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Encontro Nacional reunirá defensores da Liberdade de Expressão e do Direito à Comunicação

Evento acontece entre os dias 26 e 28 de maio, em Brasília e qualquer pessoa interessada nos temas de direito à comunicação e liberdade de expressão pode participar do evento

O 3º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação (3ENDC), promovido pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, acontece entre os dias 26 e 28 de maio, na Universidade de Brasília (UnB). O 3º ENDC chega esse ano com o objetivo de estabelecer redes e fortalecer os mais diversos movimentos que lutam pelo direito à comunicação, potencializando o espectro de ação dos diversos atores e a capacidade de intervir na formulação de políticas públicas.

A abertura do encontro será marcada por um Ato Público em Defesa da Liberdade de Expressão e da Democracia, durante o ato o FNDC pretende denunciar a escalada de violência contra as manifestações populares, censura privada e judicial na internet e nos meios de comunicação, violência contra comunicadores e cerceamento de liberdade da mídia alternativa. O ato será aberto ao público sem necessidade de inscrição prévia, mas sujeita à lotação do espaço, que será realizado no Centro Cultural da Associação dos Docentes da UnB (ADUnB), no Campus Darcy Ribeiro da UnB, às 19h do dia 26.

Na programação do 3ENDC também estão previstas conferências e atividades que abordarão temas como violações à liberdade de expressão, construção de um marco regulatório democrático para a mídia brasileira, defesa da comunicação pública, políticas de internet (liberdade de expressão e direito à privacidade), políticas de inclusão digital, entre outros, incluindo a participação de convidados nacionais e internacionais referenciais em cada tema.

Qualquer pessoa interessada no debate sobre direito à comunicação e liberdade de expressão pode participar do evento. A taxa de inscrição não inclui hospedagem, mas a comissão organizadora fechou convênios para descontos em hotéis e alojamentos. A taxa também inclui alimentação (almoço e coffee-break) nos dias 27 e 28. No dia 26, será servido um coffee-break durante o Ato Político pela Liberdade de Expressão, que será o momento de abertura oficial do evento, à noite. As inscrições serão feitas exclusivamente pela internet, no site www.doity.com.br/3endc, com valor de R$ 65,00 (cartão de crédito, boleto bancário ou débito bancário).

Como parte da programação do 3º ENDC, o FNDC também realizará sua 20ª Plenária Nacional, no dia 28 de maio. Entidades nacionais filiadas e comitês regionais do FNDC poderão indicar delegados e delegadas, de acordo com as regras gerais aprovadas pelo Conselho Deliberativo da entidade.

Confira a programação oficial

Sexta-feira 26 de maio
19h/22h – Ato Público em Defesa da Liberdade de Expressão e da Democracia
Local: Centro Cultural da Associação de Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB) – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

Sábado 27 de maio
9h/12h – Conferência: Internet, liberdade de expressão e privacidade

Flávia Lefèvre – Coalizão Direitos na Rede | Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) | Associação Proteste
Dafne Plou – Associação para o Progresso das Comunicações (APC) | Argentina
Murilo Ramos – professor Faculdade de Comunicação da UnB
Joana Varon – Coding Rights
Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

12h30/13h30 – Almoço

14h/16h – Painéis temáticos – Parte 1
1 – O papel da mídia no avanço da pauta conservadora e o discurso de ódio
Márcia Tiburi – Professora de Filosofia da UniRio e Universidade Mackenzie.
Paulo Henrique Amorim – Blog Conversa Afiada e TV Record
Cynara Menezes – Blog Socialista Morena

2 – Desnacionalização da economia na área de telecomunicações
Flávia Lefèvre – Coalizão Direitos na Rede | Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) | Associação Proteste
Márcio Patusco – Clube de Engenharia do Brasil
Marcos Dantas – Professor titular da Escola de Comunicações (ECO) da UFRJ | Conselho Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)

3 – A mídia e a luta contra a LGBTfobia e a discriminação de gênero
Ana Veloso – Professora de jornalismo na UFPE | Centro das Mulheres do Cabo
Elen Geraldes – Professora de Comunicação na UnB e uma das organizadoras do livro “Mídia, Misoginia e Golpe”
Julian Rodrigues – Associação Nacional LGBTI
Charô Nunes – Coordenadora do portal Blogueiras Negras

4 – Políticos donos da mídia
Bia Barbosa – Coordenadora nacional do coletivo Intervozes e secretária-geral do FNDC
Suzy Santos – Professora da Escola de Comunicações (ECO) da UFRJ
Artur Romeu – Coordenador de comunicação da Repórter Sem Fronteiras
Deborah Duprat – Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (PFDC/MPF) – (a confirmar)

5 – O monopólio da mídia e o ataque aos direitos trabalhistas e previdenciários
Roni Anderson – Secretário nacional de comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Raimunda Gomes (Doquinha) – Secretária nacional de comunicação da Central de Trabalhadores de Trabalhadoras do Brasil (CTB)
Paulo Kliass – Doutor em Economia e especialista em políticas públicas e gestão governamental

6 – Comunicação e cultura na mira do golpe
Sérgio Mamberti – Ator, diretor e roteirista, ex-secretário nacional do Ministério da Cultura
Dríade Aguiar – Gestora de comunicação do coletivo Fora do Eixo | Mídia Ninja
Dácia Ibiapina – Cineasta, professora e pesquisadora da UnB

16h30/18h30 – Painéis temáticos – Parte 2

7 – O desmonte da comunicação pública
Rita Freire – Jornalista | presidenta cassada do Conselho Curador (CC) da EBC
Venício Lima – Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) | Pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros do DCP-FAFICH-UFMG | conselheiro cassado do CC da EBC
Fernando Paulino – Professor e Diretor da Faculdade de Comunicação da UnB
Richard Santos – Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira)

8 – Os desafios da radiodifusão comunitária
Geremias dos Santos – Coordenador nacional da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço)
Jerry de Oliveira – Movimento Nacional de Rádios Comunitárias de Paulo (MNRC) | Diretor da Rádio Comunitária Noroeste FM (Campinas/SP)
Taís Ladeira – Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC Brasil)
Beto Almeida – Diretor da TV Comunitária de Brasília

9 – A mídia e a luta contra o racismo
Nilza Iraci – Instituto Geledés
Joelzito Araújo – cineasta, pesquisador e escritor
Jacira Silva – Coordenação nacional do Movimento Negro Unificado (MNU)

10 – O papel do jornalismo e da mídia alternativa na disputa informativa
Laura Capriglione – Jornalistas Livres
Renato Rovai – Diretor da Revista Fórum
Altamiro Borges – Presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Maria José Braga – Presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ)

11 – Transparência, acesso à informação e proteção de dados pessoais
Janara Sousa – Professora e pesquisadora da FAC/UnB
Danilo Rothberg – Professor e pesquisador da Unesp
José Antônio Moroni – Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)
Joana Varon – Coding Rights

12 – O monopólio da mídia e o ataque aos direitos sociais
Representante da Frente Brasil Popular (FBP)
Representante da Frente Povo Sem Medo (FPSM)
Juliana Acosta – conselheira do Conselho Nacional de Saúde (CNS)
Gilson Reis – Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)

Locais: anfiteatro 10 (ICC Sul), anfiteatro 8 (ICC Sul), anfiteatro 9 (ICC Sul), auditório Pompeu de Souza (Faculdade de Comunicação/FAC), sala 12 (FAC) e sala 13 (FAC).

18h30/20h – Atividades Livres

Domingo 28 de maio
9h/11h30 – Conferência: Meios de comunicação, regulação e democracia

Aleida Calleja – jornalista mexicana, coordenadora do Observatório Latino-americano de Regulação, Meios e Convergência (Observacom)
Renata Mielli – Coordenadora-geral do FNDC e secretária geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
César Bolaño – professor e pesquisador da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Cynthia Ottaviano – jornalista e professora | ex-defensora do público pela Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina

Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

11h45 – Abertura da 20ª Plenária Nacional do FNDC e aprovação da Carta de Brasília
Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)
12h30/13h30 – Almoço

13h30 – Deliberações 20ª Plenária Nacional do FNDC
Local: Anfiteatro 9 – ICC Sul – Campus Darcy Ribeiro – Universidade de Brasília (UnB)

15h30 – Encerramento

 

Radiodifusão como arma: o episódio do ataque aos indígenas no Maranhão

O ataque a indígenas no município de Viana nos releva o lado mais brutal do patrimonialismo, clientelismo e mandonismo na mídia brasileira

Por Suzy Santos*

No dia seguinte ao ataque sofrido pelos indígenas Gamela, em Viana, no Maranhão, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) postou uma gravação da Rádio Maracu que demonstrava claramente a orquestração do ato de violência. O que mais chamou atenção nacionalmente foi a participação do deputado federal Aluísio Guimarães Mendes Filho (PTN-MA), que reproduziu um discurso preconceituoso incitando à violência. Na maioria dos textos publicados a partir do episódio, a fala foi “em entrevista a uma rádio local, o deputado…”.

Mas de qual rádio local estamos falando?

A Rádio Maracu AM pode ser considerada uma rádio qualquer dentro de um espectro de milhares. Ela faz parte de um grupo diminuto numa cidade de pequeno porte, com cerca de 50 mil habitantes. O raio-x desta emissora é, no entanto, exemplar da lógica estrutural da radiodifusão brasileira, um sistema regido pelo patrimonialismo, clientelismo e mandonismo.

O grupo Maracu é composto pelas emissoras: Maracu AM/FM, Comunitária Sacoã FM e TV Maracu/Meio Norte. Isto significa 60% da radiodifusão local, dado que o município conta apenas com mais uma rádio FM e uma retransmissora de TV licenciadas. Mas as empresas do grupo não são oficialmente do mesmo dono. São duas razões sociais distintas: a Rádio Maracu Ltda e a Fundação da Integração Cultural Vianense.

Oficialmente, segundo os dados do Sistema de Acompanhamento de Controle Societário (Siacco) da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a Rádio Maracu Ltda tem os seguintes proprietários: Antônio Pinheiro Gaspar, ex-deputado federal e empresário do ramo farmacêutico; e Ângela das Graças Simões Gaspar, de quem os buscadores na internet nos falam apenas ser sócia de Antônio Pinheiro Gaspar em diversas empresas.

Patriarcado e compadrio político

Esta composição acionária é reproduzida em grande parte das razões sociais de empresas de comunicação no Brasil, das grandes emissoras nacionais como, por exemplo, a Rádio e Televisão Record SA, em nome de Edir Macedo Bezerra e Ester Eunice Rangel Bezerra, às pequenas, como a outra retransmissora de TV licenciada no município de Viana, a Viana Sistema de Televisão Ltda, de Antônio Bernardino Rabelo Filho e de Raimunda Socorro Mendonça dos Santos.

Se quisermos saber dos homens destas empresas, basta digitar o nome nos buscadores. Muita coisa aparecerá. Das mulheres, no entanto, apenas informações genéricas, superficiais. O imenso universo de mulheres proprietárias de meios de comunicação no País não se traduz em mulheres na condução das emissoras. São esposas, filhas, noras, cunhadas etc., que emprestam seus nomes aos verdadeiros donos. Muitas vezes, sem qualquer conhecimento de suas próprias posses. Trata-se, na verdade, da face patriarcal da elite nacional.

A fundação que dá nome à razão social por trás da Sacoã FM demonstra outra característica do sistema nacional: a invisibilidade e a instrumentalização privada da radiodifusão comunitária. Não se encontra nada nos dados do Siacco sobre os sócios e dirigentes da Fundação da Integração Cultural Vianense. Pra quê transparência, né? Buscando um pouco mais descobre-se que seu representante legal é José Ribamar Costa Filho, ex-prefeito do município de Dom Pedro. Embora tenha uma concessão de serviço comunitário, a rádio é parte de um grupo comercial.

Seguindo as fontes oficiais, estamos falando de emissoras distintas. Mas ao observar atentamente o site da Rádio Maracu descobrimos mais: é uma rede e está sob a direção de Benito Filho. Quem?

Fuçando um pouco mais no site da Maracu AM, descobre-se que o ex-prefeito de Viana, Benito Coelho Filho, arrendou a emissora e a dirige em parceria com Ezequiel Pinheiro Gomes, advogado, ex-vereador, ex-presidente da Câmara de Viana, também segundo o site da emissora.

Se buscarmos um pouco mais as informações, com os nomes de Benito Filho e Ezequiel Gomes no Diário Oficial do Maranhão, descobriremos uma rede de associações entre prefeituras, como as de Lago da Pedra, Matinhas, Pedreiras e Presidente Dutra, para as quais os sócios da Rádio Maracu prestaram serviços de consultoria nos últimos 10 anos.

A rede de compadrio é capilarizada e pode ser também observada se buscarmos nos portais de transparência federais pelo dono da Rádio e TV Maracu, Antônio Gaspar. Veremos que ele aluga imóveis com frequência ao governo federal e ao senador Roberto Rocha (PSB-MA), a quem ele ajudou a eleger. Suas empresas farmacêuticas também têm diversos contratos com a máquina pública, retroalimentando a estrutura patrimonial-política.

Interesse público?

Vamos agora voltar ao dia 28 de abril, aos índios Gamela e à gravação da Rádio Maracu. O programa se anuncia como um serviço de utilidade pública: representantes da comunidade e o advogado da associação de moradores vão à rádio convocar para um encontro que acontecerá no dia seguinte, na pracinha do Santeiro, localidade de Viana, onde os conflitos sobre a posse de terras estão ocorrendo.

O apresentador Gilvan Ferreira dá a voz à dona Maria do Socorro: “Viemos fazer uma reclamação ao grupo de pessoas que dizem serem índios que chegam num lugar e invadem a casa das pessoas. Eles invadem e não respeitam os idosos. Esses invasores não são índios. Eu moro lá e não conhecemos eles. Eles não são índios. Eles vão dando uma lavagem cerebral […]. Você trabalha pra ter a sua propriedade, seu gadozinho e eles invadem. Nós queremos dizer que não vamos permitir e vamos acabar com esta palhaçada. Eu agradeço a oportunidade.”

A seguir, fala o irmão Juca: “Nessa região não tem fazendeiro, tem criador. As pessoas não estão mais tendo prazer de botar um peixe no seu açude”.Aluísio Mendes Filho

Logo a seguir vem a já conhecida fala do deputado Aluísio Mendes. Nela, ele dá a entender que a proteção está garantida, tanto pela polícia – “Estarei amanhã nessa região […] com a Polícia Federal” – quanto pelo Ministério da Justiça – “Nós temos a grata surpresa de ter um ministro que entende dessa problemática e viveu isso no estado do Paraná”, diz, referindo-se ao ministro da Justiça, Osmar Serraglio.

Por diversas vezes se ouve “dizem que são índios”, “arruaceiros”, “pseudo-índios” e “precisamos acabar com isso”, “não vamos tolerar”. São 41 minutos. Dez deles deixados para a finalização feita por ninguém menos que um dos dirigentes da Rádio Maracu, o Dr. Ezequiel Gomes. Ele começa a sua fala elogiando a fala do deputado federal que o antecedeu:

Eu gostaria, Aluísio, eu gostaria de elogiar a sua participação eu reconheço o seu serviço. Eu não tinha dúvida que você encamparia esta causa. E você além de um grande político é um policial. E você sabe que este é o momento de tentar apaziguar pra não acontecerem coisas.

Logo a seguir, o advogado anuncia a quem ele representa:

O momento é oportuno […] eu tenho a oportunidade de presenciar algo louvável. Eu vejo que a maioria, aliás, todos aqui são cristãos […] aí eu lembrei das escrituras e é o tempo de eu prestar esclarecimento à população sobre a invasão e o saque que fizeram no sítio do meu amigo Benito, onde eu sou advogado, nós entramos com uma ação de reintegração de posse por perdas, porque o que houve lá foi saque, onde as pessoas que se intitulam – entre aspas – são índios de uma etnia gamela, invadiu a área, destruiu os açudes, deram prejuízo de mais de 100 mil reais ao proprietário, então este processo tem se arrastado e eu tenho cobrado insistentemente uma atitude da Justiça”.

O advogado refere-se ao seu amigo, sócio, companheiro da vida política, Benito Filho. Não coincidentemente, arrendatário da Rádio e da TV Maracu. E finaliza conclamando:

Então ninguém pode aceitar isso. Você está na sua casa […] Então nós estamos chegando a um ponto, se você tem um apartamento, se a sua família é composta de quatro pessoas e o teu apartamento tem três quartos, porque tem um quarto vazio a pessoa pode chegar e invadir o quarto que está vazio e dizer que é índio, que é quilombola, que não sei o quê e você fica inerte. A população tem que reagir, tá fazendo o correto e amanhã eu vou estar lá…”.

Dois dias depois de este programa ir ao ar ouvimos sobre o brutal ataque a dezenas de indígenas. A dúvida sobre a legitimidade das vítimas se reproduziu mesmo no discurso dos grandes veículos de comunicação. Discurso este que vai de encontro aos mitos que ecoam há muitas décadas, o mesmo discurso que diz “não são índios”, já disse e segue dizendo “não são sem-terras”, “não são trabalhadores”, “não são vítimas”.

Esta não é uma história isolada, pelo contrário, ela é um bom exemplo do papel da radiodifusão como instrumento da rede de clientelismo e interesses patrimoniais que liga municípios, estados e federação. É um pequeno retrato que se repete em milhares de emissoras de rádio e televisão que compõem este sistema midiático que temos chamado de coronelismo eletrônico, no qual pouco há de lei que se respeite, de interesse que seja social, de informação que seja plural e independente.

*Suzy dos Santos, professora da ECO/UFRJ, coordenadora do Grupo de Pesquisa em Economia e Políticas da Informação e da Comunicação.

Sorria, você está sendo vigiado

Jornalista e escritor especialista em agências de inteligência estadunidenses, James Bamford mostrou na Cryptorave 2017 que o país monitora as comunicações em todo o mundo

Num mundo em que a espionagem eletrônica é cada vez mais divulgada, especialistas e ativistas se reuniram, em São Paulo, para conversar sobre proteção de dados e divulgar formas de defesa da privacidade na rede. A Cryptorave 2017 chegou neste ano à quarta edição e mais de mil pessoas participaram do evento. O encontro teve como um dos principais objetivos difundir os conceitos fundamentais e softwares básicos de criptografia, e assim educar sobre o seu uso e a segurança na internet.

Foram 24 horas de atividades initerruptas, iniciadas às 20 horas da sexta-feira, dia 6, e finalizadas às 20 horas do sábado, dia 7. James Bamford, jornalista e escritor especialista em agências de inteligência estadunidenses, foi o responsável pela abertura do encontro e era um de seus convidados mais esperados. Ele mostrou em sua palestra como uma suposta teoria da conspiração, segundo a qual os Estados Unidos monitoram as comunicações de todas as pessoas do mundo, se concretizou.

Durante sua apresentação, Bamford demonstrou, por meio de informações da Agência Nacional de Vigilância (NSA) dos Estados Unidos, vazadas por Edward Snowden e obtidas pelo painelista em viagem à Rússia para se encontrar o denunciante, que os EUA utilizam malwares para coletar informações em pontos específicos do globo, sendo o local mais importante desta coleta no âmbito da América Latina a cidade de São Paulo.

Bamford falou também sobre a iniciativa brasileira de construir um cabo submarino para que o tráfego de dados do país siga direto para a Europa sem ter que passar pelos Estados Unidos — a primeira obra deste tipo e sem contar com a participação estadunidense. Apesar de elogiar a iniciativa, o jornalista destacou que os EUA possuem um submarino que pode interceptar a captação de dados no meio do oceano, além de fazer acordos com outros países para obter tal interceptação em outra ponta. Com isso, ele quis frisar que o país deve fazer a inspeção do cabo de ponta a ponta, para tentar evitar espionagens.

Sobre o satélite brasileiro, ele reforçou a importância para a soberania nacional da construção e operação sem a participação da indústria estadunidense, e lembrou que empresas de telecomunicação muitas vezes cooperam com a espionagem. “Fui procurado pela então presidenta Dilma Rousseff, que estava preocupada com a soberania do país e a espionagem que podia estar acontecendo. Expliquei a ela que todos os cabos que saíam daqui iam primeiro para Miami [nos EUA], e não só os cabos, mas também os satélites, pois a NSA consegue captar as comunicações dos satélites estrangeiros que passem perto da Flórida. Foi dessa conversa que surgiram os primeiros passos para a construção do satélite e também dos cabos ligando o país diretamente à Europa”, relatou.

Bamford afirmou aos presentes que atualmente a grande fortaleza para a proteção das informações e dados pessoais está na utilização da criptografia de ponta a ponta. Por isso, os EUA e as empresas que usam a coleta de dados em benefício próprio querem afastar qualquer possibilidade de criptografia.

Satélite

O Satélite Geoestacionário Brasileiro  foi lançado ao espaço no dia 4 de maio, na teoria o satélite permitirá o aumento da cobertura de banda larga no território nacional.  Porém, a realidade não é tão bonita como faz parecer o governo federal. O projeto, que recebeu investimento de 2,7 bilhões de reais e cujo objetivo era levar banda larga às escolas, postos de saúde, hospitais, postos de fronteira, etc., deve ser leiloado pelo Governo Federal para grandes operadoras de telecomunicação que não têm interesse em levar conexão a locais de baixa densidade demográfica ou de baixa renda.

No projeto original do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), 70% da capacidade do satélite estaria vinculada à implementação de políticas públicas. Mas, após as mudanças implementadas pela gestão atual, 80% da capacidade do satélite destinada para uso civil será privatizada.

O edital de venda não exige das empresas nenhuma meta de cobertura, universalização ou preço mínimo do serviço prestado. Exige apenas “cumprir as metas do PNBL”. Aliás, o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) já foi considerado um fracasso exatamente porque as operadoras não cumpriram com sua parte no acordo de oferecer velocidade mínima por um preço mínimo, permitindo assim o acesso da população com baixa renda.

Navegação com mais privacidade

A Cryptorave não é um evento dirigido apenas a pessoas como conhecimento técnico em transmissão de dados e em redes. A programação diversificada do evento conseguiu atrair e agradar desde pessoas com conhecimento avançado no assunto até pessoas que não tinham até então nenhum contato com os temas da privacidade e da proteção de dados.

Uma das oficinas, intitulada Navegação com privacidade para iniciantes, apresentou o funcionamento da navegação na internet e quais são as ferramentas e técnicas que podem ser usadas para a navegação com mais privacidade. O desenvolvedor web, jornalista e pesquisador Leo Germani foi o oficineiro e trouxe para o debate com os participantes conceitos básicos de criptografia.

 

O que é criptografia

Cryptografia é o nome que se dá a técnicas que transformam informação inteligível em algo que um agente externo seja incapaz de compreender. De forma mais simples, a criptografia funciona como um código: sem ela, uma pessoa ou máquina poderia interceptar, por exemplo, a senha de e-mail durante o login. Com a criptografia, caso a informação seja interceptada durante o acesso, mas sem a chave correta de leitura, será obtida pelo invasor apenas uma lista desordenada e aparentemente confusa de caracteres, sem interpretação lógica aparente.

Segundo Leo Germani, a criptografia é um método de proteção e privacidade de dados cada vez mais necessário. “As informações do navegador vão para o roteador e de lá para a nuvem. Na verdade, esse conceito de nuvem é um conceito comercial. O que eles chamam de nuvem está guardado em algum computador no mundo”, reforçou.

Germani explicou que toda conexão passa por um roteador e vai para o provedor de internet. Para estar conectado com a internet, tem que passar necessariamente por servidores. E aí começam as vulnerabilidades, pois os provedores “sabem quem você é e para onde você foi”. “Quando você acessa um provedor, ele sempre sabe o que você está fazendo. Esses dados estão sendo armazenados e são possíveis de serem acessados por outras pessoas? A resposta é sim!”, frisou.

Medidas básicas de privacidade

Leo Germani ainda destacou que muitas pessoas usam a mudança do proxy como medida para tentar barrar esses problemas, mas alertou para o fato de que estas pessoas podem ser enganadas e acabar desviadas para sites maliciosos. O pesquisador reforçou que existem medidas básicas para evitar algumas violações da privacidade. Confira algumas delas:

  • Não acesse páginas na web enquanto estiver logado em seu e-.mail ou em redes sociais.
  • Use senha forte no roteador do Wifi. Ela criptografa as mensagens do seu computador até o roteador.
  • Utilize sempre páginas https. Ela criptografa a mensagem desde o momento em que sai do computador até o servidor de aplicação, protegendo seu conteúdo.
  • O ideal é usar um sistema operacional livre e manter o antivírus sempre atualizado. (Você nunca vai estar seguro em um sistema proprietário).
  • A navegação anônima só dá proteção contra acessos no próprio computador. Ela não protege os dados de serem interceptados por agentes externos.
  • Para proteção contra malwares e a garantia de uma navegação segura na internet, o melhor é navegar pelo Tor Browser. Ele “anonimiza” a navegação completamente, não o identificando e o livrando de ser rastreado.
  • Use senhas fortes e não use a mesma senha para tudo. Nunca esqueça que o e-mail é a chave para todos os perfis. Use um gerenciador de senhas para facilitar.
  • Nas redes sociais, evite informar todos os dados. Não autorize aplicativos a acessar sua conta. Evite se expor demais, crie grupos e use sempre as configurações de privacidade para se proteger.

Marco Civil estabelece direitos do usuário

A internet permite aos usuários o exercício de direitos básicos e suas ferramentas tornam publicações em meio virtual acessíveis a qualquer público de forma rápida e prática, com todas as vantagens e também os riscos das relações sociais. Mas a aprovação do Marco Civil da Internet resguarda os cidadãos dos excessos praticados pelas empresas.

Os incisos VI a X do artigo 7º do Marco Civil estabelecem que a coleta de dados pessoais e o uso que se fará dos mesmos precisam ser informados previamente ao usuário. Determina ainda que os dados coletados só poderão ser utilizados para aquele fim e que não poderão ser repassados a terceiros sem o consentimento do usuário. Esses direitos são básicos e impedem que empresas coletem dados para fins outros que não o da prestação do serviço ou da apresentação de publicidade. O artigo ainda reserva ao usuário o direito de solicitar a destruição dos dados quando deixar de usar um serviço.

Já o artigo 16 proíbe que um serviço monitore o acesso a outros serviços sem o consentimento do usuário — por exemplo, que uma vez conectado ao Facebook ou ao Google, o acesso a outros sites parceiros dessas empresas seja monitorado e os dados enviados para elas sem o consentimento do usuário. Por outro lado, a regulação adicional como a que dispõe sobre a interconexão de bancos de dados foi deixada para a tão aguardada Lei de Proteção de Dados Pessoais, que está em discussão em comissão especial da Câmara dos Deputados.

Sobre a CryptoRave

Inspirada no movimento das CryptoParties – eventos para a troca de chaves de criptografia –, a CryptoRave surgiu no Brasil como um esforço coletivo para difundir os conceitos, a cultura e as ferramentas relacionadas à privacidade e liberdade na internet. O evento se consolidou como o maior encontro aberto e gratuito deste tipo no mundo e visa aprofundar e qualificar o debate sobre proteção da privacidade na internet como um direito e um dos fundamentos à democracia.

É um evento organizado de forma voluntária, encabeçado pelos coletivos Actantes, Escola de Ativismo, Encripta Tudo, Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e Saravá, e realizado colaborativamente por muitos indivíduos. Para o sociólogo, doutor em Ciência Política e militante do Actantes Sérgio Amadeu, a Cryptorave cumpre um papel fundamental ao reunir movimentos sociais, ativistas e outras pessoas interessadas “em tomar contato com as tecnologias disponíveis e que possam defender sua privacidade na internet”.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

UNESCO publica relatório sobre concentração de mídia e liberdade de expressão

Documento, que abrange a situação nas Américas, foi lançado nesta quarta-feira, 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa

Foi lançado nesta quarta-feira, 3 de maio, na cidade de Assunção, Paraguai, o relatório “Concentração de Propriedade de Mídia e Liberdade de Expressão: Padrões e Implicações Globais para as Américas”, elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

O ato faz parte da celebração do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa na América Latina e no Caribe, que começou nesta quarta e segue até sexta, dia 5 de maio. O relatório representa uma importante contribuição da UNESCO e de vários parceiros nos esforços para desenvolver padrões de comunicação que ultrapassem a barreira do exercício da liberdade de expressão, de forma a alcançar um ambiente de mídia diversificado e pluralista.

O documento elaborado por Toby Mendel, Angel Garcia Castillejo e Gustavo Gómez, especialistas mundiais na área da regulação dos meios de comunicação e em questões relacionadas à liberdade de expressão, mostra que há um esforço mundial para normatizar estas questões nos últimos 70 anos.

O relatório aborda a dupla proteção dos direitos à liberdade de expressão, do “falante” e do “ouvinte”, e apresenta ações para regular o mercado de mídia, com base no direito internacional. Este elemento proporciona a base jurídica do conceito de diversidade de meios de comunicação, o que pressupõe a colocação de obstáculos à concentração indevida da propriedade destes meios.

Neste contexto, a publicação pretende lançar luz sobre a regulamentação internacional dos meios de comunicação, bem como analisar as várias abordagens em nível nacional para fazer implementar essas normas.

A primeira parte do relatório dá exemplos de como a concentração indevida da propriedade e controle dos meios de comunicação afeta o livre fluxo de informações e ideias na sociedade, que em última análise representa o núcleo do direito à liberdade de expressão.

Na segunda parte, é apresentada uma visão geral das mais importantes normas internacionais sobre a concentração, bem como a jurisprudência apresentada pelos principais tribunais internacionais em relação ao assunto. A terceira parte, do anti-monopólio da mídia, relata o que têm sido implementado em algumas democracias consolidadas pelo mundo, a fim de atenuar a concentração da propriedade dos meios de comunicação, e são analisadas as consequências destas iniciativas. A quarta parte descreve as principais tendências na América Latina sobre a questão.

A quinta e última parte apresenta um conjunto de conclusões e recomendações que devem servir como orientações para os poderes políticos e a quem possa decidir sobre o tema.

Os principais conteúdos do relatório foram previamente discutidos pelos autores durante o seminário internacional “Mídias livres e independentes em sistemas midiáticos plurais e diversos”, ocorrido na cidade de Bogotá, Colômbia, em 18 e 19 de novembro de 2015, quando jornalistas, acadêmicos, gestores e representantes da mídia de mais de 25 países na América e Europa tiveram a oportunidade de discutir este e outros temas relacionados.

Confira o relatório disponível em Espanhol e Inglês.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações do Observatorio Latinoamericano de Regulación, Medios y Convergencia (OBSERVACOM)

Comunicação pública de Pernambuco pode estar com os dias contados

Baixo orçamento e reduzidas ferramentas de participação social podem levar ao desmonte das iniciativas de radiodifusão pública no estado

Por Eduardo Amorim e Cátia Oliveira*

Uma audiência pública na Câmara Municipal do Recife, na última quarta-feira 26, abriu espaço para discussões sobre o abandono de diversos órgãos públicos de comunicação em Pernambuco.

Enquanto vemos na mídia privada questões importantes, como a da reforma trabalhista, sendo distorcidas ou silenciadas, veículos que poderiam contribuir para que o debate de fato exista são sucateados.

Convocada pelo vereador Ivan Moraes Filho (Psol) para discutir a Rádio Frei Caneca, a audiência abordou também o possível fechamento da TV Pernambuco (TVPE), no Recife, o desmonte das estratégias de controle social e participação da TV Universitária (TVU) e o pouco investimento nas tevês e rádios legislativas.

Apesar de algumas vitórias importantes, como a digitalização da TVU e a entrada no ar da Rádio Frei Caneca, a situação de Pernambuco reflete o que acontece em um estado onde a comunicação pública vive de promessas não cumpridas.

Também faz parte de um contexto nacional de desmonte acelerado da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) pelo governo ilegítimo de Michel Temer.

Em Recife, a Empresa Pernambuco de Comunicação (EPC), empresa pública que gere a TVPE, veicula conteúdos da EBC e conta com retransmissoras em mais de 60 municípios, ao contrário das tevês comerciais, que têm menor alcance (principalmente em regiões mais afastadas).

Mas esse cenário pode mudar.

No calendário do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o desligamento do sinal analógico dos televisores e a substituição pelo digital estão previstos para meados de julho deste ano.

A TVPE, ainda operando com sinal analógico, deverá sair do ar na capital pernambucana, já que não foi cumprida a promessa do ex-governador Eduardo Campos de investimento de R$25 milhões para modernizar a emissora.

Vale lembrar que muitos municípios em diversas áreas do Estado não contam com transmissoras locais nem recebem sinal de cidades vizinhas. Sem acesso à informação, tais lugares tornaram-se conhecidos pelo uso das parabólicas. As antenas captam sinal de diversas regiões, não necessariamente da localidade onde estão.

O fenômeno leva as pessoas a desconhecer o que é produzido em seu Estado, incluindo aí parte de seu patrimônio cultural, assim como acontecimentos e problemas de sua região, em detrimento de outras.

Um exemplo é o que já acontece em Araripina. Segundo o representante do município na audiência pública, o blogueiro Portnalli Chuim, a emissora atualmente não chega à sua cidade.

Para resolver o problema, a sociedade civil demanda a implementação de uma estação retransmissora em Ouricuri, ponto ideal para atingir toda a região do sertão do Araripe.

Segundo o diretor-presidente da EPC, Guido Bianchi, a digitalização da TVPE precisaria começar por Caruaru, onde se localiza a geradora do sinal da emissora.

Em seu Plano de Gestão para 2016, a EPC estimou em R$ 4 milhões a implantação da transmissão digital na cidade de Caruaru e em Recife. Porém, essa não parece ser uma prioridade do governo estadual.

Enquanto as cifras para publicidade crescem, a TV pública permanece à míngua, correndo o risco de deixar de existir se não for digitalizada. No mesmo ano, conforme dados do site Ombudspe, o governador Paulo Câmara injetara 17,4 milhões de reais no orçamento previsto para publicidade oficial.

Isto sobre um montante já provado na Lei Orçamentária Anual (LOA) de R$ 54,5 milhões, somando então mais de R$ 70 milhões no total.

A farra dos gastos publicitários se repete na capital. O vereador Ivan Moraes denunciou durante a audiência pública que, em 2017, a Prefeitura do Recife já havia pedido uma suplementação de verba para publicidade, podendo chegar a gastos de R$ 15 milhões.

No entanto, parece difícil que sejam disponibilizados os R$ 1,7 ou R$ 2 milhões necessários, segundo o diretor da Rádio Frei Caneca, Patrick Torquato, para que a emissora pública municipal comece a funcionar com programação e equipe próprias.

Participação social? Só no papel

Inspirada nos moldes da EBC, a EPC foi criada atendendo a uma reivindicação antiga e persistente dos movimentos sociais de comunicação, entre outros segmentos.

A proposta de reestruturação da antiga tevê do Estado foi a mais votada da Conferência Estadual de Comunicação, em 2009. Após muitas pelejas, a lei de criação de empresa pública EPC foi aprovada e foi instituído um Conselho de Administração – com membros da sociedade civil com poder decisório.

Contudo, a nova estrutura da empresa permaneceu sem recursos compatíveis com o seu funcionamento.

Hoje, com um novo quadro eleito de conselheiros/as ainda não nomeados/as e sem previsão de orçamento para seu porte, a emissora vem deixando de atender às demandas de produção de conteúdo que poderiam ser veiculados em sua grade.

Em relação à TV Universitária – que não faz parte da EPC e é ligada à Universidade Federal de Pernambuco –, o cenário é melhor por já ter sido digitalizada, mas ainda está longe do ideal em termos de participação.

Em 2015, um comitê formado por funcionários, professores e integrantes de Organizações Não Governamentais do campo do direito à comunicação, além de representações de movimentos sociais, deram início a um processo de reestruturação do Núcleo de TV e Rádio Universitária (NTVRU), que tem alcance metropolitano.

Após vários encontros e debates, foram elaborados documentos que norteariam as práticas para uma efetiva comunicação pública: participação social; transparência e possibilidade de acesso dos diversos segmentos da cultura, entre outras áreas; construção participativa da grade de programação dos veículos, com pluralidade de conteúdos e elaboração de editais de ocupação.

No entanto, a nova direção do Núcleo, que acompanhou o processo de digitalização da emissora, ainda não tirou as propostas do papel.

Uma rara boa notícia na TV Universitária é o programa Fora da Curva, realizado em parceria com diversas organizações sociais.

A falta de resposta às demandas da sociedade também é a prática de gestão municipal da rádio pública Frei Caneca FM. Depois de mais de 50 anos de reivindicações, apenas em 2016 a rádio foi colocada no ar pela prefeitura, mas ainda em caráter experimental.

Desde então, a FM funciona de forma muito aquém de seu potencial e de sua proposta inicial, tendo produzido conteúdo próprio apenas durante o carnaval, quando abriu os microfones para um programa de entrevista sobre o frevo e a produção local. Durante o restante do tempo, a Frei Caneca tem ocupado sua grade de programação com música. Porém, um veículo público deveria ser bem mais que uma playlist de qualidade.

As iniciativas do legislativo para tentar resolver a falta de orçamento também têm sido ignoradas. Em 2016, o deputado estadual Edilson Silva destinou R$ 260 mil de emenda parlamentar para a emissora.

Até agora, o convênio entre a Secretaria de Planejamento e Gestão do Governo do Estado e a Secretaria de Planejamento do Recife não foi sequer firmado para recebimento da verba e os recursos correm, cada vez mais risco, de serem perdidos.

Permanecem distantes da rádio os 90 minutos diários de jornalismo (sendo 50% por cento de conteúdo local), as 3 horas semanais de programas voltados a propostas para o público infantil e infanto-juvenil (com ênfase de conteúdos locais conteúdos locais e regionais realizados, concebidos e desenvolvidos por produtores independentes do Estado), além da garantia de 20% de conteúdos radiofônicos criados e desenvolvidos por produtoras independentes do estado.

Tais diretrizes, além da constituição de um conselho com participação social, com caráter deliberativo  e fiscalizador, integram as 54 propostas apresentadas em audiência pública na Câmara Municipal do Recife, em 2014.

Passados três anos, mais uma audiência pública mostrou que as 54 propostas sequer foram homologadas pela atual administração, com a recondução ao cargo do prefeito Geraldo Julio.

“As propostas ainda não foram publicadas no Diário Oficial. Nem uma versão em papel timbrado chegou a ser apresentada. Assim, apesar toda legitimidade, elas permanecem sem valor de documento. Além disso, a rádio não tem existência jurídica e também não consta no organograma da Prefeitura. Essa falta de reconhecimento oficial lança sérias dúvidas a respeito do compromisso da gestão com o caráter público da emissora e deixa um campo aberto para arbitrariedades na Frei Caneca”, denuncia Renato Feitosa, integrante do Grupo de Trabalho (GT) que foi constituído pela Fundação de Cultura da Cidade do Recife (FCCR), ligada à Secretaria Municipal de Cultura, para a implementação dos 54 pontos.

As reuniões do GT foram suspensas pela gestão no final do ano passado.

Apesar de insistentes questionamentos de representantes do Fórum Pernambucano de Comunicação (Fopecom) na audiência pública, o presidente da FCCR, Diego Rocha, não se comprometeu com um prazo para publicar no Diário Oficial as 54 propostas, nem para realização de concurso para contratação de profissionais, efetivação de um Conselho com participação social ou a própria estruturação do órgão dentro do organograma do governo municipal.

Efetivamente, a única evolução da audiência foi que o Grupo de Trabalho que vem discutindo a implementação da Frei Caneca finalmente será formalizado em reunião aberta e voltará a se reunir na semana que vem, 09 de maio, em um dos auditórios do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães.

A falta de recursos e as formas precárias de participação social colocam em risco a própria existência de uma radiodifusão pública em Pernambuco. A sociedade está de olho, mas é preciso que as diferentes esferas do governo encarem a questão com seriedade e evitem o fim desta fundamental ferramenta para a democracia.

*Eduardo Amorim e Cátia Oliveira são jornalistas e integrantes do Coletivo Intervozes. Cátia é mestra em Ciência Política pela UFPE e foi conselheira pela sociedade civil do Conselho de Administração da EPC, além de integrar o Grupo de Trabalho para implantação das propostas para a Rádio Frei Caneca. Eduardo é vice-presidente da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco.