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Semana Nacional Pela Democratização da Comunicação 2017 acontece entre os dias 15 e 21 de outubro

Semana pretende denunciar violações à liberdade de expressão e lançar o relatório do primeiro ano da campanha Calar Jamais!

A Semana Nacional pela Democratização da Comunicação 2017, que acontece entre os dias 15 e 21 de outubro, contará com a articulação de entidades de diversos setores da sociedade civil para debates, seminários, atos, atividades políticas e culturais em diversos estados de todo país com ênfase na denúncia de violações à liberdade de expressão em curso no Brasil.

As entidades que integram o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) definiram esse tema com base na atual conjuntura, onde multiplicam-se casos de repressão a protestos e manifestantes, censura privada ou judicial de conteúdos na internet e na mídia, decisões judiciais e medidas administrativas contra manifestações artísticas e culturais, aumento da violência contra comunicadores, desmonte da comunicação pública, cerceamento de vozes dissonantes na imprensa, além de várias outras iniciativas que contribuem para calar a diversidade de ideias, opiniões e pensamento em nosso país.  

Esse tema vem sendo trabalhado pelo FNDC desde outubro do ano passado quando foi lançada a campanha “Calar Jamais!” que visa chamar atenção para a escalada de violações de direitos dos cidadãos. A campanha conta com uma plataforma online que recebe denúncias de violações à liberdade de expressão. No dia 17 de outubro de 2017, durante a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, em Salvador (BA), será lançado o relatório de um ano de campanha, que destaca os principais casos constatados no período. A atividade marcará um ano desde o início da “Calar Jamais!” e será um momento de mobilização e intensificação da luta em defesa do direito à comunicação no país. O lançamento acontecerá durante o seminário internacional preparatório para o Fórum Social Mundial (FSM) 2018.  

Essas denúncias serão enviadas também para organizações nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos, como o Ministério Público Federal, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e as Relatorias para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU).

Além do lançamento do relatório, a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação contará com atividades em diferentes estados sobre comunicação pública, o papel da mídia na atual crise política, regulação democrática dos meios de comunicação, acesso, privacidade e liberdade de expressão na internet, entre outros.

Confira a programação que estará em constante atualização aqui no site:

Distrito Federal

16/10 – segunda-feira, às 19h

Debate A Crise da Lei de Acesso à Informação: política de Estado ou Política de Governo

Responsável – Profª Elen Geraldes (coordenadora Lapcom)

Local: Auditório da FAC-UnB

Lançamento de publicação da Artigo 19

17/10 – terça-feira, das 12h às 14h

Plenária-aberta 10 anos de criação da EBC

Responsáveis: Sindicatos dos Jornalistas e dos Radialistas do DF

Local: Escadaria norte da EBC

18/10  – quarta-feira *à confirmar  

Roda de conversa sobre Estado de exceção e liberdade de expressão

Informações: Relatos de casos de violação do direito à expressão e manifestação pelo Estado.
Divulgação do livro Lapcom – criminalização dos movimentos sociais.
Local: a definir
Exposição Campanha Calar Jamais!

19/10  – quinta-feira, das 17h às 19h

Atividade CACOM Semana FAC que Queremos. Assembleia Mídias da UnB e liberdade de expressão e manifestação na Universidade
Responsável: CACOM
Local:  Prainha da FAC ou auditório FAC

19/10 – quinta-feira, às 19h30

Debate sobre desafios da Internet
Conteúdos: Acesso à internet e neutralidade de rede (Sivaldo), violaçoes de DH na net/ discurso de ódio (Kimberly Anastacio), proteção de dados pessoais/privacidade – Campanha de Proteção de Dados Pessoais (Intervozes).
Responsável: Intervozes
Local:Café Objeto Encontrado (302N).

20/10 – sexta, 17h ou 21/10 – sábado de manhã *à confirmar

Ato político cultural na Rodoviária
Informações: intervenção artística (batucada, teatro do oprimido) com foco na Campanha Calar Jamais!
Local: Rodoviária do Plano

Rio de Janeiro

17/10 – terça-feira,  às 18 hs

Os desafios da universalização da Banda Larga, às 18 hs, no Clube de Engenharia, com 04 debatedores: Márcio Patusco/Clube de Engenharia (internet banda larga), Marcello Miranda (Lei Geral das Telecomunicações, PLC 79, Satélite Telebrás, Bens Reversíveis), Marcos Dantas/ULEPICC (Papel do CGIbr, IGF) e Bruno Marinoni do Intervozes (Marco Civil da Internet, privacidade, segurança, neutralidade).

18/10, quarta-feira, das 16h às 19h

Audiência Pública aberta, na Cinelândia, junto com as Frentes Parlamentares (Municipal Rio e Estadual), com atividades culturais (esquete de teatro, músicas, poesia, exposição) e microfone aberto.

Das 19h às 21h

Audiência pública sobre ‘fomento para mídias populares e alternativas’, em Niterói, iniciativa do mandato do Vereador Leonardo Giordano (PCdoB), com o Franklin Martins como um dos debatedores.

Das 19h30 às 21h30

Roda de Conversa: Violência de Gênero na Internet

-Joana Varon (Coding Rights)

-Manu Justo (Feminista, socióloga e fotógrafa. Mentora do projeto Puta Que Pariu. Conheça aqui: Manu Justo Fotografia)

-Jhessica Reia (Pesquisadora e líder de projeto do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS/FGV)

-Julia Boardman (jornalista)

– Iara Moura e Oona Castro (Intervozes)

19/10 – quinta-feira

Atividade em conjunto com o coletivo ‘A Esquerda na Praça’ (detalhes a serem fechados)

Rio Grande do Sul

O Comitê Gaúcho do FNDC definiu que realizará nos próximos dias 27 e 28 de outubro o 1º Encontro Gaúcho pelo Direito à Comunicação (EGDC), com o apoio da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O EGDC será realizado nas dependências da Fabico da UFRGS, na Avenida Ramiro Barcelos, 2705, no bairro Santana, em Porto Alegre.

As inscrições serão gratuitas e já se encontram abertas, através do preenchimento de formulário online, informando nome, e-mail, profissão e entidade/movimento, e escolhendo um dos quatro painéis temáticos para participação.

Acesse: https://docs.google.com/…/1FAIpQLSeJUFQvkFM5r3TBj…/viewform…

Sexta – 27 de outubro

18h – Abertura: Comitê Gaúcho do FNDC e Fabico-Ufrgs

18h30 – Depoimentos de violações à liberdade de expressão

19h15 às 21h30 – Painel: O papel da mídia na construção do golpe

Christa Berger – professora da UFRGS

Moisés Mendes – jornalista

Benedito Tadeu César – cientista político e professor aposentado da UFRGS

Sábado – 28 de outubro

9h30 às 12h30 – Painel: Alternativas para a democratização da comunicação

Renata Mielli – jornalista e coordenadora nacional do FNDC

Neusa Ribeiro – professora aposentada da Feevale

Marco Aurélio Weissheimer – repórter do Sul21

Pedro Osório – jornalista e professor da Unisinos

14h às 16h – Painéis temáticos

  1. Desafios da comunicação comunitária e alternativa

Ilza Girardi – professora e vice-diretora da Fabico da UFRGS

Guilherme Fernandes de Oliveira – repórter da TVT

Luís Eduardo Gomes – jornalista do Sul21

Rosina Duarte – jornalista do jornal Boca de Rua

  1. A mídia e a luta contra o racismo e a discriminação de gênero

Vera Daisy Barcellos – presidenta da Comissão Nacional de Ética da Fenaj

Sandra de Deus – jornalista e professora da UFRGS

Télia Negrão – jornalista e ex-coordenadora do Coletivo Feminino Plural

  1. O monopólio da mídia e o ataque aos direitos trabalhistas e previdenciários

Claudir Nespolo – presidente da CUT-RS

Guiomar Vidor – presidente da CTB-RS

Antonio Carlos Porto Jr – advogado trabalhista

  1. O desmonte da comunicação pública

Maria Helena Weber – professora da UFRGS

José Roberto Garcez – jornalista e ex-presidente da Fundação Piratini

Cristina Charão – jornalista da TVE

16h – Plenária Estadual do FNDC

18h – Encerramento

Participe da Semana DemoCom!

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

Justiça Federal cancela concessão de emissora de rádio gaúcha ligada a deputado federal

O deputado federal João Rodrigues integrava o quadro societário da Rádio Nonoai, situação vedada pela Constituição Federal. Ação pedindo cancelamento da concessão foi  ajuizada pelo MPF-RS

A 10ª Vara Federal de Porto Alegre (RS) cassou, na segunda-feira passada, dia 04, a concessão da rádio Nonoai, emissora localizada no município de Nonoai, no Rio Grande do Sul, em função do deputado federal João Rodrigues (PSD/SC) integrar o quadro societário.

A decisão, da juíza federal substituta Ana Maria Wickert Theisen, levou em consideração o fato de a autorização para serviços de radiodifusão ser vedado a congressistas e atende ao pedido formulado pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão no Rio Grande do Sul, Fabiano de Moraes, em ação civil pública ajuizada em novembro do ano passado.

A ação, ajuizada pelo Ministério Público Federal do estado (MPF-RS), apontou que 90% do capital social da Rádio pertence ao deputado catarinense. De acordo o autor, a Constituição Federal proíbe a participação de detentores de mandato eletivo como sócios de empresas prestadoras de serviço público de radiodifusão.

Na justificativa a magistrada pontuou que a Constituição proíbe que parlamentares detenham concessão de serviços de radiodifusão. E reafirmou que a norma proibitiva serviria para garantir “a livre formação da opinião pública, afastando potenciais influências ou contaminação com o poder político”.

A juíza também relatou sobre o fato das cotas da empresa terem sido repassadas para a filha do deputado. Para ela, “mantido o capital social no âmbito da família do réu, não há, pelo menos em um juízo perfunctório, a garantia de que esteja fora de seu âmbito de influência” e acrescentou que “democracia não consiste apenas na submissão dos governantes à aprovação em sufrágios periódicos. Sem que haja liberdade de expressão e de crítica às políticas públicas, direito à informação e ampla possibilidade de debate de todos os temas relevantes para a formação da opinião pública, não há verdadeira democracia.”

Com a decisão a União também não poderá conceder novas outorgas à empresa enquanto tiver parlamentar em seu quadro societário. Cabe recurso da sentença ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).

O que diz a Constituição

A Constituição Federal, no artigo 54, inciso I, alínea a, proíbe deputados e senadores de celebrar ou manter contratos com concessionárias de serviço público, incluindo emissoras de rádio e televisão. Já o inciso II, a, do mesmo artigo veda aos congressistas serem proprietários, controladores ou diretores de empresas que recebam da União benefícios previstos em lei. Tal regra também impede a participação dos parlamentares em prestadoras de radiodifusão, visto que tais concessionárias possuem isenção fiscal concedida pela legislação.

A situação revela ainda um claro conflito de interesses, uma vez que cabe ao Congresso Nacional apreciar os atos de concessão e renovação das licenças de emissoras de rádio e TV, além de fiscalizar o serviço. Dessa forma, parlamentares inclusive já participaram de votações para a aprovação de outorgas e renovações de suas próprias empresas.

A posse de veículos de radiodifusão por políticos é um fenômeno presente em diversos países em desenvolvimento e identificado no Brasil pela expressão “coronelismo midiático”. Em junho de 2016, a ONG Repórteres Sem Fronteiras destacou em um relatório que critica a “parede invisível formada por dinheiro e conflitos de interesse” que afeta a liberdade de informação.

A investigação sobre a propriedade de emissoras de rádio e TV por políticos foi iniciada pelo MPF em São Paulo, a partir de um levantamento feito em todo o país das concessões de radiodifusão que tinham políticos como sócios. A partir disso, várias ações foram iniciadas em vários estados.

Já existem decisões judiciais em tribunais superiores retirando as concessões das mãos de parlamentares, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal – que também já se manifestou contrário ao controle de políticos sobre veículos de comunicação

Sendo assim o cancelamento das concessões visa a evitar o tráfico de influência e proteger os meios de comunicação da ingerência do poder político.

A rádio e o deputado divulgaram nota contestando e argumentando que, anterior ao ajuizamento do processo, a empresa alterou o quadro societário, tendo o congressista cedido integralmente suas cotas para terceiros. Sustentou ainda que, antes de ser parlamentar, já era dono do veículo e que seu mandato é em outro Estado. Segundo ele, a constituição prevê que deputados não podem ser diretores ou administradores de emissoras.

Suspensão de atividades de rádio de parlamentar paulista

No mesmo dia em que retirou a concessão da Rádio Nonoai, a 10ª VF de Porto Alegre (RS) concedeu liminar suspendendo as atividades da Rádio Cultura de Gravataí, cujo um dos sócios proprietários é o deputado federal Antonio Bulhões (PRB/SP).

A ação com pedido de tutela foi ajuizada pelo MPF, que se valeu de argumentos semelhantes aos utilizados na ação que envolveu o congressista catarinense. Bulhões, apresentou defesa na qual afirmou não ser sócio da rádio desde setembro de 2015, ocasião em que teve seu nome retirado do quadro social da empresa, dando lugar a outros dois homens.

Após avaliar as provas processuais, a juíza federal Ana Maria Wickert Theisen decidiu levar em consideração o fato de que a alegada alteração contratual não foi devidamente registrada junto ao Ministério das Comunicações.

A decisão é em caráter liminar. O mérito da ação ainda será julgado pela Justiça Federal.

Para livrarem-se de possível perda da concessão de radiodifusão, alguns parlamentares vem utilizando como estratégia a mudança no quadro societário das empresas, muitas vezes passando para um familiar com intuito de enganar a justiça, casos como do o senador Agripino Maia e seu filho, o deputado Felipe Maia e também da família Barbalho.

Denúncia – Na época do ajuizamento da ação, organizações da sociedade civil denunciaram à Procuradoria da República em São Paulo que 40 parlamentares de 19 estados brasileiros eram sócios de emissoras de rádio e televisão no país, segundo o Sistema de Acompanhamento de Controle Societário (Siacco), da Anatel. As entidades solicitavam a atuação do MPF para que essas empresas tivessem suas licenças canceladas, tendo em vista as proibições contidas na Constituição.

O documento entregue aos procuradores elencava 32 deputados federais e 8 senadores dos estados de Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins. A representação foi encaminhada às unidades do Ministério Público Federal em cada um dos estados para que os procuradores analisassem as medidas a serem tomadas localmente.

Coronéis da Mídia têm apoio do governo

A pedido de Michel Temer a Advocacia-Geral da União (AGU) requereu em outubro de 2016 ao ministro Gilmar Mendes, do STF, “medida cautelar incidental” com o objetivo de suspender o andamento de todos os processos e decisões judiciais que tenham relação com a outorga e a renovação de concessões de rádio e televisão mantidas por empresas de parlamentares. A medida pretende conter uma série de vitórias que as entidades do campo da democratização da comunicação estão obtendo nos estados.

Em resposta à ação da AGU, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), autor de duas ações no Supremo Tribunal Federal que tratam deste tema, em conjunto com representantes do Intervozes e da Artigo 19, organizações que solicitaram participar das ações como amicus curiae, entregaram ao ministro Gilmar Mendes, relator das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 246 e 379, uma petição solicitando que ele, antes de analisar o pedido da AGU, conceda as medidas liminares solicitadas em ambas as ADPFs.

As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas no fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. Ambas contam com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República e aguardam pela apresentação de voto de Gilmar Mendes.

Por Ramênia Vieira, com informações do Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul

Bolsonaro paga pela língua: violência não é liberdade de expressão

Ao afirmar que a deputada Maria do Rosário não merecia ser estuprada, Jair Bolsonaro atentou contra a dignidade humana e foi condenado pelo STJ

Por Júlia Lanz Monteiro*

A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao condenar o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) por danos morais à deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) reafirmou que o direito à liberdade de expressão não é o direito de falar o que bem entender, mas sim a convergência entre liberdade e responsabilidade. Inclusive quando se trata de parlamentares com a prerrogativa da imunidade.

A Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 5º, caracteriza a liberdade de expressão como uma liberdade ampla, reconhecendo o direito à livre manifestação do pensamento e exigindo identificação de autoria para que quem abusar desta liberdade seja responsabilizado. Neste sentido, a ministra Nancy Andrighi, relatora do processo no STJ, votou pela responsabilização do parlamentar Jair Bolsonaro.

O deputado em questão, em dezembro de 2014, proferiu na tribuna da Câmara que não estupraria a deputada Maria do Rosário por que ela não merecia. Além disso, em entrevista para um veículo de comunicação, Bolsonaro explicou porque Maria do Rosária não merecia ser estuprada. “Não merece porque ela é muito ruim, muito feia, não faz o meu gênero. Jamais a estupraria, não sou estuprador, mas se fosse, não a estupraria porque não merece”, afirmou. Ele disse também que não temia ser punido pelas manifestações a respeito da colega parlamentar.

Como se não bastasse, Bolsonaro também postou um vídeo nas redes sociais com trechos da fala dele em plenário, juntamente com imagens de defensores da ditadura e de uma discussão ocorrida entre os dois parlamentares há mais de uma década. Até o momento que os advogados da deputada entraram com a ação, o vídeo estava com 290 mil visualizações na internet.

Liberdade de expressão é fundamental, mas não absoluta

O princípio utilizado pela ministra Nancy Andrighi para condenar Bolsonaro segue padrões internacionais segundo os quais a liberdade de expressão não pode ser compreendida isoladamente no sistema de direitos humanos. Também não é hierarquicamente superior a outros direitos. Órgãos reguladores de diferentes países têm sido claros e firmes em considerar que, para além da liberdade de expressão, a proteção a outros direitos deve entrar na balança.

Segundo o Direito Internacional dos Direitos Humanos, a liberdade de expressão não é um direito absoluto, mas exige que qualquer limitação a ela imposta deva ser cuidadosa e restritivamente desenhada. Primeiramente, qualquer restrição deve ser prevista por lei. Em segundo lugar, toda restrição deve servir a um fim legítimo, de acordo com as justificativas previstas na letra das normas internacionais. Por fim, toda e qualquer restrição deve se provar necessária.

Referindo-se especificamente à liberdade de expressão, o filósofo italiano Norberto Bobbio fala em “direitos relativos”, no sentido de que sua garantia encontra, em certo ponto, um limite insuperável na garantia de um direito igualmente fundamental. Por isso mesmo, havendo conflito entre dois direitos fundamentais, é preciso adotar o chamado “sopesamento de direitos”: um equilíbrio ou contrapeso, visando a uma harmonização. A ideia é que um direito não seja totalmente sacrificado em relação aos demais.

Imunidade parlamentar não é impunidade

Durante a leitura de seu voto, a ministra Nancy Andrighi explicou a diferença entre o que é liberdade de expressão e o que é a imunidade concedida aos parlamentares. Andrighi lembrou que o artigo 53 da Constituição garante o direito da livre expressão por parte dos parlamentares no exercício da função. A ministra afirmou ainda que a prerrogativa não pode ser considerada absoluta, pois a inviolabilidade parlamentar deve ser limitada em razão do encontro de um direito fundamental com outros citados na Constituição. “A imunidade não é um privilégio pessoal de cada parlamentar, mas uma garantia para o desempenho de suas funções nesta qualidade”, concluiu a ministra.

No caso de Jair Bolsonaro, ao proferir as palavras em uma entrevista e ao postar o discurso na internet, ele não estava realizando uma função parlamentar e, com isso, não estava em sua prerrogativa institucional. Isso faz com que o caso se encaixe nas definições internacionais e em prerrogativas da Suprema Corte brasileira. Uma decisão anterior do STJ definiu que a palavra, o voto e a opinião não possuem inviolabilidade em casos de crimes contra a honra (como injúria e difamação) cometidos em situação que não seja do exercício do mandato, segundo a ministra Andrighi.

Após o voto da relatora, os ministros que a seguiram votaram por unanimidade pela condenação de Bolsonaro. Em poucas palavras, os demais ministros apoiaram a ministra Andrighi e destacaram trechos de seu relatório que reafirmam a diferença entre a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar. Por fim, o ministro Moura Ribeiro reforçou que “desaforo não tem preço” e que o julgamento do STJ reconheceu isso.

Com esta decisão, o deputado federal Jair Bolsonaro deverá indenizar a deputada Maria do Rosário por danos morais no valor de R$ 10 mil e se retratar nas redes sociais. No processo sobre o mesmo caso que está em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), ele já é réu e deve ser julgado em breve por injúria e por incitação ao crime de estupro. O STJ julgou a ação civil de danos morais, o STF vai julgar a ação penal.

O STF definiu no Habeas Corpus nº 82.424-2/RS que “o direito à livre expressão não pode abrigar em sua abrangência manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal”. Com base nisso, aceitou a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) e também a queixa-crime da deputada Maria do Rosário pelo mesmo caso.

O site Huffpost consultou especialistas que explicaram o desenrolar do processo. Segundo elas, se Bolsonaro também for condenado pelo STF, dificilmente será impedido de se candidatar nas próximas eleições. Isso porque a Lei da Ficha Limpa não prevê inelegibilidade para condenação de crimes contra a paz pública, como é o caso de incitação ao crime, nem contra a honra, no caso de injúria.

Porém, existe a possibilidade remota de que o deputado tenha seus direitos políticos cassados, caso o STF decida que essa punição é válida quando acontece a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos (quando se substitui o encarceramento por prestação de serviços à comunidade, por exemplo) e leve em conta que houve condenação criminal transitada em julgado.

Muito além de Maria

Apesar de emblemático, o caso de Maria do Rosário não é uma exceção. A violência de gênero que já acontecia fora da internet ganha novos contornos com o uso de ferramentas online. Segundo relatório de 2015 da Comissão de Banda Larga da ONU, 73% das mulheres que estão conectadas no mundo já foram expostas a algum tipo de violência online, como assédio sexual e ameaças físicas que podem se concretizar no “mundo real”.

De acordo com dados de 2014 do 9º Anuário Brasileiro da Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2013 o Brasil teve um caso de estupro notificado a cada 11 minutos. Considerando a subnotificação desse tipo de crime, é possível que a cada minuto uma pessoa seja estuprada no país. O medo de sofrer esse tipo de violência envolve principalmente as mulheres: pesquisa do Datafolha do ano passado concluiu que 90% das brasileiras temem ser estupradas.

As palavras têm poder. Assim, é extremamente necessário que o direito à liberdade de expressão, de suma importância para a vida democrática, seja conciliado com o respeito aos demais direitos humanos para garantir a dignidade das pessoas. A decisão do STJ é pela dignidade de Maria do Rosário.

Mas, acima disso, é pela dignidade de todas as mulheres que sofrem o machismo e o sexismo no cotidiano. É uma vitória de todas nós, mulheres, pois combate a impunidade e a banalização da cultura do estupro, tão presente em nosso país.

*Júlia Lanz Monteiro é integrante do Coletivo Intervozes e assessora parlamentar da deputada Maria do Rosário (PT-RS)

Para derrubar Temer, Globo vai além do jornalismo

Alto executivo do Grupo oferece almoço a parlamentares em semana definidora para futuro de Temer, mas cobertura segue favorável à agenda das reformas

Por Daniel Fonsêca*

Desde o furo de O Globo sobre o envolvimento de Michel Temer em crimes como obstrução à Justiça e corrupção passiva, em maio passado, todo o jornalismo do Grupo Globo está focado em fortalecer e legitimar as denúncias contra o presidente. Nesta semana, a Globo decidiu, entretanto, incidir de forma mais direta na condução da crise que corrói a gestão do PMDB há quase dois meses.

Em pleno domingo 9 de Brasília, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), logo após conversar com Michel Temer, foi a uma casa no Lago Sul, em Brasília, para participar de um almoço. Era a residência de Paulo Tonet Camargo, vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Globo. A informação, veiculada pela Folha de S.Paulo, é a de que Maia estava acompanhado de outros cinco políticos, todos de partidos da base aliada de Temer, inclusive o ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho.

Os carros das autoridades, todos sem identificação oficial, só deixaram o local mais de cinco horas depois, já à noite. De acordo com o deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), que passou de combatente a aliado dos governos petistas para depois apoiar a gestão de Michel Temer, tratou-se de um encontro agendado com mais de 30 dias de antecedência, sem nenhuma relação com a conjuntura atual. Acredite quem quiser.

Dias antes, cresciam as especulações de que Rodrigo Maia poderia ter apoio suficiente para assumir a Presidência da República no caso de afastamento de Temer. No dia seguinte, seria lida a relatoria sobre a denúncia contra Temer na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ).

Não por acaso, o relator, Sergio Zveiter (PMDB-RJ), tem o Grupo Globo como cliente de serviços jurídicos há mais de 40 anos. No Congresso, Zveiter, também considerado próximo a Maia, chega a receber a alcunha de “advogado da Globo”.

Mas o papel de Zveiter é pequeno perto do desempenhado pelo anfitrião do almoço de comensais políticos do último domingo. Entre os anos 1990 e o começo dos 2000, um alto executivo da Globo chegou a ser apelidado em Brasília de “Senador Evandro”. Era Evandro Guimarães, que ocupava na época exatamente o mesmo cargo que hoje ocupa Paulo Tonet, dono da casa no Lago Sul.

Além de lobista oficial do grupo, Tonet acumula desde agosto a presidência da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Tornou-se figura recorrente na proa das principais negociações em torno de decisões políticas e econômicas envolvendo o Executivo, o Congresso e mesmo o STF – onde a Abert tem conseguido vitórias importantes para alterar leis e normas regulatórias às quais se opõe, como a Classificação Indicativa.

Colega de trabalho de Paulo Tonet, após onze anos em diferentes cargos do Executivo Federal, Marcelo Bechara foi contratado como “Diretor de Regulação” do Grupo Globo, para tratar exclusivamente de questões jurídicas e legislativas. Secretário-executivo do Ministério das Comunicações de 2005 a 2010, nos dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva, quando o órgão era comandado por Hélio Costa (PMDB-MG), e conselheiro da Anatel de 2011 a 2015, nas duas gestões de Dilma Rousseff, Bechara hoje transita no Congresso e na Esplanada com facilidade para defender os interesses da empresa.

Mas a reunião desta semana revela uma entrada ostensiva da família Marinho na operação política como há tempos não se via. Mesmo antes e durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, os irmãos só chegaram a se posicionar em agosto de 2015 e, ainda assim, limitaram-se a dialogar com empresários no sentido de ponderar a impertinência da insistência em derrubar a presidenta. Para eles, isso geraria mais instabilidade política e insegurança jurídica, o que não era bom para os negócios num momento de grave crise econômica.

Meses antes, em junho de 2015, em meio a diversas batalhas com uma Câmara controlada por Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a ondas negativas da imprensa corporativa dirigidas contra o governo e a manifestações massivas das classes médias a favor do impedimento, Dilma Rousseff chegou a ir ao Rio de Janeiro prestigiar o encontro da não tão relevante Academia Internacional de Televisão e, ainda, homenagear os 50 anos da TV Globo, completados em abril daquele ano.

Agora, a “editorialização” excessiva do jornalismo de todo o Grupo Globo contra Michel Temer comprova, obviamente, que os irmãos Marinho querem a cabeça do presidente da República – e logo.

Fora Temer, mas não a sua agenda

No mercado de mídia, a Globo se antecipou ao dar as informações sobre as delações de Joesley e Wesley Batista, aparentemente sem poupar nomes do governo ou do próprio Aécio Neves (PSDB-MG), que costumava receber tratamento positivo dos Marinho.

À primeira vista, a intenção era não perder o controle da situação e manter a relevância do grupo numa possível nova transição de governo. Por fora do quadro político estrito, os mentores do Grupo Globo não costumam abrir mão de arbitrar e moderar os rumos da política e da economia nacionais, tarefa que sempre outorgaram a si mesmos, como se fosse uma missão do grupo desde a origem. Orbitam e tentam influenciar figuras do meio político, mas também do Judiciário, o poder mais impermeável e hermético, portanto bem menos “republicano”.

Os questionamentos, então, dizem respeito às razões que levaram o Grupo Globo a, ao embarcar no ataque contra Temer, pôr em risco a agenda programática das reformas, apoiada pelos donos do PIB nacional de forma quase unânime.

Afinal, o apoio editorial e as articulações políticas em torno da derrubada de Temer estão longe de significar uma discordância do Grupo Globo em relação às pautas encabeçadas por ele. Vale lembrar que frações ainda consideráveis do “mercado” seguem bem reticentes em abandonar totalmente a sustentação do governo.

Para ajudar a empurrar Temer e tentar salvar sua agenda, os telejornais globais têm feito uma ginástica retórica em separar a “necessária” aprovação das reformas da figura do presidente ilegítimo. Nessa operação, têm, como é de praxe, omitido informações relevantes, invisibilizado e condenado os argumentos e protestos contrários às reformas.

Na terça-feira 11, a matéria do Jornal Nacional sobre a aprovação da reforma trabalhista no Senado teve como foco a tentativa das senadoras de oposição de obstruir a votação: “O Senado registrou hoje uma cena que jamais tinha sido vista na história da Casa. Um grupo de senadoras da oposição decidiu simplesmente ocupar a mesa do Plenário para impedir a votação da reforma trabalhista. E lá ficaram interditando os trabalhos por mais de seis horas”, anunciou Renata Vasconcelos.

Segundo a matéria, “a atitude das senadoras foi condenada por colegas de diversos partidos”. “Protesto não se faz dessa forma”, ensinou o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB). Mais dois senadores foram ouvidos, todos contrários à ocupação da Mesa, sendo um deles José Medeiros (PSD-MT), que entrou com pedido contra elas, já aceito, no Conselho de Ética, por quebra de decoro parlamentar.

A informação veiculada sobre as mudanças aprovadas na CLT foi a seguinte: “A reforma trabalhista dá força de lei a acordos celebrados entre trabalhadores e patrões, respeitando os direitos assegurados pela Constituição, como FGTS e 13º salário; permite que férias possam ser divididas em até três períodos; acaba com a obrigatoriedade da contribuição sindical, equivalente a um dia de salário do trabalhador; permite que o intervalo de almoço possa ser reduzido para 30 minutos, diminuindo a jornada mediante negociação coletiva; e inclui a jornada intermitente: o trabalho em dias alternados ou por algumas horas, como o de trabalhadores de bares ou eventos”.

A construção retórica é clara. A atitude das senadoras teria sido antidemocrática e contra uma reforma que não representaria nenhuma perda de direitos. O que o Jornal Nacional se esqueceu de mencionar foi que a união das senadoras de oposição contra a votação da reforma teve um motivo especial: o texto da nova lei autoriza que grávidas e lactantes trabalhem em ambientes insalubres. O item misteriosamente sumiu da lista de alterações que o JN considerou relevante enumerar.

Nenhuma palavra foi dada às senadoras ou a qualquer outra fonte que as apoiasse. O fato de o presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), ter mandado cortar a luz do Senado foi mencionado com naturalidade, ignorando seu caráter autoritário. As regras para a entrada no Senado naquele dia, que barraram a presença de centenas de trabalhadores e sindicalistas na Casa, sequer foram citadas.

Pouco ou nada se diz na Globo também sobre os protestos que, há meses, em diferentes cidades do país, rechaçam a reforma trabalhista. Como já havíamos mostrado neste blog, a cobertura dos atos e greves contrários às reformas deixa evidente o apoio da Grupo Globo às retiradas de direitos trabalhistas e previdenciários.

Hipóteses sobre as intenções do Grupo Globo

Diante do quadro de crise aguda e endêmica na política institucional, o Grupo Globo tenta agora catalisar a insatisfação geral da população com o governo e, em especial, a indignação das classes médias e altas com a corrupção. Quer capitalizar-se como a intérprete e a vocalizadora hegemônica desse pensamento diluído, apresentado como a síntese possivelmente unificadora do País. A um só tempo, portanto, a Globo opera em diversas instâncias.

No plano político, busca manter-se como âncora e bússola para gestores, parlamentares e outros agentes públicos, interferindo diretamente na orientação das decisões que vão definir o cenário a curto e médio prazos, inclusive no Judiciário, operando um dos braços da sua capacidade de direção cultural, complementada pela orientação em questões morais e identitárias.

No nível econômico, sustenta uma campanha proativa, que obviamente alcança e integra o jornalismo, em apoio às agendas liberalizantes, prescrevendo reformas regressivas, privatizações e ajuste fiscal como únicas soluções eficazes para a crise por que passa o Brasil desde 2012.

Por fim – como causa e consequência dos outros dos níveis –, procura se (re)posicionar como o único agente da indústria cultural com capacidade produtiva (técnica e estética), lastro socioeconômico, influência política e estabilidade financeira para, ao menos aparentemente, defender linhas de atuação próprias e autônomas (a governos e empresas corruptoras) que funcionem como balizadoras para a unificação nacional.

A chave de análise sobre a postura da Globo, nos últimos e provavelmente nos próximos anos, reside na visão/missão que o grupo tem consolidado: a partir da condição de qualificada produtora de conteúdo nacional, mostrar-se como o único agente de mercado que reúne as condições para interpretar, organizar e expressar a cultura brasileira, aqui entendida no sentido mais ampliado possível. E isso também é um perigo para a nossa democracia.

*Daniel Fonsêca é jornalista e integrante do Intervozes. Colaborou Mônica Mourão, jornalista, coordenadora executiva do Intervozes

CCS: mais um capítulo do golpe do Congresso contra a sociedade civil

Câmara e Senado homologam nova composição do Conselho de Comunicação Social (CCS) com cinco representantes dos empresários entre as vagas da sociedade civil

A aprovação pelo Congresso Nacional na noite desta quinta-feira, dia 13, da nova composição do Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional, previsto no artigo 224 da Constituição e regulamentado pela Lei nº 8.389/1991, é mais um exemplo de que impera entre os parlamentares a prática do coronelismo – aprovação que ocorreu em menos de um minuto e com apenas o Partido Socialismo e Liberdade (PSol) se posicionando contra a forma de condução da eleição.

O CCS, que deveria ser formado por três representantes de empresas de rádio, televisão e imprensa escrita; um engenheiro especialista na área de comunicação social; quatro representantes de categorias profissionais e cinco representantes da sociedade civil, e igual número de suplentes, novamente teve sua estrutura desvirtuada por interesses nada sociais. Os parlamentares aprovaram cinco indicações empresariais entre as 10 indicações da sociedade civil.

No dia 30 de maio, a Mesa Diretora do Congresso Nacional havia apresentado uma lista de nomes para a composição da próxima gestão do Conselho. Porém, esta lista, cuja apresentação não constava na pauta, não foi submetida à votação dos parlamentares devido ao questionamento de alguns partidos políticos. Esse fato parece ter despertado a ira do senador Eunício Oliveira, presidente do Congresso. A nova lista apresentada para a votação de ontem cortava vários nomes representativos da sociedade civil indicados pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom), uma das organizações que questiona a indicação de pessoas que não representam o setor. Uma clara demostração de retaliação.

A lista para composição do CCS é feita de forma quase unilateral, sem qualquer discussão e sem o conhecimento da maioria dos parlamentares.

O que diz a lei

O § 2º do artigo 4º da Lei nº 8.389/1991 diz: “Os membros do conselho e seus respectivos suplentes serão eleitos em sessão conjunta do Congresso Nacional, podendo as entidades representativas dos setores mencionados nos incisos I a IX deste artigo sugerir nomes à mesa do Congresso Nacional”.

Não há, portanto, obrigatoriedade do Congresso Nacional de escolher nomes “sugeridos” por entidades representativas dos diferentes setores e da sociedade civil organizada. O “espírito” da lei, todavia, é de que sejam eleitos nomes com algum vínculo efetivo com as entidades e com a sociedade civil organizada. Mas, quando esses nomes indicam a possibilidade de que eventuais ações futuras do CCS possam contrariar interesses dos atores dominantes no setor de comunicações, eles são ignorados por quem tem o poder de conduzir o processo.

E foi exatamente o que aconteceu, mais uma vez.

O Congresso Nacional e, principalmente, o Senado Federal possui um grande número de parlamentares com vínculo direto com as concessões de rádio e televisão. O CCS é um órgão que, mesmo sendo apenas auxiliar, pode discutir questões que ameacem os interesses particulares desses parlamentares e dos empresários de comunicação, seus aliados.

A inclusão do Conselho de Comunicação na Constituição Federal de 1988 foi fruto de muita luta política e da mobilização de diversos segmentos sociais, porém o segmento social vem sendo sistematicamente ignorado para a composição do Conselho. Não houve diálogo sequer com a FrenteCom, subscrita por mais de 190 parlamentares, com forte representação da sociedade civil, que novamente encaminhou sugestões para a composição do CCS.

O Conselho de Comunicação Social foi regulamentado em 1991, mas teve sua primeira indicação somente em 2002. Além disso, estava parado desde 2006, numa interrupção ilegal e inconstitucional. Embora tenha caráter consultivo, o órgão pode cumprir papel importante de fomento aos debates sobre os temas da comunicação social, já que os artigos constitucionais sobre comunicação estão há 24 anos sem definição legal – como o que proíbe monopólios e oligopólios e o que aponta para a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal de comunicação.

A nova composição do CCS, votada nesta quinta-feira, apresenta indicações de setores conservadores para as cadeiras da sociedade civil (inclusive de empresários do setor) e com claro favorecimento a cidadãos com relações pessoais com o presidente do Congresso Nacional.

Um Conselho que deveria servir para auxiliar o parlamento, e que reúne entre suas funções a avaliação de questões ligadas à liberdade de manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, além de emitir pareceres e recomendações ligadas à produção e programação de emissoras de rádio e televisão, não deve – e não pode jamais – prescindir da participação de uma representação coerente da sociedade civil à altura de tão complexas e estratégicas responsabilidades.

Recomendação do CCS foi ignorada

O CCS, em sua última reunião do biênio 2015-2017, recomendou aos congressistas que os representantes da sociedade civil no Conselho fossem indicados por instituições/organizações de âmbito nacional de segmentos expressivos da sociedade (mulheres, negros, jovens, etc); por instituições de pesquisa sobre comunicação; por organizações que representam fundações com atuação na comunicação social e que não estejam representadas nas vagas destinadas às empresas privadas; por organizações de âmbito nacional que comprovadamente atuem no campo jurídico e por organizações que atuam na área da comunicação social.

O debate dos conselheiros foi enriquecido com sugestões de critérios apresentados pela FrenteCom e pelo PLS 111/2017, de autoria do senador Paulo Rocha (PT/PA). O PLS 111/2017, em análise na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) do Senado, altera a composição e o processo de escolha de membros do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional. O projeto inclui representantes das TVs e rádios públicas no CCS e prevê que a escolha dos membros se dê por chamamento público, lista tríplice e votação no Congresso Nacional.

O tema ganha importância na medida em que se torna imprescindível assegurar que os integrantes do Conselho representem realmente a sociedade civil organizada e não o setor empresarial. O senador Paulo Rocha afirma que sua proposta busca fortalecer o papel das entidades representativas dos setores que compõem o conselho, a partir do encaminhamento das listas tríplices, com sugestões de nomes de membros e suplentes, para a eleição pelo Congresso Nacional.

Com o objetivo de assegurar maior transparência e participação no processo de escolha dos representantes da sociedade civil, Rocha entende que a eleição desses membros deve ser precedida de chamamento público, oportunidade na qual os candidatos deverão demonstrar aptidão para o exercício de suas funções. Além da CCT, a matéria será apreciada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, em caráter terminativo.

Confira os nomes que compõem a lista aprovada:

Representante das empresas de rádio:

José Carlos da Silveira Júnior (Titular – Indicação da Aber)
João Camilo Júnior (Suplente – Indicação da Abratel)

Representante das empresas de televisão:

José Francisco de Araújo Lima (titular reconduzido – Indicação da Abert)
Juliana dos Santos Noronha (suplente – Indicação da Abert)

Representante das empresas de imprensa escrita:

Ricardo Bulhões Pedreira (Titular – Indicação da ANJ)
Maria Célia Furtado (Suplente – Indicação da Aner)

Engenheiro com notórios conhecimentos na área de comunicação social:

Teresa Mondino (Titular – Indicação da SET)
Paulo Ricardo Balduino (Suplente – Indicação da SET)

Representante da categoria profissional dos jornalistas:

Maria José Braga (Titular – Indicação da Fenaj)
Valéria Baptista de Aguiar (Suplente – Indicação da ACRJ)

Representante da categoria profissional dos radialistas:

José Antonio de Jesus da Silva (Titular – Indicação da FITERT)
Edwilson da Silva (Suplente – Indicação da FITERT)

Representante da categoria profissional dos artistas:

Sydney Sanches (Titular reconduzido – Indicação da UBC)
Jorge Coutinho (Suplente reconduzido – Indicação da SATED)

Representante das categorias profissionais de cinema e vídeo

Luiz Antonio Gerace da Rocha e Silva (Titular reconduzido – Indicação do STIC)
Sonia Teresa Santana (Suplente – Indicação do SINDCINE)

Representante da sociedade civil

Miguel Matos (Titular – Indicação do Portal Migalhas)
Patrícia Blanco (Suplente econduzida – Indicação do Conar)
Murillo de Aragão (Titular reconduzido – Indicação do Ibrade)
Luiz Carlos Gryzinski (Suplente – Indicação da ABTVU)
Davi Emerich (Titular reconduzido – Indicação do Sindilegis)
Domingos Meirelles (Suplente – Indicação da ABI)
Marcelo Antônio Cordeiro de Oliveira (Titular reconduzido – Indicação do Instituto Ria)
Ranieri Moacir Bertolli (Suplente – Indicação da Acaert)
Fábio Augusto Andrade (Titular – Indicação da Presidência do Senado)
Dom Darci José Nicioli (Suplente – Indicação da CNBB)

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação