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“Conversem com suas esposas”: as imagens midiáticas da greve dos PMs

Como o jornalismo legitimou o esvaziamento das imagens das “mulheres” e do debate político na cobertura da greve de policiais do Espírito Santo

Por André Keiji Kunigami*

Trata-se de uma cena familiar do cinema: a personagem feminina é punida, mesmo que indiretamente, pela catástrofe que se armou. O serial killer corre, arma nas mãos, seguido de perto por uma câmera sôfrega que nos envolve, espectadores, fisicamente na ação, eventualmente alcançando a menina que vai ser morta diante de nossos olhos. No cinema de horror clássico, a mocinha que possui alguma agência é a primeira a ser morta pelo assassino, e o filme produz seu efeito pedagógico a partir da eliminação dessa agência.

Façamos agora um corte para a semana passada no Brasil, quando, durante a crise instaurada pela paralisação da PM capixaba, em 10 de fevereiro de 2017, podia-se ler na manchete do El País: “Governo do Espírito Santo endurece o tom e diz que as mulheres serão penalizadas”. A relação sem dúvida se dá num nível do imaginário midiático, e por isso mesmo revela complexidades, ambiguidades e nós discursivos que valem a pena explorar.

Dos muitos acontecimentos recentes no cenário político brasileiro talvez um dos que tenham mobilizado mais a opinião pública foi a recente paralisação da Polícia Militar do Espírito Santo. O evento se iniciou em 4 de fevereiro, quando oito mulheres, esposas de policiais, bloquearam a saída da 2ª companhia do 6º batalhão da PM em Serra, região metropolitana de Vitória, reivindicando aumento salarial e melhoria das condições de trabalho.

O Espírito Santo é o estado que menos paga aos seus policiais militares. Em poucos dias, a situação tomou proporções de calamidade pública, ocasionando mais de cem homicídios (não especificados até agora), fechamento de escolas, comércio e órgãos públicos, paralisação da circulação de ônibus e uma atmosfera de medo generalizado por todo o estado, culminando com o envio das Forças Armadas e o clima de paranoia nacional com a possibilidade de ações similares em outros lugares do País.

Ao fim, mais de setecentos policiais foram indiciados por “crime de revolta”, e a narrativa que opõe uma categoria profissional contra a sociedade foi construída pela mídia corporativa, especialmente no uso das imagens.

Uma das questões mais marcantes desse evento tão político quanto midiático foi justamente o que chamarei de seu dispositivo: as “esposas” ou “mulheres” dos policiais – palavra muito utilizada pela grande mídia para descrever e personalizar as iniciadoras do processo em que culminou a crise. Digo um dispositivo porque o simples fato de terem sido aquelas mulheres das famílias dos policiais a iniciarem a paralisação tornou-se um mecanismo sutil de distração ativado pela mídia: não é o Estado, são os policiais; não são os policiais, são as famílias; não são as famílias, são as mulheres.

Um dispositivo que não apenas personaliza um problema de ordem estrutural e sistêmica, mas também se arrisca a reproduzir uma penalização dos corpos femininos no exato momento que eles se tornam agentes políticos – ou dos próprios policiais, quando se enfatiza hipótese de ser tudo uma “armação”, um subterfúgio que se utiliza das famílias para produzir uma falsa paralisação forçada, uma vez que a greve não é um direito militar.

Ou seja, o dispositivo, que é possibilitado pela presença física daquelas mulheres diante dos batalhões e das câmeras, também inclui os próprios policiais: todos saem perdendo. Mas em qualquer uma das hipóteses, o fato é que aquelas mulheres são desprovidas de sua ação como sujeitos para se tornarem um instrumento que permite o esvaziamento – legitimado pela mídia – do debate político que deveria ali se instalar: a desmilitarização da polícia e a violência do Estado.

Um dispositivo que organiza as forças que estão ali em confronto de forma a deslocá-lo: não se trata mais dessas pautas, mas sim da proteção da sociedade “de bem”. Em vez de mudança, manutenção.

De fato, o grande nó da narrativa discursiva construída pela mídia trata-se justamente da relação entre PM e esposas, traçando conjecturas sobre a possível ação conjunta entre as duas partes. O pêndulo oscila entre afirmar a ação das mulheres ou representá-las como apenas parte do plano de greve dos policiais. Por exemplo, no dia 6 de fevereiro, a BBC publicou uma das primeiras abordagens focadas nas mulheres, relatando que os próprios policiais não sabiam da articulação, feita por redes sociais.

Na reportagem da Mídia Ninja de 8 de fevereiro, a voz é dada especificamente às familiares que se organizaram para protestar. Por outro lado, o portal G1 no dia 11 do mesmo mês anuncia que “coordenadores das forças militares e autoridades governamentais não dão credibilidade a isso pois acreditam que os PMs usam os familiares para tentar escapar de punição”.

O G1 volta a suspeitar no dia 13: “As mulheres sempre alegam que são elas que estão no comando da paralisação. Mas, para as autoridades, essa é uma tentativa de encobrir o que, na verdade, seria um motim dos PMs”. Logo em seguida, o texto nos relembra: “Sem policiamento nas ruas, uma onda de violência se instaurou”.

Numa disputa marcada por pânico, incertezas e imagens de violência, um dispositivo emerge a partir das flutuações de posições que o evento pode ter – quem fere, quem é ferido: os policiais militares, em sua estrutura de trabalho precarizada, ou a sociedade que deve ser defendida?

A estratégia que se solidifica é, obviamente, aquela que coloca os dois grupos como antagonistas. “Os empresários precisam de paz”, anunciava-se na caminhada das famílias pela paz na capital Vitória, segundo relatos, deixando claro a favor de que “sociedade” se fala.

Nas imagens, a construção desse dispositivo torna-se ainda mais clara, mesmo que talvez de forma oblíqua. Primeiro, em vídeo de 7 de fevereiro, quando a situação havia recém-adquirido contornos de calamidade, o jornal Extra, do grupo Globo, publica um vídeo no qual, de maneira bastante ensaiada e artificializada, um policial militar negocia com “um grupo de mulheres” que se encontra do outro lado do portão do 8º Batalhão, em Colatina.

Em segundo plano, outro policial filma a cena com seu celular. As falas são hesitantes e teatralizadas, como um script mal praticado que ainda não se fixou na memória do seu ator. O grupo de menos de dez mulheres responde, e uma delas discorre sobre a lista de condições e reivindicações para a câmera. Em comentário de um leitor, lê-se: “Encenação ridícula…”. Nesse vídeo, o espetáculo é uma farsa, orquestrada pela PM e executada pelas “mulheres”.

As "mulheres" dos policiais militares

Em outro vídeo, de 11 de fevereiro, agora da GloboNews, o repórter narra, por telefone, o acordo assinado entre PM e governo do estado, e a resistência por parte delas de acatar a negociação da qual não participaram.

“As mulheres continuam impedido a saída [dos policiais]”, diz o repórter, enquanto vemos em looping repetido por inúmeras vezes uma sequência de imagens: um grupo de policiais em um batalhão, mulheres protestando, homens das Forças Armadas com fuzis e tanques de guerra nas ruas, um carro fugindo pela praia, pessoas saqueando lojas, um carro da guarda municipal atrás de alguém em uma rua deserta.

Uma montagem de imagens “amadoras” que, na necessidade da televisão de sempre ter imagens, é repetida muitas vezes enquanto a âncora e o repórter debatem o porquê da insistência das mulheres em manter o protesto: “Quando o acordo começa a avançar essas mulheres saem, e quando elas retornam, retornam com outra proposta”, explica o repórter.

Uma montagem mostrando um estado de caos que, na sua repetição incessante sob as falas dos jornalistas da GloboNews, torna-se produto das próprias mulheres, que no discurso são referidas como empecilhos à paz.

Numa imagem, trata-se de uma encenação. Na outra, trata-se de teimosia daquelas mulheres. Falta ou excesso de verdade. Em ambos os casos, diz-se “as imagens não mentem”, mesmo quando mostrando a sua própria mentira (como no caso do Extra).

Acima de tudo, em ambos, essas “mulheres” são utilizadas pela mídia como mecanismo discursivo – e estético – que, seja como um coro ensaiado ou como agentes da desordem, funcionam como um dispositivo que regula forças que se recusam a ceder.

Do seu lugar de desejo por transformação, elas são capturadas por um dispositivo construído em imagens e discursos que logram cindir a sociedade em partes – a que deve ser defendida, e aquela que deve ser exterminada (juventude negra, pobre e periférica).

Não são mais as mulheres dos policiais, são um dispositivo-“mulheres” que reorganiza reivindicações e revoltas, transformando-as em perigo à sociedade de bem e englobando o outro lado frágil da relação institucional que são os próprios policiais, trabalhadores precarizados.

Para a mídia, um espetáculo transmitido nacionalmente em tempo real, que garante a vitimização do governo estadual (Paulo Hartung, sem partido, e seu vice César Colnago, PSDB) e que se constrói a partir do sutil esvaziamento do debate político e da mobilização de sentimentos conservadores e tradicionalistas. “Conversem com suas esposas”, não à toa, foi sugerido pelo governo como solução ao impasse.

*André Keiji Kunigami é pesquisador, mestre em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense e cursa doutorado em Literatura e Cinema na Universidade de Cornell (EUA)

Publicado originalmente no blog do Intervozes na Carta Capital.

Consultoria Legislativa do Senado aponta erros no projeto que altera Lei de TeleCom

Parecer aponta a inexistência de obrigações por parte das empresas e o repasse de bens no montante de R$ 120 bilhões sem contrapartida à sociedade entre os problemas constatados

A Liderança do Governo no Senado solicitou à consultoria da Casa um parecer técnico sobre o Projeto de Lei da Câmara 79/2016 (PLC 79). O resultado provavelmente não agradou em nada ao governo, pois o parecer traz uma série de críticas ao projeto que modifica as regras do serviço de telecomunicações no Brasil.

Uma das primeiras críticas apontadas no relatório é o fato de não serem exigidas obrigações por parte das empresas no regime de autorização, entre elas a universalização do atendimento e a continuidade dos serviços prestados, ao contrário do que é previsto hoje no regime de concessão. O PLC 79 determina que a infraestrutura da telefonia fixa, hoje operada pela iniciativa privada sob o regime de concessão, possa ser modificada para o regime de autorização.

O relatório também aponta que a União arrecadou R$ 31,8 bilhões com a venda de frequências para uso nas telecomunicações desde 2007, mas enfatiza que ela perderia outros R$ 120 bilhões em bens estruturais e físicos no caso do projeto ser aprovado, pois estes bens seriam entregues às empresas privadas sem qualquer contrapartida para a sociedade – também o Tribunal de Contas da União avalia em mais de R$ 100 bilhões o patrimônio formado por estes bens. Mas o parecer vai mais além: ele amplia o entendimento sobre o conceito de bens reversíveis, contrariando análise da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). E ainda questiona o fim das licitações para os satélites.

Além das críticas técnicas ao projeto, os técnicos apontam um possível “erro formal” antes da aprovação do projeto pelo Senado. Segundo a consultoria, o erro está presente na mudança feita pelo PL 3453 na Câmara dos Deputados quanto ao artigo 133 da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), que foi modificado.

O artigo 133 original da LGT estabelece em seu caput (a parte principal) e em outros quatro incisos um regramento mínimo para a obtenção de autorização de serviço. O projeto da Câmara, no entanto, modificou o caput e não manteve os outros incisos.

Segurança na tramitação

Segundo o documento do Senado, o erro foi detectado antes da aprovação final do projeto, e por isso a sua votação “deveria ter sido sustada para os devidos esclarecimentos da Câmara dos Deputados e sua posterior deliberação na mesa comissão ”. A correção foi feita pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CEDN), com emenda do relator, senador Otto Alencar (PSD-BA). Entretanto, ele apresentou a correção como “emenda de redação”, quando, para haver segurança jurídica, o parecer da consultoria alerta que a Comissão de Constituição e Justiça deveria confirmar este entendimento.

A consultoria ainda considera que, por ser uma matéria de alta complexidade técnica, deveria ter sido encaminhada para pelo menos duas comissões temáticas do Senado: Ciência e Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT); e Comissão de Infraestrutura (CI). O fato de ter sido distribuída apenas para a Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CEDN) não chegaria a incorrer em problema regimental, mas não atende à complexidade técnica do tema. Nesta linha, o relatório destaca a “celeridade com que o projeto foi aprovado, em uma semana”.

Bens reversíveis

O parecer esclarece que, mesmo que o PLC 79 mude o conceito de bem reversível de patrimonial para funcional, à medida em que a voz passe a ser transmitida exclusivamente pela rede de dados da concessionária, essa rede “passa a ser reversível” e não será um “mico” para a União receber estes bens de volta, como chegou a alegar o presidente da Anatel, Juarez Quadros.

A consultoria também avalia que, mesmo que os valores dos bens reversíveis correspondessem aos R$ 17,7 bilhões alegados pela Anatel, esse deveria ser o valor abatido da valoração a ser realizada na reversão dos bens. De qualquer forma, o parecer destaca a inconsistência da lista desse patrimônio apresentada pela agência.

Outro ponto levantado no parecer diz respeito ao artigo 9 do projeto, que muda as outorgas de frequências. Hoje, a LGT permite a renovação “por uma única vez”. A partir do PLC 79, as empresas poderão “de forma onerosa, renovar esse direito indefinidamente, criando uma espécie de autorização perpétua para a utilização do espectro”, destaca o relatório.

O parecer alerta também para o fato do projeto, se for aprovado tal como está, restringir a entrada de outras empresas interessadas na prestação do serviço, mantendo o mercado limitado às atuais operadoras. Conforme o relatório, essa situação pode implicar inclusive em queda de arrecadação para o erário, além de desestimular um ambiente de competição no segmento de satélite. O documento finaliza tratando sobre a revogação do artigo 168, que acaba com o limite de frequência por operadora, o que “poderia levar a uma excessiva concentração de mercado”.

Crime de lesa-pátria

A LGT (Lei nº 9472/1997), que permitiu a privatização dos serviços de telecomunicações, vem sendo alvo de ataques recorrentes dos setores que querem flexibilizá-la ainda mais, de forma que se acabe com o regime público na prestação dos serviços. Isso retiraria das empresas obrigações tais como a garantia da continuidade dos serviços, a universalização do atendimento e a oferta de tarifas acessíveis às camadas mais pobres da população.

Ao modificar as regras do setor e permitir a migração de concessões de telefonia fixa para o regime de autorização, o projeto também transforma os bens reversíveis (que deveriam voltar ao patrimônio do Estado após o tempo previsto para a prestação do serviço) em “investimentos” e concede às empresas espectro perpétuo. Isso porque as licenças para operar espectro pelas redes móveis e por satélite poderão ser renovadas indefinidamente.

Entidades que atuam na defesa da comunicação democrática e ativistas pela internet livre denunciaram aos senadores que o projeto de lei é um crime contra o patrimônio público e a sociedade brasileira.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações da TeleSíntese

Novos ares na programação da Globo: como mudar sem mexer no essencial

Reposicionamento da emissora permite veicular programas de conteúdo progressista sem tocar nos interesses centrais e no poder político do grupo.

Por Pedro Ekman*

Denúncia contundente do racismo estrutural existente no Brasil; Globeleza vestida e representando a diversidade cultural do País; personagens LGBT finalmente ganhando as telas e até as ocupações das escolas recebendo apoio nas produções da emissora de maior audiência no Brasil.

De forma direta e decidida, em mais de um episódio de Amor & Sexo, de Fernanda Lima, a promoção do feminismo e um ataque frontal ao machismo, com artistas como Gaby Amarantus e Ney Mato Grosso debatendo temas há muito evitados por toda a TV brasileira. Na abertura de Tá no Ar, de Marcelo Adnet, o clássico dos Titãs “a televisão me deixou burro, muito burro demais” indica que a programação da TV segue como alvo das críticas em mais uma temporada do programa.

Aí você pensa: “alguma coisa mudou”. Será? A Globo nunca foi inconsequente em suas movimentações. Nesse momento, não é diferente. Vejamos.

Remontando à TV Pirata, dos anos 80, a comédia liderada por Adnet em geral faz críticas aos ricos e preconceituosos, em um recorte mais progressista. Mas mira sua ironia ácida na concorrência, retratando programas religiosos e policialescos, entre outros, produzidos exclusivamente pelas emissoras adversárias, que na disputa de apenas 30% de um mercado extremamente concentrado se valem dos conteúdos mais bizarros na corrida pela audiência. Programas próprios da Globo também aparecem, mas estão longe de serem objeto das piadas.

Com o personagem ativista que aparece criticando a própria emissora, com argumentos estapafúrdios, a Vênus Platinada passa um recado muito claro. Afirma que as críticas ao seu histórico de abusos e violências são infundadas. O personagem, aliás, destoa em qualidade e ritmo do resto do programa, “hackeando” o sinal com uma transmissão caseira.

O telespectador, que pela edição geral do programa parecia zapear pela TV, se depara de forma pouco crível com um personagem precário, mas que dá ao público conservador algo em que se agarrar.

Esse movimento feito pela emissora não é recente. Durante abertura democrática pós-ditadura militar, programas como a TV Pirata e Malu Mulher seguiram no mesmo caminho, com a defesa de uma agenda liberal clássica, de direitos individuais.

Em 2013, depois de ter diversas equipes de jornalismo hostilizadas nos volumosos protestos – que, entre outras palavra de ordem, entoaram nas ruas “a verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura” –, Willian Bonner foi obrigado a ler o editorial do Jornal Nacional admitindo que havia sido um erro o apoio da empresa à ditadura, trocando o termo “Revolução de 64”, utilizado até então, por golpe militar.

O reposicionamento da marca começa, então, quando pesquisas indicam que a emissora poderia passar a ser vista como uma grande vilã nacional. Novos indicadores de mercado também ajudam a quebrar tabus perpetrados até então. Um beijo gay na novela, assim como a veiculação de conteúdos antirracistas ou feministas, também não são mais um problema que afugenta grande parte dos anunciantes.

A evolução cultural, obviamente, não é obra da Globo. É uma conquista das inúmeras lutas travadas por movimentos e segmentos sociais que conseguiram debater essas pautas com a sociedade a ponto do mercado aceitar que elas agora permeiem seus produtos. Assim, a Globo vê uma oportunidade de evitar a caracterização de vilã e inicia sua vacina contra as multidões que lutam por liberdades e igualdade.

Aqui é importante fazer um parêntese. Mesmo que tais conteúdos possam ser melhor trabalhados, essa abertura é um importante avanço e deve ser aproveitada para frear ou debilitar a propagação de ideias reacionárias no País. Ter esse tipo de conteúdo na emissora de maior audiência do Brasil não é de se desconsiderar para quem quer que as opressões de fato diminuam.

Mas que ninguém tenha dúvidas de que, ao girar parte da sua programação para um espectro político mais progressista, sem interferir diretamente no seu modelo de negócios, a Globo pode continuar fazendo o que faz de melhor: conduzir o poder no país segundo seus interesses políticos e econômicos.

É assim, por exemplo, que um programa como o Profissão Repórter consegue existir em meio a um jornalismo que chafurda com exclusividade no golpismo. Em 2016, após a derrubada de Dilma, Caco Barcelos e sua equipe chegaram a ser agredidos aos gritos de “golpistas” ao cobrir uma greve de servidores públicos no Rio de Janeiro.

Contraditoriamente, o Profissão Repórter prestava ali um grande serviço à greve dos servidores públicos que o agrediam durante a gravação, denunciando as péssimas condições de trabalho das categorias e dando voz a seus líderes.

Assim como em temas como trabalho escravo, exploração sexual infantil, saúde pública, educação e transporte, o Profissão Repórter destoa do jornalismo de Willians Bonner e Waack. Mas esta é a janela permitida pela emissora para veicular minimamente histórias e vozes invisibilizadas nos quatro jornais diários. A proporção é de mais ou menos 20 para 1.

São inflexões políticas calculadas no conjunto de todo o conteúdo exibido na semana. Analisando o tratamento do JN e do Jornal da Globo dado à Operação Lava Jato antes e depois do impeachment da presidenta Dilma, assim como às questões que circundam o governo federal nestes dois períodos, fica explícito onde de fato está o foco político da emissora e que peças ela quer mover neste tabuleiro.

Na última semana, depois que em uma prova do BBB17 dois participantes decidiram gritar “Fora Temer! Volta Dilma!”, a orientação da direção do programa foi para que “falassem dos colegas da casa e não de quem está fora”. Não é novidade: o compromisso da Globo era com a de derrubada de Dilma e agora é com a sustentação do governo Temer, pelo menos enquanto não se desenhar outra condução para o País que mantenha o seu monopólio de pé.

Assim, a Globo avança em temas que não influenciam diretamente na estrutura da política governamental e continua atuando consistentemente na definição dos rumos do País. O galho enverga e não quebra. Quem grita ruas “O povo não é bobo, abaixo à Rede Globo” não pode perder de vista que também a Globo de boba não tem nada.

* Pedro Ekman integra o Conselho Diretor do Intervozes.

Publicado originalmente no blog do Intervozes na Carta Capital.

SENADO APROVA MP QUE DESMONTA CARÁTER PÚBLICO DA EBC

Medida Provisória que acaba com Conselho Curador e mandato para presidente da EBC foi aprovada e transforma a comunicação pública em governamental

O Plenário do Senado aprovou, nesta terça-feira, dia 8, a Medida Provisória 744/2016, que modifica a Lei 11.652/2007 – que instituiu a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e apontou os princípios norteadores do serviço da radiodifusão pública – por 47 votos a 13. As principais modificações apresentadas pelo relator da MP na comissão mista, senador Lasier Martins (PSD-RS), foram a transformação do antigo Conselho Curador em Comitê Editorial e o fim de mandato fixo para o presidente da empresa, fazendo com que, a partir de agora, possam ocorrer mudanças na direção da empresa a qualquer momento, sempre que o desejar o presidente da República.

Para as entidades e ativistas que defendem a comunicação pública, esses eram os principais mecanismos de garantia de autonomia da EBC em relação ao governo federal. Segundo Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes e secretária geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), agora o Conselho de Administração terá seus membros indicados pela Presidência da República, com exceção do representante dos funcionários, além de não se saber quais serão os critérios de preenchimento do Comitê Editorial e de Programação. “Isso claramente transforma a EBC numa empresa de comunicação governamental”, afirma ela.

A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) usou a tribuna para denunciar que esse era um momento de ataque a empresas públicas no país. “Uma MP só deve ser feita se está presente a urgência ou relevância, requisitos constitucionais para a edição de medidas provisórias. Onde residiria a urgência constitucional de reformulação da estrutura de uma empresa pública que vem desenvolvendo suas atividades?” questiona.

Grazziotin ressaltou que a proposta até poderia tramitar em regime de urgência, caso fosse a vontade da presidência, mas não enquanto Medida Provisória. Para ela, o governo deixa claro que o objetivo é o enfraquecimento do sistema público de comunicação. “Com a MP, a comunicação pública enfraquece do ponto de vista de sua independência e da sua capacidade de inserção na sociedade. Estamos calando uma das poucas vozes independentes desse país”, lamenta.

Também a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) considera que o governo comete um ato inconstitucional com a MP, pois a existência de um sistema de comunicação pública não-governamental faz parte de algo que já está previsto na Constituição, no artigo 223, que é a complementaridade entre os sistemas de comunicação público, estatal e privado. Essa complementaridade teria por objetivo assegurar a efetiva realização da liberdade de manifestação do pensamento, pela possibilidade de serem ouvidas outras vozes, além daquelas emitidas pelo poder público e pelo mercado. “A EBC foi criada para preencher uma lacuna que estava aberta na comunicação com a sociedade. O objetivo dessa empresa não deve ser o lucro, e sim a comunicação independente, educativa e cultural. E é isso que tanto incomoda ao governo, a liberdade para mostrar um lado diferente do que predomina na mídia nativa”, reforça.

Em outubro de 2016, o Ministério Público Federal apresentou uma nota técnica sobre a Medida Provisória, apontando que esta poderia trazer como consequência a fragilização estrutural da EBC, com “a subordinação da empresa às diretrizes do governo e o seu condicionamento às regras estritas de mercado”. Desta forma, abre-se o espaço para a prática da “censura de natureza política, ideológica e artística”, tanto pela definição da linha editorial da empresa e da programação na perspectiva dos interesses dos governantes, quanto pelo silenciamento das vozes divergentes ao governo.

EBC trilhava para efetivação da Comunicação Pública
Mesmo com orçamento limitado e falta de prioridade dada nas últimas gestões à comunicação pública, o projeto que vinha sendo desenvolvido pela empresa e seus veículos apontava para o caminho seguido por bons exemplos internacionais de sistemas públicos de comunicação no mundo.

Em 2015, um dos principais veículos da empresa, a TV Brasil foi a emissora que exibiu o maior número de longas-metragens nacionais, veiculando ao todo 120 filmes brasileiros, segundo a Ancine. A Globo, segunda colocada, exibiu 87 filmes e a TV Cultura (SP), 55.
A TV Brasil também é o único canal da TV aberta com programação infantil, revertendo uma lógica imposta pelo mercado de que hoje, no Brasil, só podem assistir a programas infantis as famílias que quem têm dinheiro para pagar uma assinatura de TV.

A EBC atuava como cabeça-de-rede de 23 TVs públicas, além de ter seu conteúdo reproduzido diariamente por mais de 3 mil veículos gratuitamente para qualquer mídia. “Esse tipo de impacto não se mede com os cálculos tradicionais de audiência da mídia comercial. Na comunicação pública, o objetivo é jogar luz sobre temas que o mercado não se interessa por razões práticas”, afirma Bia Barbosa.

Na avaliação da Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), é um atentado a um ecossistema complexo que sustenta o campo público de comunicação e envolve centenas de emissoras educativas e culturais, universitárias, comunitárias, legislativas e judiciárias que atuam em centenas de cidades brasileiras.
Desta forma, as mudanças feitas por Temer não resolvem os problemas de gestão que já haviam sido identificados na EBC. Pelo contrário. Nesta nova estrutura, a empresa tende a responder ainda mais diretamente às demandas do governo federal.

Novo modelo
Pelo texto, o comitê editorial terá como integrantes membros indicados por entidades representativas da sociedade, mediante lista tríplice, e designados pelo Presidente da República.

Haverá um representante de cada um dos seguintes setores: emissoras públicas de rádio e televisão; cursos superiores de Comunicação Social; setor audiovisual independente; veículos legislativos de comunicação; comunidade cultural; comunidade científica e tecnológica; entidades de defesa dos direitos de crianças e adolescentes; entidades de defesa dos direitos humanos e das minorias; entidades da sociedade civil de defesa do direito à comunicação; cursos superiores de Educação; e empregados da EBC.

Os membros do comitê terão mandato de dois anos, vedada à recondução, e suas determinações deverão ser observadas obrigatoriamente pelos órgãos de administração da empresa e não explica como essa representação da sociedade civil será feita, além de reduzir o papel do Comitê em relação ao que o Conselho Curador tinha, cabia ao Conselho Curador, entre outras prerrogativas, aprovar o plano de trabalho geral da EBC, que envolvia questões sobre gestão, financiamento, formação de rede, etc.

Antes o Conselho Curador tinha quatro ministros de Estado; um representante indicado pelo Senado e outro pela Câmara dos Deputados; um representante dos funcionários, escolhido na forma do estatuto; e 15 representantes da sociedade civil, também indicados na forma do estatuto.

No Conselho de Administração da empresa, o relatório de Lasier Martins inclui novos membros: um indicado pelo ministro do Planejamento; um representante indicado pelo ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; um membro representante dos empregados da EBC; e dois membros independentes, indicados na forma da lei de dirigentes das estatais (13.303/16).

A diretoria executiva, cuja nomeação pelo presidente da República incidia apenas sobre o diretor-presidente e sobre o diretor-geral, o texto aprovado estabelece que também os quatro diretores serão nomeados pelo chefe do Executivo.

O relatório manteve a prerrogativa estabelecida pela MP de o presidente da República demitir o diretor-presidente da empresa a qualquer momento. Antes da medida provisória, o diretor-presidente tinha mandato fixo de quatro anos e só poderia ser destituído pelo conselho curador. Antes da nomeação do diretor-presidente pelo Presidente da República, seu nome deve ser referendado pelo Senado Federal.

Manifestações Internacionais
A importância de um sistema público de comunicação no Brasil foi objeto de várias manifestações da Relatoria Especial das Nações Unidas sobre Liberdade de Opinião e de Expressão e da Relatoria Especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) para este tema, que reconhecem que, diante de um cenário indevido de concentração da comunicação, o sistema público cumpre um papel fundamental para a promoção da diversidade no Brasil.

Os órgãos destacam que a retirada do caráter público da EBC revela um descompromisso com a construção de um país mais respeitoso e inclusivo, que trate a comunicação como política pública e como um dos direitos humanos fundamentais reconhecidos pelas Nações Unidas.

Atualmente, o jornalista Laerte Rímoli, que chefiou a comunicação da Câmara dos Deputados durante parte da gestão do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), é o presidente da EBC.

Rímoli também integrou a campanha do senador Aécio Neves (PSDB-MG) a presidente em 2014, quando o tucano foi derrotado por Dilma. Segundo a lei das estatais, Rimoli não poderia ocupar tal cargo.

O Ministério Público Federal no Distrito Federal analisa uma representação recebida contra o jornalista neste sentido. Em setembro passado, a Folha de S.Paulo denunciou que Rimoli recebeu salário da EBC mesmo quando estava afastado da presidência por uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF).

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Senado aprova MP de Temer que desmonta a EBC

Medida Provisória que acaba com Conselho e mandato para presidente da empresa pública de comunicação foi aprovada nesta terça, transformando a comunicação pública em governamental

Por Bia Barbosa*

O Senado Federal aprovou nesta terça-feira 7, por 47 votos a 13, a Medida Provisória que altera a lei que criou a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), acabando com seu caráter público. As duas principais medidas do governo Temer que modificam o desenho institucional da EBC foram mantidas. São elas: a extinção do Conselho Curador, principal espaço de participação da sociedade civil na gestão da EBC, e o fim de mandato fixo para o presidente da empresa. Ambos eram os principais mecanismos de garantia de autonomia da EBC em relação ao governo federal. Como ficou, a MP pode representar o fim da principal estrutura de comunicação pública do País.

Mesmo em um país que tem uma história recente neste campo, tendo a comunicação comercial imperado na radiodifusão brasileira, o impacto de tamanho desmonte é altíssimo para a nossa democracia.

Segundo nota técnica do Ministério Público Federal sobre a medida provisória, como consequência da fragilização estrutural produzida na EBC, com “a subordinação da empresa às diretrizes do governo e o condicionamento às regras estritas de mercado”, abre-se o espaço para a prática da “censura de natureza política, ideológica e artística”, tanto pela definição da linha editorial e da programação na perspectiva dos interesses dos governantes, quanto pelo silenciamento de vozes que ousem divergir do governo.

Desde a edição da MP 744, dezenas de profissionais foram demitidos, programas foram retirados da grade das emissoras, contratos foram cancelados, conteúdos foram removidos dos portais da empresa, matérias e reportagens produzidas pelos jornalistas não foram veiculadas e funcionários estão sendo perseguidos.

Trata-se de um estado de controle absolutamente descabido e inaceitável, digno de regimes de exceção; uma nítida demonstração do nível de aparelhamento a que a empresa está sendo submetida. De acordo com os procuradores federais, ao contrário do que o governo Temer alegou publicamente para alterar a estrutura da EBC, a intenção da MP foi afastar qualquer possibilidade de resistência à utilização da emissora pelos interesses governamentais.

Na avaliação do MPF, a estrutura existente na EBC reunia um feixe de órgãos que impunham limites ao exercício do personalismo de seu diretor-presidente, de seus órgãos de cúpula e traziam em si, sobretudo através do Conselho Curador, uma requintada forma de controle social.

Agora, além de não contar com um Conselho Curador e dos dirigentes não terem mandato, o Conselho de Administração da empresa passa a ser o órgão administrativo superior da EBC, com inteiro controle do Poder Executivo. Trata-se de uma “abrupta intervenção do Poder Executivo”, afirma o Ministério Público.

O próprio Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso, órgão auxiliar do Parlamento, emitiu parecer afirmando que “a MP leva à EBC à condição de mero aparelho governamental, deixando cada vez mais distante o projeto de uma comunicação pública autônoma e eficiente”.

Neste sentido, as mudanças feitas na Lei da EBC são consideradas inconstitucionais por muitos especialistas – incluindo a Relatoria Especial da OEA para a Liberdade de Expressão.

Isso porque, ao aniquilar com a experiência de implantação de um sistema público no país, ao lado do estatal e do privado, a MP também desrespeitou o artigo 220 da Constituição Federal, que trata da complementaridade entre os sistemas de comunicação.

Medida ignora benefícios da EBC ao país

Apesar do orçamento enxuto, dos entraves burocráticos e da falta de prioridade dada nas últimas gestões à comunicação pública, o projeto que vinha sendo desenvolvido pela EBC e seus veículos apontava para o caminho certo, seguindo bons exemplos internacionais de sistemas públicos de comunicação no mundo.

Em 2015, um dos principais veículos da empresa, a TV Brasil foi a emissora que exibiu o maior número de longas-metragens nacionais, veiculando ao todo 120 filmes brasileiros, segundo a Ancine. A Globo, segunda colocada, exibiu 87 filmes e a TV Cultura (SP), 55.

A TV Brasil também é o único canal da TV aberta com programação infantil, revertendo uma lógica imposta pelo mercado de que hoje, no Brasil, só podem assistir a programas infantis as famílias que quem têm dinheiro para pagar uma assinatura de TV. Durante o debate no Congresso nesta terça, o senador Aloysio Nunes (PSDB/SP) chegou a criticar o fato de a emissora veicular 4 horas diárias de programação infantil, o que foi rebatido pela senadora Lídice da Mata (PSB/BA).

Diariamente, mais de 3 mil veículos reproduzem os conteúdos de texto e foto de qualidade que são produzidos pela Agência Brasil – outro importante veículo sob gestão da EBC – e distribuídos gratuitamente para qualquer mídia. Esse tipo de impacto não se mede com os cálculos tradicionais de audiência da mídia comercial. Na comunicação pública, o objetivo é jogar luz sobre temas que o mercado não se interessa por razões práticas.

Por fim, o desmonte do caráter público da EBC e sua transformação numa empresa de comunicação governamental também impactará significativamente a Rede Nacional de Comunicação Pública, formada por emissoras de cerca de 20 estados associadas à EBC.

Na avaliação da Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), é um atentado a um ecossistema complexo que sustenta o campo público de comunicação e envolve centenas de emissoras educativas e culturais, universitárias, comunitárias, legislativas e judiciárias que atuam em centenas de cidades brasileiras.

Desta forma, as mudanças feitas por Temer não resolvem os problemas de gestão que já haviam sido identificados na EBC. Pelo contrário. Nesta nova estrutura, a empresa tende a responder ainda mais diretamente às demandas do governo federal. Segundo parecer do Conselho de Comunicação Social, não se pode falar em eficiência se o principal órgão de controle social foi extirpado do cenário. Por isso, o CCS deu parecer defendendo que todas as prerrogativas do Conselho Curador fossem resgatadas.

Comitê pra inglês ver

Apesar de toda a pressão – inclusive internacional – pelo restabelecimento do Conselho Curador, o relator da MP, senador Lasier Martins (PSD-RS), se contentou a incluir no texto a previsão de criação de um Comitê Editorial e de Programação, supostamente como espaço de participação da sociedade civil nos canais da EBC.

Só que o texto aprovado não explica como essa representação da sociedade civil será escolhida e reduz significativamente o papel do Comitê em relação ao que o Conselho Curador tinha.

O Comitê, por exemplo, só poderá dar pitacos na programação dos veículos da EBC, enquanto cabia ao Conselho Curador, entre outras prerrogativas, aprovar o plano de trabalho geral da EBC, que envolvia questões sobre gestão, financiamento, formação de rede, etc.

O Conselho Curador também podia dar votos de desconfiança para o presidente da empresa, que tinha mandato fixo, garantindo sua autonomia em relação ao governo federal. Agora o presidente da EBC somente pode ser demitido pelo presidente da República, e a qualquer momento.

E quem passou pelo Conselho Curador, acusado por Temer de ter sido aparelhado pelo PT?

Personalidades como Cláudio Lembo (ex-governador de São Paulo pelo DEM), José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (o Boninho, da Globo), José Martins (empresário), Maria da Penha (que deu nome à lei de combate à violência contra a mulher), os acadêmicos Daniel Aarão Reis Filho, Murilo César Ramos e Venício Lima, Luiz Gonzaga Belluzo (economista), MV Bill (artista), Joel Zito Araújo (cineasta), Wagner Tiso (maestro), Matsa Yawanawá (indígena) e muitos outros.

Durante a última consulta pública para renovação do órgão, mais de 200 entidades se inscreveram no processo.

Agora, sem Conselho Curador e com a promessa de criação de um Comitê Editorial, a EBC é presidida por Laerte Rimoli, um dos coordenadores da comunicação da campanha de Aécio Neves à Presidência em 2014. Segundo a lei das estatais, Rimoli sequer poderia ocupar tal cargo.

O Ministério Público Federal no Distrito Federal analisa uma representação recebida contra o jornalista neste sentido. Em setembro passado, a Folha de S.Paulo denunciou que Rimoli recebeu salário da EBC mesmo quando estava afastado da presidência por uma liminar do Supremo Tribunal Federal.

Esta é a eficiência que Temer tem aplicado à EBC – e diante da qual a maioria dos senadores lavou as mãos nesta terça. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra as mudanças na Lei da EBC deve ser protocolada no Supremo Tribunal Federal ainda esta semana. O embate continuará, agora, no Judiciário.

*Bia Barbosa é jornalista, mestre em políticas públicas (FGV), coordenadora do Coletivo Intervozes e secretária geral do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação)