Encontro promove “Percursos de Formação em Cultura, Mídia Livre e Ativismo”.

Redação – Unicult

O Rio de Janeiro sedia, de 1º a 4 de março, o Encontro Unicult (Universidade de Cultura). O evento propõe a criação de um “circuito de formação livre”, em que as diversas redes de formação existentes na cidade possam se articular e desenvolver "Percursos de Formação em Cultura, Mídia Livre e Ativismo".

O encontro é uma realização da Unicult, Espocc Maré, Fora do Eixo, Observatório de Favelas e Projeto Participatório de Co-gestão de Políticas Públicas para Juventude. Veja programação e inscrição clicando aqui .

Data: 01 a 04/03 (sexta a segunda)
Das 18:30 as 21h30
Local: Escola de Comunicação da UFRJ -Rio de Janeiro -RJ
Aberto e Gratuito

Por que a Ley de Medios da Argentina é referencia fundamental para a América Latina

O atual processo de transformações políticas, socioeconômicas e culturais na América Latina tem na Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina um de seus marcos mais significativos. Pela primeira vez na história da região, um país formula, aprova e faz cumprir uma legislação que protege e valoriza a diversidade informativa e cultural, com marcos regulatórios democraticamente discutidos e instituídos.

Nosso objetivo aqui é evidenciar a importância da legislação argentina como fonte de inspiração para providências antimonopólicas ao alcance dos demais governos progressistas latino-americanos, em sintonia com a agenda de reivindicações de entidades e movimentos sociais que defendem a comunicação como direito humano. O que parecia ser um ideal distante, quase inexequível, torna-se uma certeza que começa a alastrar-se pelo continente. Em um processo que faça convergir as vontades transformadoras do Estado e de amplos segmentos da sociedade civil, a nova lei traz o convencimento de que é viável “uma outra comunicação possível”, descentralizada e plural, conquistada de forma equilibrada e participativa.

O texto que se vai ler divide-se duas partes. Na primeira, focalizamos, resumidamente, o quadro de concentração midiática na América Latina e suas implicações, com o propósito de situar o contexto adverso que levou governos progressistas a intervirem, com intensidades que variam de país para país, nos sistemas de difusão. Na segunda parte, abordamos a correspondência entre as disposições da Lei de Comunicação Audiovisual e as aspirações sociais por uma comunicação mais democrática. Apontamos medidas, reclamadas ou em preparação em outros países, que se materializam, pioneiramente, na legislação argentina, transformando-a em referência obrigatória.

O cenário que deve mudar

Para se avaliar a relevância da Lei de Comunicação Audiovisual como instrumento de reestruturação dos setores de informação cultura em moldes mais pluralistas, é essencial explicitar o intrincado cenário midiático da América Latina.

As últimas décadas acentuaram a concentração da mídia latino-americana nas mãos de um reduzido mínimo de megagrupos. Essa moldura de concentração prospera em meio à convergência de sistemas, redes e plataformas de produção, transmissão e recepção de dados, imagens e sons. A digitalização alarga o acesso às tecnologias a faixas mais amplas da sociedade – ainda que de maneira bastante desigual – e impulsiona o crescimento da oferta de produtos e serviços em diferentes plataformas, redes, canais e suportes digitais, sob controle estrito de grupos nacionais e transnacionais. Os focos das políticas de comercialização são a expansão ininterrupta dos mercados consumidores, diminuição de custos industriais e enormes ganhos de produtividade com a economia de escala.

A expansão das indústrias de mídia na América Latina vincula-se historicamente a interesses privados e transnacionais, favorecidos pela fragilidade dos mecanismos de regulação e controle dos fluxos audiovisuais e de capital que cruzam fronteiras por satélites e redes infoeletrônicas. Os baixos investimentos dos governos em tecnologias e produção cultural, as políticas públicas inconsistentes ou inexistentes e a inercia regulatória afastaram o Estado do protagonismo nas áreas de informação, entretenimento e telecomunicações. As desregulamentações e privatizações neoliberais durante os anos 1980 e 1990 favoreceram a acumulação de propriedade, meios e tecnologias, permitindo a constituição de verdadeiros latifúndios midiáticos, que exploram simultaneamente as cadeias de produção, distribuição, circulação e consumo de dados, sons e imagens, em busca de dividendos competitivos e lucros acelerados.

Na escalada da internacionalização, corporações transnacionais como News Corporation, Viacom, Time Warner, Disney, Bertelsmann, Sony e Prisa adquiriram ativos de mídia e/ou sedimentaram acordos com grupos multimídias regionais, ampliando exponencialmente suas atuações multissetoriais e os mercados para seus produtos e serviços. O resultado não poderia ser diferente: 85,5% das importações audiovisuais da América Latina provêm dos Estados Unidos.

Para os quatro maiores conglomerados latino-americanos – Globo do Brasil; Televisa do México; Cisneros da Venezuela; e Clarín da Argentina –, tais parcerias representam a possibilidade de entrecruzar negócios e estabelecer alianças com os atores de maior peso no plano internacional, que lhes oferecem logísticas sólidas, financiamentos e inserção mercadológica (BUSTAMANTE, 2009: 79-80).

Globo, Televisa, Cisneros e Clarín retêm 60% do faturamento total dos mercados e das audiências, assim distribuídos: Clarín controla 31% da circulação dos jornais, 40,5% da receita da TV aberta e 23,2% da TV paga; Globo responde por 16,2% da mídia impressa, 56% da TV aberta e 44% da TV paga; Televisa e TV Azteca formam um duopólio, acumulando 69% e 31,37% da TV aberta, respectivamente. Brasil, México e Argentina reúnem mais da metade dos jornais e das emissoras de rádio e televisão e 75% das salas de cinema da região.

Entre os impactos mais graves da concentração midiática na América Latina, podemos apontar: as políticas de preços predatórias destinadas a eliminar ou a restringir severamente a concorrência; os controles oligopólicos sobre produção, distribuição e difusão dos conteúdos; e a acumulação de parentes e direitos de propriedade intelectual por cartéis empresariais. Ainda há o alto risco de unificação das linhas editoriais e a prevalência das ambições empresariais sobre os interesses do conjunto da sociedade. As conveniências corporativas frequentemente se fixam em estratégias de maximização de lucros, sem demonstrar maior atenção com a formação educacional e cultural das plateias, muito menos com sentimentos de pertencimento e valores que conformam identidades nacionais e regionais.

A outra comunicação possível

Nos últimos anos, governos eleitos com o compromisso de reverter desigualdades e injustiças sociais, agravadas pela submissão de seus antecessores aos ditames do neoliberalismo, incluíram a democratização da comunicação em suas pautas de prioridades. Há consenso entre eles de que é indispensável a participação do poder público nos sistemas de informação e difusão cultural, a partir do entendimento de que as questões comunicacionais dizem respeito, na maioria das vezes, aos interesses coletivos. Não podem limitar-se a vontades particulares ou cálculos corporativos, pois envolvem múltiplos pontos de vista existentes na sociedade. A ação regulatória do Estado deve zelar pelo equilíbrio entre o que deve ser público e o que pode ser privado, inclusive esclarecendo à população que as empresas de rádio e televisão não são proprietárias dos canais, apenas concessionárias de um serviço público com prazo de validade estabelecido em lei, podendo ou não ser renovado.

O fato alentador é a conversão de algumas de tais premissas em políticas públicas de comunicação, englobando providências para desfazer monopólios na radiodifusão; apoiar meios alternativos e comunitários e descentralizar os canais de veiculação; incentivar a produção audiovisual independente; garantir maior equanimidade nos acessos ao conhecimento e às tecnologias; e promover a geração e a distribuição de conteúdos regionais e locais sem fins comerciais.

A Lei de Comunicação Audiovisual da Argentina projeta-se como um instrumento inovador de regulação, fiscalização, fomento e diversificação das atividades informativas e culturais. As mudanças por ela introduzidas têm o pressuposto de que a comunicação é um serviço ligado a um direito humano, e não um negócio lucrativo. Os princípios antimonopólicos visam garantir a pluralidade de vozes e a horizontalidade informativa, fixando um marco regulatório abrangente para a comunicação midiática, incluindo convergência digital entre TV a cabo, telefonia e Internet e um regime de outorgas em condições equitativas e não discriminatórias.

São vários os pontos de identificação entre a legislação argentina e os anseios dos organismos e movimentos sociais que reivindicam uma comunicação democrática na América Latina. O primeiro item a destacar é a metodologia adotada pela presidenta Cristina Kirchner para a definição do anteprojeto de lei. As consultas públicas a setores representativos da sociedade civil consagraram um processo democrático de diálogo, consulta e negociação ético-política entre os atores envolvidos na matéria. A própria Cristina presidiu reuniões na Casa Rosada com empresários, líderes sindicais e estudantis, proprietários de empresas de comunicação, produtores independentes, reitores de universidades, diretores e professores de faculdades de comunicação, líderes da Igreja e de associações de rádios e televisões comunitárias, para apresentar ideias e receber sugestões. Sem contar os inúmeros debates sobre a lei promovidos em todo o país pela Coalizão por uma Radiodifusão Democrática (integrada por sindicatos, associações profissionais, universidades, emissoras comunitárias e movimentos de direitos humanos).

Ao acatar grande parte dos 21 pontos defendidos pela Coalizão, a Lei de Comunicação Audiovisual tornou-se expressão de uma vontade social mais ampla do que a visão exclusiva do governo que a propôs e depois a sancionou. A incorporação das propostas da Coalizão foi enaltecida em carta à presidenta Cristina Kirchner por entidades que atuam em favor da democratização da comunicação na América Latina, como Associação Latino-Americana de Educação Radiofônica (ALER), Associação para o Progresso das Comunicações (APC),Organização Católica Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (OCLACC) e Agência Latino-Americana de Informação (ALAI). [A carta enviada a Cristina Kirchner, em 23 de março de 2009, está disponível aqui.]

A lei argentina acolheu uma reivindicação consensual na maioria dos países latino-americanos, ao definir, em condições equitativas, três tipos de prestadores de serviços de radiodifusão sob concessão pública: a gestão estatal (meios públicos), a gestão privada com fins lucrativos e a gestão privada sem fins lucrativos (organizações não-governamentais, entidades sociais e comunitários, universidades, sindicatos, fundações, produtores independentes). Este ponto é decisivo para reverter a predominância do setor privado-comercial no sistema de mídia, pois estabelece equanimidade em termos de acesso, participação, prerrogativas e representatividade entre as três instâncias envolvidas. A pertinência desta e de outras determinações da lei foi ressaltada pela Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC), que reúne três mil associados em 110 países (18 deles na América Latina e Caribe):

Um dos notáveis aspectos é o estabelecimento de diversas e efetivas medidas para limitar e impedir a concentração indevida de meios. Entre elas, os limites à quantidade de licenças que pode ter uma mesma pessoa ou empresa (a nível nacional e numa mesma área de cobertura) e os limites à propriedade cruzada de meios, em consonância com as melhores práticas internacionais. Com o objetivo de promover a diversidade de conteúdos nacionais e locais, a nova legislação argentina recolhe antecedentes de países europeus e também americanos ao incluir exigências mínimas de produção nacional, local e própria, bem como condições precisas para a formação de redes de emissoras, para limitar a centralização e uniformização em todo o país da programação de poucos grupos empresariais da capital federal. Outro aspecto a destacar é o reconhecimento expresso de três setores: estatal, comercial e sem fins de lucro, garantindo a participação das entidades privadas sem fins de lucro com uma reserva de 33% do espectro radioelétrico. [A nota da AMARC, divulgada em 13 de outubro de 2009, pode ser consultada aqui.]

A influência imediata da Lei de Comunicação Audiovisual pode ser comprovada em proposições semelhantes dos governos do Equador e do Uruguai. Nos dois casos, a revisão da radiodifusão toma em conta a legislação argentina, bem como a metodologia de consultas à sociedade civil para a formulação dos respectivos anteprojetos.

O governo da Venezuela vem modificando os critérios e as prioridades legais para a concessão de licenças de rádio e televisão. O objetivo é reequilibrar a radiodifusão entre os setores estatal, privado e social, tomando por base a Lei de Comunicação Audiovisual. Segundo o ex-ministro da Comunicação e Informação, Andrés Izarra, “na Argentina a legislação é mais avançada do que na Venezuela: um terço do espaço radioelétrico vai para as comunidades organizadas, as organizações não-governamentais”. E completa:

A lei argentina dá legitimidade ao reclamo de uso do espaço radioelétrico por parte dos meios alternativos. Creio que isso vai ser muito positivo para a Argentina, porque põe o país em sintonia com estes tempos. O espaço já não é apenas da oligarquia nem do setor privado, está se democratizando. É um fator comum para todos os nossos processos. Aparecem novos atores que antes nem sonhavam estar na comunicação. [Entrevista de Andrés Izarra a Mercedes López San Miguel “En Argentina la ley sobre los medios es más avanzada que en Venezuela”, 21 de novembro de 2010, disponível aqui.]

Mesmo no Brasil, onde praticamente nada foi feito durante os oito anos de governo de Luiz Inácio Lula da Silva para modificar a anacrônica legislação de mídia, a lei argentina constitui referência indiscutível com vistas a mudanças na radiodifusão. Isso pode ser constatado na similaridade observada em muitas proposições aprovadas na Conferência Nacional de Comunicação de 2009 e até hoje não efetivadas pelo governo federal. No manifesto em defesa da democratização da comunicação, divulgado em 2 de abril de 2011,13 entidades nacionais, entre elas a Central Única dos Trabalhadores, a Federação Nacional dos Jornalistas, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, o Movimento Nacional de Direitos Humanos e a Amarc-Brasil, mencionam explicitamente a Lei de Comunicação Audiovisual: “Sigamos os exemplos de experiências vitoriosas de mobilização pela reforma do sistema de mídia na América do Sul, como ocorreu na Argentina, onde a sociedade organizada conseguiu ser um ator decisivo na proposta de reforma da legislação”. [O manifesto em favor da democratização da comunicação no Brasil está disponível aqui.]

Pelo exposto, concluímos que a Lei de Comunicação Audiovisual da Argentina prova a viabilidade de um marco regulatório avançado, “tanto pelo conteúdo democrático que expressa quanto pelo processo de consulta popular que orientou sua elaboração”, como salientou o relator da Comissão de Liberdade de Opinião e Expressão da Organização das Nações Unidas, Frank La Rue. [A avaliação de Frank La Rue está disponível no site ”Hablemos todos“, criado pelo governo da Argentina para divulgar a nova legislação.]Além de leis que impeçam práticas monopólicas, a reconfiguração dos sistemas de comunicação na América Latina depende de políticas públicas consistentes, debatidas e formuladas em sintonia com demandas da sociedade civil, bem como de instrumentos legais e determinação para colocar em prática as medidas de descentralização da mídia. Não adianta ter princípios gerais democráticos se não houver a decisão institucional de fazer valer normas, regulamentações e procedimentos que garantam a sua aplicação. Nesse sentido, é conveniente que governos de países vizinhos avaliem o trabalho em curso da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual, organismo público criada pela nova legislação argentina com a incumbência de fiscalizar o cumprimento de suas deliberações e fomentar produção cultural comunitária e independente.

Finalmente, o caso paradigmático da Lei de Comunicação Audiovisual expõe a exigência incontornável de vontade política por parte dos governantes e de respaldo popular para levar adiante as mudanças, em razão das sistemáticas campanhas opositoras da mídia e elites conservadoras. As corporações resistem e resistirão a se submeter a restrições legais que afetem privilégios conquistados em décadas de cumplicidade com sucessivos governos. O que faz supor que será preciso empenhar cada vez mais forças nas batalhas midiáticas, de forma a esclarecer a opinião pública e impedir que prosperem argumentos geralmente falaciosos sobre transformações realmente necessárias no horizonte da comunicação.

Os avanços na Argentina põem em relevo o papel regulador e ativo que o Estado precisa desempenhar na vida social, para apressar, dentro das regras democráticas, legislações antimonopólicas, universalizar o acesso à informação e tentar deter a avassaladora concentração da mídia. Para a América Latina como um todo, significa a oportunidade histórica de analisar e absorver lições da Lei de Comunicação Audiovisual, na busca de legislações que, levando em conta as especificidades de cada país, resguardem e estimulem a diversidade informativa e cultural, a partir do reconhecimento de sua essencialidade para o aprofundamento da democracia.

[O presente texto é uma versão modificada do artigo “La mirada desde América Latina” publicado no livro Ley 26.522: hacia un nuevo paradigma en comunicación audiovisual, organizado por Mariana Baranchuk y Javier Usé (Buenos Aires, Autoridad Federal de Servicios de Comunicación Audiovisual/Universidad Nacional Lomas de Zamora, 2011.]

Dênis de Moraes é doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ (1993) e pós-doutor pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (Clacso, Argentina, 2005). Atualmente, é professor associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da UFF e pesquisador do CNPq e da FAPERJ. Autor de mais de 20 livros publicados no Brasil, na Espanha, na Argentina e em Cuba, entre os quais Vozes abertas da América Latina (2011), La cruzada de los medios en América Latina (2011), Mutaciones de lo visible: comunicación y procesos culturales en la era digital (2010), A batalha da mídia (2009), Cultura mediática y poder mundial (2006), Sociedade midiatizada (2006) e Por uma outra comunicação (2003)

Coronéis eletrônicos, mídia e política em Sergipe

Políticos usam rádio e TV em benefício próprio
– Senador, o microfone é todo seu.

Com essas palavras um repórter da Rádio Rural de Concórdia, em Santa Catarina, iniciou uma entrevista, em 1965, com o então senador Atílio Fontana.

A resposta do à época parlamentar catarinense foi simples e direta:
– Não só o microfone, meu rapaz, mas a rádio toda.

Mais que cômica ou folclórica, a declaração de Atílio Fontana – 48 anos depois – continua emblemática do que representa o controle dos meios de comunicação por políticos no Brasil.

Enraizado na cultura e na prática política nacional, o vínculo entre propriedade de mídia e políticos é um fenômeno que permanece atual. Historicamente, meios de comunicação, em especial rádio e televisão, são controlados por poucos grupos familiares. Não coincidentemente, essas famílias são também os mesmos grupos oligárquicos da política local e regional.

Com base em dados oficiais, o projeto Donos da Mídia revelou que mais de 270 políticos são sócios ou diretores de veículos de comunicação em todo o país.

É aí que surge uma das principais características da política brasileira atual: o coronelismo eletrônico, prática em que políticos utilizam-se de concessões públicas de rádio e TV para promover interesses próprios e construir uma boa imagem perante a sociedade. Assim como no velho coronelismo, a moeda de troca continua sendo o voto. Só que não mais com base na posse da terra, mas no controle da informação, na capacidade de influenciar na formação das opiniões.

Como no Brasil todo ano é eleitoral ou pré-eleitoral, ou seja, as disputas eleitorais sempre estão em jogo, os coronéis eletrônicos utilizam os meios de comunicação para promover seus aliados, hostilizar os adversários e cercear qualquer manifestação contrária aos seus interesses. Iniciam-se verdadeiras guerras particulares com armas públicas (afinal, é sempre bom lembrar que rádio e TV são concessões públicas, que têm prazo de validade e princípios constitucionais a seguir).

Uma verdadeira afronta ao Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, e à Constituição Federal de 1988. Tanto o Código, que regula o rádio e a TV no Brasil, quanto a Carta Magna proíbem que políticos desempenhem a função de diretor ou gerente em empresas de rádio e TV, ou ainda que mantenham contratos, exerçam cargos ou emprego remunerado nestas empresas.

Sem dúvida, Sergipe é um estado que ilustra com fidelidade esta situação. Velhas e nem tão velhas assim lideranças políticas locais (ou grupos familiares, se preferir) são conhecidas, dentre outras coisas, por terem o controle da propriedade de grupos de comunicação, tanto de radiodifusão quanto de mídia impressa.

Os mais antigos foram “beneficiados” na farra da distribuição de concessões em troca de apoios político-eleitorais, que teve o seu auge no final dos anos 1980, quando o Ministro das Comunicações era ninguém menos que o baiano Antônio Carlos Magalhães, um dos maiores controladores de rádio e TV da história do país.

Outros, a partir do poder econômico do qual desfrutam, perceberam na comunicação um instrumento estratégico de conquista de poder político. E têm conquistado.

Não só os políticos que são sócios ou diretores de empresas de rádio e TV usam dos meios de comunicação para autopromoção. Basta ter um programa de rádio ou um espaço mínimo na televisão e ser aliado do proprietário da emissora.

Exemplo disso é o suplente de deputado estadual, Gilmar Carvalho, que, na semana passada, teve uma Representação impetrada pelo Ministério Público Eleitoral por “promover propaganda eleitoral antecipada” em seu programa de rádio matinal. O suplente de deputado veiculou uma música, com letra de sua própria autoria, em que exalta as suas “qualidades” e ações “públicas”, numa clara indução a uma possível candidatura em 2014.

Mas o uso político de uma emissora de rádio ou TV (concessão pública) nem sempre acontece de forma escancarada como fez Gilmar Carvalho. Se analisarmos com atenção os temas que estão em destaque neste início de ano em Sergipe – como Proinveste, situação financeira da capital, votações na Câmara de Aracaju, disputas na Assembleia Legislativa e articulações e diálogos com vistas às eleições de 2014 – perceberemos que as abordagens das matérias e os focos das análises variam de acordo com a orientação e opinião do político que está à frente da rede de comunicação.

Sai perdendo o jornalismo independente. Sai perdendendo o público, que tem direito a uma informação isenta de coloração partidiária. Sai perdendo a democracia.

Com a proximidade das eleições no próximo ano, essas tendências nas coberturas sobre política e políticos se aprofundarão e a população poderá observar com maior nitidez como se materializa o coronelismo eletrônico em Sergipe.

Paulo Victor Melo é jornalista, mestrando em Comunicação e Sociedade na Universidade Federal de Sergipe. Tem experiência com jornalismo sindical, mídias públicas e políticas públicas de comunicação. Coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Renan Calheiros manda recado para oligopólio da mídia

Depois de ser eleito presidente do Senado em meio a uma onda de denúncias e protestos, Renan Calheiros (PMDB-AL) lançou mão de dois movimentos políticos. O mais público deles foi manter uma postura silenciosa diante das acusações e anunciar cortes de despesa no Congresso Nacional, como forma de reagir à pauta negativa.

O segundo movimento, bem mais implícito, está contido em um artigo publicado pouco antes do Carnaval, no jornal Folha de S. Paulo. Nele, Renan sapeca: “passo relevante é a defesa do nosso modelo democrático, a fim de impedir a ameaça à liberdade de expressão, como vem ocorrendo em alguns países. O chamado inverno andino não ultrapassará nossas fronteiras”.

O senador se referiu à aprovação de leis que atualizam o marco regulatório das comunicações em países como Venezuela, Equador, Bolívia e Argentina. “Ele fez uma sinalização de que pode ser peça chave para impedir qualquer processo de regulação democrática dos meios de comunicação como tem ocorrido nesses países”, avalia Pedro Ekman, do Intervozes.

Divisão do espectro

A questão central tratada nas reformas de comunicação desses países andinos, segundo Ekman, é a divisão do espectro eletromagnético (os canais de rádio e TV) para cada setor: um terço para o setor comercial com fins lucrativos, um terço para o setor público sem fins lucrativos e outro terço para o setor estatal. “Ou seja, é uma reforma agrária da comunicação”, explica.

A regulação das comunicações, como tem ocorrido na América do Sul, é fenômeno comum na maioria das democracias europeias e nos Estados Unidos. “Atualmente, no Brasil, o espaço é quase que absolutamente ocupado pelos setores comerciais”, acrescenta o jornalista.

O mal da governabilidade

Com o PMDB no controle total do Congresso Nacional pelos próximos dois anos, o governo Dilma Rousseff já assumiu publicamente ter desistido de levar adiante um debate sobre um novo marco regulatório das comunicações. Na última semana, em evento dos empresários de telecomunicações, o secretário-executivo do Ministério das Comunicações, César Alvarez, descartou qualquer medida nessa direção, alegando ser um ano pré-eleitoral e sem tempo hábil para um “amplo debate”, segundo justificou.

“O Brasil está atrasadíssimo nessa pauta e não por incompetência, mas por posição política, por fazer esse tipo de acordo com os grandes meios, como o Renan Calheiros faz de forma indireta”, critica Pedro Ekman. O jornalista rebate o argumento de que o recuo do governo brasileiro se dá por causa da governabilidade e da correlação de forças. “Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner não tinha a melhor correlação de forças do mundo, sua popularidade e votação são bem menores que os governos petistas, mas ela fez. Teve desgaste, mas comprou o debate”, afirma.

José Antônio Moroni, do Inesc, também critica a noção de governabilidade operada pelos agentes políticos no Brasil. “Os governos Lula e Dilma optaram por ancorar apoio político quase exclusivamente no sistema partidário, que é arcaico e corroído, e já não representa a diversidade da sociedade. Mas poderiam muito bem ter ancorado a governabilidade nas organizações, nos movimentos sociais e na própria sociedade”, avalia. Da forma como a governabilidade é atualmente construída, acrescenta Moroni, todos os vícios do sistema são trazidos para a prática política dos governos.

O professor Francisco Fonseca, da FGV/SP, pondera que a coalização partidária é vital, mas também lamenta o excesso de “realismo” dos últimos governos. “Tem que negociar apoio e negociar o programa, essa é a lógica. O que chama a atenção, porém, é que tanto o governo Lula quanto a gestão Dilma não tentaram mudar as regras do jogo”.

Produtores defendem política de cotas para conteúdos nacionais

Representantes do Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual (Sicav), da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPI-TV), do Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (Siaesp) e da Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais (Apro) estiveram no Supremo Tribunal Federal (STF) defendendo a importância da política de cotas para conteúdos nacionais e independentes nas programações dos canais de TV por assinatura. Para Paulo Schmidt, presidente da Apro, “a cota de conteúdo brasileiro é uma semente e tem o objetivo de consolidar um espaço nos próximos dez anos. Vamos ter efetivamente uma indústria brasileira do audiovisual".

As defesas foram feitas no dia 25 (segunda-feira), durante a realização da segunda fase da audiência pública que discute a Lei 12.485/2011, que cria novas regras para a TV por assinatura no Brasil. O debate foi convocado pelo ministro Luiz Fux, relator do julgamento de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 4679, 4756 e 4747) que questionam dispositivos da também chamada Lei de Serviço de Acesso Condicionado (SeAC). As audiências tiveram como objetivo ouvir um total de 30 representantes de órgãos públicos, iniciativa privada e sociedade civil para embasar a avaliação do relator sobre o tema.

Cotas

Os produtores brasileiros rebateram as críticas das programadoras internacionais e empresas de telecomunicações sobre as cotas de conteúdo. Débora Ivanov, do Siaesp, apontou que os próprios programadores estão buscando conteúdos adequados as grades dos canais. Segundo ela, a Lei de SeAC “é fruto de um pacto amplo de todos os agentes da sociedade civil e dos grupos político no Congresso” e tem se mostrado um sucesso. “É um momento histórico para nós que não queremos ver interrompido”, completou.

Falando pela ABPI-TV e pelo Sicav, o advogado Maurício Fittipaldi afirmou que é preciso “desfazer o sofisma de que cotas representam reserva de mercado” e que “a concorrência existe quando o Estado assume o papel de regulador e indutor”. Acrescentou ainda que o setor tem sofrido pela “informalidade nas condições de trabalho” e que a nova lei tem fomentado a estruturação do setor.

De outro lado, Roberta Westin, representante da seção brasileira da SKY disse que a lei 12.485 idealizou a política de cotas para promover a cultura nacional, desconsiderando elementos dessa cultura, como as notícias (referindo-se ao fato dos jornais não contarem para a cota) e os programas esportivos. “A cota representa um cerceamento à livre iniciativa da operadora”, afirmou.

Band super-representada

Um dos destaques das audiências públicas realizadas pelo STF foi o número de representações do grupo Bandeirantes entre os expositores. A empresa defendeu seu ponto de vista na segunda audiência por meio da participação de sua emissora de TV aberta, a TV Cidade (operadora de TV à cabo) e da Newco (empresa programadora), mas já havia participado também no último dia 18 na exposição da Associação Brasileira de Radiodifusores (ABRA) feita pelo vice-presidente executivo da empresa, Walter Vieira Ceneviva.

A emissora defendeu as ações diretas de inconstitucionalidade movidas contra a Lei 12.485/11. Segundo Frederico Nogueira, vice-presidente da Band, há equívocos na regra do carregamento obrigatório (must carry) do sinal de canais de TV, assim como na decisão de que devem ter fim as licitações na TV por assinatura. O grupo questiona também os limites colocados à propriedade cruzada, que não permitem às empresas de programação de conteúdo operarem serviços de telecomunicações e vice-versa.