 20h30) mostrando a ação de black blocs. Como não se indignar com o movimento? Na internet, durante todo o dia, as fotografias que representavam a greve mostravam pneus queimados, policiais enfileirados e armados, confronto entre manifestantes e polícia. Houve muito destaque para as falas de João Doria, prefeito de São Paulo (que chamou os grevistas de “vagabundos”), do ministro da Justiça e, no final da noite, de Temer. O foco das coberturas em tempo real era a divulgação dos serviços em funcionamento e notícias sobre o trânsito. De novo, nada sobre as cerca de 100 categorias que pararam neste dia 28. E quase nada sobre as propostas de reforma em tramitação no Congresso.

Repórteres no chão: as sutilezas da manipulação midiática

Não se pode dizer que a mídia não aprendeu com as manifestações dos últimos anos, especialmente do emblemático 2013. Depois de a grande imprensa ter sido confrontada principalmente pela cobertura em tempo real da Mídia Ninja, a GloboNews resolveu incorporar seu modus operandi. Nesta sexta, jornalistas da emissora estiveram no chão, em meio às manifestações, e não cobrindo apenas a partir do helicóptero da empresa. Fizeram transmissões ao vivo com imagens de baixa qualidade técnica, ficaram sufocados com gás lacrimogêneo, correram ofegantes.

Assim, as denúncias de parcialidade (já que estariam “mostrando tudo” em “tempo real”) poderiam ser rebatidas. No Estudio I, uma das comentaristas falou claramente que não se podia criminalizar os movimentos. Mas até que ponto, vale perguntar, com o espaço para as divergências sendo tão residual, essa suposta “reaproximação” com os fatos não seria mais uma estratégia de marketing para ampliar o público (como já fez com a criação do aplicativo Na Rua) e para se sintonizar com uma audiência privilegiada (apenas 32% têm TV por assinatura no Brasil) que têm acesso a outras fontes de informação?

Novamente, a diferença na cobertura internacional

Se o discurso arquitetado politicamente na imprensa nacional garantiu que a maior parte da população brasileira passasse o dia desinformada sobre a greve que de fato ocorria no país, uma vez mais os leitores de outros países tiveram mais chances de compreender o que aconteceu neste 28 de abril.

O The New York Times não teve dúvidas: afirmou “Brasil imobilizado por greve geral contra medidas de austeridade”. Pode-se até divergir do discurso sobre a austeridade, mas o primeiro parágrafo do texto fazia, de cara, a relação das paralisações também com os escândalos de corrupção do governo Temer e dava voz a um cidadão que declarou: “Temer odeia os trabalhadores. Este é o pior governo que o Brasil já teve”. Mais adiante, a reportagem explicava as medidas propostas pelas reformas previdenciária e trabalhista, apresentava os baixíssimos índices de popularidade de Temer (apenas 4%) – que não foram mencionados por nenhuma emissora de TV em sua cobertura da greve – e falava das denúncias de propina contra o próprio presidente.

“Seus principais assessores denunciaram a greve, com o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, fazendo pouco caso dela e taxando a mobilização de “nonsense” e de “baderna generalizada” em uma entrevista. Mas com os membros do Congresso tentando preservar os benefícios de sua generosa aposentadoria, a elite política parece mesmo ignorar o humor das ruas”, criticou o NYT.

O francês Le Monde chamou a greve de “histórica”, relatando os diversos setores e categorias que cruzaram os braços. O foco, ao contrário do dado pela imprensa brasileira, ficou longe dos transtornos da greve nos transportes. Falaram de bancos, correios, escolas públicas e privadas, comércio e do setor de saúde, divulgando a estimativa, dos sindicatos, de 40 milhões de trabalhadores parados. E como direito trabalhista é algo que a França costuma valorizar, o Le Monde também explicou as propostas inclusas nas reformas em debate no Congresso – algo que os veículos nacionais não acharam importante fazer nesta sexta. Tampouco as definiram como “modernização na legislação”, como orienta a cartilha do Planalto.

A BBC destacou que esta foi a “primeira greve geral em duas décadas” no Brasil. E achou jornalisticamente relevante – porque de fato é – informar que diversas denominações religiosas tenham apoiado a paralisação. Ouviu o porta-voz da igreja anglicana, que explicou a posição de encorajar seus seguidores a participarem do movimento “porque entende a situação política” atual e as condições de vida do povo.

Os exemplos mostram que, se quisesse fazer bom jornalismo nesta cobertura, seria muito fácil. A imprensa alternativa fez, com destaque para a intensa cobertura da equipe do jornal popular Brasil de Fato. Mas os tradicionais veículos brasileiros mais uma vez passaram bem longe disso. Um dia, a fatura chegará.

*Bia Barbosa e Mônica Mourão são jornalistas e integram o Conselho Diretor do Intervozes. Colaboraram: Alex Pegna Herzog, Eduardo Amorim, Olívia Bandeira, Ramênia Vieria e Raquel Dantas, todos integrantes do Intervozes.