Arquivo da tag: Por Sebastian Abrevaya para o Página/12

“O que a Argentina necessita é o triunfo da democracia sobre os interesses corporativos”

Martín Sabbatella teve uma das semanas mais intensas de sua carreira política. Permaneceu até meia-noite do 7D no edifício da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca), apesar da decisão da Câmara Civil e Comercial, que prorrogou a medida cautelar do Grupo Clarín, impedindo o início da aplicação plena da Lei de Meios, sancionada a três anos. De bom humor e com poucas horas de sono, Sabbatella prefere fincar o pé na metade cheia do copo, em vez de deixar-se levar pelo gosto amargo da resolução judicial. Numa extensa entrevista ao Página/12, ressalta que mesmo depois de conhecida a decisão da Câmara, sete grupos apresentaram seu plano de adequação, entre eles Telefe, o Grupo Prisa e Cadena 3. “A decisão da Câmara foi contra o espírito da Corte e a desobedece”, assegura o titular da Afsca, que deposita suas expectativas em uma breve decisão do tribunal superior.

Qual é a sensação depois de ter depositado tanta expectativa no 7D?

O 7D é um dia muito importante para a aplicação da lei, apesar da resolução vergonhosa da Câmara. Todos os grupos, menos o Clarín, apresentarão seus planos de adequação. O objetivo do 7 de dezembro era que todos os grupos o fizessem antes desse dia e se cumpriu o objetivo, salvo por um pequeno grupo. É um reconhecimento da lei e da Afsca como autoridade executiva. E é uma coisa óbvia, mas é o reconhecimento do conjunto dos empresários, da imensa maioria, de que a lei é igual para todos e que ninguém pode ter privilégio. Até o sócio mais importante do Clarín, Fintech Advisory, se apresenta e diz que não quer ser arrastado até a ilegalidade. Ademais, se pôs em andamento o primeiro canal mapuche (etnia indígena sulamericana) em Bariloche, que expressa a essência da lei: que todos possamos usar da palavra, que se expressem todas as tradições e culturas do nosso país.

O que vai ser agora dos grupos que não tem cautelar?

Não temos uma resolução. Até agora temos trabalhado na análise dos planos de adequação. O espírito da Afsca sempre foi que não haja diferenças e as regras sejam iguais para todos. Esperamos que a Corte resolva isto rapidamente porque nos parece sinceramente uma barbaridade o que tem se passado na Câmara. Essa situação ratifica o que vínhamos dizendo: a conivência de uma parte da Justiça com grupos econômicos corporativos. E também demonstra uma questão mais profunda, que uma grande parte da Justiça não está preparada para enfrentar as corporações porque está colonizada por elas. Quando Néstor Kirchner disse que não ia deixar as convicções na porta da Casa Rosada estava dizendo que as decisões são tomadas na Casa do Governo. Por tanto, as toma o povo através de seus representantes e não o CEO de una empresa ou um diretor executivo de um organismo internacional em Washington.

Diferentes atores do Poder Judicial tem colocado a existência de pressões por parte do Governo…

Esta é uma lei que está promulgada há três anos e não se pode aplicar. Qual é a pressão do Governo? Quem pressiona à Justiça? O que é evidente é que houve uma quantidade de medidas que travaram a aplicação da lei fruto da pressão das corporações. Quando falam de negação de justiça, a quem se negou o direito de ter justiça? À sociedade argentina que não pode ter uma lei que democratiza a palavra e garante o direito à informação. Não se pode pôr em igualdade de condições o Estado e uma lei da democracia com um grupo que desafia a lei e o Estado de direito e quer permanecer por cima. O que a Argentina necessita é o triunfo da democracia sobre os interesses corporativos.

Que expectativa têm a respeito da Corte Suprema?

O ideal seria que a Corte resolvesse a questão de fundo. Há dois pedidos, um que fez a Afsca, pedindo que assuma o tema da nulidade da prorrogação da cautelar e outro que fez a Chefia de Gabinete pedindo o per saltum. Assim não é possível seguir. Toda lei é constitucional até que haja uma sentença firme que diga o contrário, senão não há ordem jurídica possível.  Se cada vez que um senador ou deputado perde uma votação vai à Justiça, a instabilidade institucional seria a regra. Seria impossível governar.

A oposição diz que, se a Corte decide a favor do Clarín, o Governo “vai contra a Corte”…

Não tenho nenhuma dúvida da constitucionalidade da lei e de que isto termina com sua aplicação. Assim esperamos que a Corte resolva rapidamente. Se pede à Corte, que gerou muitas expectativas com sua renovação, que esteja à altura das demandas das instituições da democracia. Ademais, a Corte falou primeiro de um tempo razoável para a cautelar, depois se deu conta de que isso não chegava e lhe deu um limite concreto. Inclusive disse que não há risco para a liberdade de expressão e que se aplique a lei além da resolução da questão de fundo. A Câmara foi contra o espírito da Corte e a desobedece. Isso é gravíssimo. A Justiça tem que colocar-se e liberar-se das pressões corporativas, porque nossa democracia o necessita.

Indo às críticas que se colocam sobre a lei, tanto na sua aplicação como no seu texto, se vê o caso de Telefe. Além da questão meramente jurídica, se a Telefônica da Espanha controla a Telefônica da Argentina e também controla a Telefe, por mais que estas últimas não estejam vinculadas entre si, não atenta contra o espírito da lei que excluiu prestadores de serviços públicos do mercado da comunicação?

No caso da Telefe nós lhe colocamos três temas. Um vinculado aos capitais estrangeiros, no que se remetem à lei de bens culturais, que esclarece especificamente que as empresas constituídas antes de sua sanção estão isentas desse requisito. Outro tema é a respeito da cota de mercado de 35 por cento, no que reconhecem que estão excedidos e apresentarão sua proposta de adequação. Agora, a respeito do tema de serviço público, para definir a incompatibilidade, a lei pede que haja relação controladora/controlada. A Telefônica da Argentina não tem essa relação com a Telefe. Alguém pode opinar que a lei teria que esclarecer que, se compartilham o mesmo fundo de investimento, já deveria ser um caso de incompatibilidade, mas não o faz. E nosso papel é aplicar a lei. Temos que ver se os planos de adequação de cada um dos grupos cumpre ou não os requisitos. A Afsca tem 120 dias para analisar, dentro desses, há 10 dias para correções e observações que a Afsca faça ao grupo. E depois tem até 180 dias de prazos de execução.

Acredita que a lei poderia não ser aplicada antes de terminar o governo de Cristina Fernández?

Não tenho nenhuma dúvida de que a estratégia do Clarín é não cumprir a lei, sustentar sua situação de privilégio e seguir ferindo o direito à informação. Para isso buscam qualquer estratégia para consegui-lo. Construir cenários políticos para fazer isto. Esse é o acordo concreto que têm com o arco opositor, ainda que seja evidente que tenham um problema grave, que é que todo esse arco opositor não se constituir como alternativa no país porque não tem um projeto. A única coisa que os une é opor-se. Muitas vezes esse arco opositor termina expressando a defesa dos interesses corporativos, vergonhosamente, porque em muitos casos contradizem sua própria historia, sua identidade constitutiva.