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Senador Agripino Maia faz manobra para não perder concessão de rádio e TV

Para livrarem-se de possível perda da concessão de radiodifusão, o senador e seu filho, o deputado Felipe Maia, venderam a participação no Sistema Tropical de Comunicação

Numa manobra para tentar escapar de punição e para não perder sua concessão de radiodifusão, o senador JoséAgripino Maia (DEM-RN) e seu filho, o deputado federal Felipe Maia (DEM-RN), venderam suas ações no Sistema Tropical de Comunicação. Essa manobra atende a uma recomendação do Ministério das Comunicações, conforme divulgado pela jornalista Eliana Lima no jornal Tribuna do Norte.

Em dezembro do ano passado, o Ministério Público Federal do Rio Grande do Norte (MPF-RN) ajuizou ação civil pública contra a União, a emissora TV Tropical (afiliada da Record TV no Rio Grande do Norte), a Rádio Libertadora Mossoroense e outras quatro rádios, todas pertencentes ao senador e seu filho.

A ação do MPF pede ao Ministério das Comunicações que casse as outorgas de concessão da TV Tropical e das emissoras de rádio. No pedido, o MPF afirma que José Agripino e Felipe Maia ferem a Constituição Federal ao figurarem como sócios dessas empresas de comunicação.

Segundo o procurador Rodrigo Telles, que assina a ação,  “a liberdade de expressão, o direito à informação, a proteção da normalidade e legitimidade das eleições, do exercício do mandato eletivo e os demais preceitos fundamentais decorrentes do princípio democrático precisam ser preservados”. Desta forma, Telles pede na ação o cancelamento da concessão, permissão e/ou autorização do serviço de radiodifusão sonora e de som e imagem outorgado à TV Tropical, Rádio Libertadora Mossoroense, Rádio Ouro Branco, Alagamar Rádio Sociedade Ltda., Rádio Curimataú de Nova Cruz Ltda. e Rádio A Voz do Seridó.

O MPF pede ainda que a União, por intermédio do Ministério das Comunicações, seja condenada a realizar nova licitação para os serviços de radiodifusão outorgados às rés e a se abster de conceder renovações ou futuras outorgas do serviço de radiodifusão às rés ou a outras pessoas jurídicas das quais José Agripino e Felipe Maia sejam ou venham a ser sócios, enquanto forem titulares de mandato eletivo.

De acordo com o artigo 54, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal, é vedado a parlamentares serem sócios ou associados de pessoas jurídicas concessionárias do serviço público de radiodifusão. “E assim o é em razão de seu potencial (da radiodifusão) de funcionar também e, no mais das vezes, preponderantemente, como órgão de imprensa, impondo-se assim que a vedação incida inevitavelmente em face das empresas concessionárias que detenham em seus quadros sociais deputados e senadores”, argumentou o procurador.

“Mudança” no comando do grupo

O Sistema Tropical pertence ao espólio do ex-governador Tarcísio Maia, tendo hoje como sócia majoritária a viúva Tereza Maia, mãe do senador Agripino Maia. O senador Agripino e o filho Felipe Maia são sócios minoritários. Eles estão vendendo suas participações para Otho Maia e Ana Sílvia Maia, membros da mesma família.

Essa movimentação reforça a tese de que esta é apenas uma operação formal, dado o  receio de Agripino e Felipe de que a ação do MPF resulte na perda da concessão do serviço de radiodifusão sonora ou de som e imagens.

Com a publicação de decreto pelo Palácio do Planalto no último dia 8 de fevereiro, no qual autoriza a alteração de nomes no comando do grupo Tropical de Comunicação, o Ministério das Comunicações ignora os apontamentos feitos pelo MPF e se porta de forma conivente com a operação.

Os Donos da Mídia

O projeto “Excelências”, vinculado ao Transparência Brasil, aponta que, na atual legislatura (2015-2019), 43 deputados são concessionários de serviços de rádio ou TV, o que representa 8,4% do total dos membros da Câmara dos Deputados. Proporcionalmente, o Senado Federal é ainda mais marcado por este fenômeno, já que 19 senadores são concessionários – o que representa 23,5% dos membros da Casa. Entre estes senadores, figuram Aécio Neves (PSDB-MG), Edison Lobão (PMDB-MA), Fernando Collor de Mello (PTB-AL), o próprio Agripino Maia (DEM-RN), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Jader Barbalho (PMDB-PA), Acir Gurcacz (PDT-RO) e Roberto Coelho Rocha (PSDB-MA).

Os números apresentados pelo projeto “Excelências” revelam que, para além da vinculação juridicamente registrada de políticos com os serviços de radiodifusão, existe ainda os casos em que os parlamentares mantêm influência sobre as empresas a partir de laranjas ou de parentes que ocupam posições no quadro societário dos veículos.

O domínio político sobre os meios de comunicação expõe um grave conflito de interesses, uma vez que o próprio Congresso Nacional é responsável pela apreciação dos atos de outorga e renovação de concessões e permissões de radiodifusão. Atualmente, algumas ações civis públicas movidas nos estados e duas ADPFs (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), a 246 e a 379, ambas ajuizadas no Supremo Tribunal Federal pelo PSOL, questionam as concessões dadas a políticos.

As arguições ajuizadas no Supremo Tribunal Federal (STF) estão fundamentadas sobre o fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. Ambas contam com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República. Ambas aguardam a apresentação de voto de um mesmo ministro, Gilmar Mendes.

O fato de concessões públicas estarem no poder de políticos resulta em falta de isonomia, em desrespeito ao pluralismo e em uma grave ameaça ao interesse público, pois o sistema brasileiro de regulação de radiodifusão não prevê a existência de um agente independente para deliberar sobre a distribuição do espectro eletromagnético. Deste modo, tal deliberação é realizada por um procedimento licitatório no qual os parlamentares do Congresso Nacional ocupam um papel central, analisando as outorgas realizadas pelo Poder Executivo.

Governo do Rio Grande do Sul fere a Constituição e extingue a Fundação Cultural Piratini

A base do governador do Rio Grande do Sul, Ivo Sartori, na Assembleia Legislativa aprovou na madrugada de hoje, 21, o Projeto de Lei 246/2016, que propõe a extinção de seis fundações públicas, entre elas a Fundação Piratini (TVE/FM Cultura), após quase 12 horas de discussão. A aprovação ocorreu por 30 votos a favor e 23 contrários.

A Assembleia Legislativa foi cercada por policiais, que restringiram a entrada e impediram que os servidores acompanhassem de perto a votação de medidas que afetam diretamente suas vidas. O dia foi marcado pela tensão dentro e fora do prédio, localizado em frente à Praça da Matriz. Ali, houve confrontos entre a Brigada Militar e os trabalhadores. O Movimento dos Servidores da TVE e FM Cultura recebeu apoio de ouvintes, telespectadores, acadêmicos, jornalistas e da classe artística.

A proposta de extinção da empresa pública fere a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 223, que diz: “Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. A extinção da fundação cria um desequilíbrio aos sistemas de comunicação e deixa um vazio para as manifestações culturais no estado, que estavam fortemente representadas nos espaços oferecidos pela TVE e FM Cultura.

Os defensores da radiodifusão pública admitem que o papel que essas emissoras cumprem, em complementariedade aos sistemas privados e estatais, conforme estabelece a Constituição, ainda não são muito claros para a sociedade em geral. O jornalista Luciano Alfonso, funcionário da TVE há 28 anos, ressalta que a comunicação pública tem um ”papel voltado para a sociedade e que abraça causas que a TV privada não abraça, pois não é feita pra ganhar lucro”.

Trabalhadores da Fundação Piratini mantiveram-se mobilizados em defesa da manutenção da comunicação pública no estado. Desde a semana passada, decidiram por fazer uma greve e acordaram com a direção da fundação a manutenção de uma escala mínima do setor de operações para manter o sinal das emissoras de televisão e rádio no ar.

Segundo informações de funcionários, um acordo entre a presidente da Fundação Piratini, Isara Marques, e os delegados sindicais indicou que os programas de jornalismo nas emissoras seriam suspensos e que na rádio se manteriam no ar apenas os programas que não dependem de funcionários concursados, pois são apresentados por funcionários terceirizados. Na TV, o acordo previa a entrada direto do sinal da TV Assembleia durante as sessões de votação do pacote do governo do estado.

Esse acordo vigorou té o final da tarde desta terça, dia 20, quando os cargos comissionados que estavam dentro da fundação pediram a todos os funcionários terceirizados que deixassem a fundação. Na mesma noite, os delegados sindicais foram atê a sede da fundação e souberam pelo pessoal da segurança que a ordem era não deixar ninguém entrar. Desde a nova orientação por parte da direção da fundação, formada pelos ocupantes de cargos comissionados, a TVE está retransmitindo a programação da TV Cultura e da TV Brasil, enquanto a FM Cultura está tocando listas musicais pré-programadas.

Falsa Economia

Eleito sem apresentar propostas durante a campanha e com a manutenção do slogan (apartidário) ”meu partido é o Rio Grande”, o governador Sartori está propondo um desmonte do estado em áreas como pesquisa, cultura, comunicação, tecnologia e meio ambiente. Em um pronunciamento em novembro, quando anunciou o pacote encaminhado agora à Assembleia, ele justificou que o estado estava em crise financeira e não tinha recursos para investir em saúde, educação e segurança. A solução encontrada pelo governo está na demissão de cerca de 1.200 funcionários de fundações e autarquias e no desmantelamento da estrutura dos órgãos. O pacote ainda prevê a privatização de companhias como as de energia elétrica, mineração e gás, entre outras medidas.

Alexandre Leboutte, funcionário da TVE, contesta a suposta economia gerada. Ele apresenta dados do Portal da Transparência para mostrar que, até novembro, a Fundação Piratini havia gasto R$ 23,5 milhões, de um orçamento anual previsto de R$ 34,1 milhões. Leboutte afirma que, se o governo diminuísse o número de cargos de confiança (CCs) e o investimento em publicidade, já garantiria a manutenção dos funcionários de carreira das fundações. Citando editais de publicidade para 2016, o servidor chama atenção para o volume de recursos disponibilizados pelo Poder Executivo em propaganda, que chegam a R$ 80,6 milhões.

Destes recursos, R$ 3,5 milhões foram aplicados pelo governo em uma campanha publicitária somente para informar sobre a tal crise financeira do estado. Boa parte deste dinheiro foi para emissoras de rádio e TV privadas. Estes dados fazem parte de um dossiê elaborado pelo movimento de preservação das fundações, e que foi usado como argumento numa tentativa de diálogo com os deputados que iriam votar o pacote. Infelizmente, não produziu os efeitos esperados.

Enquanto o governo repassava mais de R$ 80 milhões para publicidade, políticas públicas como a qualificação de assentamentos agrários recebiam apenas R$ 372.801,60 dos cofres públicos em 2016. Já a qualificação dos sinais de cobertura da TVE e da FM Cultura recebeu modestos R$ 156.760,92, enquanto a qualificação dos recursos humanos na administração contou com míseros R$ 10.350,52.

Ainda segundo o portal Transparência, somadas as áreas de qualificação de assentamentos, dos sinais de cobertura da TVE e FM Cultura e de recursos humanos, elas receberam juntas R$ 539.911,00, menos do que o jornal Zero Hora abocanhou dos cofres públicos. O jornal ZH recebeu R$ 583.185,21 entre janeiro e novembro de 2016, enquanto o Correio do Povo ficou com R$ 222.655,28 no mesmo período.

Apoio à comunicação pública

Desde a divulgação do projeto de extinção da Fundação Piratini, vários atores culturais e agentes da comunicação criticaram a proposta e se manifestaram em defesa da comunicação pública gaúcha. “A extinção da TVE e da FM Cultura deixará um vazio na cultura do Rio Grande do Sul”, disse a jornalista e professora universitária Christa Berger. Para ela, ao incluir a Fundação Piratini entre as fundações que não são prioridade para o governo, o governador Sartori explicita uma visão de mundo mercantilista e avessa à cultura. Para Christa, interromper uma programação já consolidada “silencia as vozes de várias pessoas que não têm espaço nas emissoras comerciais”.

A jornalista da TVE Angélica Coronel, agraciada com o segundo lugar e a menção honrosa na categoria Telejornalismo Reportagem Geral na 58ª edição do Prêmio ARI/Banrisul de Jornalismo, no último dia 19, criticou a atuação de parte da imprensa gaúcha que não exerceu sua função social ao ignorar os argumentos dos funcionários da empresa. “Enquanto estamos aqui, o futuro da fundação está sendo decidido do outro lado da praça. Nós temos que lembrar as aulas que tivemos ainda no primeiro semestre de Jornalismo, ‘ouçam os dois lados da história’. Foram poucos os veículos que sequer ouviram o nosso lado”, reforçou ela. Angélica chamou a atitude do governo de vergonhosa, por não reconhecer a importância da comunicação pública. “A comunicação pública tem que coexistir com a privada e a estatal. Isso é a Constituição que diz. Não nos dê preço, nos dê valor”, afirmou.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Rádio e Televisão do Rio Grande do Sul protocolaram uma representação no Ministério Público do Trabalho (MPT) na segunda-feira, 19, contra as demissões dos servidores da Fundação Piratini. O documento ressalta que os funcionários foram admitidos em concurso e as contratações estão submetidas aos princípios da administração pública, embora a Secretaria de Comunicação do Estado (Secom-RS) confirme que, mesmo concursados, os servidores foram contratados com regime de CLT e, caso a extinção da entidade seja aprovada, mais de 200 pessoas deixarão seus cargos.

O texto pontua que as demissões foram decididas e anunciadas de forma unilateral, sem negociação coletiva. “Não há como se admitir tal conduta. Há, claramente, um procedimento soberbo, violador da cidadania, da dignidade humana, da proteção ao emprego e do papel social da propriedade. Em verdade, a postura viola gravemente os princípios e direitos fundamentais inscritos na Constituição da República”, destaca a representação.

O Sindicato defende, ainda, que, ao não representar medida administrativa que tenha potencial para resolver os problemas financeiros do Estado, a extinção da fundação fere o princípio da razoabilidade da Carta Magna. “A extinção de um órgão de comunicação social de natureza claramente pública imporá enormes restrições, rejeitadas por nossa ordem constitucional, à liberdade de manifestação e à integridade cultural da comunidade do Estado”. Por meio da representação, as entidades solicitam que sejam tomadas providências e seja feita audiência entre os sindicatos requerentes e o governo do Estado.

Outra entidade que se posicionou contrária à extinção da fundação foi Associação Riograndense de Imprensa – ARI que divulgou a nota: Em defesa da TVE e da FM Cultura

assinada por ex-presidentes da Fundação Piratini, que presidiram em situações conjunturais diversas. Somadas, suas gestões abarcam cerca de 18 anos, no período compreendido entre 1973 e 2014.

A jornalista e funcionária da TVE, Cristina Charão, reforça que o governo deu sinais truncados sobre qual será o destino dado a TVE e FM Cultura.  “O secretário de comunicação Clóvis Bevenhu dava declarações que as duas emissoras seguiriam sobre gestão da secretaria de comunicação funcionando, mas não explicava como, nem porquê. Já que a concessão pública é da fundação e não do governo do estado”, questiona.

Ela ainda ressalta a entrevista dada pelo vice-governador, que é apontado como o articulador das propostas de desmonte do estado com os setores empresariais,  afirmando que “não é função do Estado manter TV e rádio”. Charão ainda relembra que o processo de digitalização do sinal das emissoras foi interrompido no primeiro dia do governo Sartori. “A gente não tem transmissão ainda em sinal digital porque as únicas coisas que faltavam era um transmissor de Porto Alegre funcionando plenamente e as retransmissoras do interior que custa muito pouco para o governo, mas eles não quiseram dar seguimento”.

Para ela o governo nunca teve nenhum plano para comunicação pública e nem mesmo para comunicação estatal, essa posição dificultou a construção de diálogo.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

STF volta a julgar constitucionalidade da Classificação Indicativa

Considerada fundamental para a proteção dos direitos da criança, Classificação Indicativa entra na pauta do STF no dia 8

Por Helena Martins*

Imagine acordar, ligar a TV e encontrar cenas de violência extrema em todos os programas veiculados por veículos de radiodifusão. Isso poderá ocorrer se a Classificação Indicativaperder sua capacidade de orientar a organização da grade de programação das emissoras. A Classificação Indicativa é um instrumento que indica horários para a exibição de conteúdos que contenham também cenas de sexo ou drogas, a partir da avaliação sobre impactos da exposição de crianças e adolescentes a eles.

Desde 2001, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2404, que pretende revogar o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual prevê sanções às emissoras que veiculem conteúdo em horário diferente do recomendado, desrespeitando a Classificação Indicativa.

Na prática, ficaria a cargo apenas das empresas a opção de seguir ou não a indicação. O julgamento, parado desde 2011, foi retomado em novembro do ano passado. Depois de um novo pedido de vistas, feito pelo ministro Teori Zavascki, está previsto para entrar na pauta de votação do STF desta quarta-feira, dia 8.

A situação é perigosa, pois quatro ministros já votaram a favor da ADI, ao passo que apenas um – Edison Fachin – votou pela manutenção do que está previsto em lei.

Diante deste cenário, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) manifestou-se oficialmente sobre o tema e pediu ao STF “que julgue improcedente a ADI, a fim de assegurar o direito à proteção integral da criança e do adolescente”.

Para o colegiado, que reúne órgãos estatais e do governo federal, bem como organizações populares, a política regulamenta o que está previsto na Constituição Federal, já que esta estabelece que a União deve “exercer a Classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão” (art. 21, XVI).

Tendo em vista não haver análise prévia de conteúdo nem veto à produção e circulação de programas, o CNDH criticou o argumento, em geral utilizado por grupos empresariais contrários à regulação, de que a Classificação cerceia a liberdade de expressão.

“Este Conselho entende, no entanto, que os direitos não são absolutos e que apenas se for tomada como tal é que a liberdade de expressão pode ser considerada atingida pela Classificação Indicativa. Isso porque a restrição promovida pela Classificação é mínima, relacionada exclusivamente ao horário de exibição dos programas, não à livre produção e circulação deles”, diz o texto, que também elenca diversos tratados internacionais que legitimam a política adotada no Brasil desde 2006.

Em um contexto de avanço do pensamento conservador, materializado, por exemplo, na proposta de redução da maioridade penal e na defesa do punitivismo como forma de resolução do problema da violência, o Conselho fez um apelo para que a sociedade defenda os direitos de crianças e adolescentes.

O pedido foi reforçado por outros órgãos que defendem os direitos humanos em um seminário sobre a Classificação Indicativa, realizado em março deste ano, em parceria com o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes (Conanda), a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e diversas entidades da sociedade civil.

“Classificação Indicativa não é censura. De modo algum ela interfere na produção de conteúdo. Ela cria um sistema mínimo de proteção aos direitos das crianças. Flexibilizá-la será abrir uma porteira para revogar todos os mecanismos de proteção previstos no ECA”, afirmou o então procurador Federal dos Direitos do Cidadão, Aurélio Rios, também conselheiro do CNDH.

Já o presidente do Conanda, Fábio Paes, destacou: “A Classificação Indicativa é um espaço para assegurar que as crianças não sejam violentadas em seu direito ao desenvolvimento integral”.

A fim de ampliar a mobilização da sociedade em torno da garantia da política e informar sobre os impactos psicossociais que podem ser gerados com a fragilização dela, organizações da sociedade civil encampam a campanha “Programa adulto em horário adulto”.

Por meio de uma parceria com o Avaaz, a petição online intitulada “STF: Proteja a infância, não derrube a Classificação Indicativa!”, uma das iniciativas da campanha, tem sido enviada para milhares de e-mails, a fim de fortalecer o apoio popular à política. Além de coletar assinaturas, a plataforma permite também que sejam enviadas mensagens para cada um dos ministros do Supremo pedindo o apoio deles à continuidade da Classificação.

No site da campanha, coordenada pela Andi – Comunicação e Direitos, Artigo 19, Instituto Alana e pelo Intervozes, também estão disponíveis informações sobre o funcionamento da Classificação Indicativa, o debate jurídico em torno do tema no STF, o posicionamento de organizações e, claro, peças para a agitação da campanha nas redes sociais.

Agora, é a hora de cada um e cada uma assumir o seu papel nesse jogo e mobilizar suas redes de amigos, familiares e parceiros na defesa da Classificação. Temos pouco tempo para isso.

Sabemos, claro, que esse é apenas um instrumento para a garantia de uma mídia que promova e não viole direitos. Como relembrou o procurador Domingos Dresch, no seminário citado, “a existência de uma mídia eletrônica hegemônica, onipresente e pouco regulada é algo perverso para a democracia”.

Não obstante, até para conquistarmos avanços na pauta da regulação da mídia, é necessário dialogar com a sociedade sobre a importância dos mecanismos já existentes e desvelar os equívocos constantes em ataques feitos a eles, como no caso dos argumentos que relacionam qualquer mecanismo de regulação à censura.

Além disso, é preciso apontar os sucessos de políticas como a Classificação Indicativa. Construída e analisada frequentemente de forma participativa, baseada nas melhores práticas de países com maior tradição nessa área, como França e Canadá, ela rapidamente tornou-se conhecida e elogiada por boa parte da população.

Como aponta pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas, em cooperação com a UNESCO, em 2012 (a pedido do Ministério da Justiça), 97% dos pais ou responsáveis por crianças de 4 a 16 anos consideram muito importante ou importante que emissoras de TV aberta respeitem a limitação de horário vinculada à Classificação Indicativa. E 94% consideram que deve existir multa para emissoras que desrespeitarem as regras. Mais informações aqui.

Infelizmente, esses dados não serão apresentados pelos veículos de comunicação que querem, a todo custo, vender produtos e impor modos de vida às audiências, sem se preocuparem com os impactos no orçamento das famílias, na autoestima das crianças ou no impacto de seus conteúdos na construção da personalidade delas. Eles, contudo, sabem que o debate sobre a regulação da mídia no Brasil avança, a duras penas, mesmo no Judiciário.

Exemplo disso foi a decisão tomada pelo Supremo Tribunal e Justiça (STJ), em março, deproibir a publicidade voltada à criança. Embora essa vedação já conste no Código de Defesa do Consumidos, de 1990, e tenha sido objeto de resolução do Conanda, de 2012, que trata de publicidade abusiva, esse era mais um tabu existente no Brasil.

Não à toa, o ministro do STJ que julgou a ação, movida pelo Instituto Alana contra a Bauducco por conta de uma ação de oferta de relógio em troca de embalagens de biscoitos, Herman Benjamin, classificou o julgamento como “histórico”.

“O STJ está dizendo: acabou e ponto final. Temos publicidade abusiva duas vezes: por ser dirigida à criança e de produtos alimentícios. Não se trata de paternalismo sufocante nem moralismo demais, é o contrário: significa reconhecer que a autoridade para decidir sobre a dieta dos filhos é dos pais”, disse o relator em seu voto.

Diante disso, dos riscos que cercam a política da Classificação Indicativa e de tantos outros ataques, é preciso mostrar ao Judiciário e à sociedade em geral que o interesse público deve guiar nossas instituições e a democracia. Já passou da hora de afirmarmos que queremos mais (e não menos) direitos, também nos meios de comunicação.

Antes de sair do nosso blog, não se esqueça de assinar e divulgar a petição em defesa da Classificação Indicativa. Basta clicar aqui.

*Helena Martins é jornalista e representante do Intervozes no Conselho Nacional de Direitos Humanos.

Intervenção de Temer sinaliza desmonte da EBC

Sem legitimidade, presidente interino mexe na programação, demite funcionários e comentaristas e prepara MP para mudar lei que criou a Empresa

Por Mariana Martins*

Como tudo na nossa recente e frágil democracia – aliás, como a própria democracia – a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) se construiu e vinha se consolidando, nos últimos anos, eivada de contradições. Inerentes a qualquer processo que pretenda transformar paradigmas – como é o caso do sistema de comunicações no Brasil –, essas contradições foram criticadas diversas vezes neste blog. Porém, o ataque que a EBC sofreu na última semana, com a violação explícita do estatuto legal do mandato de seu presidente, instituído pela Lei nº 11.652/2008, como forma de garantir a autonomia da empresa frente ao governo federal, é inadmissível.

As exonerações do diretor-presidente e do diretor-geral da EBC, bem como a nomeação de duas outras pessoas relacionadas ao governo interino – sem projeto eleito e legitimado pelas urnas – é uma afronta à democracia e à lei que versa sobre a comunicação pública e que criou a EBC para liderar o sistema público de radiodifusão no país. Nos últimos dias, os ataques continuam, com o afastamento sumário de funcionários e demissões de cargos comissionados, bem como o anúncio da retirada do ar de programas e de pautas culturais, numa clara prática de censura.

Tão grave quanto as afrontas citadas são as que se desenham no curto prazo. Michel Temer prepara, através de uma medida provisória que não cumpre os requisitos constitucionais de urgência e relevância para ser editada, mudanças na lei de criação da Empresa. Na MP, além de alterar a regra sobre o que já foi atropelado – o estatuto do mandato para o cargo de diretor presidente –, notícias na imprensa veiculam (e nada foi negado na reunião dos funcionários da EBC com membros do Palácio do Planalto) que também pretende-se acabar com o Conselho Curador.

O Conselho é o principal órgão de controle social da Empresa, que tem como obrigação zelar pelos princípios e objetivos estabelecidos na Lei em questão, para garantir a missão da EBC como empresa de comunicação pública. Tanto o estatuto do mandato, que existe para garantir a autonomia do presidente frente ao governo que o nomeou, quanto a existência Conselho como órgão de controle, fiscalização e participação social são condições sine qua non para existência de uma comunicação pública. E isso não é uma invenção da Lei nº 11.652, de 2008, mas um pressuposto que encontra paralelo em praticamente todas as emissoras públicas de comunicação – reconhecidas como tal – no mundo.

Não era de se estranhar que um governo que sucedesse os governos que criaram a EBC viesse a fazer mudanças na empresa, como já se vê em exemplos das emissoras educativas estaduais. Mas nada parecido com o possível desmonte da EBC, anunciado por essa esperada medida provisória, ocorreu até agora.

Os limites de um governo interino

Antes de aprofundar a análise sobre as consequências da intervenção de Michel Temer na EBC, cabe debater uma questão primordial: as atribuições de um governo interino. Não faz o menor sentido um governo provisório fazer mudanças da magnitude da extinção de Ministérios, alterações de leis por MP, implementação de ações que criam e alteram políticas e instalação de um programa político derrotado nas urnas. Mudanças deste nível durante o período de um governo interino são inaceitáveis na democracia. Afora a legalidade, que a essa altura vale no Brasil tanto quanto a palavra de Eduardo Cunha, um governo provisório não tem legitimidade para fazer qualquer coisa que não seja manter a ordem até o julgamento final do motivo que o colocou interinamente no poder.

Iniciar as suas mudanças afrontando a comunicação pública tem, portanto, um sentido na atual conjuntura. Por ser um espaço de expressão de uma sociedade democrática, um governo autoritário – que extinguiu pastas como a Cultura, os Direitos Humanos, a Igualdade Racial e a defesa dos direitos das Mulheres – é incapaz de deixá-la sobreviver. Ao contrário do que alegam, não é o “traço” de audiência da TV Brasil (apenas um dos veículos da EBC) que incomoda. Nem o que a empresa é. O que incomoda é o que a EBC pode vir a ser no país.

A comunicação pública incomoda também os veículos tradicionais, historicamente beneficiados por diferentes governos, que passaram a publicar artigos e editoriais repletos de erros sobre a EBC. A comunicação pública no Brasil é nova, é cheia de problemas, foi mal gerida, foi mal tratada. Mas tem potencial de ser algo transformador e revolucionário no campo da construção democrática. E é isso o que incomoda tais setores.

A essencialidade da autonomia

Uma das essências da comunicação pública é sua autonomia frente ao mercado e aos governos. Autonomia não é algo dado. Nem mesmo o PT, que conduziu o processo de criou a EBC, foi capaz disso. Autonomia se conquista. E em dez anos como pesquisadora da comunicação pública, dos quais quatro dentro da Empresa como funcionária, vi, dia após dia, em movimentos crescentes, que os funcionários se apropriavam do espírito público da comunicação. Isso põe medo em qualquer gestão. Mas põe mais medo ainda a gestões autoritárias.

Infelizmente, não foram poucos os episódios em que uma gama de funcionários e comissionados da EBC, alinhados com as políticas das gestões anteriores, fizeram vista grossa diante de problemas e ameaças ao espírito público da comunicação. Também nos deparamos agora com funcionários – estes em sua maioria sem plano de carreira e sem visão de futuro na Empresa, desvalorizados nas últimas gestões – defendendo abertamente a ilegalidade dos atos de Michel Temer, por eles representarem ganhos pontuais.

Mais uma vez, a importância de uma comunicação pública forte se faz presente, pois as disputas dentro da própria EBC hoje remetem a falsas dicotomias criadas pelo modelo de mídia tradicional e mercadológica que temos: o poder de resumir toda e qualquer questão complexa a uma disputa entre “petistas” e o “resto da sociedade”. Sem falar na sede de vingança, pela qual vale mais ver um “petista” cair que zelar pelas instituições e pela legalidade.

Gestões anteriores erraram com a EBC. Tiveram medo de ouvir, de ousar. Contudo, o que temos hoje não é mais a contradição de quem não consegue lidar com as críticas a uma gestão com problemas. O horizonte no curtíssimo prazo é o fim da possibilidade da crítica, da própria construção da comunicação pública. O que temos hoje é a diferença entre o difícil e o impossível. O que se desenha é o fim da comunicação pública.

Se com um governo eleito estava difícil fortalecer a comunicação pública, com um governo interino, que começa ultrapassando os limites da legalidade e da legitimidade, qualquer construção que fortaleça a democracia torna-se incoerente com seus propósitos e, logo, uma ameaça à sua existência.

O impacto para a cidadania

Fechar a EBC não é se vingar do PT, derrubar os cargos comissionados. Fechar a EBC é acabar com o pouco do contraditório que ela consegue estabelecer no sistema de comunicação brasileiro como um todo. É acabar com o único modelo de radiodifusão aberta, em nível federal, diferente dos demais, que não funciona sob a lógica do financiamento privado e da audiência.

Acabar com o espírito público da EBC – pois é isso o que pretende a intervenção de Michel Temer – é acabar com nove rádios públicas, sendo duas delas (a Rádio Nacional da Amazônia e a Rádio Nacional Alto Solimões) emissoras que chegam a lugares que nenhuma rádio comercial alcança, já que ali não há consumo suficiente para “justificar” o direito de acesso à informação desta população. Acabar com a EBC é acabar com a Radioagência, que produz notícias que podem ser baixadas gratuitamente por rádios de todo o Brasil e que produz jornalismo, cultura e entretenimento.

Acabar com a EBC é acabar com a Agência Brasil, replicada gratuitamente por milhares de jornais pelo pais e mundo afora. Acabar com a EBC é acabar com o “Caminhos da Reportagem”, um dos programas jornalísticos mais premiados do Brasil. Com o “Estação Plural”, primeiro programa em TV aberta apresentado por um transexual. É acabar com o “Arte do Artista”, e com o encontro inusitado do teatro com a TV. É acabar com “Guilhermina e Candelário”, primeira animação infantil protagonizada por crianças negras. E “Igarapé Mágico”, que tem como personagens animais da fauna brasileira, do norte do país, dos igarapés, da Amazônia.

Acabar com a EBC é acabar com a esperança de fugir das amarras do mercado e da audiência do cidadão consumidor, que é alimentada pelo modelo dominante de mídia comercial.

A EBC é um patrimônio da sociedade brasileira e uma das principais conquistas do movimento pela democratização da comunicação em tempos recentes. Nenhum erro de gestão até aqui pode justificar o fim deste projeto de comunicação pública. Cassar a autonomia e os órgãos de controle da empresa são expressões do autoritarismo. E nada que se construiu no mundo sob este estigma deu certo. No Brasil não será diferente. Na EBC, tampouco.

* Mariana Martins é jornalista, doutora em Comunicação pela UnB, trabalhadora da EBC e integrante do Intervozes.

CPI de crimes cibernéticos aprova relatório que ataca liberdade na internet

O documento contém propostas de leis que vão de encontro ao Marco Civil da Internet e os direitos dos usuários

Por Jonas Valente e Bia Barbosa*

Foi aprovado na quarta-feira 4 o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito de Crimes Cibernéticos (Cpiciber, como ficou conhecida). O documento traz uma série de propostas e de projetos de lei (PLs) que passarão a tramitar na Câmara dos Deputados com prioridade, parte importante deles com ameças à liberdade na internet e criminalizando ainda mais quem navega na rede.

Um dos PLs prevê a possibilidade de bloqueio “a aplicação de internet hospedada no exterior ou que não possua representação no Brasil e que seja precipuamente dedicada à prática de crimes puníveis com pena mínima igual ou superior a dois anos de reclusão, excetuando-se os crimes contra a honra”.

Em outras palavras, um juiz poderá bloquear toda uma aplicação (aplicativos de celular, sites ou redes sociais) por considerar que ela é voltada majoritariamente para se praticar crimes, entre eles o de violação de direitos autorais, ou “pirataria”. Esse PL foi a grande polêmica da votação do relatório final.

De um lado, deputados atendendo ao lobby dos grandes estúdios de Hollywood e de emissoras de TV que buscam ampliar a criminalização do compartilhamento e o uso de produtos audiovisuais “não oficiais” – prática corrente na Internet. De outro, deputados e entidades de defesa dos usuários alertando que é importante punir crimes na rede mas sem comprometer, por meio do bloqueio, o conjunto das pessoas que fazem uso das aplicações.

O debate sobre o tema, que já era polêmico desde a apresentação da primeira versão do relatório final, esquentou ainda mais com a decisão do juiz Marcel Montalvão, da comarca de Lagarto (SE), de bloquear o Whatsapp por 72 horas, tomada na última segunda-feira 2.

A despeito das motivações importantes do magistrado (a resistência da empresa em cooperar com uma investigação), o episódio mostrou como uma decisão desproporcional pode prejudicar dezenas de milhões de brasileiros que usam um aplicativo para se comunicar, trabalhar e desenvolver todo tipo de atividade diariamente.

A solução encontrada pelos deputados? Também excluir da possibilidade de bloqueio autorizado “aplicações de mensagens instantâneas, de uso público geral”. O restante do texto, porém, foi mantido, com sérias ameaças à liberdade de expressão e ao acesso à informação dos internautas.

Além da amplitude da proposta – considerar qualquer crime cuja pena de reclusão seja de, no mínimo, dois anos, incluindo novas tipificações que possam surgir –, como definir se uma aplicação é “precipuamente dedicada à prática de crimes”?

Cada magistrado interpretará ao seu bel prazer e teremos um campo fértil para novas decisões como a do juiz Montalvão.

O relatório final do deputado Espiridião Amin (PP/SC), traz uma série de exemplos de países que autorizam a prática do bloqueio de sites e aplicações. Para o deputado Sandro Alex (PSD/PR), subrelator da CPI, responsável pela redação deste PL, a vedação total dos usuários a uma aplicação ou página da internet não pode ser considerada censura.

O que os parlamentares esqueceram de mencionar é que, nos países democráticos onde o bloqueio é permitido, ele é considerado uma prática excepcional, aplicada em casos extremos, para crimes muito bem definidos e situação explicitamente determinadas.

A relatoria para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos já chegou a expedir nota afirmando que o bloqueio de sites é uma medida extrema, que ameaça o respeito a este direito fundamental. Alguém tem dúvidas de para que um texto genérico como este será usado por aqui?

Criminalização em alta

Outro trecho do relatório final, que também trazia preocupações às organizações defensoras da liberdade na internet, recebeu, na votação final, uma emenda – proposta pelo deputado Nelson Marchezan Júnior (PSDB/RS) – que piorou ainda mais o texto.

A emenda alterou a Lei conhecida como Carolina Dieckmann (12.737/2012), norma que criminaliza quem “invade dispositivo informático alheio com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa”. Na versão proposta por Amin, o texto previa mudar a “invasão de dispositivo informático alheio” para “acesso indevido a sistema informatizado”.

Novamente, o caráter vago do termo já era preocupante, mas a prática só seria criminalizada se tivesse a finalidade de cometer alguma ilegalidade. Marchezan defendeu, e convenceu a maioria dos pares, de que o simples “acesso indevido” já deve ser considerado crime, passível de multa e até um ano de prisão.

O que é acesso indevido? Pergunte ao relator e aos sub-relatores da CPI de Cibercrimes. A falta de definição abre uma avenida para a criminalização de usuários, incluindo pesquisadores e quem trabalha com testes de segurança de rede.

O relatório final traz ainda projetos de lei como o que destina 10% de recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) para o aparelhamento da Polícia Federal com vistas ao combate a crimes cibernéticos.

As entidades da sociedade civil haviam sugerido a reserva de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, uma vez que o PL promove uma destinação equivocada e retira verba da necessária fiscalização dos serviços de telecomunicação no Brasil, notadamente caros, ineficientes e de baixa qualidade.

Outra proposição sugerida pela CPI prevê a retirada, mediante simples notificação ao site, de um conteúdo idêntico cuja remoção já tenha sido ordenada pela Justiça. O deputado Alessandro Molon (Rede/RJ) argumentou que a medida também atinge a liberdade de expressão, já que esta análise – se realmente trata-se de conteúdos idênticos – caberá aos provedores e não a um juiz. A redação final do PL proposto poderia ter ficado pior, não fosse a pressão da sociedade civil.

Em versões anteriores do relatório, o PL atribuía aos aplicativos a obrigação de fiscalizar suas publicações para retirar não apenas conteúdos idênticos mas “similares” àqueles que tivessem recebido ordem judiciar para saírem do ar. Ou seja, transformava redes sociais e outros aplicativos em máquinas de vigilância e feria ainda mais a liberdade de expressão.

Outra proposição da CPI alterada a partir de pressão das entidades foi o PL que previa a retirada, sem ordem judicial, de conteúdos que atentassem contra a honra de uma pessoa. A medida deveria ser cumprida em um prazo de até 48 horas.

A iniciativa, que visava proteger políticos de acusações nas redes sociais, era um claro ataque à liberdade de expressão e criava uma prática generalizada de derrubada de conteúdos pelas aplicações sem a avaliação criteriosa da Justiça e sem permitir o direito de defesa. Nos debates e em razão das críticas das entidades, o projeto foi retirado do relatório.

A despeito dos esforços e mobilizações de diversas organizações da sociedade civil no Brasil e no exterior – entre elas o Intervozes, Ibidem, Coding Rights, AccessNow, EFF e o Comitê Gestor da Internet no Brasil – o relatório da CPICiber plantou na Câmara sementes de ameaças a direitos fundamentais dos usuários, que agora passam a tramitar com prioridade.

Tais movimentações se inserem em um processo mais amplo de ataque ao Marco Civil da Internet e de restrições às liberdades na rede, juntamente com tentativas de reforma da Lei Geral de Telecomunicações e da imposição de franquias nos serviços de banda larga fixa. A batalha continuará e vai exigir mais mobilização dos defensores da Internet livre no país.

* Jonas Valente e Bia Barbosa são jornalistas e integram o Conselho Diretor do Intervozes.