Renan Calheiros manda recado para oligopólio da mídia

Depois de ser eleito presidente do Senado em meio a uma onda de denúncias e protestos, Renan Calheiros (PMDB-AL) lançou mão de dois movimentos políticos. O mais público deles foi manter uma postura silenciosa diante das acusações e anunciar cortes de despesa no Congresso Nacional, como forma de reagir à pauta negativa.

O segundo movimento, bem mais implícito, está contido em um artigo publicado pouco antes do Carnaval, no jornal Folha de S. Paulo. Nele, Renan sapeca: “passo relevante é a defesa do nosso modelo democrático, a fim de impedir a ameaça à liberdade de expressão, como vem ocorrendo em alguns países. O chamado inverno andino não ultrapassará nossas fronteiras”.

O senador se referiu à aprovação de leis que atualizam o marco regulatório das comunicações em países como Venezuela, Equador, Bolívia e Argentina. “Ele fez uma sinalização de que pode ser peça chave para impedir qualquer processo de regulação democrática dos meios de comunicação como tem ocorrido nesses países”, avalia Pedro Ekman, do Intervozes.

Divisão do espectro

A questão central tratada nas reformas de comunicação desses países andinos, segundo Ekman, é a divisão do espectro eletromagnético (os canais de rádio e TV) para cada setor: um terço para o setor comercial com fins lucrativos, um terço para o setor público sem fins lucrativos e outro terço para o setor estatal. “Ou seja, é uma reforma agrária da comunicação”, explica.

A regulação das comunicações, como tem ocorrido na América do Sul, é fenômeno comum na maioria das democracias europeias e nos Estados Unidos. “Atualmente, no Brasil, o espaço é quase que absolutamente ocupado pelos setores comerciais”, acrescenta o jornalista.

O mal da governabilidade

Com o PMDB no controle total do Congresso Nacional pelos próximos dois anos, o governo Dilma Rousseff já assumiu publicamente ter desistido de levar adiante um debate sobre um novo marco regulatório das comunicações. Na última semana, em evento dos empresários de telecomunicações, o secretário-executivo do Ministério das Comunicações, César Alvarez, descartou qualquer medida nessa direção, alegando ser um ano pré-eleitoral e sem tempo hábil para um “amplo debate”, segundo justificou.

“O Brasil está atrasadíssimo nessa pauta e não por incompetência, mas por posição política, por fazer esse tipo de acordo com os grandes meios, como o Renan Calheiros faz de forma indireta”, critica Pedro Ekman. O jornalista rebate o argumento de que o recuo do governo brasileiro se dá por causa da governabilidade e da correlação de forças. “Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner não tinha a melhor correlação de forças do mundo, sua popularidade e votação são bem menores que os governos petistas, mas ela fez. Teve desgaste, mas comprou o debate”, afirma.

José Antônio Moroni, do Inesc, também critica a noção de governabilidade operada pelos agentes políticos no Brasil. “Os governos Lula e Dilma optaram por ancorar apoio político quase exclusivamente no sistema partidário, que é arcaico e corroído, e já não representa a diversidade da sociedade. Mas poderiam muito bem ter ancorado a governabilidade nas organizações, nos movimentos sociais e na própria sociedade”, avalia. Da forma como a governabilidade é atualmente construída, acrescenta Moroni, todos os vícios do sistema são trazidos para a prática política dos governos.

O professor Francisco Fonseca, da FGV/SP, pondera que a coalização partidária é vital, mas também lamenta o excesso de “realismo” dos últimos governos. “Tem que negociar apoio e negociar o programa, essa é a lógica. O que chama a atenção, porém, é que tanto o governo Lula quanto a gestão Dilma não tentaram mudar as regras do jogo”.

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