Por que a Globo simboliza os podres da mídia brasileira?

Nesta quinta-feira, 11 de julho, uma mobilização convocada por mais de 80 organizações, movimentos sociais e centrais sindicais tomará novamente as ruas do Brasil pedindo transformações em nosso país. Ao lado de temas como a destinação de 10% do PIB para a edução, melhoria no SUS e garantia de investimentos na saúde, transporte público de qualidade, redução da jornada de trabalho para 40 horas e defesa da reforma agrária, a democratização da mídia também será uma reivindicação central dos manifestantes. Em várias capitais, os protestos terminarão em frente à sede da TV Globo, repetindo e reforçando atos que aconteceram em todo o país na última semana (página do protesto que acontecerá em São Paulo).

Mas por que a Globo como alvo, se a crítica cada vez maior da população acerca do papel dos meios de comunicação de massa aponta para problemas comuns ao conjunto das grandes empresas que controlam a maioria do que se lê, assiste e ouve no Brasil? Porque a Globo é um símbolo. É parte desse problema e uma de suas principais causas. Vale enumerar:

Concentração
O cenário na televisão brasileira é de quase monopólio – algo proibido pela Constituição Federal, mas nunca garantido na prática. Na TV aberta, a Globo controla 73% das verbas publicitárias, embora tenha 43% da audiência. No mercado de TV por assinatura, a Globosat participa de 38 canais e tem poder de veto na definição dos canais da NET e da SKY, que juntas controlam 80% do conjunto de assinantes. Em grandes cidades como o Rio de Janeiro, o grupo controla os principais jornais, TVs e rádios, situação que seria proibida nos Estados Unidos e em vários países da Europa, onde há regulação democrática da mídia anticoncentração.

Promiscuidade política
Várias emissoras afiliadas da Globo pelo Brasil são controladas por políticos envolvidos em inúmeros escândalos: no Maranhão, a família Sarney controla a TV Mirante; em Alagoas, Fernando Collor controla a Gazeta; entre outros. É importante lembrar que a Constituição Federal também proíbe, em seu artigo 54, que políticos detentores de cargos eletivos controlem concessionárias de serviço público. Historicamente, as Organizações Globo construíram seu poder econômico e político a partir de estreitos laços com a ditadura militar, que lhe garantiu o acesso a toda a estrutura da Telebrás e a expansão nacional do seu sinal.

Manipulação
A emissora opera politicamente, direcionando o noticiário jornalístico a partir de suas opiniões conservadoras e buscando definir a agenda pública do país a partir de entrevistados que têm visões alinhadas. A mudança que vimos recentemente na abordagem da cobertura dos protestos simboliza bem a transição entre a deslegitimação e a tentativa de cooptação das ruas a partir de sua própria pauta. Momentos grosseiros de manipulação, como a cobertura das Diretas Já ou a edição do debate entre Collor e Lula, que favoreceu a eleição do primeiro, ainda existem, mas perdem espaço para uma manipulação mais sutil, sofisticada e cotidiana – muitas vezes imperceptível para grande parte da população.

Corrupção
A recente denúncia de uma operação fraudulenta da Globo para sonegar impostos na compra dos direitos de exibição da Copa do Mundo de 2002 – sobre a qual a população ainda aguarda explicações – não é o primeiro caso de corrupção na história da empresa. Seu crescimento na década de 1960 se deu a partir de um acordo técnico ilegal com o grupo Time-Life, que mereceu uma CPI no Congresso Nacional, mas foi abafado. Além disso, a Globo – como outras emissoras – vende espaços editoriais para divulgação de filmes e artistas, numa conhecida prática de grilagem eletrônica, que termina por absorver recursos públicos incentivados do cinema nacional.

Por estes e outros motivos a Globo simboliza os podres da mídia brasileira. Por este e outros motivos, a democracia brasileira só será consolidada quando os meios de comunicação de massa forem também democratizados; quando os princípios previstos na Constituição para a comunicação social saírem do papel e quando a liberdade de expressão for um direito garantido a todos e todas.

Combate a uso político de concessões pode ser estratégia de democratização

A presidenta Dilma Roussef propôs, no dia 24 de junho, em resposta às manifestações das ruas “cinco pactos em favor do Brasil”. Entretanto, as críticas ao oligopólio dos meios de comunicação e à manipulação das informações pela grande mídia observadas nos grandes atos públicos foram ignoradas pelo governo federal. Uma proposta, porém, visa a realização de um plebiscito para uma reforma política e o movimento que luta pela democratização pela comunicação tem se deparado com distorções relacionadas ao uso político dos meios de radiodifusão. Observados ao longo da história pela sociedade brasileira, tais usos têm sido analisados também, já há algum tempo, por pesquisadores nas universidades.

Na assembléia popular temática realizada em São Paulo no dia 3, os manifestantes elegeram a proibição da outorga de concessões de radiodifusão a parlamentares um dos eixos importantes de atuação. A batalh, porém, não é nova.

Combate ao favorecimento político

Por vezes já houve iniciativas de se tentar impedir distorções que vinculam o uso das concessões públicas de radiodifusão e os políticos. Em dezembro de 2008, uma subcomissão especial da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara criada dois anos antes e presidida pela deputada Luiz Erundina (PSB-SP) aprovou a sugestão de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), na qual se especificava a proibição que pessoas com mandato eletivo fossem donas de emissoras de rádio e TV, baseada no artigo 54 da Constituição de 1988. A iniciativa não vingou.

Em abril de 2009, a mesma comissão votou parecer favorável ao relatório do senador Pedro Simon (PMDB-RS) à “rejeição do ato de outorga ou renovação de concessão, permissão ou autorização para a exploração de serviço de radiodifusão” a parlamentares, assim como a proibição de que estes sejam proprietários, diretores ou controladores dessas empresas.

Outra tentativa que ainda se encontra em processo foi a ação judicial, denominada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), produzida em parceria com o Intervozes e movida pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2011. De acordo com o texto do documento, verificou-se que “há evidências concretas, relatadas pela imprensa e pela literatura acadêmica, do uso da radiodifusão para o favorecimento de políticos ligados às pessoas jurídicas que controlam as outorgas”.

Desde abril de  2012, uma medida cautelar que acompanha a ação principal da ADPF e determina que o governo imediatamente não conceda mais outorgas a parlamentares aguarda o parecer do Ministério Público Federal para ser julgada pelo STF.

Conforme o levantamento que consta na ADPF, naquele ano 41 deputados e sete senadores sócios ou associados de pessoas jurídicas outorgadas de radiodifusão. Se considerados parentes em primeiro grau e participações indiretas, esse número chegava a 52 deputados e 21 senadores. Na legislatura anterior (2007-2010), 20 dos 81 senadores (24,69% da casa) e 48 dos 513 deputados federais (9,35% da casa) eram proprietários de emissoras de rádio ou TV.

Foram identificados, ainda no documento, três tipos de uso político: (1) a outorga de concessões, permissões e autorizações de radiodifusão como forma de obter apoio político (moeda de barganha), (2) a utilização da outorga pelos concessionários, permissionários e autorizatários para influenciar a opinião pública a favor de seus sócios, associados e correligionários e (3) a utilização do poder parlamentar para obter ou renovar outorgas próprias.

De acordo com Bráulio Araújo, advogado que elaborou a ADPF, “"no artigo 54 da Constituição há uma proibição expressa ao controle de outorga de radiodifusão por políticos com mandato eletivo. Essa proibição independe de regulamentação – existe e é plenamente aplicável. Nada impede, não obstante, que essa proibição seja reiterada pela legislação infraconstitucional que regulamenta o setor. Uma medida como essa poderia contribuir para efetivar a norma constitucional, que atualmente vem sendo descumprida.".

Leia mais: Pesquisadores identificam problemas no uso político de concessões de radiodifusão

Comunicação é pauta de protestos, mas não do governo

Nesta quarta-feira (3), em São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza, centenas de pessoas foram às ruas protestar contra a Rede Globo. Movidas inicialmente pela crítica à cobertura da mídia acerca das manifestações de junho, elas cobraram mais diversidade e a efetivação de políticas que ampliem as vozes que circulam na esfera pública midiática.

Apesar das críticas à mídia, o Governo Federal mantém-se calado quando o assunto é a democratização da comunicação. Os cinco pactos lançados pela Presidenta Dilma Rousseff – equilíbrio fiscal, mobilidade urbana, saúde, educação e Reforma Política – em nada interferem na brutal concentração que marca o sistema midiático brasileiro. Já ao anunciar outras medidas, nesta segunda-feira, após reunião com a equipe ministerial, mais uma vez a Presidenta se furtou a colocar as mãos no vespeiro dos grandes meios de comunicação de massa.

Os bastidores do encontro e uma breve análise das políticas adotadas mostram os motivos desse silêncio. Segundo a Folha de S. Paulo, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, teria dito na reunião com Dilma que não é hora de se travar uma discussão sobre a regulação da mídia. Já para a revista Veja, em entrevista às páginas amarelas concedida em meio ao furacão de protestos que tomou o Brasil, Bernardo fez coro com aqueles que igualam a regulação da mídia à censura, deixando claro com quem busca dialogar efetivamente.

As declarações, contudo, apenas reforçam uma opção política que, na prática, tem se mostrado bastante conservadora. Não por acaso, foi deste governo que veio a desoneração de R$ 6 bilhões para as empresas de telecomunicações, bem como a proposta de entregar à iniciativa privada os bens reversíveis do processo de privatização das telecomunicações – um considerável patrimônio público –, em troca do desenvolvimento de infraestrutura também privada. A política só foi desencorajada após protestos dos movimentos que debatem o tema, em especial da campanha “Banda Larga é um direito seu!”.

As poucas iniciativas do Ministério das Comunicações em termos de regulação do setor não passam de mudanças administrativas fragmentadas. No campo das rádios comunitárias, por exemplo, elas não apenas são incapazes de mudar a realidade como, ao contrário, podem se tornar ainda mais restritivas ao exercício da liberdade de expressão. Em abril, a portaria 112 manteve punições severas para o setor comunitário enquanto reduziu as sanções, para as emissoras comerciais, a um limite de R$ 80 mil em multas, mesmo diante de infrações gravíssimas. O valor, irrisório frente aos vultosos lucros das empresas, pode ser considerado um incentivo ao desrespeito às normas em vigor.

Outras mudanças estão sendo levadas a cabo com pouco ou nenhum debate público. A opção do Ministério das Comunicações tem sido dialogar prioritariamente com os interesses empresariais, colocando em risco a sobrevivência das emissoras do campo público e comunitário. Enquanto o governo pretende, por exemplo, liberar a faixa dos 700MHz para a banda larga móvel, favorecendo as teles, emissoras como a TV Senado, TV Câmara, emissoras educativas e, inclusive, a TV Brasil correm o risco de ficar sem espaço no espectro com o fim das transmissões analógicas.

Os exemplos deixam claro que a postura do Ministério das Comunicações diante da demanda de abertura de um debate público sobre a regulamentação das comunicações não é novidade. Paulo Bernardo há tempos escolheu alinhar-se aos interesses comerciais, frustrando aqueles que imaginavam que um primeiro ministro do Partido dos Trabalhadores à frente da pasta seria capaz de comprar enfrentamentos neste campo. Tendo em vista o período de mudanças que vivenciamos, resta saber se os ventos que sacudiram prefeituras, governos estaduais e mesmo o Governo Federal serão capazes de redirecionar também as políticas de comunicação. Estas, até agora, infelizmente, continuam fora da pauta apresentada como resposta às reivindicações populares.

*Helena Martins é jornalista, editora da TV Brasil e mestra em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará

Ministro responde críticas do movimento de democratização da comunicação

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) lançou nota no dia 28 de junho criticando as declarações do ministro das Comunicações Paulo Bernardo à revista Veja. Destacando as recentes manifestações nas ruas em defesa da democratização dos meios de comunicação, o texto afirma que “ao se posicionar contrariamente ao que definiram a nossa Carta Magna e as deliberações das 1ª Conferência Nacional de Comunicação, Paulo Bernardo despreza as vozes que ecoaram em todas as ruas nas últimas semanas e de todo conjunto da sociedade civil de nosso país, que há meses definiu a democratização das comunicações como uma de suas bandeiras principais de luta”.

O movimento que luta pela democratização da comunicação aponta nas atitudes e na fala do ministro a insistência em evitar a regulamentação dos meios de comunicação no Brasil, se apresentando como “guardião dos interesses dos próprios donos da mídia”. A crítica do FNDC ganha reforço com a informação divulgada no dia 7 pela Folha de São Paulo, em que se afirma que na reunião da presidenta com os ministros, Paulo Bernardo teria afirmado que não é o momento da discussão da regulação da mídia. Em fevereiro, o secretário executivo do ministério,  Cezar Alvarez, já havia declarado que não seria discutido um novo marco regulatório em ano pré-eleitoral.

Para a revista Veja, o ministro é um “daqueles raros e bons petistas que abandonaram o radicalismo no discurso e na prática” e “critica os companheiros que defendem a censura à imprensa”. Esta rota de colisão entre Paulo Bernardo e a esquerda é evidente. O próprio diretório nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) já aprovou uma resolução em que “conclama o governo Dilma a reconsiderar a atitude do Ministério das Comunicações, dando início à reforma do marco regulatório das comunicações, bem como a abrir diálogo com os movimentos sociais e grupos da sociedade civil que lutam para democratizar as mídias no país”.

Em resposta ao Observatório do Direito à Comunicação, o ministro Paulo Bernardo afirma que “em todas as oportunidades em que sou perguntado ou em que apresento as linhas de trabalho do Ministério das Comunicações, tenho defendido a regulação e deixado claro nosso apoio a iniciativas que se proponham regulamentar os artigos da Constituição Federal sobre a área das comunicações.”. Como exemplos, explica que “aprovamos e estamos implementando planos nacionais de outorga para radiodifusão comunitária e educativa, revisamos regulamentos importantes, inclusive os relativos ao Canal da Cidadania e tenho discutido procedimentos para garantir a implantação da TV digital sem nenhum prejuízo à população”.

O ministro reitera que sua crítica diz respeito às exigências de “parte da militância” para que haja intromissão do poder público na “mídia impressa” especificamente. “Em documentos públicos e textos de blogs, alguns ativistas sustentam que o Estado deve intervir no cotidiano da mídia impressa. Não me furto a dizer que discordo dessa visão”.

Segundo Paulo Bernardo, “o FNDC já foi recebido em várias ocasiões no Ministério das Comunicações, por mim e por outras autoridades da pasta. Em relação à audiência para discutir o projeto de lei de iniciativa popular mencionado, ainda não recebemos nenhum pedido formal da entidade”. O FNDC, porém, afirma em nota ter protocolado um pedido de audiência com a presidenta Dilma Roussef, que abriu sua agenda para receber diversos movimentos sociais após as manifestações que vêm ocorrendo no país.

No balanço de 2012 feito pelas entidades que lutam pela democratização da comunicação, destacou-se as hesitações, as evasivas e o descaso (com certo desdém) do Governo Federal frente a suas demandas, destacadamente para o pedido de abertura de uma consulta pública sobre a regulamentação das comunicações. A coordenadora do FNDC, Rosane Bertotti, reafirmou o conteúdo da nota publicada pela entidade após tomar conhecimento das respostas do ministro.
 

Leia abaixo a nota na íntegra e a resposta do ministro:

FNDC repudia declarações do ministro Paulo Bernardo à revista Veja

Em meio a uma série de manifestações legítimas realizadas pela população brasileira por transformações sociais, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) continua atuando e contribuindo com a luta pela democratização dos meios de comunicação, pauta expressa continuamente pela população nas ruas. Em todos os estados do país, acontecem manifestações e assembleias populares que expressam o descontentamento do povo com a mídia hegemônica brasileira.

A situação de monopólio das comunicações no Brasil afeta diretamente a democracia nacional, e possibilita que grupos empresariais de comunicação manipulem a opinião pública de acordo com seus próprios interesses. Isto ficou mais do que claro nas últimas semanas: a grande mídia criminalizou os protestos durante as primeiras manifestações e depois partiu para a tentativa de ressignificação dos movimentos, com o objetivo de pautar as vozes das ruas.

Apesar desses fatos, o Ministério das Comunicações insiste em não propor ou apoiar a regulamentação dos meios de comunicação no Brasil. E mais: tem se apresentado como guardião dos interesses dos próprios donos da mídia. A fala do atual ministro, Paulo Bernardo, em entrevista à revista Veja desta semana, é uma afronta aos lutadores históricos pela democratização da comunicação e à população brasileira como um todo.

O ministro valida, na entrevista, a teoria conspiratória de que “a militância pretende controlar a mídia” e, novamente – não é a primeira vez que se vale desse artifício –, tenta confundir o debate da democratização das comunicações ao tratar a proposta popular como uma censura à mídia impressa.

Ora, é de conhecimento público que o projeto de Lei da Mídia Democrática, um projeto de iniciativa popular realizado pelos movimentos sociais para democratizar as comunicações no Brasil, não propõe a regulação da mídia impressa, muito menos a censura. É uma proposta de regulamentação para o setor das rádios e televisões no país para a efetiva execução dos artigos 5, 220, 221, 222 e 223, que proíbem, inclusive, os oligopólios e monopólios no setor. No Brasil, 70% da mídia no Brasil são controlados por poucas famílias, que dominam os meios de comunicação, que são concessões públicas. Dessa maneira, estabelecer normas não é censurar, mas garantir o direito à liberdade de expressão de todos os brasileiros e não apenas de uma pequena oligarquia.

Ao se posicionar contrariamente ao que definiram a nossa Carta Magna e as deliberações das 1ª Conferência Nacional de Comunicação, Paulo Bernardo despreza as vozes que ecoaram em todas as ruas nas últimas semanas e de todo conjunto da sociedade civil de nosso país, que há meses definiu a democratização das comunicações como uma de suas bandeiras principais de luta.

Diante desses acontecimentos, o FNDC vem a público repudiar o posicionamento do ministro e informar que, nesta semana, protocolou mais uma vez um pedido de audiência com a presidenta Dilma Roussef (o primeiro foi enviado em setembro do ano passado),que abriu sua agenda para receber os movimentos sociais brasileiros, para apresentar a campanha “Para Expressar a Liberdade”, o projeto de Lei da Mídia Democrática.


Respostas ao pedido de entrevista do Intervozes baseado em nota pública do FNDC

Agradeço a oportunidade de me manifestar a respeito do tema e reiterar minhas posições já tantas vezes apresentadas na mídia, em eventos e no Congresso Nacional. Posições que não condizem com as ilações contidas na nota publicada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).

Vivemos um momento em que se aprofunda a visão de que a transparência e a ética são valores que não podem ser suplantados por ações demagógicas.

Não creio que seja do interesse da sociedade civil realmente comprometida com a luta pela liberdade de expressão e pela democratização das comunicações ser tomada pela parte que se faz passar pelo todo.

Para esclarecer o que penso, apresento minhas considerações acerca dos pontos destacados da nota:

1- "Paulo Bernardo despreza as vozes que ecoaram em todas as ruas nas últimas semanas e de todo conjunto da sociedade civil de nosso país, que há meses definiu a democratização das comunicações como uma de suas bandeiras principais de luta".

Não vejo como posso ser acusado de desprezar o conjunto das legítimas reivindicações que emanaram das manifestações ocorridas em diversas capitais do País nas últimas semanas de junho de 2013. Liderado pela presidenta Dilma, venho trabalhando diuturnamente com meus colegas de outras pastas na busca por soluções para as principais demandas apresentadas pelos jovens e pela sociedade civil brasileira.

2-"é de conhecimento público que o projeto de Lei da Mídia Democrática, um projeto de iniciativa popular realizado pelos movimentos sociais para democratizar as comunicações no Brasil, não propõe a regulação da mídia impressa, muito menos a censura".

Nitidamente, houve má interpretação do que eu afirmei em entrevista à revista Veja, na semana retrasada. Diferentemente do que a nota sugere, em momento algum me referi ou vinculei o projeto de lei de iniciativa popular, proposição legítima e oportuna liderada por algumas entidades da sociedade civil, à minha opinião sobre o que parte da militância entende como regular a mídia. Em documentos públicos e textos de blogs, alguns ativistas sustentam que o Estado deve intervir no cotidiano da mídia impressa. Não me furto a dizer que discordo dessa visão.

A regulação que acredito ser necessária para as comunicações eletrônicas no Brasil está claramente defendida na entrevista como também foi sustentada no discurso que fiz na abertura do 26º Congresso Brasileiro de Radiodifusão, realizado em 2012.

3-"o Ministério das Comunicações insiste em não propor ou apoiar a regulamentação dos meios de comunicação no Brasil. E mais: tem se apresentado como guardião dos interesses dos próprios donos da mídia".

Em todas as oportunidades em que sou perguntado ou em que apresento as linhas de trabalho do Ministério das Comunicações, tenho defendido a regulação e deixado claro nosso apoio a iniciativas que se proponham regulamentar os artigos da Constituição Federal sobre a área das comunicações.

Desde o início da minha gestão, temos empreendido esforços significativos para dar transparência e celeridade nos procedimentos relativos à radiodifusão. Aprovamos e estamos implementando planos nacionais de outorga para radiodifusão comunitária e educativa. Revisamos regulamentos importantes, inclusive os relativos ao Canal da Cidadania. Tenho discutido procedimentos para garantir a implantação da TV digital sem nenhum prejuízo à população.

Tenho ainda buscado dialogar sobre como incidiremos em questões igualmente importantes para a liberdade de expressão. Não me furtarei a debater junto ao Congresso Nacional qualquer medida ou alteração legal para a democratização dos meios de comunicação.

 
4- Gostaria de saber também se o ministro pretende receber o FNDC para discutir o projeto de lei que este defende.

O FNDC já foi recebido em várias ocasiões no Ministério das Comunicações, por mim e por outras autoridades da pasta. Em relação à audiência para discutir o projeto de lei de iniciativa popular mencionado, ainda não recebemos nenhum pedido formal da entidade.

Paulo Bernardo Silva
Ministro de Estado das Comunicações

Tipificar manifestantes é preciso, democracia não é preciso?

“Uma minoria de vândalos” muda os contornos dos “atos pacíficos” que brotam por todo o Brasil. Tal interpretação se tornou a vedete dos noticiários mais vistos e lidos do país, animados pelas cenas de destruição e pirotecnia. A suposta contraposição entre “pacíficos” e “baderneiros”, fomentada pela mídia brasileira, passou a ser a principal estratégia que a elite conservadora encontrou para poder continuar fazendo seu chamado à ordem, depois que manifestações inicialmente contra o aumento das passagens do transporte público tomaram proporções inesperadas.

No passado, os Marinho sentiram na própria pele o que significa tentar ignorar grandes atos públicos. Na década de 80, o “doutor Roberto” não permitiu que as massivas manifestações a favor de eleições diretas para presidente fossem ao ar. “O presidente das Organizações Globo temia que uma ampla cobertura da televisão pudesse se tornar um fator de inquietação nacional”, conforme justifica a empresa, em mea culpa que se encontra hoje na página da emissora . Resultado: o Brasil cantou a palavra de ordem, ouvida ainda hoje nos atos públicos, “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” .

O oligopólio brasileiro da mídia compreendeu que não poderia enfrentar grandes manifestações públicas “de frente”, sob o risco de perder credibilidade. Optou por seguir as tradicionais receitas de guerra que recomendam dividir para conquistar. E nem precisou se desfazer de seu discurso conservador e maniqueísta. “Pacíficos” versus “vândalos” ganhou legitimidade junto a setores que participam das mobilizações, provavelmente com pouca experiência em atos de rua, mas com muita ojeriza à destruição de patrimônio (seja ele privado ou público).

Lê-se, nos noticiários, sobre “excessos” da polícia na repressão às manifestações, tratados como  acidente de percurso ou exclusivos de setores degenerados dentro da corporação. O foco, contudo, é outro: a denominada “minoria de vândalos”. Com holofotes sobre cenas de violência, repetidas à exaustão, incita-se o clima de terror, arma conhecida do velho totalitarismo. Alimenta-se, assim, a criminalização que legitima a violência policial, assim como o sentimento de “terror”, que encontra repercussão em propostas como a da “lei antiterrorismo” ou mesmo na que torna a corrupção um crime hediondo.

O discurso conservador e quase único dos meios de comunicação brasileiros, que embaça qualquer tentativa de visão mais aprofundada dos complexos acontecimentos que vêm se espalhando pelo país, está assentado na concentração que caracteriza o sistema midiático brasileiro e no caráter da elite político-econômica que controla esses meios. As respostas a esse cenário, contudo, também são vistas nas ruas. Desde abril, a campanha "Para Expressar a Liberdade", encabeçada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, coleta assinaturas de apoio ao projeto de Lei da Mídia Democrática. Nos protestos, a democratização da comunicação também é apontada como parte das reivindicações. O objetivo é ampliar a diversidade de discursos, garantindo a efetivação do direito humano à comunicação.

O que a cobertura midiática e as palavras de ordem entoadas pelos manifestantes deixam claro é que é preciso enfrentar as mistificações e criminalizações que bloqueiam os necessários avanços de nosso sistema democrático.

*Bruno Marinoni é repórter do Observatório do Direito à Comunicação e doutor em sociologia pela UFPE