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Mídia jovem e a nova contra-cultura

Em entrevista concedida ao Observatório do Direito à Comunicação, Mauro Dahmer, produtor e diretor de TV e responsável pela produção e redação das campanhas sociais e políticas da MTV Brasil, afirma que é equivocado pensar que o jovem é apático à política somente pela leitura institucional e diz que a juventude hoje está mais engajada nos processos de democracia direta, em movimentos de educação, cultura, comunicação, meio ambiente, sexualidade e música.

Observatório do Direito à Comunicação – O que é mídia jovem?
Mauro Dahmer – Se buscarmos um conceito estrito e limitado, deixamos escapar muita coisa, porque o próprio conceito de juventude não é algo sólido. A juventude para a mídia é uma invenção capitalista: um estilo de vida, um tipo de consumo. É um estilo de vida ao qual se dá o nome de jovem. A partir desta invenção, devemos pensar a mídia jovem, que surgiu na década de 60, com a música, quando as gravadoras lançavam bandas de rock e revistas no pós-guerra. Essa lógica foi se enquadrando no esquema da mídia de massa, de informação fragmentada para vender produtos. Hoje em dia, com a internet e com o atual estágio da democracia e as novas formas com que o capitalismo se organiza, a mídia jovem mudou. Está ligada a um fenômeno de consumo, informação e estilo de vida para um público consumidor, que pode ser jovem ou não. Uma pessoa de 60 anos consome mídia jovem, porque é mídia que vende um estilo de vida, que chega através da música, da revista. A mídia jovem é esta espécie de plasma, que reúne estilo de vida, informação, consumo e uma febre de comunicação incrível. Este plasma se identifica com um consumidor voraz de informação.

A MTV se define como mídia jovem?
Cada pessoa de cada área dentro da televisão pensa de uma forma. Mas enquanto veículo, ela se vê como mídia jovem. Certamente.

Além da MTV, o que o jovem tem disponível de mídia hoje?
Os jovens hoje vivem num paraíso, com uma geração inteira de ferramentas de comunicar e publicar. Só há um desafio que é popularizar estas ferramentas ainda mais, mas hoje, existe praticamente um 'playground' de comunicação.

Olhando para o conteúdo, o jovem é representado na mídia?
Tem um tipo de jovem no Brasil que foi construído como mercado consumidor, em função da conjuntura política e econômica. Aquele jovem idealizado, empreendedor, desejo de consumo das grandes empresas, conectado, globalizado. A publicidade e 90% dos veículos de comunicação erraram muito feio ao mirar o jovem comum, porque não entenderam o jovem, nem o que acontecia com o jovem. Estes veículos produziram um maniqueísmo que, de tão produzido, acabou vencendo. O resultado é que o jovem da mídia hoje é uma espécie de subproduto cultural. É estúpido quem não enxerga que o jovem, com as novas tecnologias, passa a produzir uma cultura genuína. Basta olhar para o Youtube, o My Space, o Orkut e outras ferramentas de convergência, das quais o jovem se apropria e com as quais promove um movimento similar ao que a contra-cultura produziu, vendendo disco, mas digerindo o mal estar com uma consciência crítica da própria indústria. O veículo comercial tem uma idéia maniqueísta do jovem. Sempre tem uma balada, uma banda, uma linguagem nova, experiências novas que acabam prevalecendo. Claro que a indústria depois vai atrás e se apropria daquele dado genuíno e transforma em produto a ser consumido, mas é fato que, em alguns casos, o processo tem acontecido de forma invertida. E não é a cultura de massa que dita a regra, mas ela copia as ações genuínas que são criadas pelos jovens. O mercado chega depois. A rua fala antes.

O jovem fazendo mídia é capaz de mudar o cenário da comunicação ou do espaço público?
Quem faz mídia é o jovem. E a transformação tecnológica se beneficia da familiaridade do jovem com a tecnologia. A revolução tecnológica está muito ligada ao ambiente capitalista e reproduz a lógica americana de informação, tecnologia e segurança. É uma situação complexa, porque, ao mesmo tempo em que carrega uma cultura democrático-capitalista norte-americana, tem um gene anarquista na internet, que garante uma experiência completamente nova do ponto de vista do que entendíamos como mídia. O que era mídia no Brasil até 1999? Podíamos definir uma empresa, seu alcance, etc. Hoje, isso não é mais possível. Hoje, a informação e o uso e a manipulação da tecnologia não estão mais na mão do jornalista, da empresa, da grande corporação. As corporações determinavam o fluxo de informação da sociedade. Hoje, uma idéia nova pode ocupar um papel chave pela dimensão da conectividade global. Falta criatividade na mídia jovem para ocupar estas possibilidades que as tecnologias oferecem. Tem mais tecnologia disponível do que criatividade para dar conta. Aí, entra a importância da universalização. Porque mesmo a televisão vai sofrer modificações no seu formato e na sua forma de recepção – por celular, por computador – , que vão transformar necessariamente as formas de fazer imagem em movimento. Estas inovações podem, no limite, universalizar as oportunidades de veiculação. Um dia, pode ser possível que todo mundo que produz comunicação possa veicular sua produção. Estas possibilidade ficam claras, por exemplo, com fenômenos como o Orkut, que virou algo mais relevante do que qualquer caderno de juventude em jornais ou revistas do país.

O jovem é crítico em relação ao que lê, ouve e vê?
O jovem vê a mídia como um campo democrático e se sente à vontade com ela. A mídia “velha” tradicional é muito institucionalizada e isso é um problema de toda sociedade e suas instituições, que se encerram em si mesmas e comprometem um espaço que deveria ser público, confinadas nelas próprias. A mídia brasileira ficou careta. Teve momentos de abertura, mas hoje em dia ficou restrita a uma espécie de elite e gestão de poder, o jogo político. Esta mídia tradicional é difícil de se mexer, tem esquemas políticos comprometidos. Com mídia jovem é diferente. Todo mundo se sente dono do produto, ocupa. E, de alguma maneira, a mídia jovem não preocupa ninguém, porque é vista pela mídia tradicional como uma espécie de “loucurinha”. Quando o jovem ocupa a mídia, ele é aberto, participa, inova, fala o que quer. A mídia tradicional coloca todo mundo de gravata e com a mesma cara, a mesma postura, a mesma respeitabilidade, independentemente da condição ética, por exemplo. Mesmo o maior pilantra, se estiver de gravata na TV, é respeitado. Esta hipocrisia beneficia a própria instituição. Quando a MTV pediu para seus telespectadores prepararem os ovos e tomates para a eleição [no ano passado, numa campanha institucional], a mídia tradicional reagiu pesadamente. Falta um ambiente democrático saudável para entender que as coisas são mais complexas. Se defendêssemos o voto nulo, seria legítimo. Afinal de contas, vivemos num país com liberdade de expressão. E a mensagem era somente óbvia. O problema é que os atingidos ficaram preocupados. Fazer uma ação como esta é provocar a reflexão que é positiva para a mídia, a democracia, a sociedade e a reflexão do papel da mídia.

A TV pública que está sendo pensada no Brasil deve atender a estas preocupações?
A TV deve ser voltada para a juventude, mas não deve achar que vai fazer programação para jovem, porque vai cair no truque da publicidade. Hoje, o jovem não gosta de ser considerado um nicho, de ser considerado jovem. O jovem de hoje vive um estilo de vida que tem pelo menos 50 anos. A garotada não olha pro Robert Plant achando um saco ser velho, olha se identificando com ele. E além disso, não existem mais os conflitos de comportamento que existiam antes entre jovens e adultos. Os conflitos são outros e são novos. Então, a TV pública não pode cair na armadilha deste maniqueísmo oportunista de querer ser jovem. Tem que ser feita por jovens e eles devem fazer a TV ser relevante para eles. Querer tutelar o jovem aponta para o fracasso. Os jovens têm que ser donos da TV pública, porque são donos do Brasil, e isso não é uma decisão de mercado, mas de interesse público. O canal público deve ser relevante, inteligente e de qualidade e deve ter coragem de levantar questões de interesse público. E relevância não se mede com audiência, apesar de achar importante que este canal seja competitivo em relação aos comerciais. E não pode ser careta. Não pode se acomodar e não enfrentar pautas complicadas e temas espinhosos.

Outra questão política recente é a classificação indicativa. A MTV foi uma das primeiras emissoras a se posicionar e foi a favor da medida. Como foi a discussão na emissora e qual a avaliação em relação ao resultado do processo?
Para a MTV, está claro o quanto a classificação indicativa foi fruto de um diálogo com a sociedade civil durante dois anos, promovido pelo Ministério da Justiça para consolidar algo que já estava previsto na legislação e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Quando a mídia tradicional começou a reagir, logo nos chamou atenção, porque eles – em especial a Globo – estavam no processo desde o começo e o desconheceram depois de concluído. Questionaram e fizeram um movimento para dizer que era censura. Criaram uma cortina de fumaça que mais complicou do que esclareceu o que estava em jogo. Respondemos com o nosso ponto de vista e tínhamos claramente uma posição a favor da classificação e da responsabilização das emissoras pelo conteúdo que elas veiculam. Inclusive, fomos advertidos por veicular uma vinheta considerada imprópria para o horário em que foi ao ar…

O jovem que faz comunicação participa da vida política do país?
A América Latina é cheia de gente jovem que endereça bem os problemas da juventude e não é cega, nem apática ao que está rolando. Acabo de voltar de uma viagem a México e Jamaica, onde filmei parte de um documentário sobre sexualidade e política e percebi que, na realidade, a juventude se sente impotente frente às políticas de Estado e econômica. Vejamos a corrupção e a violência policial, retrato da prepotência pública em relação à juventude. Quantos jovens são vítimas da prepotência policial? Recentemente no Rio de Janeiro, no complexo do Alemão, o país inteiro viu policiais com escopetas, revólveres, fuzis, armas apontadas para os jovens cercados pela Força Nacional de Segurança e por favela de todos os lados. É uma situação da qual o jovem é consciente. Sabe que há corrupção, que não tem saneamento básico, que não tem educação de qualidade, não tem emprego e tenta construir seu lugar no mundo consciente do buraco em que ele está metido. O jovem é apático para a participação política institucional, porque ele não se sente estimulado a estar no esquema do jeito que é hoje. O jovem de hoje está mais ligado em processos de democracia direta. Por toda América Latina, encontramos jovens engajados em movimentos de educação, cultura, comunicação, meio ambiente, sexualidade, música e, de alguma forma, engajados em processos de produção radicalmente mais democráticos e mais construtivos. Não dá pra dizer que o jovem é apático, porque não quer se filiar a um partido político e fazer carreira na política institucional. O Brasil não reconhece esta vertente da democracia [a direta], porque é um país de lobistas e hipócritas.

Juventude e Comunicação

Maria Virgínia Freitas, coordenadora do programa Juventude da ONG Ação Educativa, fala sobre a importância de os jovens discutirem e fazerem comunicação. Esta reflexão moveu a organização a criar o Centro de Mídia Juvenil para apoiar, por meio das ferramentas audiovisuais, projetos voltados para a juventude. Segundo ela, hoje a leitura crítica da mídia é fundamental para crianças e jovens se inserirem no mundo de forma autônoma e independente. A seguir, confira os melhores trechos da entrevista.


Como funciona o Centro de Mídia Juvenil?
O CMJ busca fomentar e apoiar as produções videográficas de grupos juvenis, engajados em organizações comunitárias ou movimentos sociais. A intenção é que esses jovens se utilizem do vídeo como forma de expressão artístico-cultural e de inserção profissional. Oferecemos equipamentos para gravação em vídeo, ilhas de edição, bibliografias e materiais de referência em comunicação, além de filmes comerciais e vídeos produzidos pelos grupos. Oferecemos também assessoria para o desenvolvimento de projetos com audiovisual. Os grupos são compostos por rapazes e moças da periferia da região metropolitana de São Paulo, sendo que alguns passaram por processos de formação em vídeo aqui na Ação Educativa. Os usos que eles dão ao vídeo são muito diferenciados. Alguns grupos são de produção audiovisual, outros utilizam o vídeo como linguagem para trabalhar temas variados, e outros trabalham com oficinas de formação. O centro tem um coletivo de gestão formado pela coordenação – Ação Educativa – e pelos representantes dos grupos que estão sendo apoiados. É um espaço de gestão partilhada, que define, entre outras coisas, a política de uso dos recursos e os critérios de apoio a projetos.

Com que objetivo surgiu o centro? Foi feita alguma avaliação sobre a relação entre os jovens e a comunicação?
O CMJ é um desdobramento de outros projetos da Ação Educativa. Nos primeiros, o vídeo era utilizado como linguagem audiovisual da qual os jovens deveriam se apropriar para transmitir um recado. Era um meio forte de ampliar a voz deles, um instrumento. Num primeiro momento, fizemos um trabalho de reflexão sobre a escola e seu significado, demos um curso e os jovens produziram vídeos que eram recados deles para a escola. Hoje, estes vídeos são usados em oficinas e espaços de debate sobre educação. Num segundo momento, percebemos que havia uma força além do instrumento, que os jovens gostavam de trabalhar com esta linguagem e que havia um potencial muito grande de disseminar as idéias deles. Ao mesmo tempo, percebemos que, com o advento e a aceleração das tecnologias, havia um barateamento das possibilidades de acesso ao vídeo. Mesmo que mais acessível para os jovens em geral, esta ainda não era uma ferramenta possível para estes jovens de comunidades da periferia. Foi aí que decidimos criar um espaço de acesso e formação. Fizemos projetos de formação na linguagem audiovisual, com dois objetivos: dar mais instrumentos para eles intervirem na cena pública e abrir possibilidades de geração de renda para os jovens. A partir destes projetos, percebemos a necessidade de ter um espaço de apoio, e agora o centro oferece este apoio, na medida em que já são vários os grupos formados aqui e em outros espaços, que acessam nossos equipamentos e utilizam nossa assessoria. Nosso grande desafio é tentar facilitar as pontes entre estes jovens, os circuitos em que eles já circulam e os circuitos de audiovisual profissionais, digamos assim, que são mais fechados. Neste sentido, também apresentamos a eles oportunidades, como editais e formas de captar recursos para viabilizar seus projetos.

Qual a importância de os jovens fazerem comunicação? E qual a importância de eles/as discutirem comunicação?
É extremamente importante os jovens fazerem e discutirem a comunicação. Percebemos a importância e a mudança de percepção de mundo quando eles deixam de ser apenas consumidores e passam a ser produtores de comunicação. No momento em que a sociedade brasileira começa a discutir políticas de juventude e identificar sujeitos juvenis, fazer comunicação é uma possibilidade de os jovens trazerem para a cena pública seus conteúdos, olhares e questões. Um dos fatores que contribuiu para o tema entrar na pauta, por exemplo, foi a grande força do hip hop, que, através de suas músicas, fala de problemas que a juventude da periferia enfrenta: violência policial e discriminação étnico-racial. Eram questões que não estavam postas e que, com diferentes linguagens, eles vão colocando, vão mostrando suas visões de mundo, desafios e inquietações.

Este 'fazer comunicação' e o 'discutir a comunicação' devem estar ligados ao debate político de democratização dos meios de comunicação? Qual a importância disso?
Na experiência de produzir comunicação, eles percebem como é configurado este mundo, quem tem acesso, quem produz, para quem e por quê é necessário buscar mudanças. Nos processos de formação, a idéia é sempre a de estimular debates: o papel da comunicação, da imagem do jovem, a indústria da comunicação, etc. O que mobiliza alguns grupos é fazer oficinas com outros jovens para mostrar como a comunicação é construída e as suas intencionalidades. Para eles, estas questões são muito fortes. Não dá para pensar transformação da sociedade e política neste país sem levar ao centro a questão da comunicação. Os jovens podem nem sempre ter um projeto de sociedade delineado. Isso pode não estar totalmente construído, consolidado, articulado. No entanto, eles sabem que têm pouco acesso, como são julgados quando aparecem na grande mídia e os preconceitos que sofrem por isso. Sabem também que a produção e as visões deles não encontram espaço na mídia convencional. São leituras que eles fazem e esta é a importância do fazer comunicação, de se ver, de ver um produto, de se verem como autores. Isso tem uma força muito grande, própria do trabalho na área da arte, cultura e comunicação.

Por que existe uma relação tão próxima entre os jovens e a comunicação? É um casamento perfeito?
Esta possibilidade de se ver e de ser autor de que falei é uma possibilidade de sair da posição de objeto. A comunicação funciona como um espaço em que, depois de viver a condição de filho, aluno e aprendiz, o jovem pode ter alguma autonomia. É um terreno menos “regulado” no qual ele pode se tornar “adulto”, no sentido de que se coloca de uma forma autônoma no mundo, sendo que de uma maneira mais tranqüila do que no mercado de trabalho, por exemplo, onde há uma pressão e leva-se tempo para se consolidar, se constituir como sujeito e ser reconhecido. Talvez seja o espaço em que mais rapidamente eles podem se ver como autores e sujeitos. Além disso, geralmente, as atividades de comunicação são coletivas, então, têm uma dimensão forte da sociabilidade, que é fundamental para os jovens. Eles experimentam, se apropriam do mundo, aumentam seu espectro de conhecimento, seu círculo geográfico, inclusive, porque circulam por outras partes da cidade. Ganham experiência e ampliam suas visões e sua formação. No vídeo, ainda existe a questão da tecnologia, que é extremamente atraente aos jovens, facilmente adaptáveis a tudo que é novo. Isso aparece mais forte para os rapazes, de forma geral. Eles tendem a se colocar como produtores, e as jovens estão mais envolvidas em atividades de formação. Esta ainda é uma questão sobre a qual precisamos refletir junto com eles.

No Centro de Mídia Juvenil, você considera que existe uma percepção dos jovens de que eles estão exercendo um direito (à comunicação)? Se não, qual a percepção? Por que eles fazem comunicação?
Eles percebem isto não apenas na realização de um determinado produto, mas em como este produto pode interagir e se tornar acessível para outras pessoas que não possuem acesso, por exemplo, em mostras de vídeos, oficinas com outros jovens. Eles têm a percepção de que este é um direito a ser conquistado. E forçam isso: exercem e contribuem para que o direito seja ampliado e mais gente tenha acesso.

O que acontece com estes jovens quando eles saem do centro? A expectativa deles é de trabalhar com comunicação?
A maior parte dos jovens que busca apoio do centro já está engajada em algum projeto ou atividade que envolva a comunicação. Para os que estão no centro, existe esta dimensão forte da possibilidade de trabalhar com comunicação de alguma forma. Grande parte dos grupos acessou os recursos do VAI, por exemplo (um programa de fomento da prefeitura de SP) para viabilizar seus projetos e para se manter. Iniciativas como esta são louváveis porque, para eles, quase sempre existe um dilema entre se sustentar e realizar projetos que eles têm vontade. Muitos terminam trabalhando em outras coisas, como operadores de telemarketing, ou mesmo seguranças de boates, para conseguir fazer comunicação nas suas comunidades e grupos. Um dado importante é que a maioria dos jovens que passa pelos projetos de formação e de apoio e assessoria busca voltar aos estudos e faz da comunicação um projeto de vida, isso passa a ser um caminho para eles.

Qual seria a melhor forma de inserir a comunicação na vida dos jovens para que eles tenham uma leitura crítica da comunicação? Seria na escola?
Não pode ser uma coisa só. Primeiro, pensando na televisão, seria preciso que ela fosse mais democrática, que houvesse canais diferenciados, abordagens diferenciadas, que isso permitisse já um primeiro contato com um universo mais amplo e menos formatado através da mídia. Minha expectativa é de que o projeto da TV pública contribua para isso. A escola é um espaço que deve refletir esta necessidade. Lá, os jovens e crianças deveriam aprender a linguagem audiovisual e outras linguagens. Seria um modo de compreender de forma mais ampla a dinâmica da comunicação: que os diferentes meios têm autores, que autores têm intencionalidades, que empresas estão por trás dos autores, que são grupos e corporações, entre outras questões mais políticas. Perceber esta dinâmica e entendê-la deveria ser papel da escola, mas também é preciso que existam espaços públicos em que os jovens possam ter contato com linguagens e produzir experiências: espaços de fazer comunicação e de se comunicar. Centros de acesso público a equipamentos, softwares, oficinas de formação, debates, um espaço educativo extra-escolar.

Num espaço público em parte mediado pelos meios de comunicação, fazer comunicação é participar da vida pública e política?
Sem dúvida. E sabemos o quanto é difícil fazer política neste espaço. Porque nós, que temos visões que não são as hegemônicas, sentimos dificuldade para expor nossas idéias e opiniões. A comunicação é um espaço central de poder. Por isso é importante fazer e pensar comunicação.

Qual a importância de os jovens terem acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)?
O acesso às TICs é tão importante quanto o acesso aos meios de produção de comunicação. Além de elas exercerem uma grande sedução nos jovens, elas podem ser um novo campo de criação. Além disso, o acesso ao computador e à internet são formas de acesso à informação, ao mundo e de comunicação entre as pessoas. Temos um desafio muito grande que é promover o acesso. As escolas podem ser um caminho. O outro desafio é mostrar como utilizar as ferramentas e outras possibilidades que não se restrinjam apenas ao youtube e ao orkut, que são importantes, têm seu papel, são formas de relacionamento, mas sabemos que há possibilidades muito mais amplas que precisamos fazer chegar a todos.

De que forma as políticas para a juventude devem refletir isso?
As políticas voltadas para os jovens devem permitir que eles se apropriem de diferentes linguagens e usufruam delas, mas que também sejam produtores. As políticas precisam combinar duas dimensões: uma de criação de espaços públicos de encontro e acesso. Espaços ricos, com equipamentos de qualidade, bem cuidados, valorizados, e que proporcionem outras possibilidades, que os jovens possam usar câmeras, ilhas de edição, que tenham acesso aos instrumentos. A cidade de São Paulo, embora ainda em escala muito pequena, aponta caminhos que deveriam ser trilhados em direção à universalidade. A segunda dimensão, é a de aporte de recursos para viabilizar projetos: recursos públicos que possam ser acessados por grupos de jovens que não têm um CNPJ, por exemplo, mas que possam, organizados da sua forma, acessar recursos para realizar seus projetos. Resumidamente, é preciso que as políticas garantam espaços, equipamentos e apoio financeiro.

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