Juventude e Comunicação

Maria Virgínia Freitas, coordenadora do programa Juventude da ONG Ação Educativa, fala sobre a importância de os jovens discutirem e fazerem comunicação. Esta reflexão moveu a organização a criar o Centro de Mídia Juvenil para apoiar, por meio das ferramentas audiovisuais, projetos voltados para a juventude. Segundo ela, hoje a leitura crítica da mídia é fundamental para crianças e jovens se inserirem no mundo de forma autônoma e independente. A seguir, confira os melhores trechos da entrevista.


Como funciona o Centro de Mídia Juvenil?
O CMJ busca fomentar e apoiar as produções videográficas de grupos juvenis, engajados em organizações comunitárias ou movimentos sociais. A intenção é que esses jovens se utilizem do vídeo como forma de expressão artístico-cultural e de inserção profissional. Oferecemos equipamentos para gravação em vídeo, ilhas de edição, bibliografias e materiais de referência em comunicação, além de filmes comerciais e vídeos produzidos pelos grupos. Oferecemos também assessoria para o desenvolvimento de projetos com audiovisual. Os grupos são compostos por rapazes e moças da periferia da região metropolitana de São Paulo, sendo que alguns passaram por processos de formação em vídeo aqui na Ação Educativa. Os usos que eles dão ao vídeo são muito diferenciados. Alguns grupos são de produção audiovisual, outros utilizam o vídeo como linguagem para trabalhar temas variados, e outros trabalham com oficinas de formação. O centro tem um coletivo de gestão formado pela coordenação – Ação Educativa – e pelos representantes dos grupos que estão sendo apoiados. É um espaço de gestão partilhada, que define, entre outras coisas, a política de uso dos recursos e os critérios de apoio a projetos.

Com que objetivo surgiu o centro? Foi feita alguma avaliação sobre a relação entre os jovens e a comunicação?
O CMJ é um desdobramento de outros projetos da Ação Educativa. Nos primeiros, o vídeo era utilizado como linguagem audiovisual da qual os jovens deveriam se apropriar para transmitir um recado. Era um meio forte de ampliar a voz deles, um instrumento. Num primeiro momento, fizemos um trabalho de reflexão sobre a escola e seu significado, demos um curso e os jovens produziram vídeos que eram recados deles para a escola. Hoje, estes vídeos são usados em oficinas e espaços de debate sobre educação. Num segundo momento, percebemos que havia uma força além do instrumento, que os jovens gostavam de trabalhar com esta linguagem e que havia um potencial muito grande de disseminar as idéias deles. Ao mesmo tempo, percebemos que, com o advento e a aceleração das tecnologias, havia um barateamento das possibilidades de acesso ao vídeo. Mesmo que mais acessível para os jovens em geral, esta ainda não era uma ferramenta possível para estes jovens de comunidades da periferia. Foi aí que decidimos criar um espaço de acesso e formação. Fizemos projetos de formação na linguagem audiovisual, com dois objetivos: dar mais instrumentos para eles intervirem na cena pública e abrir possibilidades de geração de renda para os jovens. A partir destes projetos, percebemos a necessidade de ter um espaço de apoio, e agora o centro oferece este apoio, na medida em que já são vários os grupos formados aqui e em outros espaços, que acessam nossos equipamentos e utilizam nossa assessoria. Nosso grande desafio é tentar facilitar as pontes entre estes jovens, os circuitos em que eles já circulam e os circuitos de audiovisual profissionais, digamos assim, que são mais fechados. Neste sentido, também apresentamos a eles oportunidades, como editais e formas de captar recursos para viabilizar seus projetos.

Qual a importância de os jovens fazerem comunicação? E qual a importância de eles/as discutirem comunicação?
É extremamente importante os jovens fazerem e discutirem a comunicação. Percebemos a importância e a mudança de percepção de mundo quando eles deixam de ser apenas consumidores e passam a ser produtores de comunicação. No momento em que a sociedade brasileira começa a discutir políticas de juventude e identificar sujeitos juvenis, fazer comunicação é uma possibilidade de os jovens trazerem para a cena pública seus conteúdos, olhares e questões. Um dos fatores que contribuiu para o tema entrar na pauta, por exemplo, foi a grande força do hip hop, que, através de suas músicas, fala de problemas que a juventude da periferia enfrenta: violência policial e discriminação étnico-racial. Eram questões que não estavam postas e que, com diferentes linguagens, eles vão colocando, vão mostrando suas visões de mundo, desafios e inquietações.

Este 'fazer comunicação' e o 'discutir a comunicação' devem estar ligados ao debate político de democratização dos meios de comunicação? Qual a importância disso?
Na experiência de produzir comunicação, eles percebem como é configurado este mundo, quem tem acesso, quem produz, para quem e por quê é necessário buscar mudanças. Nos processos de formação, a idéia é sempre a de estimular debates: o papel da comunicação, da imagem do jovem, a indústria da comunicação, etc. O que mobiliza alguns grupos é fazer oficinas com outros jovens para mostrar como a comunicação é construída e as suas intencionalidades. Para eles, estas questões são muito fortes. Não dá para pensar transformação da sociedade e política neste país sem levar ao centro a questão da comunicação. Os jovens podem nem sempre ter um projeto de sociedade delineado. Isso pode não estar totalmente construído, consolidado, articulado. No entanto, eles sabem que têm pouco acesso, como são julgados quando aparecem na grande mídia e os preconceitos que sofrem por isso. Sabem também que a produção e as visões deles não encontram espaço na mídia convencional. São leituras que eles fazem e esta é a importância do fazer comunicação, de se ver, de ver um produto, de se verem como autores. Isso tem uma força muito grande, própria do trabalho na área da arte, cultura e comunicação.

Por que existe uma relação tão próxima entre os jovens e a comunicação? É um casamento perfeito?
Esta possibilidade de se ver e de ser autor de que falei é uma possibilidade de sair da posição de objeto. A comunicação funciona como um espaço em que, depois de viver a condição de filho, aluno e aprendiz, o jovem pode ter alguma autonomia. É um terreno menos “regulado” no qual ele pode se tornar “adulto”, no sentido de que se coloca de uma forma autônoma no mundo, sendo que de uma maneira mais tranqüila do que no mercado de trabalho, por exemplo, onde há uma pressão e leva-se tempo para se consolidar, se constituir como sujeito e ser reconhecido. Talvez seja o espaço em que mais rapidamente eles podem se ver como autores e sujeitos. Além disso, geralmente, as atividades de comunicação são coletivas, então, têm uma dimensão forte da sociabilidade, que é fundamental para os jovens. Eles experimentam, se apropriam do mundo, aumentam seu espectro de conhecimento, seu círculo geográfico, inclusive, porque circulam por outras partes da cidade. Ganham experiência e ampliam suas visões e sua formação. No vídeo, ainda existe a questão da tecnologia, que é extremamente atraente aos jovens, facilmente adaptáveis a tudo que é novo. Isso aparece mais forte para os rapazes, de forma geral. Eles tendem a se colocar como produtores, e as jovens estão mais envolvidas em atividades de formação. Esta ainda é uma questão sobre a qual precisamos refletir junto com eles.

No Centro de Mídia Juvenil, você considera que existe uma percepção dos jovens de que eles estão exercendo um direito (à comunicação)? Se não, qual a percepção? Por que eles fazem comunicação?
Eles percebem isto não apenas na realização de um determinado produto, mas em como este produto pode interagir e se tornar acessível para outras pessoas que não possuem acesso, por exemplo, em mostras de vídeos, oficinas com outros jovens. Eles têm a percepção de que este é um direito a ser conquistado. E forçam isso: exercem e contribuem para que o direito seja ampliado e mais gente tenha acesso.

O que acontece com estes jovens quando eles saem do centro? A expectativa deles é de trabalhar com comunicação?
A maior parte dos jovens que busca apoio do centro já está engajada em algum projeto ou atividade que envolva a comunicação. Para os que estão no centro, existe esta dimensão forte da possibilidade de trabalhar com comunicação de alguma forma. Grande parte dos grupos acessou os recursos do VAI, por exemplo (um programa de fomento da prefeitura de SP) para viabilizar seus projetos e para se manter. Iniciativas como esta são louváveis porque, para eles, quase sempre existe um dilema entre se sustentar e realizar projetos que eles têm vontade. Muitos terminam trabalhando em outras coisas, como operadores de telemarketing, ou mesmo seguranças de boates, para conseguir fazer comunicação nas suas comunidades e grupos. Um dado importante é que a maioria dos jovens que passa pelos projetos de formação e de apoio e assessoria busca voltar aos estudos e faz da comunicação um projeto de vida, isso passa a ser um caminho para eles.

Qual seria a melhor forma de inserir a comunicação na vida dos jovens para que eles tenham uma leitura crítica da comunicação? Seria na escola?
Não pode ser uma coisa só. Primeiro, pensando na televisão, seria preciso que ela fosse mais democrática, que houvesse canais diferenciados, abordagens diferenciadas, que isso permitisse já um primeiro contato com um universo mais amplo e menos formatado através da mídia. Minha expectativa é de que o projeto da TV pública contribua para isso. A escola é um espaço que deve refletir esta necessidade. Lá, os jovens e crianças deveriam aprender a linguagem audiovisual e outras linguagens. Seria um modo de compreender de forma mais ampla a dinâmica da comunicação: que os diferentes meios têm autores, que autores têm intencionalidades, que empresas estão por trás dos autores, que são grupos e corporações, entre outras questões mais políticas. Perceber esta dinâmica e entendê-la deveria ser papel da escola, mas também é preciso que existam espaços públicos em que os jovens possam ter contato com linguagens e produzir experiências: espaços de fazer comunicação e de se comunicar. Centros de acesso público a equipamentos, softwares, oficinas de formação, debates, um espaço educativo extra-escolar.

Num espaço público em parte mediado pelos meios de comunicação, fazer comunicação é participar da vida pública e política?
Sem dúvida. E sabemos o quanto é difícil fazer política neste espaço. Porque nós, que temos visões que não são as hegemônicas, sentimos dificuldade para expor nossas idéias e opiniões. A comunicação é um espaço central de poder. Por isso é importante fazer e pensar comunicação.

Qual a importância de os jovens terem acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)?
O acesso às TICs é tão importante quanto o acesso aos meios de produção de comunicação. Além de elas exercerem uma grande sedução nos jovens, elas podem ser um novo campo de criação. Além disso, o acesso ao computador e à internet são formas de acesso à informação, ao mundo e de comunicação entre as pessoas. Temos um desafio muito grande que é promover o acesso. As escolas podem ser um caminho. O outro desafio é mostrar como utilizar as ferramentas e outras possibilidades que não se restrinjam apenas ao youtube e ao orkut, que são importantes, têm seu papel, são formas de relacionamento, mas sabemos que há possibilidades muito mais amplas que precisamos fazer chegar a todos.

De que forma as políticas para a juventude devem refletir isso?
As políticas voltadas para os jovens devem permitir que eles se apropriem de diferentes linguagens e usufruam delas, mas que também sejam produtores. As políticas precisam combinar duas dimensões: uma de criação de espaços públicos de encontro e acesso. Espaços ricos, com equipamentos de qualidade, bem cuidados, valorizados, e que proporcionem outras possibilidades, que os jovens possam usar câmeras, ilhas de edição, que tenham acesso aos instrumentos. A cidade de São Paulo, embora ainda em escala muito pequena, aponta caminhos que deveriam ser trilhados em direção à universalidade. A segunda dimensão, é a de aporte de recursos para viabilizar projetos: recursos públicos que possam ser acessados por grupos de jovens que não têm um CNPJ, por exemplo, mas que possam, organizados da sua forma, acessar recursos para realizar seus projetos. Resumidamente, é preciso que as políticas garantam espaços, equipamentos e apoio financeiro.

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