Comissão define plano de trabalho para MP que acaba com caráter público da EBC

A comissão mista da Medida Provisória (MP) 744/16, que muda a estrutura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), aprovou nesta quarta-feira, dia 22, o plano de trabalho da comissão. A medida acabou com o Conselho Curador e deu poder ao presidente da República para destituir o presidente da estatal.

A comissão é composta por 12 senadores e 12 deputados dos quais formam a mesa de trabalho como presidente: Deputado Ságuas Moraes, vice-presidente: Senador Paulo Rocha e o relator: Senador Lasier Martins e a Deputada Angela Albino: relatora-revisora.

Na reunião o relator da MP, senador Lasier Martins (PDT-RS), propôs a realização de três audiências públicas para instruir a matéria. A primeira já será na próxima quinta-feira (24) e, a segunda-feira (29), com representantes da EBC. A terceira audiência está prevista para o dia 30, com a presença do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha.

Segundo Lasier o motivo da pressa é com o curto prazo para análise da MP, cuja efetividade expira em fevereiro de 2017. O relator acredita que a votação ocorra no dia 6 de dezembro, com adiamento para o dia seguinte em caso de pedido de vista. Em seguida, a MP 744 segue para análise, pela Câmara dos Deputados, no dia 13 de dezembro. No Senado, a votação deverá ocorrer na primeira semana de fevereiro.

Histórico

A MP 744/2016 foi editada em setembro e trouxe como principais mudanças o fim do mandato fixo do diretor-presidente da empresa, a redução da diretoria executiva da EBC de oito para seis integrantes e a extinção do Conselho Curador. Já à época, os conselheiros da CCS consideraram a decisão do governo como “equivocada”, já que realizava as alterações por meio de uma MP – que tem força de lei desde a sua edição. Ou seja, a decisão foi unilateral, sem a oportunidade de debate prévio.

Empresa Brasil de Comunicação

A EBC é gestora dos canais TV Brasil, TV Brasil Internacional, Agência Brasil, Radioagência Nacional e do sistema público de rádio composto por oito emissoras.

Criada em 2008, por meio de uma medida provisória aprovada pelo Congresso, com apoio dos movimentos sociais e dos produtores independentes de audiovisual, a EBC nasceu a partir da Carta de Brasília, produzida pelo I Fórum de TVs Públicas, em 2007, e entregue ao então presidente Lula.

A MP 744 dissolve justamente o centro democrático da empresa e que garante a pluralidade, diversidades e participação social que é o Conselho Curador. A ausência do Conselho gera problemas e enfraquece o caráter público da empresa e a transformando em apenas mais uma estatal e neste momento, se alinha aos ideais da grande mídia privada e hegemônica. Um exemplo do uso indevido dos meios de comunicação públicos, numa tentativa de transformá-los em “chapa branca” foi a edição desse mês do programa Roda Viva exibida na segunda-feira, dia 14, em que Michel Temer foi o entrevistado do programa, e as perguntas foram todas apresentadas por jornalistas comprometidos com o discurso da “grande” mídia.

Complementaridade

O artigo 223 da Constituição Federal, prevê um modelo de disciplina dos serviços de televisão sendo prestado de forma pública privativo do Estado (sistema de radiodifusão estatal), pública não privativo (sistema de radiodifusão público) e de atividade econômica em sentido estrito (sistema de radiodifusão privado) e impõe a complementaridade entre os setores de televisão por radiodifusão privado, público e estatal. Em outras palavras, deveria se garantir o equilíbrio apropriado entre os campos de comunicação social com funções diferenciadas, porém, o que vem ocorrendo é justamente o contrário, o governo vem promovendo o desmonte da comunicação pública com respaldo e apoio do setor privado.

Uma outra questão levantada que vai contra a pluralidade e diversidade na comunicação foi o pronunciamento realizado no início do mês pelo atual presidente da EBC, Laerte Rimoli em que disse que a empresa pretendia estabelecer parcerias na produção de conteúdo com a Rede Globo. Essa afirmação fere qualquer possibilidade de fortalecimento da comunicação pública e ainda indica um favorecimento de uma empresa do setor privado.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Como debater a modernização das escolas se elas seguem desconectadas?

Por Marina Pita*

A medida provisória que tenta impor de cima pra baixo uma reforma do ensino médio brasileiro tem sido alvo de muitas críticas por parte de estudantes e de profissionais que se dedicam, há anos, ao tema da educação, gerando também um debate público importante sobre modernização do ensino.

Esta modernização aparece muitas vezes, tendo como base, a perspectiva de conexão das escolas à internet, questão que atualmente se faz essencial para a difusão e apropriação do conhecimento. Na prática, no entanto, a realidade da política pública de conexão das unidades educacionais está longe de possibilitar esta modernização e ainda distante de garantir a diversidade de recursos de ensino/aprendizagem a estudantes e professores.

As escolas brasileiras foram conectadas por meio de um acordo entre o governo Lula e as concessionárias do serviço de telefone fixo, em 2008, por meio do Decreto nº 6424, uma movimentação que criou o chamado Plano Banda Larga nas Escolas (PBLE). Como o Estado não contava e ainda não conta, vale lembrar, com instrumentos adequados para impor obrigações de universalização – garantia de acesso a toda população – da internet, optou pelo famoso “jeitinho”.

O jeitinho que criou o PBLE consiste na troca das obrigações da concessão do serviço telefônico fixo por obrigações de ampliação da rede de dados e conexão nas escolas. As concessionárias acordaram – por Termo Aditivo – a trocar a obrigação de instalar postos de serviço telefônico nos municípios pela instalação de infraestrutura de rede para suporte a conexão à internet em todos os municípios brasileiros e conectar todas as escolas públicas urbanas, além das entidades ligadas à formação de professores vinculadas a todos os entes da federação, com manutenção dos serviços sem ônus até o ano de 2025.

À Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) coube a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento das obrigações das prestadoras de serviços de telecomunicações, sendo que a gestão do programa é feita conjuntamente pelo Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação e Anatel, em parceria com as secretarias de Educação estaduais e municipais. Por sua vez, as concessionárias de telefonia fixa que aderiram são Telefônica, CTBC, Sercomtel e Oi/Brtacesso

Pois bem. O caso é extremamente interessante porque ilustra a política brasileira de forma didática: dá-se um nome bonito e divulga-se a iniciativa, faz-se alguma parte do acordado, depois as empresas fingem que fazem e o poder público – no caso, a agência fiscalizadora – finge que acredita. E assim como em outras políticas, seguimos sendo enganados com um programa de conexão em centros educacionais que, na verdade, está longe de atender à demanda de acesso à rede.

Porque estamos dizendo isso? Apesar de mais de 68,7 mil escolas terem sido conectadas, cerca de 5,5 mil escolas urbanas seguem sem conexão. Os dados são do Ministério das Comunicações – atual Ciência, Tecnologias, Inovações e Comunicações – e da própria acessoAnatel, obtidos em 2015.

O programa foi implementado em 2010, há seis anos, e as cerca de 5,5 mil escolas desconectadas são justamente aquelas que, por sua localização geográfica e por determinantes socioeconômicos, têm as maiores barreiras de acesso a produtos culturais e educativos. Ou seja, o programa deixou para trás justamente os mais necessitados, o que tem se configurado como regra na política pública de acesso à internet no País.

Para além deste buraco, que para alguns pode ser classificado como detalhe, as concessionárias de telefonia fixa deveriam elevar a velocidade das conexões. De acordo com Termo Aditivo, a partir de 31 de dezembro de 2010 todas as escolas integrantes do PBLE deveriam estar conectadas com velocidade igual ou superior a dois megabits por segundo (2 Mbps) para download e pelo menos um quarto dessa velocidade para upload.

E mais, a velocidade deveria ser revista semestralmente, de forma a assegurar rapidez equivalente à melhor oferta comercialmente oferecida ao público em geral na área de atendimento em que a escola se localiza. A cada três anos, Anatel e operadoras deveriam realizar atualização nas especificações das conexões “em função da evolução tecnológica e da necessidade das escolas”.

Em 2015, segundo dados da Anatel, apenas 4,8 mil escolas tinham velocidades defasadas em relação às obrigações das prestadoras de serviço. Mas aqui vai a pegadinha: os dados da Anatel são estruturados por autodeclaração das empresas obrigadas a prestar o serviço.

Assim, dá para entender as narrativas dos usuários das redes nas escolas que seguem dizendo “a internet nas escolas não funciona”. Nem sempre, para não dizer nunca, a velocidade declarada é aquela que chega aos centros educacionais.

Em 2015, solicitei a tabela de conexão das escolas do PBLE ao Ministério das Comunicações para a produção de uma matéria sobre o tema. A tabela foi entregue sem a coluna de velocidades. Questionei a uma funcionária do órgão sobre o porquê de terem excluído a coluna, no que fui informada que “a coluna não condizia com a realidade, uma vez que era autodeclaratória”. Ou seja, o próprio Estado sabe que o instrumento criado para garantir a política não tem aderência à realidade. E fica por isso mesmo? Pelo jeito, fica.

O Termo Aditivo do PBLE previu que a revisão das velocidades deveria ser feita a partir de parâmetros das ofertas comerciais, entendendo que as operadoras tenderiam a oferecer melhores velocidades a seus usuários pagantes. Não adiantou. Determinou ainda a revisão das metas gerais (ou do piso de oferta) a cada três anos, nesse caso, pelo poder público, o que não foi realizado.

“Duas revisões já deveriam ter sido feitas, em 2010 e 2013, e a não consumação das mesmas tem forte impacto negativo na implementação da política, pois tende a manter milhares de escolas com conexões precárias e pouco efetivas para o uso pedagógico das tecnologias”, afirma o Instituto Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio) em publicação de análise da política.

Exemplos de fora

Nos Estados Unidos – onde também em teoria as escolas estavam todas conectadas – o Escritório de Tecnologias Educacionais, órgão ligado à Secretaria da Educação (equivalente a um ministério), decidiu verificar, em 2011, a conexão nas escolas do país, para além das planilhas digitais, e descobriu outra realidade.

Ao considerar escolas conectadas apenas aquelas que tivessem conexão de internet sem fio dentro da sala de aula, apenas 30% das unidades educacionais passaram pelo critério e a conexão em muitas delas estava limitada à área administrativa.

A decisão do governo foi liberar 8 bilhões de dólares para conectar as escolas. O recurso veio do programa educacional E-rate, criado em 2007 e alimentado por uma taxa cobrada das empresas de telecomunicações e que era usado para conectividade em bibliotecas, escolas primárias e secundárias.

A iniciativa de conexão das escolas ConnectedED, lançada em 2013, está sendo implementada com a participação da sociedade civil e pretende levar, até 2018, conexão à internet de 100 Mbps por cada mil estudantes (100 Kbps por estudante).

Desafios brasileiros

Por aqui, como vimos, a relação do Estado brasileiro com o mercado privado é de total cumplicidade e nenhum dos dois lados exerce o papel que realmente deveria cumprir para garantir o sucesso na execução da política. Assim, pelo menos três grandes desafios seguem sendo prioritários quando o assunto é a modernização das escolas por meio de conexão à web.

O primeiro é garantir instrumentos para o Estado forçar a universalização do acesso de qualidade e adequado ao uso da internet nas escolas – inclusive as rurais. Com o desmonte da política de telecomunicações no Brasil, por meio do Projeto de Lei 3453/2015, e o fim da prestação em regime público, que se pretende com ele, nem as obrigações previstas na Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei nº 9.472/1997.) existirão. Não fazendo mais sentido, portanto, as trocas de obrigações previstas no Termo Aditivo de 2010.

O segundo desafio é a prioridade política do Estado e dos governos do momento. Esta prioridade deve estar embasada na garantia do acesso da população à rede e não no exclusivo lucro das empresas operadoras.

Assim, quando uma lei for pensada para alterar a LGT, como está acontecendo agora, o usuário e qualidade de sua conexão serão colocados em primeiro lugar – não é o que acontece na proposta em tramitação. Então como garantir que a sociedade se envolva neste debate para exigir que seja ouvida?

O terceiro desafio segue sendo a fiscalização. Está evidente que a Anatel não cumpre de forma adequada seu papel de fiscalizadora. E é preciso que a sociedade – que cada vez mais é a sociedade da informação – debata o que fazer para que a agência mude e passe a cumprir seu papel.

Sim, há problemas de estrutura e financiamento da agência, mas, para além disso, é preciso acabar com a relação promíscua entre executivos das empresas e funcionários e conselheiros do órgão.

*Marina Pita é jornalista e integra o Conselho Diretor do Coletivo Intervozes

O Dia Nacional de Greve e o padrão invisível de jornalismo

Meios de comunicação tradicionais adotam estratégia da ocultação e criminalização na cobertura dos atos e paralisações da última sexta-feira

Por Pedro Rafael Vilela*

Não é a primeira vez, nem será a última, mas não deixa de ser simbólica a (não) cobertura da mídia brasileira sobre os protestos e paralisações de diversas categorias profissionais ocorridos em mais de 21 estados e no Distrito Federal, na última sexta-feira (11), no Dia Nacional de Greve.

Os atos, organizados por movimentos sociais e pelas principais centrais sindicais do País, contaram com a participação de dezenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras, além de estudantes, que interromperam suas atividades em setores como transporte público, limpeza urbana, bancos, escolas e indústria, e foram às ruas das maiores cidades brasileiras para protestar contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 55, em tramitação no Senado.

Se aprovada, essa PEC vai impor um congelamento nos gastos públicos, como saúde, educação, cultura e saneamento básico pelos próximos 20 anos, uma tragédia em termos de direitos sociais sem precedentes na história do Brasil.

Uma mudança constitucional tão drástica, num país que tivesse um sistema de comunicação plural e diverso, deveria gerar, para dizer o mínimo, um intenso debate na sociedade, com participação maciça da própria mídia na visibilidade e no esclarecimento das reais implicações da medida. Não é o que ocorre no Brasil.

A irrealidade da mídia

Em um de seus ensaios mais célebres, o jornalista e sociólogo Perseu Abramo descreveu com acuidade as múltiplas formas de manipulação da informação por parte da imprensa. Ao distinguir os quatro padrões básicos de distorção da realidade praticados pela mídia, Abramo chama a atenção para o padrão de ocultação, um dos mais recorrentes.

Em suas próprias palavras, “é o padrão que se refere à ausência e à presença dos fatos reais na produção da imprensa. Não se trata, evidentemente, de fruto do desconhecimento, e nem mesmo de mera omissão diante do real. É, ao contrário, um deliberado silêncio militante sobre os fatos da realidade”.

Um outro padrão concebido por Perseu Abramo, o da fragmentação, tem a ver com a forma como a mídia, ao noticiar um fato, decompõe a totalidade desse fato, operando um processo de seleção de alguns aspectos, em detrimento de outros.

É o que ocorre, por exemplo, quando a ênfase das matérias trata apenas das consequências dos bloqueios no trânsito e fechamento de rodovias, como que opondo os objetivos dos manifestantes ao do conjunto da população. Ao mesmo tempo que ressalta esse aspecto, silencia sobre as motivações das paralisações e se recusa até mesmo a dar voz aos envolvidos nas mobilizações para dialoguem com a sociedade. Trata-se de uma inversão rasteira dos fatos e da própria realidade, mas que é absolutamente corriqueira na cobertura da mídia.

Basicamente, esses dois padrões de manipulação, facilmente verificáveis, deram a tônica do noticiário na (não) repercussão das manifestações e paralisações no Dia Nacional de Greve.

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) acompanhou com atenção a cobertura das principais redes de televisão, jornais e portais de notícias ao longo da sexta-feira e no dia seguinte. O resultado? Um tapa na cara da democracia e um descompromisso brutal com o direito à comunicação e informação da população brasileira.

Televisão: a gente não se vê por aqui

Protesto no Rio de Janeiro

As principais emissoras de televisão aberta parecem ter disputado entre si o título de quem mais ignorou as expressivas mobilizações do Dia Nacional de Greve. O Jornal Nacional, da Globo, noticiário de maior audiência na tevê brasileira, decidiu simplesmente não exibir um segundo sequer dos atos que paralisaram algumas das maiores cidades do país, apostando forte na estratégia da ocultação.

Na opinião de Perseu Abramo, em seu ensaio sobre manipulação da grande imprensa, a mídia é mais perversa por aquilo que ela não veicula do que por aquilo que leva ao ar. É como se ela definisse os fatos sociais que merecem ser considerados fatos jornalísticos ou não.

“Todos os fatos, toda realidade pode ser jornalística, e o que vai tornar jornalístico um fato independe de suas características reais intrínsecas, mas depende, sim, das características do órgão de imprensa, de sua visão de mundo, de sua linha editorial”.

A Globo News, canal de notícias das Organizações Globo na televisão por assinatura, que, durante as manifestações pró-impeachment de Dilma Rousseff dedicava praticamente a totalidade de sua programação aos protestos, dessa vez apenas cumpriu um lamentável protocolo de cobrir com distanciamento e até desprezo os atos do Dia Nacional de Greve.

Exibindo notas curtas e panorâmicas ao longo de sua programação, sem sequer ouvir os porta-vozes dos atos, a emissora deu ênfase justamente às interrupções no trânsito e paralisação dos transportes públicos em cidades como São Paulo e Brasília.

No programa Estúdio I, que se define pela característica de noticiário com análise, e vai ao ar de segunda à sexta, às 14h, a cobertura dos protestos seguiu a lógica de relatar superficialmente os acontecimentos. No momento de analisar a notícia, os participantes do programa praticamente ignoraram as causas do protesto e logo mudaram de assunto.

Para se ter uma ideia, o programa dedicou mais tempo à matéria sobre o site de dicas econômicas de moda da filha do Donald Trump do que à repercussão da greve nacional, incluindo aí os comentários de estúdio.

No Jornal da Record, uma nota de 37 segundos, lida pelo apresentador, apenas mencionou protestos de estudantes e servidores do Rio de Janeiro contra atrasos nos salários por parte do governo estadual, com ênfase na repressão da Polícia Militar.

O Jornal da Band, levado ao ar na noite da sexta-feira (11), como que reconhecendo a dificuldade em ignorar as manifestações, optou por um caminho misto, entre a ocultação e a distorção com doses generosas de criminalização da manifestação política e do próprio direito de greve.

Na matéria de um minuto e 10 segundos, o telejornal enfocou imagens das manifestações pela ótica da paralisação do transporte público e bloqueio de ruas e rodovias, ressaltando a ideia de que os protestos “atrapalharam muita gente”. Os dois únicos entrevistados foram pessoas que criticaram as interrupções no trânsito, e não houve qualquer menção mais clara sobre os motivos do protesto.

Já o SBT Brasil, dentre os principais telejornais, foi o que exibiu a matéria mais equilibrada. Com 4min27 de duração, a reportagem seguiu a ênfase de relatar criticamente os bloqueios e paralisações de rodovias na primeira parte da matéria, mas foi a única a dar voz para lideranças dos movimentos (Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares e Rodrigo Rodrigues, secretário-geral da CUT Brasília).

Destacou passeatas e protestos de estudantes e professores no Rio Grande Sul, que resultaram em forte repressão da Brigada Militar. Bom lembrar que diversas categorias de servidores estaduais do RS sofrem com salários atrasados há meses. A própria Brigada Militar, que reprimiu os protestos, corre o risco de nem sequer receber o 13º salário em decorrência da política de austeridade do governo Ivo Sartori (PMDB-RS), que tem penalizado principalmente os serviços públicos no estado.

Ocultação nos jornais

Os três maiores jornais impressos do País, em suas edições publicadas no sábado (12), decidiram deliberadamente ignorar os atos ocorridos no dia anterior. Até mesmo a Folha de S. Paulo, que se vende como veículo aberto ao debate e que busca exibir diversos pontos de vista políticos diferentes, não dedicou uma linha sequer ao assunto.

No jornal O Globo, da família Marinho, idem. O Estadão, tido como o mais conservador entre os três, publicou uma nota pequena, na página interna B3, de economia, com cerca de 10 linhas, praticamente um registro dos protestos, e não uma cobertura.

Nos portais de notícias UOL e G1, foram publicadas matérias sobre os protestos, repetindo a fórmula panorâmica de descrição dos atos a partir do ângulo das interrupções no transporte e paralisação das rodovias. Nenhuma dessas matérias ganhou destaque na página principal desses portais. Para encontrá-las, os interessados teriam que buscar principalmente na página de últimas notícias ou no buscador do próprio site, o que diminui muito o potencial de audiência dessas notícias.

Censura privada na TV pública

Se o comportamento dos veículos privados de comunicação não chega a surpreender, foi lamentável constatar que as mesmas fórmulas de ocultação e cobertura superficial se aplicaram também à matéria exibida pela TV Brasil, emissora da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), no seu principal telejornal, o Repórter Brasil, na noite de sexta-feira. Em menos de dois minutos, a “reportagem” exibiu trechos dos protestos e paralisações em diversos estados.

Novamente, destaque para os bloqueios de rodovias e paralisações no transporte público e nas escolas. Nenhum porta-voz dos trabalhadores foi ouvido para contextualizar o significado daqueles atos. Oferecer mecanismos para debate público acerca de temas de relevância nacional, como preconiza a lei de criação da EBC, mandou lembranças dessa vez.

Esse episódio não parece estar desconectado da grave intervenção promovida por Michel Temer sobre a EBC, que praticamente eliminou as garantias de autonomia e independência de sua programação frente ao governo, ao extinguir principalmente o Conselho Curador e os mandatos do diretor-presidente e do diretor-geral.

O contraponto

Coube aos meios de comunicação alternativos oferecer uma cobertura decente e proporcional ao tamanho das paralisações e mobilizações da última sexta-feira. Apenas para ficar em um dos exemplos mais expressivos, a Mídia Ninja utilizou seus canais nas redes sociais para distribuir, ao longo de toda a sexta-feira, um rico conteúdo das manifestações, que incluía, principalmente, vídeos e fotos, com registro de paralisações em mais de 20 cidades, incluindo diferentes categorias: metroviários, rodoviários, professores, estudantes, trabalhadores da limpeza urbana, e muito mais.

Vale destacar que, ao contrário da cobertura televisiva, onde as filmagens se deram com distanciamento, partir do topo de edifícios ou do alto dos helicópteros, a cobertura da Mídia Ninja se dá diretamente das manifestações, abrindo espaço para falas dos trabalhadores e capturando uma dimensão mais orgânica do significado desses atos. O portal Brasil de Fato também publicou dezenas de matérias e postagens destacando a abrangência das paralisações em todo o país.

Esse contraponto só reforça uma conclusão inevitável: a grande imprensa só não cobriu o Dia Nacional de Greve porque não quis. Ou melhor, porque tratou-se de uma deliberada decisão editorial de ignorá-lo e, com isso, alienar ainda mais o conjunto da sociedade sobre o debate do presente e do futuro do país.

Não há democracia sem mídia democrática. E, sem democracia, não se constrói um país justo. Re-existir sempre, calar jamais!

*Pedro Rafael é jornalista, mestre em comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e secretário-executivo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Colaboraram Bia Barbosa e Renata Mielli

Participação social é principal pilar da comunicação pública, defendem especialistas e ativistas

A comunicação no Brasil foi implementada com base em uma perspectiva privada. Somente em 2007, com a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), foram dados os primeiros passos para a construção de uma rede de emissoras públicas no país. Porém, desde a sua criação, a empresa sofreu questionamentos quanto à sua atuação e relevância, principalmente por parte de empresários do setor privado de comunicações.

Com a consolidação do impeachment da presidenta Dilma Roussef, várias medidas foram tomadas para enfraquecer a EBC e acabar com seu caráter público. Para debater sobre esse assunto a União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC–Brasil) realizou na última quarta-feira, dia 10, a mesa A Comunicação Pública e seus percalços recentes no Brasil.

Rita Freire, presidenta do Conselho Curador da EBC – extinto com a publicação da Medida Provisória (MP) 744 -, relatou que as medidas que vêm sendo tomadas na empresa desde de que Michel Temer assumiu a Presidência visam não só enfraquecer a empresa, mas também acabar com qualquer possibilidade de fortalecimento da comunicação pública. “Para ser considerada pública, a emissora precisa ter participação social. As decisões que o governo vem tomando estão enfraquecendo todas as emissoras públicas do país”, afirma.

Para Bia Barbosa, coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a experiência do Brasil com a comunicação pública é ainda “embrionária”, surgindo com um problema já em sua origem: a vinculação com a Secretaria de Comunicação do Governo (Secom). “Como pode uma empresa pública estar vinculada ao setor que é responsável por fazer a assessoria do governo”, questiona.

Apesar da crítica pontual, Barbosa afirma que a EBC é um “embrião é fundamental” para a consolidação de uma rede de comunicação pública. “A extinção do Conselho Curador transformou a EBC em uma empresa meramente governamental, algo que era interesse de muitos parlamentares e de grandes grupos de comunicação que estão tendo a conta paga por apoiar o golpe”, frisou. Ela destacou que, nos últimos dias, algumas pautas têm sido aprovadas a toque de caixa no Congresso Nacional, entre elas a anistia aos concessionários de rádio e TV com outorgas vencidas e a aprovação da “flexibilização” de veiculação da Voz do Brasil.

Ivonete Lopes, pesquisadora do Copráticas – Grupo de Pesquisa em Comunicação e Práticas Sociais daUniversidade Federal de Viçosa, apresentou duas hipóteses para as mudanças que vêm ocorrendo na EBC. Uma seria o potencial visto pelos gestores na sua promoção pessoal. A outra seria a reserva de mercado, buscando o benefício de algum grupo específico. “A compra de conteúdo da Rede Globo anunciada essa semana pela presidência da empresa evidencia essa segunda tese”, apontou ela.

Lopes afirmou que, durante todos os anos de existência da EBC, a Rede Globo sempre recebeu uma verba muito maior em publicidade do governo em relação à própria EBC. “A Empresa Brasil de Comunicação  abriu caminhos para uma programação diferenciada, que aborda a diversidade e pluralidade do país, e consegue produzir e inovar mesmo com o contingenciamento do governo”, destacou.

A professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) Nélia Del Bianco defende que a lei de criação da EBC nos aproximou dos princípios defendidos pela Unesco para uma comunicação pública. “Universalidade, Diversidade, Independência e Diferenciação são as balizas para cumprirmos o caráter público de uma empresa. Com a extinção do Conselho Curador, nos afastamos cada vez mais destes princípios”.

A professora apontou ainda que, no caminho para a democratização da comunicação no Brasil, ainda temos muito que avançar. Pois “o oligopólio irrestrito dos meios de comunicação de massa não fornece condições reais para a formação de uma opinião pública livre e autônoma”, relatou.

Empresa Brasil de Comunicação

A EBC é uma empresa pública criada em 2007 no contexto do sistema público de comunicação previsto na Constituição Federal em complementaridade aos sistemas privado e estatal. É gestora da TV Brasil, Agência Brasil, Radioagência Nacional, das rádios Nacional AM do Rio, Nacional AM e FM de Brasília, Nacional OC da Amazônia e Nacional AM e FM do Alto Solimões, bem como das rádios AM e FM MEC do Rio de Janeiro. É também responsável pela Voz do Brasil e pelo canal de TV NBR, que veicula os atos do governo federal.

A empresa divulga conteúdos jornalísticos, educativos, culturais, esportivos e de entretenimento, buscando expressar a diversidade e pluralidade brasileiras. A estrutura prevista no decreto de criação contava com: Assembleia Geral; órgãos da administração, que são o Conselho de Administração e a Diretoria-Executiva; e órgãos de fiscalização, que são o Conselho Curador e o Conselho Fiscal, mais Auditoria Interna.

Medida Provisória 744/2016

A MP 744, publicada no dia 2 de setembro no Diário Oficial da União (DOE), apresenta alterações que atacam a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a participação da sociedade civil nas decisões da empresa, acabando com seu Conselho Curador.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Avanço do PL 3453 pode minar ampliação da inclusão digital

Por Marina Pita*

Não foi fácil acordar na quarta-feira 9. A mensagem com a notícia da confirmação da tragédia apitou no celular ainda de madrugada: Trump eleito presidente dos Estados Unidos. Logo as análises, opiniões e muitos, muitos lamentos tomaram as redes.

Agora, por favor, respire um pouquinho.Se o seu 9 de novembro foi assim, ou parecido com isso, saiba: você é um privilegiado. Na sua residência, há acesso à internet, certo?

Pois 50% dos brasileiros não têm acesso à web – tampouco às notícias, análises, opiniões ou direito a lamentos – no Brasil.

E os parlamentares brasileiros estão prestes a destruir a chance de incluirmos digitalmente todos os brasileiros, com o avanço do Projeto de Lei 3453/15 na Câmara dos Deputados – o presente de papai Noel para as teles.

Na quarta-feira 9, o PL 3453/15 foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania por 36 votos favoráveis e 11 contrários. A boa notícia é que partidos da base do governo, tais como DEM, PSC e PSB votaram ao lado dos que defendem os direitos dos consumidores e cidadãos, mesmo o PL representando o avanço de uma agenda prioritária para o governo Temer.

Agora, para ampliar o debate, já há organização de recurso e coleta de assinaturas de deputados para que a votação do PL vá para plenário, mais uma boa notícia, uma vez que as discussões públicas têm constrangido alguns parlamentares e virado o voto de outros.

Fonte: Coalizão Direitos na Rede
Campanha defende direitos de usuários da internet. Fonte: Coalizão Direitos na Rede

A audiência pública sobre o PL – realizada por pressão da sociedade civil, que entende que uma mudança na Lei Geral de Telecomunicações não pode ocorrer sem um mínimo de debate – abriu os olhos de parte dos parlamentares.

Na CCJ, vários se manifestaram sobre o PL no sentido de que permite uma entrega absurda de patrimônio público e reduz a capacidade de regulação do Estado justamente em um setor conhecido por ser um dos piores prestadores de serviço do país.

A entrega de patrimônio

Para começo de conversa, em momento de avanço do Projeto de Emenda Constitucional chamado “teto dos gastos públicos”, de apelido PEC 241, o governo Temer pretende abrir mão de R$ 100 bilhões em bens.

Este dinheirão, em forma de infraestrutura, é público, ou seja, da população brasileira, uma vez que foram construídos com uma série de isenções e suporte do Estado brasileiro – leia-se, com impostos que nós pagamos.

De acordo com o contrato de concessão das telecomunicações, realizado em 1998 por meio da privatização do sistema Telebras, findado o prazo de outorga, o Estado retomaria a posse dos bens necessários para oferta do serviço (por isso são chamados de bens reversíveis) e iniciaria um novo processo de concessão da prestação do serviço, por determinado valor, incluindo obrigações de preço, continuidade do serviço e universalização.

Agora, com a aprovação do PL 3453/15, esses bens, que fazem parte da outorga de telefonia fixa, não voltam mais para o Estado. E não tem mais concessão, não tem infraestrutura pública – e estratégica.

O mais importante: não tem modicidade tarifaria e obrigação de universalização do serviço. Isso significa que os instrumentos públicos para universalizar um serviço de telecomunicações no Brasil serão destruídos sem que nada os substitua, a não ser que a gente comece a acreditar na boa vontade das empresas.

As concessionárias argumentam que descaracterizar a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) é melhor para o país, porque o sistema de telefonia fixa não interessa mais a ninguém. Mas estão confundindo os serviços com os bens que o suportam.

Por mais que muita gente já tenha deixado de usar a telefonia fixa, há toda uma infraestrutura de suporte do serviço que pode ser fundamental para a inclusão digital.

É preciso descontruir a ideia de que todo o cabo de cobre instalado não vale nada, que é tecnologia ultrapassada. Na verdade, hoje, mais de 50% do provimento de banda larga fixa se dá sobre estas redes.

Em vez se discutir qual o nível de flexibilização nas obrigações de oferta de telefonia fixa – com menos orelhões, por exemplo – e incluir obrigações de oferta de infraestrutura para a internet com preço acessível e serviço de qualidade, o PL 3453 joga tudo por água abaixo.

Veja bem, os cabos de cobre usados na telefonia fixa podem entregar, por meio do padrão VDSLs, 100 Mbps. Isso é uma velocidade absurda se observarmos o padrão das conexões no Brasil.

De acordo com a última pesquisa TICs Domicílios, de 2015, 22% dos domicílios brasileiros tinham conexão de até 2 Mbps. Apenas 12% dos domicílios brasileiros têm velocidade acima de 10 Mbps.

E, ainda, um novo padrão para uso na infraestrutura de telefonia fixa, o G.fast, desenvolvido pela União Internacional de Telecomunicações (UIT, na sigla em inglês), combinado com fibra óptica, pode oferecer 500Mbps – até 1Gbps, em teoria.

Não se avalia, como faria um gestor sério, a infraestrutura de telefonia legada do país para ter parâmetros objetivos de análise se a adoção de um desses padrões ou algum outro pode ajudar a acelerar, a menor custo, a universalização da banda larga.

Com os olhos voltados apenas aos interesses das empresas, e não do cidadão, o governo – não diretamente eleito, por coincidência – está entregando toda essa infraestrutura para a iniciativa privada.

O PL 3453 permite que as empresas usem os valores das redes associadas – cerca de R$ 74 bilhões – para construção de infraestrutura privada, só para elas – onde quiserem e para cobrar o preço que quiserem.

O pior cego é o que não quer ver

Não bastasse o PL 3453 querer entregar uma infraestrutura da União para a iniciativa privada sem garantias de investimento conforme as necessidades de custo e geografia do país hoje, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ainda está jogando o preço dos ativos para baixo.

Com isso, o montante que as concessionárias teriam que investir em rede de fibra óptica em troca dos bens reversíveis será pequeno em comparação com o valor real da rede.

Em 2013, o Tribunal de Contas da União estimou em R$ 105 bilhões os bens reversíveis. Atualmente, o governo fala que estes mesmos bens reversíveis valeriam menos de R$ 20 bilhões. O pior cego é aquele que não quer ver, já diria o ditado.

Mas nestes tempos sombrios, quem tem um olho, e uma conexão, pode ser rei.

Precisamos nos mobilizar. A sociedade civil está unindo forças na Coalizão Diretos na Rede, que atualmente realiza a Campanha Internet Sob Ataque, que conta com site e página nas redes sociais onde demais materiais sobre o tema podem ser encontrados. Junte-se a nós. Ainda há o debate no plenário da Câmara dos Deputados antes de o projeto ir para análise pelo Senado Federal.

*Marina Pita é jornalista e integra o Conselho Diretor do Coletivo Intervozes