Cemina: 20 anos de atividades

 Há cerca de 20 anos nascia o Cemina, ONG cuja sigla significa Comunicação, Informação e Gênero. Como o nome diz, a produção e a análise de informações, assim como a luta por uma comunicação mais democrática – sempre levando em conta o papel da mulher na sociedade – são os objetivos da organização. 

Elas começaram com um programa de rádio em 1988. O “Fala Mulher” era veiculado em rádios comunitárias de diversas cidades e passava lições de cidadania e dicas para o empoderamento da mulher. Os programas não eram feitos por profissionais, mas por cidadãos e cidadãs que mostravam que um meio como o rádio pode ser usado por qualquer pessoa para passar adiante sua mensagem.

Ao longo do tempo, o Cemina foi ampliando suas atividades. O programa virou uma rede de comunicadoras com 400 integrantes e as novas tecnologias de comunicação e informação (TICs) foram eleitas a modalidade a receber investimentos. Assim, a equipe do Cemina conseguiu integrar ainda mais gente às suas atividades.

Nesta entrevista, Thaís Corral, uma das fundadoras da organização, comenta o que mudou nesses 20 anos no campo da comunicação como um direito humano e na presença da mulher na sociedade brasileira. Além disso, fala sobre as metodologias utilizadas e desenvolvidas pela organização em 15 anos de prática de oficinas para comunicadoras.

O Cemina nasceu há quase 20 anos. Que balanço você faz desse período? O que mudou para melhor e para pior no que se refere à luta pelo direito à comunicação e aos direitos das mulheres?
O Cemina criou uma referência nacional ao mostrar que um veículo de comunicação e informação como o rádio pode ser utilizado por pessoas que não são necessariamente profissionais do ramo. Desde de a nossa estréia com o programa Fala Mulher em 1988 muita coisa mudou, muitas das rádios comunitárias lideradas por mulheres puderam ser legalizadas e há mais aceitação de que o rádio é um veículo democrático a serviço da educação e da cidadania. Essa rede de programas e comunicadoras locais que chegou a reunir 400 participantes, continua a multiplicar-se e a difundir a importância de continuar promovendo os direitos das mulheres.

O lado negativo é que as condições de funcionamento das rádios continuam precárias. Embora em processo de legalização, muitas das rádios comunitárias são temporariamente fechadas, vítimas de estratégias de perseguição daqueles que querem continuar a manter o monopólio da comunicação radiofônica. Mas nossas agentes não se intimidam… compartilham estratégias e seguem em frente.

Este ano a organização comemora 15 anos de prática em oficinas de comunicação. No que elas evoluíram, em relação a ferramentas e metodologias?
Desde a primeira oficina de capacitação estamos sempre reformulando a metodologia. Quando a gente trabalha com comunicadoras de diferentes regiões do país e de formação cultural e social diferentes, isto precisa ser sempre respeitado e creio que seja daí que vem o nosso sucesso. Ter um produto radiofônico ao final de cada uma destas mais de 300 oficinas também foi um diferencial em nossa metodologia. E este conhecimento culmina com a introdução das novas tecnologias de comunicação e da informação nas oficinas de capacitação. A metodologia utilizada foi sempre a de introduzir novas ferramentas aumentando as capacidades e incluindo metodologias que aliassem a conhecimento técnico com a prática, onde também o conteúdo conta, afinal a nossa missão inclui também o conteúdo.

O Cemina começou com um programa de rádio de voluntários e voluntárias. Como foi se deu a passagem para o profissionalismo?
Mesmo voluntariamente as pessoas que estiveram à frente deste processo nesta época eram ativistas do feminismo e graduadas em comunicação. Desde de o começo do Programa Fala Mulher criamos paralelamente o Cemina, uma organização sem fins lucrativos que nos permitiu captar recursos para o programa de rádio e outras atividades que se seguiram. O programa foi sempre elaborado de forma profissional, a partir de 1993 contou com uma equipe que durante 12 anos levou ao ar o Fala Mulher de uma hora diária. Associamos ao programa muitas outras atividades que se desenvolveram ao longo do tempo.

Quais são os novos desafios da organização?
O Cemina hoje quer transmitir o legado recolhido durante todos estes anos….

O Cemina sempre priorizou o rádio como meio de comunicação. Por que?
O rádio só a partir de 2005 deixou de ser o veículo mais popular deste país. Mesmo perdendo para a televisão, o rádio continua sendo o veículo que chega mais perto das mulheres, das donas de casa, das empregadas porque as acompanham sem que elas precisem interromper o que estejam fazendo. Desta forma, ele foi escolhido pelo Cemina como o veículo ideal para sensibilizar as mulheres, dialogar com elas e incentivá-las a terem voz e vez na sociedade. Isto se deu no cotidiano do Fala Mulher onde desde a seleção dos assuntos a serem tratados no dia, da escolha d@s entrevistad@s e das músicas, do incentivo à participação das mulheres ao vivo nos debates, mudando o estereótipo que programa de mulher era só de receita e beleza. Temas importantes como o cuidado com o corpo, a violência doméstica, a participação e produção da mulher em diversas áreas como arte, cultura… são super importantes nesse processo. Foi muito importante fazer essa ligação entre o que as mulheres produzem no espaço público com aquilo que acontece na invisibilidade do espaço privado. Isso se chama “empowerment”.

Um novo foco da estratégia do Cemina é o uso das TICs. No que elas colaboram para o desempenho da missão da instituição?
Proporcionar o acesso às novas tecnologias de informação e comunicação foi o foco central das ações do Cemina nestes últimos quase seis anos de trabalho. O que podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que este acesso empodera as mulheres primeiro porque elas não acham que este aprendizado lhes pertença. Quando as mulheres beneficiadas romperam com este processo puderam beneficiar em primeiro lugar o conteúdo dos programas veiculados, aumentar a interatividade dos programas e a qualidade sonora com a possibilidade de fazer as edições digitalmente. Sem contar a rede de trocas de áudio que foi estabelecida através da rádio na internet www.radiofalamulher.com. Com a expansão do acesso à internet e de cursos de informática em 15 comunidades, estas mulheres reafirmaram o seu lugar de liderança ou passaram a exercer este papel articulando parcerias em níveis federais, estaduais e municipais além de diversas autarquias.

Quais os atuais desafios para o empoderamento da mulher hoje em dia?
O principal desafio é que as mulheres continuem desenvolvendo suas capacidades e incluindo-se na complexa transição que vivemos. Nesse sentido é um desafio olhar para aquilo que ainda tem que ser conquistado: o fato, por exemplo, de que as mulheres continuam sofrendo violência e discriminação, continuam invisíveis do ponto de vista social e dependentes de políticas públicas do Estado. Devemos também levar em conta o fato de que há mais espaço para o empreendedorismo e para ocupar esse espaço é preciso qualificar-se. Acredito nesse sentido que o aprendizado do uso das tecnologias da comunicação e da informação seja fundamental para fazer frente e ocupar as oportunidades de nosso tempo.

Como o Cemina vê a política de inclusão digital do governo? Ela está cumprindo seu papel?
A iniciativa de se ter programas de inclusão digital no Governo é gloriosa, nós tivemos várias parcerias (Gesac, Secretaria de Logística, Tecnologia e Informação do Ministério do Planejamento, Fundação Banco do Brasil, Banco do Brasil) muito importantes para alcançarmos os resultados positivos do projeto mas a questão é que não há uma política de Inclusão Digital no Governo Federal. São inúmeras iniciativas de Ministérios, Secretarias e autarquias que não se comunicam e o que vemos é um desperdício de recursos e oportunidades. Se as ações de oferecer conectividade, equipamentos, capacitações fossem coordenadas, com certeza teríamos um número maior de brasileir@s com acesso as novas tecnologias, desenvolvendo capacidades e criando novas possibilidades de cidadania e inclusão social.

E as políticas públicas de empoderamento da mulher? Estão surtindo resultado?
Acredito que sim, basta ver em números como tem crescido a participação da mulher em todas as áreas: política, educação – a participação das mulheres em carreiras universitárias já é superior à dos homens – mercado de trabalho, empreendedorismo de pequenas e médias empresas. Temos hoje inclusive em nível nacional uma secretaria, com status de Ministério, que cuida dos direitos das mulheres.

O que ainda falta é uma política mais coordenada de articulação de todas as políticas de inclusão social do governo de modo que possam refletir de forma mais precisa e eficaz as necessidades das mulheres, que ainda permanecem entre o segmento social mais excluído social e economicamente, sobretudo se a isso se acrescenta o aspecto de raça e etnia.

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