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Proposta de reforma política inclui democratização da comunicação

Foco de atenção da sociedade brasileira nas últimas semanas, a reforma política é uma proposta que os movimentos sociais já discutem há quase dez anos. Ignorada, no geral, pela grande mídia, passou a ser centro do debate após o anúncio dos “cinco pactos em favor do Brasil” pela presidenta Dilma Roussef em sua resposta à onda de manifestações que tomaram o país no mês de junho. Embora as reivindicações pela democratização da comunicação tenham sido ignoradas pelo governo federal, elas se inserem no debate da reforma política, se este for encarado da forma que desejam os movimentos sociais.

Desde pelo menos 2004, foi iniciado um processo de discussão que resultou na elaboração da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política . Essa busca pela “democratização do Estado” resultou na definição de cinco eixos que estruturam a plataforma, divididos em fortalecimento da democracia direta, fortalecimento da democracia participativa/deliberativa, aperfeiçoamento da  democracia representativa, democratização da informação e da comunicação e democratização e  transparência do Poder Judiciário.

A definição de que a democratização da informação e da comunicação são parte integrante de uma reforma política adequada se justifica na compreensão expressa no site da plataforma de que não se pode restringir a mudanças no sistema eleitoral. De acordo com o texto citado, “reforma do sistema político inclui não apenas reforma do sistema eleitoral, portanto da democracia  representativa, mas  principalmente “reforma” dos processos  decisórios, portanto do poder, da forma de seu exercício, de quem exerce e dos mecanismos de controle.  Portanto é um debate muito mais amplo que da  reforma do sistema eleitoral e da representação”.

Concessões públicas de radiodifusão para políticos

De acordo com o eixo sobre democratização da informação e da comunicação da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política, “o direito à comunicação é um dos pilares centrais de uma sociedade democrática. Informação é poder e a qualidade da informação ou o nível de informação de um povo influencia direta e necessariamente a qualidade do processo democrático. Não é possível falar em democracia plena com um cenário de concentração dos meios de comunicação como o brasileiro”.

Dos oito pontos apontados pelo eixo de democratização da informação e da comunicação, um inclui a discussão sobre a distribuição de concessões de radiodifusão para pessoas que exerçam cargo político. A proposta consiste na proibição de que parlamentares sejam concessionários de emissoras de rádio e TV, considerando que “sobre o processo de concessões, é preciso fazer valer de imediato o dispositivo legal que impede que parlamentares sejam concessionários de radiodifusão (Art. 54 da Constituição Federal)”

Pedro Ekman, coordenador do Intervozes, entidade que participa na elaboração da plataforma, considera que a crítica à distribuição da concessão para parlamentares pode ser um bom caminho para que a população atente para a necessidade de incluir a democratização da comunicação em um processo efetivo de reforma política. Segundo ele, “a promiscuidade entre meios de comunicação e política é um dos pilares que sustenta o sistema no qual a população não se reconhece mais”.

Razões para a proibição

O PSOL move no Supremo Tribunal Federal uma ação em que se reivindica a proibição da concessão de radiodifusão a pessoas que exerçam mandatos políticos. O documento lista ao menos dez razões que justificam a proibição de tal prática.

Entre estas razões, pode-se apontar a perda de autonomia das emissoras de rádio e TV, pois se a função da imprensa é fiscalizar os que exercem os poderes estatais, então estes não podem ser controladores dos veículos da imprensa. Outro motivo seria a deturpação do processo eleitoral, haja vista que a divulgação de informações pelas emissoras de rádio e TV limita o volume de informações dos candidatos disponíveis ao público e pode prejudicar, assim, a avaliação de candidatos, programas e governos, influenciando a capacidade de escolha dos eleitores no momento da eleição.

O processo inclui uma medida cautelar que aguarda o parecer do Ministério Público Federal desde abril de 2012 e, em seguida, será julgado pelo STF.

Pesquisadores identificam problemas no uso político de concessões de radiodifusão

As distorções em relação aos usos políticos das concessões públicas de radiodifusão têm sido objeto de pesquisa nas universidades brasileira já há algum tempo. Pesquisadores apontam problemas desde a distribuição das outorgas até as relações entre “cabeças-de-rede” e afiliadas, passando pelos danos infligidos aos princípios que regem a Constituição de 1988.

Em sua dissertação de mestrado defendida no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), em 1994, que se tornou um dos estudos mais conhecidos sobre política e comunicação no Brasil, Paulino Motter mostrou como concessões públicas de radiodifusão foram trocadas por votos em questões importantes durante a elaboração da Constituição de 1988. Dos 91 deputados constituintes que receberam emissoras, por exemplo, 82 (90,1%) teriam votado a favor do mandato presidencial de cinco anos de José Sarney.

O estudo de Motter revela, assim, a existência de uma lógica de distribuição de outorgas que não obedeceria necessariamente princípios constitucionais e o “interesse geral”, horizonte do sistema democrático. As concessões segueriam em grande medida a critérios relativos a interesses particulares imediatos, afinidade político-ideológica ou vínculos pessoais, desconsiderando o cumprimento dos fundamentos que regem a Consituição Federal.

Professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Suzy Santos se dedica a pesquisar as relações entre o empresariado nacional de comunicação e as elites políticas locais. Em suas investigações, aponta que “esta aliança garante aos vereadores, prefeitos, governadores, deputados ou senadores, proprietários de televisão aberta, a oferta de programação – e, conseqüentemente, garante a audiência – sem despender muitos recursos e, por outro lado, garante a máquina pública atuando de acordo com os interesses das grandes redes nacionais”. Essas relações funcionariam inclusive como obstáculo para a participação de empresas internacionais no cenário nacional, mantendo o controle direto nas mãos de uma burguesia nacional (ainda que não seja necessariamente nacionalista).

Para Santos, a afiliação de grupos políticos locais às grandes emissoras garantiria, além da ampliação da distribuição do sinal de uma rede, a influência política do empresariado de radiodifusão (centralizado pelas “cabeças-de-rede”) no ambiente legislativo. “É na Câmara dos Deputados e no Senado Federal que se estrutura a rede de clientelismo e apadrinhamento compositiva do coronelismo eletrônico. Deputados e senadores proprietários ou sócios de proprietários de rádio e televisão votam as próprias concessões e estabelecem uma intensa rede de favores. Por outro lado, veículos de comunicação – próprios ou associados – são financiadores das campanhas eleitorais destes mesmos deputados e senadores, retroalimentando o sistema”, afirma.

De acordo com o professor Venício Lima, fundador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB), não se pode separar em uma análise a comunicação e a política. Essa relação direta e orgânica perpassaria todas as fases do processo democrático, assim como faz compreender a “organicidade” das grandes empresas de comunicação com a política e as políticas de Estado que definem os padrões institucionais que conformam “sistemas de comunicação predominantes públicos ou privados mercantis, incentivando ou limitando a concentração de propriedade, concentrando ou distribuindo verbas de publicidade, regulando ou desregulando o exercício da comunicação”.

Todavia, no Brasil, ainda para esses pesquisadores, a contradição entre “um sistema de comunicações moderno consolidado na ditadura e as condições básicas da formação de uma opinião pública democrática” foi transmitida para os dias atuais sob a forma de um impasse constitucional. “Se a Constituição Federal fundamenta princípios democráticos de relação entre mídia e democracia, tem até agora prevalecido a resistência, formada pelos interesses empresariais na comunicação e seus lobbies políticos, a qualquer regulação democrática e pluralista do setor”, afirmam. Assim, destaca-se no Brasil o uso político dos meios de comunicação privados e das relações de influência no parlamento por parte do empresariado para bloquear a efetiva participação democrática na esfera pública.

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Combate a uso político de concessões pode ser estratégia de democratização

A presidenta Dilma Roussef propôs, no dia 24 de junho, em resposta às manifestações das ruas “cinco pactos em favor do Brasil”. Entretanto, as críticas ao oligopólio dos meios de comunicação e à manipulação das informações pela grande mídia observadas nos grandes atos públicos foram ignoradas pelo governo federal. Uma proposta, porém, visa a realização de um plebiscito para uma reforma política e o movimento que luta pela democratização pela comunicação tem se deparado com distorções relacionadas ao uso político dos meios de radiodifusão. Observados ao longo da história pela sociedade brasileira, tais usos têm sido analisados também, já há algum tempo, por pesquisadores nas universidades.

Na assembléia popular temática realizada em São Paulo no dia 3, os manifestantes elegeram a proibição da outorga de concessões de radiodifusão a parlamentares um dos eixos importantes de atuação. A batalh, porém, não é nova.

Combate ao favorecimento político

Por vezes já houve iniciativas de se tentar impedir distorções que vinculam o uso das concessões públicas de radiodifusão e os políticos. Em dezembro de 2008, uma subcomissão especial da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara criada dois anos antes e presidida pela deputada Luiz Erundina (PSB-SP) aprovou a sugestão de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), na qual se especificava a proibição que pessoas com mandato eletivo fossem donas de emissoras de rádio e TV, baseada no artigo 54 da Constituição de 1988. A iniciativa não vingou.

Em abril de 2009, a mesma comissão votou parecer favorável ao relatório do senador Pedro Simon (PMDB-RS) à “rejeição do ato de outorga ou renovação de concessão, permissão ou autorização para a exploração de serviço de radiodifusão” a parlamentares, assim como a proibição de que estes sejam proprietários, diretores ou controladores dessas empresas.

Outra tentativa que ainda se encontra em processo foi a ação judicial, denominada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), produzida em parceria com o Intervozes e movida pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2011. De acordo com o texto do documento, verificou-se que “há evidências concretas, relatadas pela imprensa e pela literatura acadêmica, do uso da radiodifusão para o favorecimento de políticos ligados às pessoas jurídicas que controlam as outorgas”.

Desde abril de  2012, uma medida cautelar que acompanha a ação principal da ADPF e determina que o governo imediatamente não conceda mais outorgas a parlamentares aguarda o parecer do Ministério Público Federal para ser julgada pelo STF.

Conforme o levantamento que consta na ADPF, naquele ano 41 deputados e sete senadores sócios ou associados de pessoas jurídicas outorgadas de radiodifusão. Se considerados parentes em primeiro grau e participações indiretas, esse número chegava a 52 deputados e 21 senadores. Na legislatura anterior (2007-2010), 20 dos 81 senadores (24,69% da casa) e 48 dos 513 deputados federais (9,35% da casa) eram proprietários de emissoras de rádio ou TV.

Foram identificados, ainda no documento, três tipos de uso político: (1) a outorga de concessões, permissões e autorizações de radiodifusão como forma de obter apoio político (moeda de barganha), (2) a utilização da outorga pelos concessionários, permissionários e autorizatários para influenciar a opinião pública a favor de seus sócios, associados e correligionários e (3) a utilização do poder parlamentar para obter ou renovar outorgas próprias.

De acordo com Bráulio Araújo, advogado que elaborou a ADPF, “"no artigo 54 da Constituição há uma proibição expressa ao controle de outorga de radiodifusão por políticos com mandato eletivo. Essa proibição independe de regulamentação – existe e é plenamente aplicável. Nada impede, não obstante, que essa proibição seja reiterada pela legislação infraconstitucional que regulamenta o setor. Uma medida como essa poderia contribuir para efetivar a norma constitucional, que atualmente vem sendo descumprida.".

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