Arquivo da tag: Argentina

“Ley de Medios” mobiliza sociedade contra monopólios

Nas ruas de Buenos Aires, cartazes e grafites expressavam a expectativa de boa parte da população argentina que, desde 2009, aguarda a efetivação da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, mais conhecida como “Ley de Medios”. “Monopolios o nación”, aponta categoricamente o impresso afixado no muro; “Clarín miente”, diz a pichação feita no alto de um dos muitos prédios novecentistas da capital argentina. As distintas formas de manifestação assinalavam a chegada do “7D”, ou 7 de dezembro, dia estabelecido pela Suprema Corte do país, em maio último, como prazo para que as empresas de comunicação apresentassem planos de adequação à nova legislação. Dentre outros pontos, as novas regras prevêem a divisão equânime do espectro eletromagnético entre entes públicos, privados e sem fins lucrativos.

Às vésperas da tão aguardada data, tema de ampla campanha do governo da presidenta Cristina Fernández de Kirchner, contudo, os juízes da Câmara Civil e Comercial Federal, Francisco de las Carreras e María Susana Najurieta, decidiram prorrogar a medida cautelar que mantém suspenso o artigo 161. Conforme este ponto da lei, caso os titulares das licenças de serviços não atendam à norma no prazo estabelecido, poderão tê-las transferidas. Na prática, com a implementação do regulamento, as empresas teriam que abrir mão do excesso de concessões que possuem. O grupo Clarín, por exemplo, ao invés das 240 concessões no sistema de cabo, nove rádios AM, uma FM e quatro canais na televisão aberta que detém hoje, passaria a ter até 24 licenças de TV a cabo, 10 emissoras de rádio e uma de TV aberta.

A suspensão deu seguimento à intensa disputa pública que se dá, dia a dia, desde que fora aprovada a lei. A amplitude da discussão que ocupa as capas dos principais periódicos em circulação pode ser percebida em conversas nos cafés, paradas de ônibus, táxis e afins. Toda a cidade debate seu sistema de comunicação. Para muitos defensores da lei, esse cenário já pode ser apontado como uma grande conquista. É o que defende a jornalista Mariana Moyano, professora da Universidade de Buenos Aires e integrante da equipe do programa “6, 7, 8”, atração da TV pública voltada à leitura crítica dos meios. De acordo com ela, “O debate e o nível de consenso a que chegou essa lei permitiu que as pessoas se apropriassem do tema. O principal grupo de oposição a ela hoje tem que se colocar contra uma lei democraticamente aprovada, pondo em risco, inclusive, sua credibilidade”.

Moyano afirma sem pestanejar: “O rei está nu”. De fato, o que ocorre na Argentina demarca uma ruptura com o silêncio imposto durante décadas em relação à organização e aos interesses que envolvem os meios de comunicação, assim como acontece em toda a América Latina. Naquele país, a intensa mobilização das entidades da sociedade civil organizada, desde 2004, em torno da Coalición por uma Radiodifusión Democrática, levou à compreensão de que era necessário mudar a legislação que organizava o sistema de comunicação. Fruto do período ditatorial, a Lei 22.285, de 1980, estabelecia limites à liberdade de expressão ao condicioná-la às chamadas “necessidades de segurança nacional” e legitimava o Comitê Federal de Radiodifusão (Comfer), organismo que tinha a função de supervisionar o conteúdo das emissoras e controlar o serviço de radiodifusão.

Além disso, a norma tratava a comunicação como negócio, por isso apenas entidades com fins lucrativos poderiam possuir licenças para explorar o serviço de radiodifusão. Isso significa que sindicatos, cooperativas, associações comunitárias e outros grupos estavam terminantemente excluídos do acesso aos meios, ambientes privilegiados para a disputa de ideias na sociedade contemporânea. As mudanças posteriormente efetivadas por governos democráticos, promovidas sob a égide da lógica neoliberal, não mudaram tal situação, ao contrário, reforçaram a concentração dos meios através da privatização e da fusão de empresas da indústria audiovisual, além de abertura de espaços para entidades estrangeiras.

“A ‘Ley de Medios’, ao contrário, parte da compreensão de que a comunicação é um direito humano.”, explica o integrante do Fórum Argentino de Rádios Comunitárias (Farco), Néstor Busso. “Tomamos a comunicação como um direito humano, não como um negócio comercial ou um produto”, defende. As consequências de tal perspectiva estão inscritas na lei: o espectro eletromagnético é compreendido como um bem público que deve ser usufruído pelos diversos entes da sociedade de forma igualitária e a multiplicação das vozes veiculadas através dos meios de comunicação é assegurada tanto através dos mecanismos de fomento à produção quanto pelos limites postos à concentração, dentre outras medidas.

Embora a integralidade da norma ainda não esteja plenamente assegurada, suas consequências já podem ser diagnosticadas.  No mesmo dia 7 de dezembro, por exemplo, foi inaugurada a transmissão do canal de televisão intercultural Wall Kintun TV, da comunidade mapuche Buenuleo, de Bariloche. Pela primeira vez, comunidades indígenas e trabalhadores da região puderam veicular suas histórias e imagens, fazendo frente ao único canal aberto que até então existia ali, o Canal 6, que pertence ao grupo Clarín. A Escuela Popular de Medios Comunitarios, localizada em Buenos Aires, também criada após a aprovação da nova lei, é outro exemplo do resultado da democratização da palavra que agora segue em curso na Argentina.

"Ley de Medios" se baseia em entendimento internacional e ampla participação popular

O advogado Damian Loretti, que contribuiu para a elaboração da proposta apresentada pela sociedade civil e incorporada pelo governo, explica que para avançar rumo à garantia do direito à comunicação a lei foi produzida a partir de diálogos com regramentos internacionais sobre direito à comunicação que foram fixados, por exemplo, pela Organização das Nações Unidas e pela Organização Internacional do Trabalho, bem como pelas leis antimonopólicas existentes em diversos países, dentre eles os Estados Unidos. Mesmo o capítulo que trata do desinvestimento – o que tem gerado a maior polêmica – é baseado no documento Indicadores de Desenvolvimento Midiático, publicado pela Unesco em 2008. O texto sustenta que, para incrementar o pluralismo e a diversidade nos meios, “as autoridades responsáveis de executar as leis antimonopólios contam com as atribuições suficientes, por exemplo, para negar as solicitações de licenças e para exigir o desinvestimento nas operações midiáticas atuais quando a pluralidade esteja comprometida ou se alcancem níveis inaceitáveis na concentração da propriedade”.

Loreti pondera o fato de a lei ater-se ao conteúdo dos meios, não à tecnologia utilizada para que possam chegar ao público. Ele destaca ainda os mecanismos de controle e participação social estabelecidos, tais como audiências públicas; criação da Defensoria do Público; medidas para tornar os conteúdos acessíveis às pessoas com deficiência; proteção para crianças e adolescentes; definição dos direitos do público e, inclusive, dos sentidos e funções do sistema público de comunicação. Tudo isso foi fruto de “um empoderamento concreto dos direitos de quem assiste cotidianamente as telas ou o rádio”, defende Loreti, que pontua o processo amplo de consulta popular ao qual foi submetido o projeto de lei. Além de basear-se nas propostas apresentadas pela citada coalizão, frente que reuniu centenas de personalidades e organizações políticas, dentre as quais centrais sindicais, universidades, sindicatos e movimentos sociais, o projeto de lei incorporou mais de cento e sessenta propostas apresentadas em audiências públicas e que estão apontadas no texto – que cita, inclusive, os nomes de seus propositores.

A consistência da lei e sua contribuição para a garantia de direitos são reconhecidas por entidades internacionais. Em entrevista recente, o Relator Especial para a Liberdade de Expressão das Nações Unidas, Frank La Rue, afirmou que “a Argentina está assentando um precedente muito importante. Não só no conteúdo da lei, porque o projeto original que vi é o mais avançado que existe no mundo em lei de telecomunicações, mas também no procedimento que se seguiu, o processo de consulta popular. Parece-me que esta é uma lei realmente consultada com seu povo”. Já a ONG Repórteres Sem Fronteiras emitiu nota em apoio à “Ley de Medios”, na qual destacou ser a proposta um exemplo para a garantia da liberdade de notícias e informações.

Agora, a sociedade argentina aguarda nova manifestação da Suprema Corte, que já foi provocada pelo governo do país. Para pressioná-la, movimentos sociais e defensores da proposta foram à Praça de Maio no domingo, 09. O ato, convocado pelo governo para comemorar o aniversário da recuperação da democracia e o Dia Internacional dos Direitos Humanos, contou com milhares de pessoas, muitas das quais produtoras de comunicação e cultura. Entre microfones, lentes, percussões e vozes, um sentimento: é necessário mudar a comunicação para consolidar a democracia e garantir que o enfrentamento ao monopólio possa dar lugar à diversidade de vozes e de culturas que existem no país.

Partidários da Lei de Meios denunciam corrupção de juízes

A prorrogação da medida cautelar que impede a implementação da “Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual” (Lei de Meios) na Argentina aconteceu sob denúncias de que haveria corrupção na câmara judicial que analisou o pedido do grupo de comunicação Clarín. Partidários da implementação da Lei de Meios denunciam que alguns dos juízes da Câmara Civil e Comercial Federal que aprovaram a prorrogação da medida cautelar teriam viajado para Miami financiados pelo grupo Clarín. Apoiadores da medida estão otimistas em relação aos resultados e estudam entrar com um processo contra o órgão.
 
A medida cautelar prorrogada mantém suspenso o artigo 161 da nova lei, que determina que empresas com número de licenças superior ao permitido pela nova regulação se adequem. Segundo a novas normas uma empresa pode ter no máximo 35% do mercado a nível nacional e 24 licenças. O Grupo Clarín, contudo, concentra 41,8% das licenças de rádio, 38% das licenças de televisão aberta e 59% das de TV paga (um total de 240). O líder da bancada governista de deputados, Augustín Rossi, afirmou que " de um lado se põe a legitimidade social, a lei sancionada pela maioria do Congresso, que estabelecia a data de 7 de dezembro; e do outro lado se coloca a mesquinhez corporativa do grupo Clarín".

A presidenta das Avós da Praça de Maio, Estela Carlotto, manifestou que é preciso "seguir com paciência, espera e otimismo", pois “os prazos não podem ser eternos”. Para além da Lei de Meios, o movimento de direitos humanos tem outras questões a resolver com a família proprietária do conglomerado. Ernestina Herrera de Noble, presidenta do grupo Clarín e uma das mulheres mais ricas da América Latina, é investigada por suspeita de ter recebido da ditadura militar argentina a guarda de filhos adotivos retirados de militantes opositores ao regime autoritário.

A presidenta Cristina Kirchner, em uma manifestação pública que comemorava os 29 anos do fim da ditadura militar, ao se dirigir às Mães e Avós da Praça de Maio declarou: “Como não vamos esperar uns dias ou uns meses se elas esperaram tantos anos para ter justiça e saber a verdade? Elas são o exemplo”.
 
Brasileiros se solidarizam e reivindicam lei nacional
 
No Brasil, entidades, movimentos sociais e indivíduos apoiadores da iniciativa argentina de implementar a “Lei de Meios” se mobilizaram em solidariedade ao povo do país vizinho e para exigir também uma lei brasileira que amplie a participação da sociedade nos meios de comunicação. Na internet, seguindo a orientação de uma articulação latinoamericana, foi realizado um twitaço com hashtags #7D, #LeydeMedios e #NOmonopolios.
 
O Coletivo Intervozes teve a iniciativa de divulgar pelas redes sociais imagens de pessoas segurando a faixa da campanha “Para expressar a liberdade” em várias capitais brasileiras e em Buenos Aires, em que se reivindica “coragem” da presidenta Dilma Roussef para apresentar uma lei que aponte no mesmo sentido que a aprovada na Argentina, que democratize a comunicação.
 
No Rio de Janeiro foi realizada uma manifestação pública em frente ao consulado argentino na praia de Botafogo. Segundo um dos organizadores do ato, Orlando Guilhon, membro do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e da Frente Ampla pela Liberdade de Expressão (Fale Rio), a implementação de uma lei que democratize a comunicação no Brasil depende de uma “capilarização dessa luta” chegando até o “cidadão comum”. “O que falta ao poder público é coragem para colocar isso na agenda.”, defende.
 
O ato público no Rio de Janeiro reuniu o Coletivo Intervozes, a Associação das Rádios Públicas do Brasil (Arpub), o Sindicato dos Jornalistas do Município, o Sindicato dos Jornalistas do Estado, os Blogueiros Progressistas (Blogprog), o Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a TV Memória Latina, a TV Comunitária do Rio de Janeiro, a TV Comunitária de Niterói e a TV Petroleira.

Com informações do Página/12

Justiça determina a “desmonopolização” do Grupo Clarín

Depois de três anos de debate, a Suprema Corte argentina determinou que o Grupo Clarín tem até o dia sete de dezembro de 2012 para "desinvestir" em seu conglomerado midiático. O Clarín havia apresentado uma medida cautelar no dia 1º de outubro de 2009 sobre o artigo 161 da Lei de democratização de meios de comunicação, que estabelece “a obrigatoriedade de desinvestir para aqueles grupos que superam o limite da regulação legal”.

Por decisão unânime, o Tribunal se pronunciou no processo "Grupo Clarín SA e outros sobre medidas cautelares”, afirmando que “as medidas cautelares são resoluções jurisdicionais precárias e não podem substituir a solução de fundo porque afetam a segurança jurídica”. Ainda que a demanda do Grupo Clarín tenha se enquadrado no marco do direito de defesa da competição, o Grupo também esgrimiu razões de proteção à liberdade de expressão. Neste sentido, a sentença sustenta que a Corte foi muito clara e consistente em seu reconhecimento ao longo de uma extensa e importante jurisprudência. Entretanto, no processo “não há mais que uma menção ao tema” – liberdade de expressão -, já que a parte autora – Clarín – “não acrescentou nenhum elemento probatório que demonstre de que maneira resultaria afetada essa liberdade”.

Textualmente, o artigo da Lei de Meios de Comunicação afirma que "os titulares de licenças dos serviços e registros regulados por esta lei, que na data de sua sanção não reúnam ou não cumpram os requisitos previstos pela mesma, ou as pessoas jurídicas que, no momento de entrada em vigor desta lei fossem titulares de uma quantidade maior de licenças, ou com uma composição societária diferente da permitida, deverão ajustar-se às disposições da presente em um prazo não maior que um (1) ano de que a autoridade de aplicação estabeleça os mecanismos de transição".

Os juízes Ricardo Lorenzetti, Elena Highton, Carlos Fayt, Juan Carlos Maqueda, Raúl Zaffaroni e Enrique Petracchi avaliaram, através de sua resolução, que o prazo de 36 meses “resulta razoável para a vigência da medida cautelar e se ajusta aos tempos que tarda a via processual tentada”.

No dia 1º de outubro de 2009, o Clarín solicitou que se ditasse uma medida de “não inovar” para suspender o tratamento legislativo da Lei de Medios. O pedido foi indeferido pela justiça civil e comercial federal. Em outubro de 2010, em uma decisão unânime, a Corte confirmou a medida cautelar.

A Corte Suprema afirmou em sua sentença que “quando as cautelares se tornam ordinárias e substituem a sentença definitiva, se cria um direito precário, o que constitui uma lesão ao objetivo de afiançar a justiça, garantido no próprio Preâmbulo da Constituição Nacional”.

A Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA) celebrou a decisão e afirmou que "a resolução garante a segurança jurídica e a equidade para todas as partes, de um modo compatível com o interesse geral e a propriedade privada, na medida em que, anteriormente e por via de regulamentação, a AFSCA já havia prorrogado o prazo até o dia 28 de dezembro de 2011 para o resto dos grupos do setor".

“A Corte Suprema considerou que a questão litigiosa fica circunscrita ao campo do estritamente patrimonial afirmando que, em função dos elementos probatórios, a norma em questão não afeta a liberdade de expressão". Também afirmou que “em todo o direito comparado existem normas de regulação do mercado dos meios de comunicação sem que sua constitucionalidade tenha sido questionada".

A Lei de democratização de meios de comunicação foi aprovada no dia 10 de outubro de 2009, com 44 votos a favor e 24 contra. Consta de 165 artigos e o eixo central está colocado nos seguintes pontos:

– O desinvestimento (ou desmonopolização). O artigo 161 obriga as empresas de radiodifusão a vender, no prazo de um ano, os meios que não se ajustem aos limites da nova regulação.

– Novo regime. As distribuidoras de cabo não poderão ter canais de tv aberta e só é permitido ter um sinal de cabo de alcance local. Nenhuma empresa pode operar mais de 10 licenças (até então eram 24).

– Autoridade de aplicação. Foi criada a Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca), um ente formado por dois membros escolhidos pelo Governo, três pelo Congresso (um pela situação e dois opositores) e dois surgidos de um Conselho Federal dominado pelos governadores.

– Meios do Estado. Ficou estabelecido que o espaço radioelétrico se dividisse em 3/3, com uma parte para os privados, outra para o Estado e uma última para empresas administradas por ONGs.

– Concessão de licenças. O Poder Executivo se reserva essa faculdade para as cidades com mais de 500.000 habitantes.

– Conteúdos. Ficam estabelecidos limites mínimos de produção nacional (em programas e música) nas rádios e canais de TV.

– Telefônicas. Suprimiu-se a autorização para participar do negócio da TV a cabo. Mas poderiam chegar a fazê-lo associadas à cooperativas.

– Publicidade. Regula a distribuição da grade nos canais privados, mas não se refere à publicidade oficial.

Tradução: Libório Junior

Mães da Praça de Maio farão julgamento ético e político do Grupo Clarín

Está marcado para o próximo dia 22, às 19h, na Praça de Maio, um julgamento ético e político do maior conglomerado de comunicação da Argentina – o Grupo Clarín. A iniciativa é da Associação Mães da Praça de Maio com o objetivo de informar sobre a investigação que se está fazendo sobre o diário Clarín, a Rádio Mitre, o canal de TV a cabo TN, o Canal 13, a Cablevisión e a empresa que fabrica o papel para os jornais, a Papel Prensa. Todas as empresas fazem parte dos mais de 300 meios de comunicação e empreendimentos pertencentes ao Grupo.
O processo é simbólico e representa um pedido de liberdade de expressão, de espaço, de voz para defender a Lei de Meios, a liberdade sindical dos trabalhadores e pedir justiça, memória e igualdade, assinalou Hebe de Bonafini, presidente das Mães de Maio, em coletiva de imprensa na Universidade Popular das Mães.

"Vamos fazer um julgamento ético e político ao Grupo Clarín. Julgamento ao Grupo que rouba crianças, verdades e esperanças. Vão dizer que é caça às bruxas, vão dizer que é contra a liberdade de expressão, vão dizer que é uma escalada do governo, mas não é nada disso. É por nossa própria liberdade, a liberdade dos sem voz”, manifestou Hebe.

O julgamento terá a duração de duas horas com a participação de advogados, defensores, promotores, reclamantes e o povo como juiz. Para as Mães da Praça de Maio, o ideal seria que o julgamento fosse feito pela Justiça, contudo, como esta chega tarde, será o próprio povo que irá julgar e condenar o Grupo Clarín.

No momento, o julgamento será apenas contra este grupo de comunicação, pois, por ter cerca de 300 veículos no país a repercussão de suas notícias é grande.

"(…) dizem uma mentira no Clarín ou no Canal 13 e sai por todo o país. Então quando te difamam e arrastam pelo chão e te colocam como querem todo o país lê, escuta e vê isso que não é certo. E isso é o que queremos mostrar às mães, e o que queremos comparar. O que passavam e o que diziam. O que se diz e o que se passa”, explicou Hebe.

O julgamento ético e político marcado para o dia 22 não será o primeiro organizado pela Associação das Mães. Médicos vinculados a crimes da ditadura foram julgados publicamente, assim como aconteceu no ano passado com juízes e jornalistas.

Participarão do julgamento: trabalhadores despedidos do Clarín; a ex-ministra de Economia Felisa Miceli, o titular da Sindicatura Geral da Nação – Sigen, Daniel Reposo, entre outros. Caso não seja possível fazer o julgamento na Praça de Maio, em virtude do tempo, a atividade será transferida para o Espaço Cultural Nossos Filhos, que funciona na ex Escola de Mecânica da Armada (Esma).

Professor argentino enaltece a “Ley de Medios” de seu país

A aprovação, pela Câmara dos Deputados argentina, da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual foi um grande marco na comunicação desse país. Ela representa uma mudança na forma de encarar prestadores e consumidores de serviços de radiodifusão. Embora não esteja ligada ao Brasil, a chamada “Ley de Medios” gerou debates não apenas por aqui, mas em vários outros Estados americanos. Devido a essa repercussão, o professor da Universidade de Buenos Aires (UBA), Damián Loreti, foi convidado ao III Seminário de Legislação e Direito à Comunicação para expôr as diretrizes da nova regulamentação. O evento foi organizado pela Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc) e terminou nesta quinta-feira (15).

Durante a palestra, Loreti esclarece os principais objetivos da lei. O primeiro é garantir que não ocorram monopólios ou oligopólios, que haja pluralidade tanto de prestadores de serviços quanto de conteúdos oferecidos. O segundo é assegurar a participação da sociedade civil, por meio de conselhos. Os membros devem ter origens diferentes e devem fiscalizar, além do sistema em geral, os conteúdos produzidos. No caso da nova lei argentina, é proposto também uma diretoria de sete pessoas indicadas pelo Executivo, que conduzirá a aplicação da lei no sistema de mídia do país. Atualmente a “Ley de Medios” encontra-se paralisada no Congresso devido a uma sentença judicial questionando a forma com que tramitou no parlamento.

A respeito do primeiro ponto são considerados os três atores do sistema de radiodifusão argentino: o comercial, o público e o “sem fins lucrativos” (entre eles os comunitários). Dentre eles, o único setor que tem uma porcentagem garantida é o “sem fins lucrativos”, aos quais são reservados 33% do espectro. Segundo ele, existe muita transparência: “Está nas notas (da lei) que o espectro é patrimônio comum da sociedade. No texto, no entanto, isso não aparece. Deixamos claro que é o Estado que administra. O que marca a pluralidade é o grau de participação da sociedade”.

Quanto ao segundo, ele relata que foi um ponto que gerou polêmica. Segundo o professor, os setores empresariais sustentam que a “Ley de Medios” deveria regular apenas questões técnicas e que as questões de conteúdo deveriam ser resolvidas pela Justiça. O setor privado também defende que não deveria haver agentes reguladores e que as emissoras comunitárias deveriam ser tratadas de forma apartada. “Os empresários criticam que não há parâmetros objetivos porque só conhecem o parâmetro dinheiro”, provoca.

De acordo com o professor, a participação da sociedade argentina não está em discussão, ela ocorrerá e é algo que está presente desde a elaboração da referida lei. Segundo Loreti, a mobilização em torno do tema já mobilizou cerca de 20 mil pessoas. Um movimento que teve destaque foi formado por diversas entidades civis, a Coalición por una Radiodifusión Democrática (Coalizão por uma Radiodifusão Democrática). A partir da Coalizão foram firmados 21 pontos que deveriam estar presentes no documento. De acordo com ele, duas mil organizações assinaram a declaração pelos pontos. O governo os analisou e eles de fato foram incorporados.

Elaboração

A "Ley de Medios" foi formulada a partir de diretrizes do Sistema Internacional de Direitos Humano, Sistema Interamericano de Direitos Humanos e de declarações conjuntas de organismos internacionais como OEA, ONU, Cooperação Européia e Sistema Africano. “A princípio procuramos um molde de regulação inovador. Diante de um modelo disperso como o americano, optamos pelo do Parlamento Europeu (Diretiva 65/2007), que ratifica que os serviços de comunicação audiovisual não são apenas econômicos, mas formam uma atividade que deve estar incorporada e protegida pela Unesco”, explica Loreti.


Segundo ele, trata-se de uma das leis mais modernas e melhor elaboradas no país. “Depois do Código Civil, é a primeira com notas. Nelas, se explica onde estão localizados os 21 pontos e as influências de outras diretrizes, especialmente a europeia”. Para a consolidação da regulamentação foram realizadas diversas reuniões. Os nomes dos presentes e as respectivas contribuições também se encontram no documento final. De acordo com ele, esses procedimentos conferem uma maior clareza.

Segundo Damián, outra conquista da lei de audiovisual argentina foi a influência que ela teve em países vizinhos. Ele cita, por exemplo, que no Chile as rádios comunitárias aumentaram o limite de seus transmissores de 1W para 25W, além de terem a permissão para a publicidade local. Uruguai, Colômbia, México e Guatemala também se espelharam na Argentina para revisar parte de seus marcos legais para a área.