Relator da ONU vê excesso de meios comerciais na América Latina

“Os conglomerados sentem que a liberdade de imprensa é a única liberdade de expressão que existe e entendem imprensa apenas como meios comerciais”, afirmou o relator especial para promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão da Organização das Nações Unidas, Frank de la Rue, em visita a São Paulo no último dia 13. Segundo ele, as grandes empresas desprezam a existência do direito de se expressar pela arte, religião e outras formas de manifestação, assim como desconsideram outras maneiras de se exercer o jornalismo, como por meios comunitários, blogs etc.

Trazido ao Brasil pela campanha “Para expressar a liberdade”, o representante da ONU defendeu durante conversa realizada com a sociedade civil, no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, que a liberdade de imprensa deve ser compreendida como parte do direito à liberdade de expressão e “o jornalismo se define pela sua função”, pelo papel que desempenha, e não por seu caráter profissional.

La Rue defendeu publicamente a Lei de Meios da Argentina, pois não vê nela a intervenção de um governo na liberdade de opinião pública, e sim uma iniciativa no sentido de equilibrar o setor ampliando a diversidade e participação. “Na América Latina tem se visto os meios de comunicação unicamente pela ótica comercial, o que é um erro”, declarou.  Para a efetivação do direito à liberdade de expressão, o relator defende que os princípios mais importantes são a “diversidade de meios” e a “pluralidade de ideias”.

O representante da ONU, que vive na Guatemala, relatou também ter recebido muitos depoimentos de jornalistas na América Latina que têm sido “acossados” pela justiça, resultando em constrangimento por meios de sanções que impedem o livre exercício de suas atividades. Ficam assim comprometidas as iniciativas de produzir informações e tecer análises críticas, fundamentais à liberdade de expressão, de forma independente. O relator da ONU defende que a difamação não seja mais tratada de forma penal, mas sim civil, garantindo assim condições para que se exerça a crítica necessária para a democracia, principalmente quando esta se dirige ao exercício de funções públicas.

Segundo Frank de La Rue a redação do artigo 20 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), em que consta que “todo o apelo ao ódio nacional, racial e religioso que constitua uma incitação à discriminação, à hostilidade ou à violência deve ser interditado pela lei” deveria ser estendida aos temas do gênero, infância e orientação sexual. Assim, ainda que não defenda uma regulação dos conteúdos por parte do Estado, o relator disse que considera importante criar mecanismos na sociedade para se precaver do discurso do ódio.  “O ódio não é só um sentimento, mas um sentimento que produz ação”, afirmou.

Considerando que o direito à liberdade de expressão deve ser compreendido como universal, interdependente e inter-relacionado com os demais direitos humanos, La Rue falou, durante um debate na Câmara Municipal de São Paulo na noite de quinta, que se surpreendeu com a possibilidade do Supremo Tribunal Federal de suspender a classificação indicativa.  O relator da ONU disse que compreende a proteção da infância como prioridade no cumprimento de funções do Estado e que “a própria liberdade de expressão pode estar ameaçada se ela se exerce contrariando outros direitos”.  Nesse sentido, uma política de classificação indicativa, a classificação dos horários de transmissão de determinados conteúdos, “é normal”.

Movimento #YoSoy132 luta por mudanças no México

Um movimento que surge a partir de protestos contra um candidato à presidência do México e, de maneira espontânea, toma grandes proporções adotando a democratização da comunicação como um dos seus principais eixos de luta. Trata-se do movimento #YoSoy132 que, nos últimos sete meses, tem levados milhares de mexicanos às ruas e provocado reflexões entre a população sobre diversos temas da política nacional, sobretudo no que se refere à manipulação da informação e concentração dos meios de comunicação.

O movimento começou no início de maio, quando o candidato à presidência do México pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI), Enrique Peña Nieto, foi visitar a Universidade Iberoamericana. O candidato, que representa uma linha política conservadora e de direita no país, foi recebido pelos estudantes da universidade com muitas críticas e reagiu de forma autoritária às contestações, o que só gerou mais protestos.

“No dia seguinte aos protestos, os estudantes da Universidade Iberoamericana observaram que a televisão e os jornais fizeram uma cobertura completamente distorcida do que ocorreu: disseram que nada havia acontecido a Peña Nieto e reproduziram a fala do presidente do PRI, que disse que aqueles protestos eram forjados, não eram autênticos”, conta Joel Ortega, mestrando da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e uma das lideranças do #YoSoy132 hoje.

Ortega conta que a partir desse episódio os estudantes se deram conta de que os meios de comunicação estavam desempenhando um papel questionável. Além disso, ficava claro que a Televisa, maior rede de televisão do México, estava manipulando a informação a favor de Peña Nieto.

O movimento passou a se chamar #YoSoy132 depois que os estudantes da Universidade Iberoamericana produziram um vídeo desmentindo a informação repercutida pela grande imprensa mexicana. “O vídeo reuniu 131 estudantes que diziam 'Sou estudante e tenho direito de protestar'. Os estudantes afirmavam que o protesto havia sido autêntico, e não forjado, como afirmou o presidente do PRI e repercutiu a imprensa. Depois desse vídeo, estudantes de outras universidades e pessoas de outros espaços da sociedade começam a dizer: 'eu sou 132'”, explica Ortega.

A partir daí, estudantes da Universidade Iberoamericana e de várias outras universidades do México (cerca de 20) começaram a se organizar em assembleias e, por meio de convocatórias abertas divulgadas basicamente pelas redes sociais, foram se mobilizando em marchas que chegaram a reunir até 10 mil manifestantes na capital do México. “As pessoas foram se organizando de maneira espontânea, independente, com a intenção clara de evitar que Peña Nieto chegasse à presidência”, comenta o representante estudantil.

Tania Arroyo, doutoranda da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), ressalta que, além da linha de mobilização e protesto, o #YoSoy132 também vem elaborando propostas que compõem o programa de lutas do movimento. “Essas propostas são elaboradas em grupos de trabalho, que aprofundam as discussões sobre vários temas de interesse da sociedade. Além da democratização dos meios de comunicação, há outros seis eixos em torno dos quais circula o nosso programa de lutas: mudança do modelo educativo; mudança no modelo econômico neoliberal; mudança no modelo de segurança; transformação política e vinculação com os movimentos sociais; migração e feminismo e diversidade sexual”, explica a estudante que integra o grupo de trabalho que discute a comunicação no México.

Grupo de trabalho

Segundo Tania Arroyo, representantes de 20 assembleias do movimento #YoSoy132 compõem o grupo de trabalho que discute a democratização dos meios de comunicação no México. “Elaboramos um diagnóstico e formulamos um documento com os seis pontos que o movimento considera fundamentais para a democratização dos meios de comunicação no país entre eles o estabelecimento de um sistema de meios constituído por três setores (público, comercial e comunitário) e o reconhecimento do exercício da comunicação como um serviço público”, conta Tania.

A estudante acrescenta que a discussão sobre comunicação feita dentro do #YoSoy132 fez com que organizações como a Associação Mexicana de Direito à Informação (Amedi) e a Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc),  que vem trabalhando historicamente com o tema no México, estabelecessem diálogos com o movimento, o que vem gerando uma articulação conjunta que resultou, recentemente, na elaboração de dez pontos para a democratização dos meios. “Chamamos esse documento de Documento de Exigências Mínimas (D.E.M.). Nele, se estabelecem as propostas de forma mais clara e, paralelamente, fizemos um plano de trabalho e um plano de ação. O movimento agora está a discutir se elabora uma proposta nova de lei para regular a mídia ou se elabora uma proposta de reforma constitucional”, explica Tania.

Tania avalia que, ao elaborar essa demanda, o movimento contribui para posicionar a questão da democratização dos meios de comunicação na agenda nacional, repercutindo a questão e colocando-a como um problema importante do país. “Se gerou um tema de repercussão nacional na agenda pública e evidentemente que tem uma repercussão importante na população. Não digo em toda ela, mas em setores importantes chegou à consciência de que existe uma manipulação da informação nos meios. E isso é um grande ganho”, considera a estudante.

Manifestantes exigem de deputados a imediata regulação da publicidade infantil

Cansados de esperar, diversos atores da sociedade civil realizaram um ato público na manhã desse dia 12 de dezembro, quarta-feira, no Congresso Nacional, exigindo a imediata regulação da publicidade infantil. O Projeto de Lei 5.921/2001, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que proíbe a publicidade e propaganda para a venda de produtos infantis, já tramita há onze anos na Câmara dos Deputados Federais sem que tenha uma votação definitiva.
 
O ato público teve como objetivo principal não permitir que o tema da publicidade infantil seja esquecido no emaranhado e na morosidade de tramitações da Câmara. O Instituto Alana, que organizou a manifestação, e entidades que apóiam a regulação da publicidade infantil fizeram visitas aos deputados, entregando em seus gabinetes um pedido de urgência no encaminhamento do projeto.

Para o deputado Domingos Dutra (PT-MA) e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minoria, a "campanha busca sensibilizar o plenário para colocar o projeto em pauta de votacão". A deputada Luiza Erundina (PSB-SP), afirmou que a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom) estará mobilizada para levar o projeto à votação. Erundina aponta a necessidade de uma "mobilização nacional que pressione o Congresso para que responda ao anseio da sociedade para regular a publicidade voltada às crianças".

O PL 5.921/2001 aguarda na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) o parecer do relator Salvador Zimbadi (PDT/SP) há quase 2 anos. Após sua aprovação no órgão o documento deve seguir ainda para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), que avaliará os aspectos jurídicos e encaminhará a questão para o Senado.
 
O autor do projeto, deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), rebateu o principal argumento dos empresários, que existe no país uma auto-regulação eficiente. Ele afirmou "que não há e nem haverá auto-regulação da publicidade no país, o interesse econômico das empresass falam mais alto que o interesse civilizatório".

Pressão dos radiodifusores

De acordo com Álvaro Neiva, mestre em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o principal responsável pela obstrução da regulação da publicidade infantil são os empresários ligados à radiodifusão. “Há outros setores do mercado envolvidos (como fabricantes de brinquedos e outros), mas sem dúvida eles mantém o mais poderoso lobby no Congresso Nacional, pressionando para evitar a aprovação da regulação do tema”, afirma.

Segundo o pesquisador, que estudou em seu mestrado as disputas em torno da regulação da classificação indicativa para TV, para os radiodifusores compensa mais gastar dinheiro com a obstrução da regulação da publicidade do que refletir sobre formas alternativas de financiamento. “Além disso, há uma importante razão política: os radiodifusores estão há décadas empenhados em convencer a sociedade brasileira de que qualquer tipo de regulação é uma ameaça à democracia”, completa Neiva.

“Ley de Medios” mobiliza sociedade contra monopólios

Nas ruas de Buenos Aires, cartazes e grafites expressavam a expectativa de boa parte da população argentina que, desde 2009, aguarda a efetivação da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, mais conhecida como “Ley de Medios”. “Monopolios o nación”, aponta categoricamente o impresso afixado no muro; “Clarín miente”, diz a pichação feita no alto de um dos muitos prédios novecentistas da capital argentina. As distintas formas de manifestação assinalavam a chegada do “7D”, ou 7 de dezembro, dia estabelecido pela Suprema Corte do país, em maio último, como prazo para que as empresas de comunicação apresentassem planos de adequação à nova legislação. Dentre outros pontos, as novas regras prevêem a divisão equânime do espectro eletromagnético entre entes públicos, privados e sem fins lucrativos.

Às vésperas da tão aguardada data, tema de ampla campanha do governo da presidenta Cristina Fernández de Kirchner, contudo, os juízes da Câmara Civil e Comercial Federal, Francisco de las Carreras e María Susana Najurieta, decidiram prorrogar a medida cautelar que mantém suspenso o artigo 161. Conforme este ponto da lei, caso os titulares das licenças de serviços não atendam à norma no prazo estabelecido, poderão tê-las transferidas. Na prática, com a implementação do regulamento, as empresas teriam que abrir mão do excesso de concessões que possuem. O grupo Clarín, por exemplo, ao invés das 240 concessões no sistema de cabo, nove rádios AM, uma FM e quatro canais na televisão aberta que detém hoje, passaria a ter até 24 licenças de TV a cabo, 10 emissoras de rádio e uma de TV aberta.

A suspensão deu seguimento à intensa disputa pública que se dá, dia a dia, desde que fora aprovada a lei. A amplitude da discussão que ocupa as capas dos principais periódicos em circulação pode ser percebida em conversas nos cafés, paradas de ônibus, táxis e afins. Toda a cidade debate seu sistema de comunicação. Para muitos defensores da lei, esse cenário já pode ser apontado como uma grande conquista. É o que defende a jornalista Mariana Moyano, professora da Universidade de Buenos Aires e integrante da equipe do programa “6, 7, 8”, atração da TV pública voltada à leitura crítica dos meios. De acordo com ela, “O debate e o nível de consenso a que chegou essa lei permitiu que as pessoas se apropriassem do tema. O principal grupo de oposição a ela hoje tem que se colocar contra uma lei democraticamente aprovada, pondo em risco, inclusive, sua credibilidade”.

Moyano afirma sem pestanejar: “O rei está nu”. De fato, o que ocorre na Argentina demarca uma ruptura com o silêncio imposto durante décadas em relação à organização e aos interesses que envolvem os meios de comunicação, assim como acontece em toda a América Latina. Naquele país, a intensa mobilização das entidades da sociedade civil organizada, desde 2004, em torno da Coalición por uma Radiodifusión Democrática, levou à compreensão de que era necessário mudar a legislação que organizava o sistema de comunicação. Fruto do período ditatorial, a Lei 22.285, de 1980, estabelecia limites à liberdade de expressão ao condicioná-la às chamadas “necessidades de segurança nacional” e legitimava o Comitê Federal de Radiodifusão (Comfer), organismo que tinha a função de supervisionar o conteúdo das emissoras e controlar o serviço de radiodifusão.

Além disso, a norma tratava a comunicação como negócio, por isso apenas entidades com fins lucrativos poderiam possuir licenças para explorar o serviço de radiodifusão. Isso significa que sindicatos, cooperativas, associações comunitárias e outros grupos estavam terminantemente excluídos do acesso aos meios, ambientes privilegiados para a disputa de ideias na sociedade contemporânea. As mudanças posteriormente efetivadas por governos democráticos, promovidas sob a égide da lógica neoliberal, não mudaram tal situação, ao contrário, reforçaram a concentração dos meios através da privatização e da fusão de empresas da indústria audiovisual, além de abertura de espaços para entidades estrangeiras.

“A ‘Ley de Medios’, ao contrário, parte da compreensão de que a comunicação é um direito humano.”, explica o integrante do Fórum Argentino de Rádios Comunitárias (Farco), Néstor Busso. “Tomamos a comunicação como um direito humano, não como um negócio comercial ou um produto”, defende. As consequências de tal perspectiva estão inscritas na lei: o espectro eletromagnético é compreendido como um bem público que deve ser usufruído pelos diversos entes da sociedade de forma igualitária e a multiplicação das vozes veiculadas através dos meios de comunicação é assegurada tanto através dos mecanismos de fomento à produção quanto pelos limites postos à concentração, dentre outras medidas.

Embora a integralidade da norma ainda não esteja plenamente assegurada, suas consequências já podem ser diagnosticadas.  No mesmo dia 7 de dezembro, por exemplo, foi inaugurada a transmissão do canal de televisão intercultural Wall Kintun TV, da comunidade mapuche Buenuleo, de Bariloche. Pela primeira vez, comunidades indígenas e trabalhadores da região puderam veicular suas histórias e imagens, fazendo frente ao único canal aberto que até então existia ali, o Canal 6, que pertence ao grupo Clarín. A Escuela Popular de Medios Comunitarios, localizada em Buenos Aires, também criada após a aprovação da nova lei, é outro exemplo do resultado da democratização da palavra que agora segue em curso na Argentina.

"Ley de Medios" se baseia em entendimento internacional e ampla participação popular

O advogado Damian Loretti, que contribuiu para a elaboração da proposta apresentada pela sociedade civil e incorporada pelo governo, explica que para avançar rumo à garantia do direito à comunicação a lei foi produzida a partir de diálogos com regramentos internacionais sobre direito à comunicação que foram fixados, por exemplo, pela Organização das Nações Unidas e pela Organização Internacional do Trabalho, bem como pelas leis antimonopólicas existentes em diversos países, dentre eles os Estados Unidos. Mesmo o capítulo que trata do desinvestimento – o que tem gerado a maior polêmica – é baseado no documento Indicadores de Desenvolvimento Midiático, publicado pela Unesco em 2008. O texto sustenta que, para incrementar o pluralismo e a diversidade nos meios, “as autoridades responsáveis de executar as leis antimonopólios contam com as atribuições suficientes, por exemplo, para negar as solicitações de licenças e para exigir o desinvestimento nas operações midiáticas atuais quando a pluralidade esteja comprometida ou se alcancem níveis inaceitáveis na concentração da propriedade”.

Loreti pondera o fato de a lei ater-se ao conteúdo dos meios, não à tecnologia utilizada para que possam chegar ao público. Ele destaca ainda os mecanismos de controle e participação social estabelecidos, tais como audiências públicas; criação da Defensoria do Público; medidas para tornar os conteúdos acessíveis às pessoas com deficiência; proteção para crianças e adolescentes; definição dos direitos do público e, inclusive, dos sentidos e funções do sistema público de comunicação. Tudo isso foi fruto de “um empoderamento concreto dos direitos de quem assiste cotidianamente as telas ou o rádio”, defende Loreti, que pontua o processo amplo de consulta popular ao qual foi submetido o projeto de lei. Além de basear-se nas propostas apresentadas pela citada coalizão, frente que reuniu centenas de personalidades e organizações políticas, dentre as quais centrais sindicais, universidades, sindicatos e movimentos sociais, o projeto de lei incorporou mais de cento e sessenta propostas apresentadas em audiências públicas e que estão apontadas no texto – que cita, inclusive, os nomes de seus propositores.

A consistência da lei e sua contribuição para a garantia de direitos são reconhecidas por entidades internacionais. Em entrevista recente, o Relator Especial para a Liberdade de Expressão das Nações Unidas, Frank La Rue, afirmou que “a Argentina está assentando um precedente muito importante. Não só no conteúdo da lei, porque o projeto original que vi é o mais avançado que existe no mundo em lei de telecomunicações, mas também no procedimento que se seguiu, o processo de consulta popular. Parece-me que esta é uma lei realmente consultada com seu povo”. Já a ONG Repórteres Sem Fronteiras emitiu nota em apoio à “Ley de Medios”, na qual destacou ser a proposta um exemplo para a garantia da liberdade de notícias e informações.

Agora, a sociedade argentina aguarda nova manifestação da Suprema Corte, que já foi provocada pelo governo do país. Para pressioná-la, movimentos sociais e defensores da proposta foram à Praça de Maio no domingo, 09. O ato, convocado pelo governo para comemorar o aniversário da recuperação da democracia e o Dia Internacional dos Direitos Humanos, contou com milhares de pessoas, muitas das quais produtoras de comunicação e cultura. Entre microfones, lentes, percussões e vozes, um sentimento: é necessário mudar a comunicação para consolidar a democracia e garantir que o enfrentamento ao monopólio possa dar lugar à diversidade de vozes e de culturas que existem no país.

“O que a Argentina necessita é o triunfo da democracia sobre os interesses corporativos”

Martín Sabbatella teve uma das semanas mais intensas de sua carreira política. Permaneceu até meia-noite do 7D no edifício da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca), apesar da decisão da Câmara Civil e Comercial, que prorrogou a medida cautelar do Grupo Clarín, impedindo o início da aplicação plena da Lei de Meios, sancionada a três anos. De bom humor e com poucas horas de sono, Sabbatella prefere fincar o pé na metade cheia do copo, em vez de deixar-se levar pelo gosto amargo da resolução judicial. Numa extensa entrevista ao Página/12, ressalta que mesmo depois de conhecida a decisão da Câmara, sete grupos apresentaram seu plano de adequação, entre eles Telefe, o Grupo Prisa e Cadena 3. “A decisão da Câmara foi contra o espírito da Corte e a desobedece”, assegura o titular da Afsca, que deposita suas expectativas em uma breve decisão do tribunal superior.

Qual é a sensação depois de ter depositado tanta expectativa no 7D?

O 7D é um dia muito importante para a aplicação da lei, apesar da resolução vergonhosa da Câmara. Todos os grupos, menos o Clarín, apresentarão seus planos de adequação. O objetivo do 7 de dezembro era que todos os grupos o fizessem antes desse dia e se cumpriu o objetivo, salvo por um pequeno grupo. É um reconhecimento da lei e da Afsca como autoridade executiva. E é uma coisa óbvia, mas é o reconhecimento do conjunto dos empresários, da imensa maioria, de que a lei é igual para todos e que ninguém pode ter privilégio. Até o sócio mais importante do Clarín, Fintech Advisory, se apresenta e diz que não quer ser arrastado até a ilegalidade. Ademais, se pôs em andamento o primeiro canal mapuche (etnia indígena sulamericana) em Bariloche, que expressa a essência da lei: que todos possamos usar da palavra, que se expressem todas as tradições e culturas do nosso país.

O que vai ser agora dos grupos que não tem cautelar?

Não temos uma resolução. Até agora temos trabalhado na análise dos planos de adequação. O espírito da Afsca sempre foi que não haja diferenças e as regras sejam iguais para todos. Esperamos que a Corte resolva isto rapidamente porque nos parece sinceramente uma barbaridade o que tem se passado na Câmara. Essa situação ratifica o que vínhamos dizendo: a conivência de uma parte da Justiça com grupos econômicos corporativos. E também demonstra uma questão mais profunda, que uma grande parte da Justiça não está preparada para enfrentar as corporações porque está colonizada por elas. Quando Néstor Kirchner disse que não ia deixar as convicções na porta da Casa Rosada estava dizendo que as decisões são tomadas na Casa do Governo. Por tanto, as toma o povo através de seus representantes e não o CEO de una empresa ou um diretor executivo de um organismo internacional em Washington.

Diferentes atores do Poder Judicial tem colocado a existência de pressões por parte do Governo…

Esta é uma lei que está promulgada há três anos e não se pode aplicar. Qual é a pressão do Governo? Quem pressiona à Justiça? O que é evidente é que houve uma quantidade de medidas que travaram a aplicação da lei fruto da pressão das corporações. Quando falam de negação de justiça, a quem se negou o direito de ter justiça? À sociedade argentina que não pode ter uma lei que democratiza a palavra e garante o direito à informação. Não se pode pôr em igualdade de condições o Estado e uma lei da democracia com um grupo que desafia a lei e o Estado de direito e quer permanecer por cima. O que a Argentina necessita é o triunfo da democracia sobre os interesses corporativos.

Que expectativa têm a respeito da Corte Suprema?

O ideal seria que a Corte resolvesse a questão de fundo. Há dois pedidos, um que fez a Afsca, pedindo que assuma o tema da nulidade da prorrogação da cautelar e outro que fez a Chefia de Gabinete pedindo o per saltum. Assim não é possível seguir. Toda lei é constitucional até que haja uma sentença firme que diga o contrário, senão não há ordem jurídica possível.  Se cada vez que um senador ou deputado perde uma votação vai à Justiça, a instabilidade institucional seria a regra. Seria impossível governar.

A oposição diz que, se a Corte decide a favor do Clarín, o Governo “vai contra a Corte”…

Não tenho nenhuma dúvida da constitucionalidade da lei e de que isto termina com sua aplicação. Assim esperamos que a Corte resolva rapidamente. Se pede à Corte, que gerou muitas expectativas com sua renovação, que esteja à altura das demandas das instituições da democracia. Ademais, a Corte falou primeiro de um tempo razoável para a cautelar, depois se deu conta de que isso não chegava e lhe deu um limite concreto. Inclusive disse que não há risco para a liberdade de expressão e que se aplique a lei além da resolução da questão de fundo. A Câmara foi contra o espírito da Corte e a desobedece. Isso é gravíssimo. A Justiça tem que colocar-se e liberar-se das pressões corporativas, porque nossa democracia o necessita.

Indo às críticas que se colocam sobre a lei, tanto na sua aplicação como no seu texto, se vê o caso de Telefe. Além da questão meramente jurídica, se a Telefônica da Espanha controla a Telefônica da Argentina e também controla a Telefe, por mais que estas últimas não estejam vinculadas entre si, não atenta contra o espírito da lei que excluiu prestadores de serviços públicos do mercado da comunicação?

No caso da Telefe nós lhe colocamos três temas. Um vinculado aos capitais estrangeiros, no que se remetem à lei de bens culturais, que esclarece especificamente que as empresas constituídas antes de sua sanção estão isentas desse requisito. Outro tema é a respeito da cota de mercado de 35 por cento, no que reconhecem que estão excedidos e apresentarão sua proposta de adequação. Agora, a respeito do tema de serviço público, para definir a incompatibilidade, a lei pede que haja relação controladora/controlada. A Telefônica da Argentina não tem essa relação com a Telefe. Alguém pode opinar que a lei teria que esclarecer que, se compartilham o mesmo fundo de investimento, já deveria ser um caso de incompatibilidade, mas não o faz. E nosso papel é aplicar a lei. Temos que ver se os planos de adequação de cada um dos grupos cumpre ou não os requisitos. A Afsca tem 120 dias para analisar, dentro desses, há 10 dias para correções e observações que a Afsca faça ao grupo. E depois tem até 180 dias de prazos de execução.

Acredita que a lei poderia não ser aplicada antes de terminar o governo de Cristina Fernández?

Não tenho nenhuma dúvida de que a estratégia do Clarín é não cumprir a lei, sustentar sua situação de privilégio e seguir ferindo o direito à informação. Para isso buscam qualquer estratégia para consegui-lo. Construir cenários políticos para fazer isto. Esse é o acordo concreto que têm com o arco opositor, ainda que seja evidente que tenham um problema grave, que é que todo esse arco opositor não se constituir como alternativa no país porque não tem um projeto. A única coisa que os une é opor-se. Muitas vezes esse arco opositor termina expressando a defesa dos interesses corporativos, vergonhosamente, porque em muitos casos contradizem sua própria historia, sua identidade constitutiva.