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Juventude e Comunicação

Maria Virgínia Freitas, coordenadora do programa Juventude da ONG Ação Educativa, fala sobre a importância de os jovens discutirem e fazerem comunicação. Esta reflexão moveu a organização a criar o Centro de Mídia Juvenil para apoiar, por meio das ferramentas audiovisuais, projetos voltados para a juventude. Segundo ela, hoje a leitura crítica da mídia é fundamental para crianças e jovens se inserirem no mundo de forma autônoma e independente. A seguir, confira os melhores trechos da entrevista.


Como funciona o Centro de Mídia Juvenil?
O CMJ busca fomentar e apoiar as produções videográficas de grupos juvenis, engajados em organizações comunitárias ou movimentos sociais. A intenção é que esses jovens se utilizem do vídeo como forma de expressão artístico-cultural e de inserção profissional. Oferecemos equipamentos para gravação em vídeo, ilhas de edição, bibliografias e materiais de referência em comunicação, além de filmes comerciais e vídeos produzidos pelos grupos. Oferecemos também assessoria para o desenvolvimento de projetos com audiovisual. Os grupos são compostos por rapazes e moças da periferia da região metropolitana de São Paulo, sendo que alguns passaram por processos de formação em vídeo aqui na Ação Educativa. Os usos que eles dão ao vídeo são muito diferenciados. Alguns grupos são de produção audiovisual, outros utilizam o vídeo como linguagem para trabalhar temas variados, e outros trabalham com oficinas de formação. O centro tem um coletivo de gestão formado pela coordenação – Ação Educativa – e pelos representantes dos grupos que estão sendo apoiados. É um espaço de gestão partilhada, que define, entre outras coisas, a política de uso dos recursos e os critérios de apoio a projetos.

Com que objetivo surgiu o centro? Foi feita alguma avaliação sobre a relação entre os jovens e a comunicação?
O CMJ é um desdobramento de outros projetos da Ação Educativa. Nos primeiros, o vídeo era utilizado como linguagem audiovisual da qual os jovens deveriam se apropriar para transmitir um recado. Era um meio forte de ampliar a voz deles, um instrumento. Num primeiro momento, fizemos um trabalho de reflexão sobre a escola e seu significado, demos um curso e os jovens produziram vídeos que eram recados deles para a escola. Hoje, estes vídeos são usados em oficinas e espaços de debate sobre educação. Num segundo momento, percebemos que havia uma força além do instrumento, que os jovens gostavam de trabalhar com esta linguagem e que havia um potencial muito grande de disseminar as idéias deles. Ao mesmo tempo, percebemos que, com o advento e a aceleração das tecnologias, havia um barateamento das possibilidades de acesso ao vídeo. Mesmo que mais acessível para os jovens em geral, esta ainda não era uma ferramenta possível para estes jovens de comunidades da periferia. Foi aí que decidimos criar um espaço de acesso e formação. Fizemos projetos de formação na linguagem audiovisual, com dois objetivos: dar mais instrumentos para eles intervirem na cena pública e abrir possibilidades de geração de renda para os jovens. A partir destes projetos, percebemos a necessidade de ter um espaço de apoio, e agora o centro oferece este apoio, na medida em que já são vários os grupos formados aqui e em outros espaços, que acessam nossos equipamentos e utilizam nossa assessoria. Nosso grande desafio é tentar facilitar as pontes entre estes jovens, os circuitos em que eles já circulam e os circuitos de audiovisual profissionais, digamos assim, que são mais fechados. Neste sentido, também apresentamos a eles oportunidades, como editais e formas de captar recursos para viabilizar seus projetos.

Qual a importância de os jovens fazerem comunicação? E qual a importância de eles/as discutirem comunicação?
É extremamente importante os jovens fazerem e discutirem a comunicação. Percebemos a importância e a mudança de percepção de mundo quando eles deixam de ser apenas consumidores e passam a ser produtores de comunicação. No momento em que a sociedade brasileira começa a discutir políticas de juventude e identificar sujeitos juvenis, fazer comunicação é uma possibilidade de os jovens trazerem para a cena pública seus conteúdos, olhares e questões. Um dos fatores que contribuiu para o tema entrar na pauta, por exemplo, foi a grande força do hip hop, que, através de suas músicas, fala de problemas que a juventude da periferia enfrenta: violência policial e discriminação étnico-racial. Eram questões que não estavam postas e que, com diferentes linguagens, eles vão colocando, vão mostrando suas visões de mundo, desafios e inquietações.

Este 'fazer comunicação' e o 'discutir a comunicação' devem estar ligados ao debate político de democratização dos meios de comunicação? Qual a importância disso?
Na experiência de produzir comunicação, eles percebem como é configurado este mundo, quem tem acesso, quem produz, para quem e por quê é necessário buscar mudanças. Nos processos de formação, a idéia é sempre a de estimular debates: o papel da comunicação, da imagem do jovem, a indústria da comunicação, etc. O que mobiliza alguns grupos é fazer oficinas com outros jovens para mostrar como a comunicação é construída e as suas intencionalidades. Para eles, estas questões são muito fortes. Não dá para pensar transformação da sociedade e política neste país sem levar ao centro a questão da comunicação. Os jovens podem nem sempre ter um projeto de sociedade delineado. Isso pode não estar totalmente construído, consolidado, articulado. No entanto, eles sabem que têm pouco acesso, como são julgados quando aparecem na grande mídia e os preconceitos que sofrem por isso. Sabem também que a produção e as visões deles não encontram espaço na mídia convencional. São leituras que eles fazem e esta é a importância do fazer comunicação, de se ver, de ver um produto, de se verem como autores. Isso tem uma força muito grande, própria do trabalho na área da arte, cultura e comunicação.

Por que existe uma relação tão próxima entre os jovens e a comunicação? É um casamento perfeito?
Esta possibilidade de se ver e de ser autor de que falei é uma possibilidade de sair da posição de objeto. A comunicação funciona como um espaço em que, depois de viver a condição de filho, aluno e aprendiz, o jovem pode ter alguma autonomia. É um terreno menos “regulado” no qual ele pode se tornar “adulto”, no sentido de que se coloca de uma forma autônoma no mundo, sendo que de uma maneira mais tranqüila do que no mercado de trabalho, por exemplo, onde há uma pressão e leva-se tempo para se consolidar, se constituir como sujeito e ser reconhecido. Talvez seja o espaço em que mais rapidamente eles podem se ver como autores e sujeitos. Além disso, geralmente, as atividades de comunicação são coletivas, então, têm uma dimensão forte da sociabilidade, que é fundamental para os jovens. Eles experimentam, se apropriam do mundo, aumentam seu espectro de conhecimento, seu círculo geográfico, inclusive, porque circulam por outras partes da cidade. Ganham experiência e ampliam suas visões e sua formação. No vídeo, ainda existe a questão da tecnologia, que é extremamente atraente aos jovens, facilmente adaptáveis a tudo que é novo. Isso aparece mais forte para os rapazes, de forma geral. Eles tendem a se colocar como produtores, e as jovens estão mais envolvidas em atividades de formação. Esta ainda é uma questão sobre a qual precisamos refletir junto com eles.

No Centro de Mídia Juvenil, você considera que existe uma percepção dos jovens de que eles estão exercendo um direito (à comunicação)? Se não, qual a percepção? Por que eles fazem comunicação?
Eles percebem isto não apenas na realização de um determinado produto, mas em como este produto pode interagir e se tornar acessível para outras pessoas que não possuem acesso, por exemplo, em mostras de vídeos, oficinas com outros jovens. Eles têm a percepção de que este é um direito a ser conquistado. E forçam isso: exercem e contribuem para que o direito seja ampliado e mais gente tenha acesso.

O que acontece com estes jovens quando eles saem do centro? A expectativa deles é de trabalhar com comunicação?
A maior parte dos jovens que busca apoio do centro já está engajada em algum projeto ou atividade que envolva a comunicação. Para os que estão no centro, existe esta dimensão forte da possibilidade de trabalhar com comunicação de alguma forma. Grande parte dos grupos acessou os recursos do VAI, por exemplo (um programa de fomento da prefeitura de SP) para viabilizar seus projetos e para se manter. Iniciativas como esta são louváveis porque, para eles, quase sempre existe um dilema entre se sustentar e realizar projetos que eles têm vontade. Muitos terminam trabalhando em outras coisas, como operadores de telemarketing, ou mesmo seguranças de boates, para conseguir fazer comunicação nas suas comunidades e grupos. Um dado importante é que a maioria dos jovens que passa pelos projetos de formação e de apoio e assessoria busca voltar aos estudos e faz da comunicação um projeto de vida, isso passa a ser um caminho para eles.

Qual seria a melhor forma de inserir a comunicação na vida dos jovens para que eles tenham uma leitura crítica da comunicação? Seria na escola?
Não pode ser uma coisa só. Primeiro, pensando na televisão, seria preciso que ela fosse mais democrática, que houvesse canais diferenciados, abordagens diferenciadas, que isso permitisse já um primeiro contato com um universo mais amplo e menos formatado através da mídia. Minha expectativa é de que o projeto da TV pública contribua para isso. A escola é um espaço que deve refletir esta necessidade. Lá, os jovens e crianças deveriam aprender a linguagem audiovisual e outras linguagens. Seria um modo de compreender de forma mais ampla a dinâmica da comunicação: que os diferentes meios têm autores, que autores têm intencionalidades, que empresas estão por trás dos autores, que são grupos e corporações, entre outras questões mais políticas. Perceber esta dinâmica e entendê-la deveria ser papel da escola, mas também é preciso que existam espaços públicos em que os jovens possam ter contato com linguagens e produzir experiências: espaços de fazer comunicação e de se comunicar. Centros de acesso público a equipamentos, softwares, oficinas de formação, debates, um espaço educativo extra-escolar.

Num espaço público em parte mediado pelos meios de comunicação, fazer comunicação é participar da vida pública e política?
Sem dúvida. E sabemos o quanto é difícil fazer política neste espaço. Porque nós, que temos visões que não são as hegemônicas, sentimos dificuldade para expor nossas idéias e opiniões. A comunicação é um espaço central de poder. Por isso é importante fazer e pensar comunicação.

Qual a importância de os jovens terem acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)?
O acesso às TICs é tão importante quanto o acesso aos meios de produção de comunicação. Além de elas exercerem uma grande sedução nos jovens, elas podem ser um novo campo de criação. Além disso, o acesso ao computador e à internet são formas de acesso à informação, ao mundo e de comunicação entre as pessoas. Temos um desafio muito grande que é promover o acesso. As escolas podem ser um caminho. O outro desafio é mostrar como utilizar as ferramentas e outras possibilidades que não se restrinjam apenas ao youtube e ao orkut, que são importantes, têm seu papel, são formas de relacionamento, mas sabemos que há possibilidades muito mais amplas que precisamos fazer chegar a todos.

De que forma as políticas para a juventude devem refletir isso?
As políticas voltadas para os jovens devem permitir que eles se apropriem de diferentes linguagens e usufruam delas, mas que também sejam produtores. As políticas precisam combinar duas dimensões: uma de criação de espaços públicos de encontro e acesso. Espaços ricos, com equipamentos de qualidade, bem cuidados, valorizados, e que proporcionem outras possibilidades, que os jovens possam usar câmeras, ilhas de edição, que tenham acesso aos instrumentos. A cidade de São Paulo, embora ainda em escala muito pequena, aponta caminhos que deveriam ser trilhados em direção à universalidade. A segunda dimensão, é a de aporte de recursos para viabilizar projetos: recursos públicos que possam ser acessados por grupos de jovens que não têm um CNPJ, por exemplo, mas que possam, organizados da sua forma, acessar recursos para realizar seus projetos. Resumidamente, é preciso que as políticas garantam espaços, equipamentos e apoio financeiro.

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TV digital: a Caixa aposta na interatividade

A Caixa Econômica Federal vê na TV digital um importante veículo para a prestação de serviços sociais e bancários. Por isso, pretende estar presente nessa nova mídia  desde a primeira transmissã, prometida para dezembro. Conforme a vice-presidente de Tecnologia, Clarice Coppetti, o ideal é que a interatividade esteja presente  já no primeiro conversor a ser fabricado. Mas, qualquer que seja a decisão do governo, o banco irá oferecer todos os serviços que puder pelos canais dessa nova TV.   

Por que a Caixa Econômica Federal está na linha de frente da TV digital?
Clarice Coppetti – A Caixa, além de ser um dos maiores bancos do país e atuar com um portfólio completo no segmento da indústria financeira, é também um grande operador de políticas públicas, das políticas sociais do governo federal. Além disso, lidamos com alguns segmentos de serviços e produtos que são da sociedade brasileira, como é o caso do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que não é um fundo público, mas atende a uma grande parcela de trabalhadores. Esse diferencial da Caixa Econômica Federal, esse relacionamento dela com a sociedade, fez com que nós começássemos a pensar na TV digital não só como alternativa para a prestação de serviços financeiros – como um “internet banking” ou um “ TV banking”. A TV digital não é só isso. O potencial desse canal, na nossa visão, é muito superior.

De que maneira?
Começamos a desenvolver o projeto não apenas por uma questão estratégica para o banco, mas como um dever de um banco público com a sociedade brasileira.

Por que estão apostando nessa nova mídia?
Hoje, 8% ou 9% da população brasileira tem acesso à TV fechada, por satélite ou por cabo. Há, também, uma parcela da população com acesso à internet  banda larga. Mas a grande maioria, mesmo com todos os programas de acesso ao computador do governo, como o Computador para Todos, ainda está distante da rede mundial. Na nossa visão, quem mais vai precisar da TV digital para a interatividade – ou seja, com canal de retorno, com a possibilidade da realização de serviços – é a população de menor renda.

E essa população, em sua grande maioria, tem um relacionamento com a Caixa. Seja através dos programas sociais do governo federal, seja através de sua conta bancária simplificada – nós bancarizamos 5 milhões de pessoas, desde 2003. Atendemos ao Bolsa Família, temos 170 milhões de contas ativas do FGTS (pois muitos trabalhadores têm mais de uma conta); temos os programas do PIS, da habitação de baixa renda e contamos com uma carteira enorme de créditos habitacionais. É uma gama de serviços que faz com que nós vejamos a TV digital como um veículo que pode atingir alguns milhões de clientes e usuários desses serviços.

A TV digital será, então, um canal da e-Caixa?
Estamos vendo uma possibilidade efetiva  de facilitar o acesso dessa população a esses serviços, com comodidade e segurança. Essa percepção fez com que iniciássemos uma discussão com todas as emissoras e a  indústria. Nós demos o seguinte recado: a Caixa é um grande banco, com um volume enorme de clientes, e nós precisamos que a TV digital, quando iniciar a sua transmissão no país, já tenha, pelo menos,  um planejamento para a interatividade. Pois a interatividade foi o grande diferencial na definição do modelo, e o governo buscou-a como uma possibilidade real de inclusão.

Ainda não há muita indefinição?
A Caixa, apesar das indefinições – pois é uma coisa nova para todo mundo, e a gente não sabe como esse mercado vai se comportar- está tentando contribuir para esse debate. Não queremos que a sociedade brasileira pague duas vezes, como foi o caso da telefonia celular, que começou analógica e dois, três anos depois, todo mundo  teve que trocar o aparelho, pagar de novo, para migrar para o sistema digital. Não dá para a sociedade pagar duas vezes.

Essa possível dupla cobrança, você está se referindo ao set top box?
Sim, se o conversor sai, inicialmente, sem nenhuma possibilidade de interatividade – o que acho que já está descartado – e, depois, vendem outro setop box com interatividade, acho que seria penalizar a sociedade.

Para que essa interatividade se efetive, é necessário o canal de retorno?
Sim, ele é necessário. Hoje, sei que há uma indefinição, toda a indústria está tateando sobre isso. E quando falo da indústria, me refiro não apenas aos fabricantes, mas às emissoras e demais agentes. Mas, para nós, ela é importante. Já estamos desenvolvendo aplicações próprias, independentemente do canal de retorno que venhamos a ter, para que os nossos serviços sejam acessados.

Nem que comecemos com um projeto piloto muito específico, de algum programa social, ou na parte de loterias, com a interatividade local. Hoje, a grande procura no site da Caixa é o resultado das loterias. Poderemos vir a oferecer esse serviço na TV digital, se ela for apenas local. Quem jogou não precisará ir à casa lotérica ou acessar o nosso site para saber o resultado. Mas poderemos também oferecer serviços muito mais completos, se a interatividade for total.

Nós estamos conversando com os fabricantes, com os que estão desenvolvendo o Ginga, para tratar desse tema. O nosso papel é esse. Nós promovemos um seminário sobre TV digital no mês passado, e depois dele, vários fabricantes nos procuraram.

Para se disseminar o set top box, obviamente se esbarra na renda da população. A Caixa vai subsidiar esse conversor?
A Caixa tem uma série de modalidades de créditos própria. Mas nós podemos fazer acordos com a rede de varejo, a exemplo do que fizemos com o Computador para Todos.  A população brasileira compra os bens eletrônicos nas redes de varejo, e hoje essas grandes redes têm as suas próprias financeiras. 

Quanto vai custar essa caixinha?
O fundamental é que esse setop box não alcance um valor que deixe de fora a população que mais vai precisar dele. Essa tem sido a nossa batalha.

Quando conversam com os fabricantes, que preços eles mencionam?
Todos os preços: desde R$ 700,00, um conversor já customizado, com interatividade, até R$ 150,00. Esses valores, para se encaixarem no salário-mínimo, são significativos, pois essa pessoa, que já assiste à sua novela e ao seu futebol, poderá não ver sentido em gastar esse dinheiro.

Os serviços que a Caixa irá prestar estarão vinculados aos canais públicos de TV digital?
A Caixa atuará como usuária dos canais de TV pública. Obviamente faremos conteúdos específicos para esses canais, pois temos interesse, mas a produção desses canais se dá em outra esfera de governo.

Pergunto isso porque a impressão é que as TVs comerciais não querem fazer interatividade.
Não sei se não querem. Ou se o modelo de negócios delas ainda não está definido. Não acredito que não queiram. A população brasileira tem uma relação diferenciada com a TV, pois ela é objeto da nossa relação cotidiana. Acredito que a interatividade dará também atratividade para os canais de TV digital.

Não sei bem como está essa discussão, mas em nosso seminário percebemos que todas as emissoras começaram a ser mexer, a procurar as especificações do Ginga, para a construção do midleware.

Como tocar esse projeto, se as emissoras comerciais não se empolgarem com ele?
As TVs vivem de anúncios. E a interatividade, mesmo para os bancos comerciais, é uma boa solução. Sabemos que alguns bancos privados já começaram a se mexer nessa direção. No Congresso de Tecnologia Bancária do ano passado, ninguém falava em TV digital. Neste ano, já havia um nicho de TV digital, e todo mundo queria saber o que era. O anunciante vai querer esse filão e o governo tem interesse em que haja inclusão na TV digital.

O ideal, para vocês, é que a caixinha já saia com o canal de retorno?
Que haja definições sobre esse canal de retorno. Há um grupo estudando esse assunto. Há inúmeras possibilidades, como USB, ou um chip GPRS dentro  do setop box, ou mesmo as opções tradicionais, como ADSL. O ideal, para nós, é que na própria caixinha houvesse o canal de retorno para que a população não precisasse usar o telefone, já que a conta está alta.

Quais são os investimentos que vocês estão fazendo?

Clarice – Temos que customizar os novos serviços para a TV digital. Há várias questões que estão sendo discutidas,  como, por exemplo, a produção de setop boxes para relacionamento, para nichos de clientes. Hoje, através do FGTS, temos 3 milhões de empresas que se relacionam com a Caixa. Podemos criar um programa, com os setop boxes, para fidelizar esses clientes, por que não? Há um leque de opções enorme. E, para precificar tudo isso, precisamos bater o martelo. Mas a Caixa tem orçamento para isso. Os investimentos em tecnologia para 2007 e 2008 giram em torno de R$ 400 milhões/ano. 

E como vai ser o relacionamento do banco com as emissoras? Vocês vão comprar espaço publicitário para promover essa interatividade?
A área de marketing da Caixa está cuidando disso. Ela vai definir esse modelo. Estamos todos correndo, porque vamos lançar alguns serviços em dezembro, quando os primeiros sinais digitais começarão a ser transmitidos. Mas vamos fazer uma experiência com os canais fechados, até para ver como essa questão funciona.

Active Image publicação autorizada.

Cemina: 20 anos de atividades

 Há cerca de 20 anos nascia o Cemina, ONG cuja sigla significa Comunicação, Informação e Gênero. Como o nome diz, a produção e a análise de informações, assim como a luta por uma comunicação mais democrática – sempre levando em conta o papel da mulher na sociedade – são os objetivos da organização. 

Elas começaram com um programa de rádio em 1988. O “Fala Mulher” era veiculado em rádios comunitárias de diversas cidades e passava lições de cidadania e dicas para o empoderamento da mulher. Os programas não eram feitos por profissionais, mas por cidadãos e cidadãs que mostravam que um meio como o rádio pode ser usado por qualquer pessoa para passar adiante sua mensagem.

Ao longo do tempo, o Cemina foi ampliando suas atividades. O programa virou uma rede de comunicadoras com 400 integrantes e as novas tecnologias de comunicação e informação (TICs) foram eleitas a modalidade a receber investimentos. Assim, a equipe do Cemina conseguiu integrar ainda mais gente às suas atividades.

Nesta entrevista, Thaís Corral, uma das fundadoras da organização, comenta o que mudou nesses 20 anos no campo da comunicação como um direito humano e na presença da mulher na sociedade brasileira. Além disso, fala sobre as metodologias utilizadas e desenvolvidas pela organização em 15 anos de prática de oficinas para comunicadoras.

O Cemina nasceu há quase 20 anos. Que balanço você faz desse período? O que mudou para melhor e para pior no que se refere à luta pelo direito à comunicação e aos direitos das mulheres?
O Cemina criou uma referência nacional ao mostrar que um veículo de comunicação e informação como o rádio pode ser utilizado por pessoas que não são necessariamente profissionais do ramo. Desde de a nossa estréia com o programa Fala Mulher em 1988 muita coisa mudou, muitas das rádios comunitárias lideradas por mulheres puderam ser legalizadas e há mais aceitação de que o rádio é um veículo democrático a serviço da educação e da cidadania. Essa rede de programas e comunicadoras locais que chegou a reunir 400 participantes, continua a multiplicar-se e a difundir a importância de continuar promovendo os direitos das mulheres.

O lado negativo é que as condições de funcionamento das rádios continuam precárias. Embora em processo de legalização, muitas das rádios comunitárias são temporariamente fechadas, vítimas de estratégias de perseguição daqueles que querem continuar a manter o monopólio da comunicação radiofônica. Mas nossas agentes não se intimidam… compartilham estratégias e seguem em frente.

Este ano a organização comemora 15 anos de prática em oficinas de comunicação. No que elas evoluíram, em relação a ferramentas e metodologias?
Desde a primeira oficina de capacitação estamos sempre reformulando a metodologia. Quando a gente trabalha com comunicadoras de diferentes regiões do país e de formação cultural e social diferentes, isto precisa ser sempre respeitado e creio que seja daí que vem o nosso sucesso. Ter um produto radiofônico ao final de cada uma destas mais de 300 oficinas também foi um diferencial em nossa metodologia. E este conhecimento culmina com a introdução das novas tecnologias de comunicação e da informação nas oficinas de capacitação. A metodologia utilizada foi sempre a de introduzir novas ferramentas aumentando as capacidades e incluindo metodologias que aliassem a conhecimento técnico com a prática, onde também o conteúdo conta, afinal a nossa missão inclui também o conteúdo.

O Cemina começou com um programa de rádio de voluntários e voluntárias. Como foi se deu a passagem para o profissionalismo?
Mesmo voluntariamente as pessoas que estiveram à frente deste processo nesta época eram ativistas do feminismo e graduadas em comunicação. Desde de o começo do Programa Fala Mulher criamos paralelamente o Cemina, uma organização sem fins lucrativos que nos permitiu captar recursos para o programa de rádio e outras atividades que se seguiram. O programa foi sempre elaborado de forma profissional, a partir de 1993 contou com uma equipe que durante 12 anos levou ao ar o Fala Mulher de uma hora diária. Associamos ao programa muitas outras atividades que se desenvolveram ao longo do tempo.

Quais são os novos desafios da organização?
O Cemina hoje quer transmitir o legado recolhido durante todos estes anos….

O Cemina sempre priorizou o rádio como meio de comunicação. Por que?
O rádio só a partir de 2005 deixou de ser o veículo mais popular deste país. Mesmo perdendo para a televisão, o rádio continua sendo o veículo que chega mais perto das mulheres, das donas de casa, das empregadas porque as acompanham sem que elas precisem interromper o que estejam fazendo. Desta forma, ele foi escolhido pelo Cemina como o veículo ideal para sensibilizar as mulheres, dialogar com elas e incentivá-las a terem voz e vez na sociedade. Isto se deu no cotidiano do Fala Mulher onde desde a seleção dos assuntos a serem tratados no dia, da escolha d@s entrevistad@s e das músicas, do incentivo à participação das mulheres ao vivo nos debates, mudando o estereótipo que programa de mulher era só de receita e beleza. Temas importantes como o cuidado com o corpo, a violência doméstica, a participação e produção da mulher em diversas áreas como arte, cultura… são super importantes nesse processo. Foi muito importante fazer essa ligação entre o que as mulheres produzem no espaço público com aquilo que acontece na invisibilidade do espaço privado. Isso se chama “empowerment”.

Um novo foco da estratégia do Cemina é o uso das TICs. No que elas colaboram para o desempenho da missão da instituição?
Proporcionar o acesso às novas tecnologias de informação e comunicação foi o foco central das ações do Cemina nestes últimos quase seis anos de trabalho. O que podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que este acesso empodera as mulheres primeiro porque elas não acham que este aprendizado lhes pertença. Quando as mulheres beneficiadas romperam com este processo puderam beneficiar em primeiro lugar o conteúdo dos programas veiculados, aumentar a interatividade dos programas e a qualidade sonora com a possibilidade de fazer as edições digitalmente. Sem contar a rede de trocas de áudio que foi estabelecida através da rádio na internet www.radiofalamulher.com. Com a expansão do acesso à internet e de cursos de informática em 15 comunidades, estas mulheres reafirmaram o seu lugar de liderança ou passaram a exercer este papel articulando parcerias em níveis federais, estaduais e municipais além de diversas autarquias.

Quais os atuais desafios para o empoderamento da mulher hoje em dia?
O principal desafio é que as mulheres continuem desenvolvendo suas capacidades e incluindo-se na complexa transição que vivemos. Nesse sentido é um desafio olhar para aquilo que ainda tem que ser conquistado: o fato, por exemplo, de que as mulheres continuam sofrendo violência e discriminação, continuam invisíveis do ponto de vista social e dependentes de políticas públicas do Estado. Devemos também levar em conta o fato de que há mais espaço para o empreendedorismo e para ocupar esse espaço é preciso qualificar-se. Acredito nesse sentido que o aprendizado do uso das tecnologias da comunicação e da informação seja fundamental para fazer frente e ocupar as oportunidades de nosso tempo.

Como o Cemina vê a política de inclusão digital do governo? Ela está cumprindo seu papel?
A iniciativa de se ter programas de inclusão digital no Governo é gloriosa, nós tivemos várias parcerias (Gesac, Secretaria de Logística, Tecnologia e Informação do Ministério do Planejamento, Fundação Banco do Brasil, Banco do Brasil) muito importantes para alcançarmos os resultados positivos do projeto mas a questão é que não há uma política de Inclusão Digital no Governo Federal. São inúmeras iniciativas de Ministérios, Secretarias e autarquias que não se comunicam e o que vemos é um desperdício de recursos e oportunidades. Se as ações de oferecer conectividade, equipamentos, capacitações fossem coordenadas, com certeza teríamos um número maior de brasileir@s com acesso as novas tecnologias, desenvolvendo capacidades e criando novas possibilidades de cidadania e inclusão social.

E as políticas públicas de empoderamento da mulher? Estão surtindo resultado?
Acredito que sim, basta ver em números como tem crescido a participação da mulher em todas as áreas: política, educação – a participação das mulheres em carreiras universitárias já é superior à dos homens – mercado de trabalho, empreendedorismo de pequenas e médias empresas. Temos hoje inclusive em nível nacional uma secretaria, com status de Ministério, que cuida dos direitos das mulheres.

O que ainda falta é uma política mais coordenada de articulação de todas as políticas de inclusão social do governo de modo que possam refletir de forma mais precisa e eficaz as necessidades das mulheres, que ainda permanecem entre o segmento social mais excluído social e economicamente, sobretudo se a isso se acrescenta o aspecto de raça e etnia.

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O MPF pelo direito à comunicação

Há cinco anos no Ministério Público Federal – mais precisamente na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo – o procurador Sérgio Suiama é um dos principais parceiros das organizações que buscam a garantia e efetivação do direito humano à comunicação. Membro do Grupo de Trabalho de Comunicação Social do MPF, Suiama esteve à frente da ação judicial que acabou por retirar do ar o programa do apresentador João Kleber, à época na Rede TV!. Além disso, o procurador foi decisivo no ingresso do MPF nos debates acerca da TV digital, no qual a ação judicial proposta pelos procuradores do GT de Comunicação Social não teve seu mérito julgado até hoje. Mais recentemente, envolveu-se nos debates sobre a classificação indicativa dos programas de TV e foi o responsável pela celebração do acordo entre a Net e os canais públicos que foram sumariamente retirados da programação digital da operadora de TV por assinatura a cabo. A seguir, confira os melhores trechos da entrevista concedida por ele ao Observatório do Direito à Comunicação.

É possível fazer uma avaliação favorável da conjuntura dos temas ligados à comunicação?
Em termos gerais, o monopólio congelou estas questões por décadas. Acho que a iniciativa do governo Lula em pautar a TV pública colocou um debate importante, mas não acredito que a conjuntura esteja completamente favorável. Existem brechas que vamos abrindo e essa questão da TV pública é uma delas, importante para discutirmos a democratização das comunicações e a melhor forma de assegurar o princípio da complementariedade dos sistemas [comercial, público e estatal] que consta na Constituição federal.

O debate sobre a TV pública, por exemplo, está bastante restrito à questão da gestão e do financiamento da emissora. Você acha que as organizações da sociedade civil devem buscar ampliar a discussão para a constituição de um sistema, não apenas de uma emissora?
Estive presente no Fórum de TVs Públicas e notei que ainda existe certa confusão, pois sob esse nome “TV pública” se agrupam todos aqueles que não estão na TV comercial, englobando desde as TVs comunitárias, universitárias, legislativas e estatais, ou seja, um grande guarda-chuva que hoje denominamos genericamente de campo público. Meu receio é que no momento adequado não haja essa distinção necessária entre TV estatal e TV pública. Mas é certo que é necessário garantir a participação da sociedade civil nessas discussões que vêm sendo feitas no âmbito dos ministérios.

O fato de as decisões estarem concentradas na Secretaria de Comunicação Social e não no Ministério das Comunicações pode contribuir para que a TV pública seja mesmo independente?
Infelizmente, o Ministério das Comunicações se tornou, ou talvez sempre tenha sido, um grande balcão de negócios de lobistas ligados às emissoras comerciais de televisão. Existem todos aqueles contratos irregulares, concessões vencidas, a completa falta de fiscalização em relação às emissoras, a relação promíscua entre parlamentares, donos de emissoras e o Ministério. Portanto, acho que lá [Ministério das Comunicações], infelizmente, não é o local mais apropriado para discutir a questão da TV pública. Não reconheço sua legitimidade neste mérito. Acho que o próprio governo, de certa forma, reconheceu isso ao conceder status de ministro ao Franklin Martins. Isso serve para mostrar que o Estado e o governo não são algo unitário, isso não apenas em relação ao governo Lula, ou ao governo FHC, ou qualquer governo. Existem grupos de interesse que estão mais afinados e existe também uma reunião de grupos em torno de certas idéias.

Sobre a questão das rádios comunitárias: isso está no âmbito do Ministério das Comunicações e também é algo que ele não vem tendo competência nem vontade política para administrar…
O MP entrou com uma ação civil pública justamente partindo desta constatação de que o MiniCom e a Anatel são muito eficientes na repressão às rádios comunitárias e se percebe que não há a mesma eficiência com relação às autorizações. Os avisos de habilitação demoram anos. O governo Lula, inclusive em comparação ao governo FHC, foi muito ineficiente em relação a isso. Percebemos não só uma incompetência, mas uma falta de interesse na regularização dessas rádios. Ou seja, vemos que, de fato, o governo privilegia as grandes emissoras em detrimento da comunicação comunitária.

É inevitável falar da TV digital. Como anda essa questão?
Esta questão, tanto pra nós quanto para os companheiros do movimento social de comunicação, era, de fato, uma oportunidade para conseguirmos democratizar o uso do espectro. Infelizmente, o que vimos foi um governo muito comprometido com a manutenção do latifúndio das freqüências que temos hoje. Não houve interesse em criar novos canais. Claro, eles dirão que criaram aqueles quatro canais, o cultural, o educativo, o da cidadania e o do Executivo, mas sabemos que o sistema poderia abrigar muito mais. Você percebe que, de fato, foi uma opção política por não mexer nesse “vespeiro” da comunicação. Claro que há um poder comercial fortíssimo, um verdadeiro poder paralelo ao Estado, que é o poder dos meios de comunicação, que se sustenta com uma base parlamentar e do medo que o governo tem. Então, esses privilégios dados às grandes emissoras permanecem praticamente intocados.

Quais são as perspectivas para o futuro? Como as organizações da sociedade civil que lutam pelo direito à comunicação podem contar com o MP?
O MP funciona como uma espécie de advogado da sociedade. Não defendemos direitos individuais, mas atuamos na defesa dos direitos coletivos. É nessa perspectiva que o MP pode ter muita presença em matéria de comunicação social. Temos uma tradição que vem de 10 anos nessa área. Começamos atacando programas específicos que violavam direitos fundamentais, como os programas policiais. Agora estamos amadurecendo, começando a discutir outras questões que vão além dos casos específicos. Entramos com a ação da TV digital, estamos atuando fortemente em defesa da obrigatoriedade da classificação etária na TV, na questão do merchandising. Estamos acompanhando um procedimento, a partir da representação do ProJor, sobre os deputados que são donos de emissoras. Já conseguimos identificar 10 deputados da Comissão de Comunicação que votaram em seus próprios processos de renovação de concessão. Nós temos uma concepção cada vez mais clara da necessidade de garantir o pluralismo, seja interno às emissoras, seja externo na garantia da diversidade de opiniões no espectro, e da necessidade de democratização, de impedir o oligopólio e o coronelismo eletrônico.

Como as organizações da sociedade civil podem se instrumentalizar nesse mundo do direito ligado ao campo da comunicação?
Acho que os movimentos sociais se concentram muito na questão legislativa, partindo da idéia de que o poder legislativo é o único fórum onde se pode conseguir alguma mudança social. Seria interessante, sem abandonar a luta legislativa, tentar concatenar essa luta com outras estratégias políticas, inclusive no âmbito judicial e no âmbito do MP. Como qualquer outro órgão, o MP é formado por pessoas das mais diversas ideologias, mas, por conta desta promiscuidade do Congresso Nacional em relação às emissoras, o MP pode ser um parceiro importante no que diz respeito à promoção de direitos. É claro que não posso falar em nome de todos os colegas, mas boa parte deles está sinceramente engajada numa luta pela promoção de direitos, inclusive em relação à comunicação. O MP tem outros instrumentos, que não necessariamente judiciais. Concretamente, ele pode entrar com uma ação para obrigar o poder público ou a emissora a fazer ou deixar de fazer algo, uma condenação, o pagamento de danos morais, etc., mas também existem outros instrumentos não judiciais, como a recomendação, que é uma espécie de notificação, ou os termos de ajustamento de conduta. O exemplo mais recente disso é acordo que fizemos com a Net para que os canais públicos pudessem voltar ao sistema digital.

Quais ações estão sendo tocadas pelo MP atualmente?
Hoje existe um grupo de comunicação social no âmbito da Procuradoria Geral dos Direitos do Cidadão. Já estamos a quase três anos atuando nessas questões envolvendo a comunicação. A questão mais presente que temos enfrentado é uma estratégia de apoio à obrigatoriedade da classificação etária nas TV. Para nós, isso não tem nada a ver com censura, pois já foi comprovado que as emissoras não têm, em termos gerais, nenhuma responsabilidade social. Também expedimos uma recomendação para garantir que os canais 60 e 69 fossem reservados para a implementação dos canais públicos. Fizemos uma recomendação sobre merchandising, para obrigar as emissoras a informar adequadamente o consumidor de que está sendo veiculada uma propaganda. Fizemos também uma oficina regional com os procuradores do nordeste, para que haja uma atuação mais forte lá em relação aos programas policiais, além da oficina que estamos montando em conjunto com o Intervozes para construir o manual de exigibilidade do direito à comunicação. Diversas iniciativas estão acontecendo simultaneamente.

Sobre publicidade infantil, o MP tem algo em vista?
Eu acho lamentável tanto a posição do Conar quanto a posição das emissoras. Qualquer coisa que se tente discutir em matéria de comunicação é taxada imediatamente como censura. Então classificação etária é censura, ombudsman nas emissoras é censura, restrição à publicidade para crianças é censura, restrição para bebidas e cigarros é censura. Então, é muito difícil trabalhar porque não há possibilidade de diálogo. Ou seja, há uma postura reacionária das emissoras, beneficiadas com concessões a “preço de banana” e que simplesmente se recusam a estabelecer qualquer tipo de diálogo social.

E em relação a nossa legislação, o que dizer?
O que eu vejo é que a legislação brasileira é completamente anacrônica. Discussões que já são feitas desde a década de 60 em outros países estão muito atrasadas aqui no Brasil. Por exemplo, não temos uma legislação que assegure conselhos sociais compostos pelos cidadãos. O ideal seria conseguir obrigar a União a colocar nos contratos futuros alguma cláusula que obrigasse cada emissora a possuir um conselho, mas esbarramos justamente na falta de legislação. Por outro lado, o Judiciário também tem um limite. Por exemplo, não conseguiríamos assegurar o “direito de antena”, como existe em Portugal, no qual os sindicatos, os movimentos sociais e as Ongs podem ocupar um espaço na programação.

Você acha que o movimento pela construção da Conferência Nacional de Comunicação pode ajudar a amadurecer um pouco a constituição de uma nova Lei Geral de Comunicação?
Nós esperamos que sim. No entanto, há vários grupos de interesse bastante conflitantes. Há as teles, os radiodifusores, cada um com seu interesse específico, e há todo o campo democrático. Mais importante: como fazer com um Congresso Nacional ainda tão vinculado às emissoras? Uma outra questão é que os movimentos sociais ainda não incorporaram a pauta do direito à comunicação. Ou seja, a pauta ainda está muito restrita às pessoas ligadas ao jornalismo ou às escolas de comunicação. É preciso que os movimentos sociais de maneira geral encampem essa questão. De qualquer forma, é importante que as organizações e os movimentos sociais não desistam, pois há vitórias e a ação contra o João Kleber provou que é possível avançar.

No caso das TVs, a atuação do MP se baseia no fato de que são concessões públicas. E no caso da mídia impressa?
Essa é uma questão importante. São regimes jurídicos diferentes, portanto devem ser tratados de forma diferente. No caso da mídia impressa, a liberdade de expressão é maior e não é possível aplicar algumas sanções como faríamos com concessões de TV, como uma cassação, por exemplo. Isso não significa que não tenha que haver responsabilidade. Nesse caso, o meio jurídico mais adequado ainda é o direito de resposta coletivo. Acho que deveríamos usar mais este instrumento como uma forma de garantir o pluralismo nos meios de comunicações impressos. De qualquer forma, nos meios impressos há mais diversidade, pois existe a Veja, mas também existe a Caros Amigos, a Carta Capital, etc. Então, acho que o caminho é mesmo a idéia de direito de resposta.

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Censura, não. Proteção.

Tem sede na Suécia o principal observatório das relações entre mídia e infância do mundo. A International Clearinghouse on Children, Youth and Media, criada em 1997 pela Unesco, monitora o cumprimento da Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente no que diz respeito aos programas de tevê e, cada vez mais, também à internet e aos jogos eletrônicos. 

No país-sede da instituição, as tevês não podem exibir comerciais que tenham como público-alvo crianças com menos de 12 anos. As faixas horárias também são seguidas com rigor. Cecilia von Feilitzen, coordenadora científica da Clearinghouse e uma das principais estudiosas do tema no mundo, conversou com CartaCapital e, ao tomar pé da situação do Brasil, levou dois sustos. Um, ao saber que a classificação indicativa foi tratada como tentativa de censura. Outro, quando descobriu que os brasileiros assistem, em média, cinco horas de tevê por dia

No último anuário da Clearinghouse, é citada uma pesquisa que mostra a relação entre os programas infantis e o aumento da obesidade e até diabetes do tipo 2 na infância. A mídia tornou-se um problema de saúde pública infantil?
Cecilia von Feilitzen – Sem dúvida. A televisão tem também aspectos positivos, mas, em muitos países, pode ser considerada uma questão de saúde pública, pois determina certos padrões de comportamento das crianças e adolescentes. E não estamos falando apenas dos programas infantis. A partir dos 7 ou 8 anos, é comum que as crianças queiram ver o que os pais vêem, de reality shows a programas violentos e, pela televisão, comecem a conhecer o mundo. O problema é que eles são menos críticos e mais impressionáveis que os adultos. 

A influência da tevê vem crescendo?
Ela existe e é discutida desde o início da tevê e, antes disso, dizia respeito aos filmes. Durante todo o século XX, discutiu-se a influência negativa exercida, sobretudo, pela ficção que abusa da violência. Mas é fato que a situação piorou a partir do advento da tevê por satélite, em meados dos anos 80. Até então, as tevês exibiam apenas os programas nacionais, que podiam ser, até certo ponto, regulados. Com o satélite, a audiência da tevê dobrou no mundo e os canais se propagaram. E hoje, conforme avança a tecnologia, a preocupação com os efeitos nocivos da tevê só aumenta. Na Suécia, por exemplo, temos uma série de restrições para proteger crianças e adolescentes, mas não temos poder sobre os programas produzidos em outros países e transmitidos via satélite. 

Os tipos de restrição variam muito na Europa?
Não há regras únicas para a União Européia. Em muitos países, boa parte da programação infantil é composta de desenhos importados e, sendo assim, os governos locais não conseguem controlá-la. Mas nos países do norte da Europa, como a Suécia, os programas infantis são, sobretudo, feitos pelos canais públicos e as regras são claras. 

É verdade que é proibido anunciar produtos infantis durante a programação voltada às crianças?
Na Suécia, desde o fim dos anos 90, não são permitidos comerciais voltados às crianças, em nenhum momento da programação. Em outros países, a discussão estende-se, inclusive, para a propaganda de alimentos. A Grã-Bretanha e a Noruega proibiram, em certos horários, os comerciais de junk food. 

A seu ver, que medidas restritivas são razoáveis e não configuram coerção da liberdade da expressão?
Todos os países europeus, neste momento, têm regras que estipulam horários para a exibição de programas. Na Suécia, programas considerados inadequados para crianças não podem ir ao ar antes das 9 da noite. Em outros lugares, o horário-limite pode ser um pouco mais tardio, mas há uma espécie de agenda comum que todos seguem e é fiscalizada, em geral, por conselhos mistos, formados por gente de diversos setores. 

Quais os limites entre a regulação e a liberdade de expressão?
A liberdade de expressão é, freqüentemente, a liberdade de expressão de umas poucas pessoas que têm acesso à mídia, como os próprios jornalistas, políticos, celebridades e uma certa elite. Mas as crianças também devem ter direito à liberdade de expressão e à proteção contra o marketing de bebidas alcoólicas e de ideais corporais inatingíveis. Muita gente não tem direito de se expressar através da mídia. Então, não é justo defender os direitos de expressão apenas da mídia comercial. 

No Brasil, a discussão sobre classificação indicativa foi tratada, pelas tevês, como uma tentativa de censura. Isso acontece em outros países?
Censura não tem nada a ver com estabelecimento de faixas horárias. Impor horários e definir o que é aconselhável para crianças não têm nada a ver com censura, é apenas um aviso. Surpreende-me ouvir que a classificação seja tratada como censura. Em quase todos os países, são estabelecidos horários e estão previstas possibilidades de sanção para quem não os cumpre. Na Europa, na Austrália e outros lugares discute-se, inclusive, a insuficiência da auto-regulação. Deve haver grupos independentes que monitorem a programação. Nos Países Baixos, há agora uma organização financiada pela própria mídiaque estabelece a classificação para programas de tevê, filmes, DVDs e jogos de  computador. É uma classificação cruzada. A mídia, nesse caso, tomou consciência de que precisa fazer parte do processo de regulação. Em toda a Europa e no Canadá, neste momento, há também uma regulação dos jogos de computador. 

As crianças e adolescentes começam a passar mais tempo em frente a jogos de computador do que da tevê?
Não, a tevê ainda é a mídia mais utilizada. O que parece é que a internet e os games não vieram substituir, mas somar-se à televisão. De todo modo, ainda é uma minoria de crianças e adolescentes, no mundo, que tem acesso a jogos de computador. 

Mas, cada vez mais, fala-se nos jogos superviolentos que, não raro, servem de inspiração para a prática de alguns crimes.
Muitos jovens e adultos buscam nos games inspiração para a prática de crimes. Esse jovem tem problemas psicológicos, familiares e usa como exemplo os games e programas violentos. É uma espécie de imitação. Os jovens criminosos vêem várias vezes o mesmo jogo ou filme para aprender a praticar um crime. Os efeitos psicológicos dos games têm sido estudados. Questiona-se se eles são mero entretenimento. 

Qual o papel dos pais nesse caldeirão de imagens disponíveis? Aqui, as tevês alegam que devem ser os pais os únicos responsáveis pelo que os filhos vêem.
O problema é que esses pais nem sempre estão aptos a fazer isso. Muitos pais não tomam os cuidados devidos, outros não podem prestar atenção, porque não estão em casa. Os governos não podem abrir mão dessa responsabilidade e dizer que está tudo nas mãos dos pais. 

Quais seriam as particularidades da televisão latino-americana em relação aos países europeus?
Acho que você conhece melhor as tevês daí do que eu. Mas todos sabemos que, na América Latina, a televisão tem uma influência maior sobre a população do que na Europa. As pessoas, de modo geral, assistem muita televisão e têm pouco acesso a outros meios de informação. Não é assim? 

No Brasil, as pessoas vêem, em média, cinco horas de tevê por dia.
É verdade? É admirável. Se isso for verdade, é mais do que nos Estados Unidos, onde a população vê muita televisão. Na Suécia, são em média duas horas por dia. Cinco horas é, realmente, um fenômeno. 

É a principal diversão do povo brasileiro…
E tem a ver com a pobreza, suponho, com a falta de outras opções de lazer. Nessecaso, creio que é ainda mais importante prestar atenção nos efeitos que a mídia tem sobre a formação das crianças e adolescentes. Estamos preocupados, em primeiro lugar, com a violência, mas há uma série de outros pontos sobre os quais nos debruçamos. Há a pornografia em filmes e imagens várias, o excesso de marketing, o estímulo a preconceitos. Neste ambiente em que informação, entretenimento e propaganda se misturam e que o marketing de produtos infantis é milionário, governos e sociedade têm de prestar atenção à mídia e aos efeitos que ela tem sobre a infância.

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