SENADO APROVA MP QUE DESMONTA CARÁTER PÚBLICO DA EBC

Medida Provisória que acaba com Conselho Curador e mandato para presidente da EBC foi aprovada e transforma a comunicação pública em governamental

O Plenário do Senado aprovou, nesta terça-feira, dia 8, a Medida Provisória 744/2016, que modifica a Lei 11.652/2007 – que instituiu a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e apontou os princípios norteadores do serviço da radiodifusão pública – por 47 votos a 13. As principais modificações apresentadas pelo relator da MP na comissão mista, senador Lasier Martins (PSD-RS), foram a transformação do antigo Conselho Curador em Comitê Editorial e o fim de mandato fixo para o presidente da empresa, fazendo com que, a partir de agora, possam ocorrer mudanças na direção da empresa a qualquer momento, sempre que o desejar o presidente da República.

Para as entidades e ativistas que defendem a comunicação pública, esses eram os principais mecanismos de garantia de autonomia da EBC em relação ao governo federal. Segundo Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes e secretária geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), agora o Conselho de Administração terá seus membros indicados pela Presidência da República, com exceção do representante dos funcionários, além de não se saber quais serão os critérios de preenchimento do Comitê Editorial e de Programação. “Isso claramente transforma a EBC numa empresa de comunicação governamental”, afirma ela.

A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) usou a tribuna para denunciar que esse era um momento de ataque a empresas públicas no país. “Uma MP só deve ser feita se está presente a urgência ou relevância, requisitos constitucionais para a edição de medidas provisórias. Onde residiria a urgência constitucional de reformulação da estrutura de uma empresa pública que vem desenvolvendo suas atividades?” questiona.

Grazziotin ressaltou que a proposta até poderia tramitar em regime de urgência, caso fosse a vontade da presidência, mas não enquanto Medida Provisória. Para ela, o governo deixa claro que o objetivo é o enfraquecimento do sistema público de comunicação. “Com a MP, a comunicação pública enfraquece do ponto de vista de sua independência e da sua capacidade de inserção na sociedade. Estamos calando uma das poucas vozes independentes desse país”, lamenta.

Também a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) considera que o governo comete um ato inconstitucional com a MP, pois a existência de um sistema de comunicação pública não-governamental faz parte de algo que já está previsto na Constituição, no artigo 223, que é a complementaridade entre os sistemas de comunicação público, estatal e privado. Essa complementaridade teria por objetivo assegurar a efetiva realização da liberdade de manifestação do pensamento, pela possibilidade de serem ouvidas outras vozes, além daquelas emitidas pelo poder público e pelo mercado. “A EBC foi criada para preencher uma lacuna que estava aberta na comunicação com a sociedade. O objetivo dessa empresa não deve ser o lucro, e sim a comunicação independente, educativa e cultural. E é isso que tanto incomoda ao governo, a liberdade para mostrar um lado diferente do que predomina na mídia nativa”, reforça.

Em outubro de 2016, o Ministério Público Federal apresentou uma nota técnica sobre a Medida Provisória, apontando que esta poderia trazer como consequência a fragilização estrutural da EBC, com “a subordinação da empresa às diretrizes do governo e o seu condicionamento às regras estritas de mercado”. Desta forma, abre-se o espaço para a prática da “censura de natureza política, ideológica e artística”, tanto pela definição da linha editorial da empresa e da programação na perspectiva dos interesses dos governantes, quanto pelo silenciamento das vozes divergentes ao governo.

EBC trilhava para efetivação da Comunicação Pública
Mesmo com orçamento limitado e falta de prioridade dada nas últimas gestões à comunicação pública, o projeto que vinha sendo desenvolvido pela empresa e seus veículos apontava para o caminho seguido por bons exemplos internacionais de sistemas públicos de comunicação no mundo.

Em 2015, um dos principais veículos da empresa, a TV Brasil foi a emissora que exibiu o maior número de longas-metragens nacionais, veiculando ao todo 120 filmes brasileiros, segundo a Ancine. A Globo, segunda colocada, exibiu 87 filmes e a TV Cultura (SP), 55.
A TV Brasil também é o único canal da TV aberta com programação infantil, revertendo uma lógica imposta pelo mercado de que hoje, no Brasil, só podem assistir a programas infantis as famílias que quem têm dinheiro para pagar uma assinatura de TV.

A EBC atuava como cabeça-de-rede de 23 TVs públicas, além de ter seu conteúdo reproduzido diariamente por mais de 3 mil veículos gratuitamente para qualquer mídia. “Esse tipo de impacto não se mede com os cálculos tradicionais de audiência da mídia comercial. Na comunicação pública, o objetivo é jogar luz sobre temas que o mercado não se interessa por razões práticas”, afirma Bia Barbosa.

Na avaliação da Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), é um atentado a um ecossistema complexo que sustenta o campo público de comunicação e envolve centenas de emissoras educativas e culturais, universitárias, comunitárias, legislativas e judiciárias que atuam em centenas de cidades brasileiras.
Desta forma, as mudanças feitas por Temer não resolvem os problemas de gestão que já haviam sido identificados na EBC. Pelo contrário. Nesta nova estrutura, a empresa tende a responder ainda mais diretamente às demandas do governo federal.

Novo modelo
Pelo texto, o comitê editorial terá como integrantes membros indicados por entidades representativas da sociedade, mediante lista tríplice, e designados pelo Presidente da República.

Haverá um representante de cada um dos seguintes setores: emissoras públicas de rádio e televisão; cursos superiores de Comunicação Social; setor audiovisual independente; veículos legislativos de comunicação; comunidade cultural; comunidade científica e tecnológica; entidades de defesa dos direitos de crianças e adolescentes; entidades de defesa dos direitos humanos e das minorias; entidades da sociedade civil de defesa do direito à comunicação; cursos superiores de Educação; e empregados da EBC.

Os membros do comitê terão mandato de dois anos, vedada à recondução, e suas determinações deverão ser observadas obrigatoriamente pelos órgãos de administração da empresa e não explica como essa representação da sociedade civil será feita, além de reduzir o papel do Comitê em relação ao que o Conselho Curador tinha, cabia ao Conselho Curador, entre outras prerrogativas, aprovar o plano de trabalho geral da EBC, que envolvia questões sobre gestão, financiamento, formação de rede, etc.

Antes o Conselho Curador tinha quatro ministros de Estado; um representante indicado pelo Senado e outro pela Câmara dos Deputados; um representante dos funcionários, escolhido na forma do estatuto; e 15 representantes da sociedade civil, também indicados na forma do estatuto.

No Conselho de Administração da empresa, o relatório de Lasier Martins inclui novos membros: um indicado pelo ministro do Planejamento; um representante indicado pelo ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; um membro representante dos empregados da EBC; e dois membros independentes, indicados na forma da lei de dirigentes das estatais (13.303/16).

A diretoria executiva, cuja nomeação pelo presidente da República incidia apenas sobre o diretor-presidente e sobre o diretor-geral, o texto aprovado estabelece que também os quatro diretores serão nomeados pelo chefe do Executivo.

O relatório manteve a prerrogativa estabelecida pela MP de o presidente da República demitir o diretor-presidente da empresa a qualquer momento. Antes da medida provisória, o diretor-presidente tinha mandato fixo de quatro anos e só poderia ser destituído pelo conselho curador. Antes da nomeação do diretor-presidente pelo Presidente da República, seu nome deve ser referendado pelo Senado Federal.

Manifestações Internacionais
A importância de um sistema público de comunicação no Brasil foi objeto de várias manifestações da Relatoria Especial das Nações Unidas sobre Liberdade de Opinião e de Expressão e da Relatoria Especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) para este tema, que reconhecem que, diante de um cenário indevido de concentração da comunicação, o sistema público cumpre um papel fundamental para a promoção da diversidade no Brasil.

Os órgãos destacam que a retirada do caráter público da EBC revela um descompromisso com a construção de um país mais respeitoso e inclusivo, que trate a comunicação como política pública e como um dos direitos humanos fundamentais reconhecidos pelas Nações Unidas.

Atualmente, o jornalista Laerte Rímoli, que chefiou a comunicação da Câmara dos Deputados durante parte da gestão do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), é o presidente da EBC.

Rímoli também integrou a campanha do senador Aécio Neves (PSDB-MG) a presidente em 2014, quando o tucano foi derrotado por Dilma. Segundo a lei das estatais, Rimoli não poderia ocupar tal cargo.

O Ministério Público Federal no Distrito Federal analisa uma representação recebida contra o jornalista neste sentido. Em setembro passado, a Folha de S.Paulo denunciou que Rimoli recebeu salário da EBC mesmo quando estava afastado da presidência por uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF).

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

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