Arquivo da categoria: Entrevistas

Juca Ferreira: “A TV aberta no Brasil é de uma pobreza absoluta”

O ministro da Cultura Juca Ferreira faz uma avaliação bastante crítica quando o assunto é a atuação da grande mídia no país. Na segunda parte da entrevista concedida à Fórum, ele afirma que a concentração de poder dos meios de comunicação gera um monopólio de opiniões bastante nocivo à democracia. Segundo Ferreira, a baixa qualidade da programação televisiva seria outro problema e isso pode ser percebido pelo afastamento dos espectadores, sobretudo os mais jovens.

O ministro fala ainda sobre a necessidade de enfrentar a corrupção no Brasil, disseminada em diferentes áreas e partidos políticos. Para ele, a imprensa deveria ter, nesse caso, uma participação mais efetiva e menos “oportunista”. “A sociedade brasileira está precisando de uma comunicação que retrate essa complexidade do país e possibilite que a gente dê um passo adiante”, sentencia.

As manifestações pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff também foram debatidas durante a conversa, que abordou, entre outros assuntos, os próximos passos do ministério, os direitos autorais em tempos de internet e o movimento pernambucano Ocupe Estelita.

Confira abaixo.

Fórum – O senhor é simpático à ideia de incorporar, nesse novo momento do ministério, a mídia independente. Poderia falar um pouco sobre isso?

Juca Ferreira – Apoio plenamente. Acho que a gente precisa ampliar. Não simpatizo com a ideia de “controle social”. Acho que são palavras dúbias que podem ter uma conotação muito negativa. Acho que é democratizar a mídia, colocar possibilidade de muitas opiniões em torno de todas as questões que são relevantes para a sociedade. Sou a favor de qualificação do ambiente da comunicação, que é pobre.

A TV aberta no Brasil é de uma pobreza absoluta. E as novas gerações, inclusive, a estão abandonando. Eu vejo pelos meus filhos. Tenho um de quatro anos e um de catorze. Eles quase não veem televisão. O de catorze só liga quando o Real Madrid está jogando ou quando o Corinthians está jogando, que são os dois times da afetividade dele. Ele vai do Netflix em diante. Não se interessa, não tem mais conexão, não tem o que oferecer. O pequeno só assiste TV a cabo e Netflix. Na TV a cabo, é [o desenho] “Peppa Pig” e outros, “Peixonauta”…

Fórum – Sobre a questão do midialivrismo, que é uma quebra de paradigmas muito forte, até porque no Brasil nós temos uma concentração total dos meios de comunicação tradicionais…

Ferreira – E um monopólio de opiniões impressionante! Editorializam a notícia de uma forma tão grande…

Fórum – Que acaba virando uma verdade absoluta.

Ferreira – É. Uma vez, eu tive vontade de escrever para aquele jornalista que conduz o Observatório da Imprensa, Alberto Dines, que é uma pessoa inteligente, íntegra. Queria que ele acrescentasse um elemento naquele programa dele, que seria “os que são entrevistados”. Tem o público leitor e os que fazem a comunicação. Mas pessoas como eu têm muito a dizer porque [jornalistas] mentem, sobredeterminam nossas opiniões, esquartejam trechos de uma opinião para poder dar um significado diferente, editorializam. Vêm apenas na conversa coletar aspas para confirmar uma tese anterior, acrescentam palavras tipo “admite”, criando um clima de suspeição em relação ao que a gente faz. É um desastre.

Eu, inclusive, não tenho grandes estímulos para conversar com a grande mídia. Vou dar um exemplo. Quando eu percebi que havia a possibilidade de a Dilma me chamar para ser ministro da Cultura, mesmo sem saber se seria… Eu fui chamado no dia 29 de dezembro, mas havia a possibilidade, à medida em que me chamou para coordenar a parte da cultura da campanha. Eu comecei a preparar o meu discurso.
Era um discurso programático.

Aí, um dos grandes jornais, um dos que mais vendem no Brasil, pediu uma entrevista à tarde. Eu fiz o discurso de manhã. Eu pensei que iam questionar, criticar. Ignoraram o discurso e fizeram duas perguntas sobre futricas: por que eu tinha trazido dois – depois passaram a três – jovens do Fora do Eixo, que é uma rede social, uma organização que eles querem execrar porque são muito críticos e tinha participado de um programa na TV Cultura que teve uma grande repercussão de críticas aos limites da comunicação no Brasil. E a possível futrica entre eu e Marta [Suplicy]. Não tinha interesse nenhum pelo destino da cultura brasileira. Tinha uma oportunidade enorme. Então, quer dizer, isso é decepcionante.

Eu perguntei à jornalista: “A senhora não tem interesse por nenhum tema cultural?”. Isso é imprensa marrom. É o que antigamente chamavam de imprensa marrom, uma imprensa que não lida com a realidade, não procura construir. Façam uma crítica. Criem a possibilidade de eu responder à crítica, mas o interesse é futrica. E isso é para quê? Para emoldurar negativamente algo que cresceu com a expectativa social alta, que é, no caso, a minha gestão aqui. É muito ruim para a sociedade em um momento em que o Brasil está diante de perplexidades. A democracia mostra limites.

Produziram essa grande distribuição de renda no Brasil que, por mais precária que seja, é uma mudança de paradigmas na sociedade brasileira porque, até então, a desigualdade, uma das maiores do mundo, era considerada natural. Cometeram erros, erros que estão evidentes. Então, é preciso discutir tudo isso.

É preciso abrir o leque para compreender o fenômeno da corrupção, que não é o fenômeno de uma família política ou de um partido, mas na verdade é o modus operandi da sociedade brasileira, que vai desde o indivíduo, o cidadão individual diante do guarda de trânsito, até a CBF. Na verdade, a sociedade brasileira incorporou a corrupção quase como um mecanismo legítimo e é exercitado praticamente…

Fórum – Por todas as áreas.

Ferreira – Por todas as áreas. Dentro da política, por todas as famílias políticas. E já há muito tempo. Então, o tratamento parcial impede de a gente chegar a uma solução. Quantos “carnavais éticos” a gente já viveu nos últimos anos? Eu me lembro em torno dos “anões do orçamento”, que deu a impressão que a gente ia dar um salto. Mas o tratamento é sempre com um foco muito restrito. E os demais se aproveitam para execrar aqueles que foram pegos com a boca na botija.

E também para manterem seu modus operandi como é. Depois veio o Collor, depois veio… Eu até me esqueço, mas tiveram uns dez “carnavais éticos” que passam essa sensação para a sociedade de que há, de fato, uma tentativa de superar esse nível de corrupção. Mas, na verdade, é um manuseio da corrupção para fins políticos menores. A verdade é essa. Não há, de fato, um compromisso.

E a mídia teria uma responsabilidade grande, se abrisse o leque e mostrasse exatamente que é um modo de operar as coisas públicas generalizado. Eu sinto que a mídia está devendo ao país. A mídia participou como apoio ao regime militar. Hoje, os editoriais fingem que foram contra. Fazem uma correção de rumos que tem uma dose de oportunismo porque não assumem os erros que cometeram. Vá em uma dessas emissoras e peça para ver editoriais de seus jornais no dia do Ato Institucional Nº 5.

Fórum – Na internet, inclusive, já circulam alguns desses editoriais.

Ferreira – É só ver os seus editoriais. E, depois, estão corroendo a democracia diariamente, desconstruindo o país. A negatividade é o tônus desses meios de comunicação. Então, os jornalistas que se rebelam e buscam construir – mesmo que de uma forma ainda romântica, sem perspectiva de afirmação – certamente vão encontrar o caminho porque, quando as coisas têm que acontecer, nada impede que aconteçam. E a sociedade brasileira está precisando de uma comunicação que retrate essa complexidade do país e possibilite que a gente dê um passo adiante.

Fórum – O senhor vê, por exemplo, a influência dessa mídia tradicional nos protestos a favor do impeachment?

Ferreira – Claro. Eles são força auxiliar. Eles mobilizam, constroem legitimidade, eles dizem quem pode governar e quem não pode governar. Eles transformam em heróis pessoas que, quando você bota a lupa, percebe que é mais corrupto que os que estão sendo criticados. Esse negócio da CBF, se o Romário levar às últimas consequências a CPI que está montando, isso vai dar o que falar. Isso vai até a dimensão política do manuseio do futebol, que é um dos patrimônios imateriais da sociedade brasileira, e que é manipulado até a última gota.

Manipulado para enriquecimento e que impede que, no país do futebol, floresça um futebol profissional e de qualidade.

Depois que eu saí do ministério, fui trabalhar na Espanha. Morei dois anos lá. E a Espanha não era um país do futebol. Eu não vou dizer que a Espanha era um país de pernas de pau, mas era um país de segundo nível na constelação. E eles começaram, prenderam os corruptos, desenvolveram uma política para o futebol de base, profissionalizaram no sentido completo da palavra, possibilitando que, de fato, florescessem times com estruturas mais profissionais. Qualificaram os jogadores, os contratos. Não adianta três ou quatro virarem estrelas e ganharem fortuna e o resto rapidamente se tornar peças obsoletas, sem nenhuma condição de sobrevivência.

O Brasil precisa fazer algo, mas vai ter que destampar completamente. Romário está se propondo a isso, mas acho que ele tem que ter apoio da sociedade no sentido de levar às últimas consequências e não repetir esse tipo de “carnaval ético” que a gente tem feito com outros temas.

Fórum – E, voltando à imprensa, não é só, especificamente, a questão das manifestações, mas toda uma onda conservadora que está vindo com força.

Ferreira – E foi aí que se mostrou a maior fragilidade porque foram com muita sede ao pote. Tentaram desconstruir a relevância do que foi construído pelo presidente Lula e, ao fazer isso, se associaram imediatamente a setores golpistas da sociedade, que querem a ditadura militar de volta, setores racistas, setores que execram a emancipação da mulher, setores que pregam a violência, o extermínio, a justiça pelas próprias mãos, a intolerância religiosa.

Quer dizer, o que esse movimento conservador – que a imprensa manipula e manuseia diariamente – revelou para o país é o que é inaceitável. É inaceitável pelas mulheres, é inaceitável pelos negros, é inaceitável pela juventude, já que querem rebaixar a maioridade penal para culpabilizar a juventude pelo nível de violência do país.

É inaceitável sob o ponto de vista das conquistas dos direitos individuais. Eles são contra até bicicletas nas cidades! Então, quer dizer, esse Brasil que eles querem, foi bom até que tenha vindo à tona porque está possibilitando que as pessoas reajam. E, mesmo tendo críticas aos erros que foram cometidos nesses 12 anos, erros de política econômica, erros na área da corrupção, erros na área de não ter desenvolvido políticas para qualificar o Estado e seus serviços…

Mas, mesmo assim, a grande maioria do país não quer retroceder, não quer ir para a Idade Média, nem para o período da ditadura militar. Não quer jogar na lata do lixo as conquistas pela igualdade das mulheres, nem do combate ao racismo. Pelo contrário, a sociedade quer ir adiante. E aí é que eles revelaram a debilidade deles. Por trás de todo o discurso moralista, na verdade vem uma ameaça a todas as conquistas do povo brasileiro e isso, em algum momento, a sociedade já começou a reagir. E acho que o ponto de reversão virá por aí, com ou sem os partidos.

Fórum – E essa questão acaba fortalecendo a formação de um Congresso que já é muito conservador. Aliás, o mais conservador desde 1964. E pudemos ver isso na discussão em torno da reforma política.

Ferreira – A reforma política é um aspecto importante do momento em que a gente está vivendo. A redemocratização no Brasil já tem uma experiência que é preciso ser analisada e ser criticada; que as forças políticas criem mecanismos para que a sociedade produza a superação dos limites e produza uma democracia mais densa, com um nível maior de representatividade, com a qualidade melhor do sistema representativo, com níveis de participação mais ampla.

Acho que quem defende e quem compreende a importância do Estado para uma sociedade democrática e para o Brasil avançar, não pode usar o Estado como motivo de guerra. O Estado precisa ser valorizado. Precisamos construir um Estado democrático no Brasil com mecanismos, com instituições fortes. Não é militarmente forte. Forte é com alto grau de legitimidade, com capacidade de oferecer serviços de qualidade, saúde de qualidade, educação de qualidade. Incrementar políticas culturais importantes. Então, a gente está diante, está em um momento de perplexidade, mas está em um momento de muita possibilidade de construir o futuro do Brasil.

O Brasil é a sétima economia do mundo. É um país que tem recursos naturais, que tem uma infraestrutura econômica instalada, temos uma capacidade criativa reconhecida no mundo inteiro. Então, não há porque ficar pessimista. A gente está enfrentando um problema, foram cometidos erros, é preciso que se assuma diante da sociedade com toda a transparência. E que a gente consiga alavancar um programa de continuidade das transformações na sociedade brasileira.

Esse programa reacionário que está aí tem que ser execrado. Estão molestando pessoas que estão lendo Carta Capital, por exemplo, no avião.

Fórum – Ou porque estão usando qualquer camisa vermelha.

Ferreira – Correram atrás de um cachorro porque tinha um coletezinho de cor vermelha. Isso se assemelha muito aos momentos que antecederam o Fascismo e o Nazismo. São irracionalidades sociais, são os medos, o ódio; a intolerância religiosa faz parte desse pacote reacionário.

É preciso que o Brasil transforme em valor fundamental essa liberdade de crença ou de não crença. É um país reconhecido no mundo inteiro com essas possibilidades de convivência de credos diferentes, e há uma construção de um ódio, uma intolerância, uma demonização de certas religiões, principalmente as de matriz africana. Então, é preciso que a sociedade reaja. E todo cidadão tem que se engajar na construção desse Brasil que a gente quer.

Fórum – Ministro, nós abrimos a entrevista para sugestões de alguns leitores e blogueiros. E a titular do blogue Voz em Rede, Lidiane de Souza Monteiro, do Recife, quer saber a sua opinião sobre o movimento e a luta pelo tombamento do cais José Estelita.

Ferreira – Olha, eu fui procurado pelo movimento, pelo prefeito, e eu vou ampliar o meu diálogo porque é o seguinte… O cais Estelita, a área em questão, não é relevante sob o ponto de vista de patrimônio histórico-cultural. E não é relevante do ponto de vista do patrimônio ferroviário.

Por mais simpatia que eu tenha com a luta, eu não me proponho a colocar, a vulgarizar o IPHAN [Instituto Patrimônio Histórico Artístico Nacional], para dar um parecer que não seja correto dentro do que a legislação prevê. Agora, ali é relevante sob o ponto de vista de reserva para a cidade retomar um processo de planejamento e de contenção da especulação imobiliária. Isso a legislação prevê. Aquela área também é importante como patrimônio paisagístico.

Mas o ordenamento e o uso do solo é uma questão de âmbito local. E é preciso que as instituições locais ouçam a população. A cidadania está indignada com a possibilidade de aprovação daquele projeto e o que eles demandam, em última instância, é de que aquilo é uma área estratégica, talvez uma das últimas. Não uma área restrita, onde vai ser levado o projeto, mas uma área mais ampla, que já tem outros projetos imobiliários.

Então, o ministério está fazendo estudos técnicos. Dentro de pouco tempo, nós vamos nos posicionar. Agora, minha posição pessoal é de muita simpatia pelo movimento. No Brasil inteiro estão explodindo manifestações. Já tivemos um nível de manifestação sobre a mobilidade urbana, que é produto desse crescimento desordenado e pela opção do carro individual como meio de transporte. Temos manifestações contra a baixa qualidade dos serviços de saúde. Temos uma consciência social e acredito que precisamos melhorar o padrão, hoje, da educação no Brasil. Então, as políticas públicas estão sendo criticadas pela população e há uma demanda pela melhor qualidade.

Agora, nós estamos vivendo uma demanda de políticas urbanas. Com maior profundidade, enfrentando os problemas da cidade. Tem décadas. Se não me engano, no primeiro censo da década de 1960, só 20% da população brasileira viviam em algum tipo de cidade. Houve uma migração e hoje nós temos mais de 80% vivendo em cidades. E esse crescimento, esse inchaço da sociedade brasileira, não foi acompanhado de políticas públicas no sentido de minorar os impactos ambientais, sociais e urbanísticos, com raras exceções. A especulação imobiliária e a ocupação desordenada do solo se instalou.

Então, temos quase uma inviabilidade dessas cidades brasileiras. São Paulo, Rio, Recife, quase todas as cidades. Até cidades planejadas como Brasília e Belo Horizonte sofrem o impacto desse crescimento desordenado, acompanhado às vezes de falta absoluta de presença do poder público, no sentido de regular e de racionalizar esse crescimento em um nível do possível, pelo menos.

E esses movimentos por uma correção de rumos, sob o ponto de vista das cidades, é fundamental para o futuro do Brasil. Eu tenho muita simpatia não só por ele, mas por outros movimentos urbanos que estão se produzindo nas grandes cidades brasileiras e que, de alguma maneira, as instituições democráticas têm que ouvir, dialogar, não pode ignorar. A tendência em Recife é que as instituições ignoram essa demanda. Tratam como se fosse algo exótico, esdrúxulo e externo às suas funções.

É bom lembrar que, na democracia, o poder é exercido em nome do povo, pelo povo e para o povo. Então, não há como escapar de se relacionar. É importante que se considere a força desses movimentos, antes que a gente gere um impasse e uma descrença absoluta na democracia por parte da população brasileira. Eu, pessoalmente, vejo com muito bons olhos.

Eu não posso é transferir para cá a decisão porque existe o pacto federativo, existe a responsabilidade do município. A Constituição de 1988 nivelou a responsabilidade e a importância das três instâncias: federal, estadual e municipal. E essa instância do ordenamento e uso do solo é do âmbito dos poderes locais, da prefeitura, da câmara de vereadores, de outras instituições que compõem a estrutura do Estado.
E acho que é preciso assumir a responsabilidade de dialogar e de dar uma resposta à demanda do movimento em torno do cais Estelita.

Fórum – Para encerrar, qual sua avaliação desses primeiros meses de gestão?

Ferreira – Eu encontrei um ministério enfraquecido. Um medo de assinar, por exemplo. Então, a transferência para os artistas e para a área cultural de responsabilidades onde não há uma clareza aritmética, em que se pede a devolução de dinheiro, misturando quem fez corretamente as coisas com quem não fez. Eu disse à presidenta, na primeira reunião que eu tive com ela, que tinha encontrado um ministério enfraquecido e que ia fazer todo o esforço para recuperar padrões de qualidade no exercício do trabalho aqui dentro das nossas funções. Mas acreditava que em três meses e meio ou quatro a gente teria recuperado.

Estamos construindo isso, a realidade interna já é outra. Nós estamos requalificando as políticas porque o significado da minha volta, em parte, é para retomar políticas, programas e projetos que foram enfraquecidos ou abandonados. Mas em parte eu tenho que reconstituir porque a realidade anda, o Brasil anda muito rápido. Muita coisa já não é a mesma da minha época. Por exemplo, quando nós chegamos ao ministério, pouco mais de 1 milhão de brasileiros tinham acesso a internet. Hoje, mais de 53% dos brasileiros estão conectados.

Então, só isso aí já mostra. Os próprios Pontos de Cultura já exigiam da gente uma modernização. Contamos hoje com a lei do Cultura Viva, que nós regulamentamos. Em todos os aspectos, nós temos que trabalhar daqui para a frente. Recuperar o que de positivo foi abandonado, mas principalmente formular. Nós estamos formulando as políticas. Acabamos de fechar o primeiro ciclo do planejamento estratégico para os próximos dez anos. Estamos detalhando agora o Plano Plurianual e mecanismos de planejamento. Estamos nos preparando para o orçamento para o ano para formular os projetos porque, no primeiro ano, você herda um orçamento e um planejamento feito no governo anterior. Eu sou muito insatisfeito com o que eu herdei, mas isso não é uma discussão relevante. Na verdade, relevante é o que a gente está fazendo.

Fórum – É possível adiantar para nós o que vem pela frente?

Ferreira – Assim, de novidades, primeiro é a política para as artes. Eu já fiz a autocrítica no próprio discurso de posse. Nós conseguimos ampliar o conceito de cultura, dar um atendimento a uma área sociocultural importante no país. Chegamos até os povos indígenas, que, estranhamente no Brasil, a cultura dos povos indígenas não era considerada como parte do trabalho do Ministério da Cultura. Então, constituímos um alargamento do conceito e da dimensão da intervenção do ministério, mas as artes ficaram secundarizadas.

A gente quer recuperar a Funarte e as políticas para as artes. Que políticas para a música são importantes? Qual o papel do Estado junto à música? Na área da economia da música, que está destroçada pela crise da indústria fonográfica, pelo próprio desenvolvimento tecnológico.

Precisamos regular a internet para que eles paguem direito autoral. Na área da música, temos muitas tarefas. Na área do teatro também; na área da dança, na área do circo. Vamos revitalizar as políticas. Vamos fazer um processo aberto. Estou prevendo que, de julho até o fim do ano, nós vamos estar concentrados nisso. Essa vai ser uma das novidades. Sair com um programa e com uma perspectiva de trabalhar as artes e o papel do Estado dentro disso, que dê conta dos desafios do século XXI nessa área.

Na área de cultura digital, vamos retomar o papel que nós temos. Inclusive, já estamos planejando intervenções nos fóruns mundiais, na OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), na Unesco, defendendo que a Convenção de Proteção da Diversidade, que nós fomos quando éramos daqui. Gilberto Gil foi o principal articulador para viabilizar essa convenção porque ela já era uma proposta de muitos anos e o governo americano conseguia impedir a sua aprovação. E nós fizemos uma articulação com a África, com os países latinoamericanos, com os países asiáticos, e esse reconhecimento é internacional. Gil vai ser homenageado nas celebrações dos dez anos da Convenção. Nós vamos retomar, atualizando a convenção.

Se nós não regulamentarmos democraticamente a internet, garantindo a sua neutralidade, garantindo regras para a intervenção, essas megaempresas que a operam… Vai se estabelecer uma ordem colonial aí de novo tipo, uma ordem colonial digital. Nós tivemos um incidente agora porque o Facebook censurou uma foto do Estado brasileiro. E eu achei que era um erro, podia ter sido uma questão de automaticidade nessa censura. Liguei e eles disseram: “Não, nós estamos submetidos ao tribunal da Califórnia. Nós não nos submetemos à legislação local.

Depois, publicamente, ele corrigiu um pouco o que disse para mim, mas na verdade eles se comportam de uma maneira imperial. Eles é que dizem o que pode e o que não pode, trazendo para o Brasil o puritanismo americano. Não pode aparecer os seios de uma pessoa. Ele chegou a me dizer que se for um seio canceroso, em uma campanha contra o câncer, se for corpo mutilado por uma violência, pode. Quer dizer, a gente já tem muito problema no Brasil para importar o puritanismo americano. Basta.

Então, a diversidade cultural demanda um olhar sobre a internet que possibilite que os povos sejam protagonistas das opções e que a internet expresse isso. Foi um desrespeito aos indígenas. Se para o indígena aparecer na internet precisa se travestir de não-indígena, isso é um etnocídio simbólico de dimensões importantes. É um desafio. Tem uma parte da nossa pauta que eu chamo de “a pauta do século XXI”. O século XXI traz uma série de questões na área da Cultura.

Essa da proteção da diversidade, de exercício dessa diversidade fundamental para a soberania, para o desenvolvimento, e inclusive porque em alguns aspectos nós somos superiores, por exemplo, à sociedade americana. Lá, o moralismo chega a tal ponto que tem criança de nove anos processada criminalmente porque encostou na fila da merenda na menina à frente dele. Isso é um caso real.

Então, quer dizer, a gente não pode importar as mazelas e as dificuldades de outro povo, em uma mentalidade, como dizia Nelson Rodrigues, de vira-lata. A gente tem que ter consciência da importância de nós construirmos e termos uma determinação. Isso não é com xenofobia, nem com isolamento, mas, pelo contrário, com regras civilizadas das relações culturais no mundo. E o Brasil tem uma importância.

O Marco Civil repercute no mundo inteiro. O Marco Civil da Internet. É preciso desdobrá-lo, garantindo essa neutralidade, garantir que não haja privatização de estruturas. Eu não vejo com bons olhos a proposta que o Facebook fez para o governo brasileiro. Aquilo ali é um bombom que eles dão para garantir essa privatização dentro da estrutura da internet. A gente não pode cair nessa cilada.

Nós somos vistos coma admiração e respeito inclusive pelos países europeus que deflagraram processos semelhantes a partir do Marco Civil e do discurso da presidenta Dilma na ONU sobre a espionagem, sobre a necessidade de preservar a internet como um espaço público importante da humanidade. A gente não pode retroceder e aceitar espelhinho que venham nos oferecer aqui para manter uma ordem colonial digital. Então, eu não vejo com bons olhos a proposta.

Acho que a gente tem que avançar em outra direção, na direção da afirmação de algo que o Brasil está preparado para fazer. Nós somos um dos países mais conectados do mundo. E já com uma experiência, um discernimento da importância pública dessa esfera, que é preciso tratar.

E, nas áreas das artes, os pontos de cultura vão ser revalorizados. Estamos dando um novo tratamento, mais amplo. Vamos regulamentar o que é Pontão de Cultura, que estava meio solto o conceito. Ou seja, em todas as áreas, nós estamos construindo. O planejamento estratégico nós estamos fechando agora. Não sei se você reparou, nós revitalizamos a comunicação no ministério. A gente não pode ficar dependendo da honestidade de um jornalista ou de outro na relação com a sociedade.

A gente precisa criar mecanismos também de relação direta. Então, aí entra a mídia livre, os jornalistas que estão buscando criar o embrião de uma nova comunicação no Brasil, mas nós também temos que ter uma inteligência, uma leveza, uma agilidade na área da comunicação. E a gente está construindo isso. Já dá para sentir que a gente trata a comunicação como uma das políticas culturais e não como algo auxiliar, como uma linha auxiliar.

Fórum – E sobre os direitos autorais?

Sobre os direitos autorais, estamos numa luta para garantir os direitos em um ambiente criado pela internet, pela digitalização. Ninguém quer pagar os direitos autorais para os artistas brasileiros. Proporcionalmente, é o maior desequilíbrio da balança de pagamentos. O Brasil paga todos os direitos autorais estrangeiros e não recebe quase nenhum. Os artistas estão sendo prejudicados e a maior economia, a maior escala de direito autoral é no mundo digital.

E aí não há direito autoral no ambiente digital e no século XXI sem o Estado regulador que obrigue que se realize. Nós vamos falar com os artistas. Eu já fiz reunião com o Procure Saber e com o GAP (Grupo de Apoio Parlamentar), são as duas maiores estruturas representativas dos músicos. A gente quer ampliar isso para que possa ir, inclusive, para os fóruns internacionais fundamentados numa legislação brasileira. Eu tenho procurado trabalhar com o Congresso – o Senado e a Câmara – e vamos avançar. E a mudança na Lei Rouanet também, que é fundamental.

Entrevista concedida a Maíra Streit, publicada no Portal Fórum – www.revistaforum.com.br

“Só com regulamentação política vamos acabar com os monopólios na internet”

A CryptoRave reuniu hackers, ativistas e estudiosos da internet em uma maratona de atividades em 24h seguidas, na cidade de São Paulo, nos dias 24 e 25 de abril. Foram 37 espaços que debateram segurança, criptografia, vigilância de agências de segurança – como a estadunidense NSA -, liberdade de expressão e privacidade, além dos monopólios da internet.

O sueco Peter Sunden, cofundador do The Pirate Bay, um dos maiores sites de busca, download e envio de arquivos – muitos dos quais “piratas”, como o nome sugere – foi um dos participantes da Rave.

O site e seus fundadores são alvos de constante perseguição. Em 2008, Sunden e mais três fundadores do Pirate Bay foram levados a julgamento pela Justiça sueca, acusados de “ajudar (outros) a infrigir leis de copyright”. Em 2009, ele foi condenado a um ano de prisão.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Sunden analisa como a internet se tornou centralizada e cheia de monopólios. Ele também aponta as consequências da coleta de dados pelas agências de vigilância e questiona a parceria que o governo brasileiro está fazendo com o Facebook.

Brasil de Fato – Qual sua opinião sobre o funcionamento da internet hoje?

Peter Sunden – A internet vai contra todos os ideais sob os quais ela foi fundada. Basicamente, criamos um sistema descentralizado, mas toda a informação foi centralizada por grandes empresas. É como dar ao mundo uma geladeira, mas usar um único compartimento gigante para armazenar tudo, o que é muito estúpido.

Devemos começar a perceber que com essa centralização vamos perder em termos de informação, cultura, comunicação e, também, infraestrutura, porque tudo depende mais e mais da internet. Somos ingênuos, deixamos chegar a este ponto porque utilizamos essa tecnologia por muito tempo sem pensar no que ela significava.

O que você diria para alguém que fala que a internet é um espaço livre e democrático?

P.S. – O capitalismo promete várias coisas, mas nunca te diz o custo. Na internet, você pode ficar no seu canto, criar uma rede social livre, mas os usuários não vão vir, porque eles estão nesse shopping chamado Facebook. Você pode ter sua lojinha, mas nunca terá clientes. Por isso, do jeito que usamos a internet hoje, a internet não é realmente “livre”.

O principal problema é que não há regulação. Não criamos leis que protegessem nossa privacidade, nossos direitos, porque a rede é vista como um “mercado aberto”, que todos poderiam usar. Mas não devemos tratar a internet como um mercado. Ela é uma infraestrutura, e temos que discutir quem a controla e as leis para seu funcionamento.

Como o The Pirate Bay foi criado?

P.S. – Eu queria dizer que tínhamos um grande plano, mas não era o caso. Começamos o Pirate Bay porque queríamos brincar com tecnologia nova.

Como você enxerga a pirataria, tanto no mundo real como no virtual?

P.S. – A pirataria no mundo real, se falarmos de informação, como filmes que são gravados num cd, tem um custo de produção. A pirataria online não tem esse custo, pois não há o objeto físico que deve ser produzido. Se você é contra as pessoas que lucram com a pirataria, a pirataria online resolve isso, tirando o dinheiro da equação.

Fora isso, elas são similares, pois dão a pessoas que não teriam condições de obter um certo produto ou informação a chance de tê-lo.

Qual o impacto que as leis de copyright causam na cultura?

P.S. – Essas leis são uma doença e estão se espalhando rapidamente. O Brasil tentou, com [o ex-ministro] Gilberto Gil e outras pessoas visionárias, fazer algo sobre isso e trabalhar com Creative Commons e outras alternativas ao copyright.

O copyright não é feito para pessoas, é feito para companhias, empresários que já dominam o mercado e podem comprar copyright dos artistas para controlar o mercado. E então os consumidores são obrigados a pagar o preço que essas pessoas querem. Isso que é o copyright é: um monopólio para empresas e pessoas ricas.

Como você avalia o trabalho do Wikileaks? Há formas de melhorar a plataforma e permitir que mais documentos vazem?

P.S. – Com o Wikileaks temos novamente o problema de centralizar a comunicação na rede. Independente de sua importância, o Wikileaks não é a única plataforma de vazamento de arquivos; há outras, mas estas não recebem atenção. A maior coisa que devíamos fazer em relação à internet é descentralizar, e isso vale para todas as áreas.

Não deveríamos ter só um sistema de compartihamento de arquivos, devemos ter vários; não devemos ter só uma plataforma para vazar aquivos, precisamos de várias. Há outros grupos como o Intercept, do Glenn Greenwald, que tenta fazer o mesmo que o Wikileaks faz, mas com um viés mais jornalístico.

Quando Edward Snowden entregou os documentos ao Greenwald, eles tiveram uma forma de vazar os arquivos interessante, liberando documentos de pouco em pouco, deixando que eles causassem impacto. É uma alternativa melhor ao que o Wikileaks faz, de despejar centenas de milhares de documentos de uma vez sobre um tema, como fizeram com a Guerra do Afeganistão.

Como é possível descentralizar a internet, dado esse panorama de monopólios?

P.S. – Infelizmente, com regulação política. Passamos da época em que a tecnologia sozinha resolveria o problema. Podemos criar a melhor rede social possível, aberta, mas ela não teria usuários, pois os usuários estão no Facebook.

A regulação deveria funcionar para proteger os usuários e impedir que as companhias utilizem os dados deles à vontade. Por exemplo, se o Facebook quer ter usuários brasileiros, ele deveria assinar um acordo no qual os dados são do usuário, não da empresa. Se criarmos regras e padrões assim, alguma coisa pode mudar.

Agora, não importa se você tem a tecnologia sem os usuários. E discutir esses assuntos no Facebook é difícil, porque eles censuram muitas coisas que você escreve e posta, muitas vezes sem que você saiba.

O Facebook é a maior ditadura que existe no mundo. Com uma população maior que a da China, e tem um ditador totalitário. É um “país” assustador que emerge, e precisamos de regulação para combater isso.

Qual o objetivo da coleta massiva de informações da internet, por agências como a NSA?

P.S. – Você pode usar informação, mesmo se não souber para o quê ainda. Um exemplo clássico é que na Suécia o governo começou um programa chamado PKU. A ideia era que cada criança recém-nascida que faria parte do programa doaria uma amostra de sangue. Com tantas amostras, era possível resgatar as árvores genealógicas e fazer estudos sobre doenças genéticas. É um ótimo sistema, que ajudou muitas pessoas e curou doenças, além de avançar na pesquisa contra o câncer.

Em 2003, a ministra de assuntos internacionais da Suécia, Anna Lindh, foi assassinada, e a polícia, que tinha amostras de DNA do assassino, mas não sabia quem era, foi até o laboratório do PKU, que tinha o registro de todo mundo nascido desde 1979, e descobriu quem era o assassino. A partir daí, o registro ao PKU foi obrigatório e as pessoas não podem sair mais do projeto.

De fato, isso pode ajudar a resolver crimes, mas nós concordamos com isso como sociedade? Não, nunca discutimos. E isso é o que ocorre hoje na internet: a NSA pode não ter necessidade ou saber o uso que essas informações terão hoje, mas um uso vai existir no futuro. E será muito bom para o governo estadunidense ter guardado tudo isso.

E costumamos esquecer a história rapidamente. Os nazistas usaram arquivos com os nomes e endereços dos judeus para encontrá-los e realizar assassinatos. Então, o objetivo das agências de inteligência não é só guardar uma coisa sem ter motivo; num futuro essas informações podem ter uso, e isso vai ser problemático para nós.

Como uma pessoa normal pode proteger seus dados na internet?

P.S. – Existem ferramentas, mas o problema é que essas ferramentas são separadas dos sistemas que as pessoas usam. Mesmo se criarmos um ótimo sistema de chat, as pessoas vão continuar conversando pelo Facebook. A criptografia, por mais segura que seja ao impedir que o conteúdo da mensagem seja visto, não impede que as agências de vigilância saibam quem fala com quem.

Você pode se proteger usando encriptação, e é importante, mas isso é basicamente uma camisinha. Você está protegendo você e a outra pessoa contra a doença, mas não está protegendo a todos, nem curando a doença. E acho que precisamos fazer ambos. Temos que nos proteger e ensinar mais pessoas a utilizarem essas “camisinhas da internet”, como criptografia e plataformas alternativas de comunicação, mas também precisamos evitar o avanço da doença.

Só vamos fazer isso pressionando os políticos, os governos e fazendo com que eles entendam os problemas que essa vigilância causa a um país e criem formas de regulamentação. Está na hora de colocar os pés no chão e impedir que isso continue, antes que seja tarde demais.

Qual a sua opinião sobre a parceria que o governo brasileiro fez com o Facebook para levar internet a regiões mais remotas?

P.S. – Acho estúpido o governo brasileiro ir a apenas uma companhia para fazer um projeto assim. Deveriam trabalhar com todos. Não tenho certeza quais os termos do acordo, mas para o Facebook isso é uma manobra de relações públicas. E não entendo o porquê dessa parceria agora.

O Facebook não tem nenhum interesse com a privacidade, eles querem o oposto. E um projeto assim permite que se domine a infraestrutura, o que facilita controlar os usuários e ter certeza que eles não deixem a rede.

O Governo Lula apoiava softwares livres e soluções mais democráticas para a rede. Não sei porque o interesse de começar a trabalhar com alguém que é o inimigo neste caso. O Facebook não vai ajudar a manter a privacidade das pessoas intacta.

Entrevista concedida a José Coutinho Júnior, publicada em Brasil de Fato – www.brasildefato.com.br

Intervozes lança pesquisa sobre cobertura jornalística das manifestações de junho

Na última quinta-feira, 16 de abril, o bloco dos cursos de Jornalismo e Relações Públicas da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) recebeu o lançamento da pesquisa Vozes Silenciadas Mídia e protestos: a cobertura das manifestações de junho de 2013 nos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo. O idealizador da pesquisa, professor doutor Sivaldo Pereira da Silva, concedeu entrevista para a Assessoria de Comunicação – Jornalismo e Relações Públicas detalhando o processo desse estudo que conta com o auxilio de alguns estudantes de Jornalismo e do coletivo Intervozes, organização responsável pela publicação da pesquisa e que trabalha pela efetivação do direito humano à comunicação no Brasil.

Ascom – Jornalismo e Relações Públicas: Como surgiu a ideia de analisar a cobertura dos protestos ocorridos em 2013 e transforma-las em pesquisa?

S.P. – Eu tenho realizado estudos comparativos há algum tempo e também estudos sobre comunicação e política. O Intervozes, organização civil que atua no campo da democratização da comunicação e que publicou o trabalho, também tem desenvolvido estudos em parcerias com pesquisadores neste campo. Assim, a ideia de analisarmos protestos surge justamente porque se trata de um evento importante da história recente do país e queríamos compreender como os meios de comunicação, especialmente o jornalismo, fizeram a cobertura deste evento.

Como se deu a formação da equipe de pesquisa e o processo de apuração?

S.P. – Como se tratava de um grande volume de material, com mais de mil notícias, onde cada texto era analisado e seus dados colocados em uma planilha eletrônica, então precisávamos fazer double checking, isto é, confirmar o mesmo dado duas vezes, por duas pessoas diferentes. Para viabilizar isso, o Intervozes disponibilizou algumas bolsas para estudantes auxiliarem neste processo e assim pudemos contar com a participação de sete estudantes: Ariane Sapucaia, Beatriz Alexandrino, Eduardo Jorge, Filipe Rodrigues, Larissa Vasconcelos, Márcio Anastácio e Uiliana Lima. A maioria fazia parte do Coscentro, projeto de extensão que coordeno ou do GpoliTICs, grupo de pesquisa que também coordeno. Alguns bolsistas participaram no início da coleta, outros mais no final. Quanto ao processo de apuração dos dados, os pesquisadores recebiam informações e treinamento básico para entender as categorias da planilha e como operar a planilha eletrônica. Faziam aplicações testes para verificar se estavam aptos para continuar. E a partir daí, aplicava a planilha em cada matéria respondendo questões qualitativas e quantitativas solicitadas. Ao final do processo de coleta eu reuni as informações de todas as matérias e fiz a tabulação e análise, isto é, cruzamento de dados, identificação de padrões, produção de gráficos e texto com os resultados finais do estudo. Foi um trabalho que durou cerca de 6 meses sendo bastante árduo pelo volume de informações que trabalhamos.

A pesquisa possui um olhar objetivo apenas em função da análise ou toma forma critica a respeito do modo como as coberturas jornalísticas foram feitas na época?

S.P. – A metodologia foi desenvolvida para tentar analisar indicadores que pudessem esclarecer elementos importantes nas matérias, principalmente questões de cunho normativo e qualitativo. Por exemplo, como os manifestantes eram qualificados; se as matérias ouviam os dois lados quando traziam acusações; quem eram as fontes mais ouvidas; quem as matérias apontavam como causador de atos violentos nos protestos… Enfim, uma série de indicadores como esses. Por isso, buscamos fazer uma análise objetiva baseando-nos em números e qualificações objetivas. Justamente pelo fato do jornalismo ter um importante papel na construção da vida social, esses problemas têm impacto político e por isso a pesquisa nos permite tecer algumas críticas neste sentido. Portanto, podemos dizer que é um estudo crítico baseado nos resultados de uma análise objetiva.

Quais foram os resultados obtidos pela pesquisa?

S.P. – Os resultados demonstram uma série de problemas na cobertura dos jornais que envolvem qualidade da apuração jornalística; não cumprimento de princípios normativos e éticos. Por exemplo, cerca de 40% das matérias só ouvem uma fonte, sendo as autoridades governamentais e policiamento as únicas fontes mais ouvidas. Cerca de 77% das matérias trazem acusações, mas não ouvem os dois lados da questão, sendo os manifestantes aqueles que mais são acusados sem serem ouvidos. No geral, em 69% do total das matérias, os manifestantes não são ouvidos. Os números apontam que há um padrão na cobertura dos três jornais analisados: não se trata de casos isolados. Um cenário que implica não apenas na qualidade do texto noticioso, mas tem repercussões na vida real, pois demonstra que há pouca pluralidade de vozes na cobertura e um viés institucionalista no jornalismo brasileiro. Os resultados completos do estudo foram publicados em formato impresso e também em formato digital. Quem tiver interesse, pode baixar gratuitamente em PDF no site do Intervozes.

Link: http://goo.gl/ekiMbG

Entrevista concedida a Diogo Maia, publicada no portal da Universidade Federal de Alagoas – www.ufal.edu.br

Berzoini: “regular não significa retirar direitos”

Logo após a audiência com os membros da Coordenação Executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), nesta quarta (28/01), o ministro Ricardo Berzoini (das Comunicações), concedeu entrevista à reportagem da assessoria de comunicação da entidade. Ele falou sobre regulação do setor e disse que é preciso fazer o debate com a sociedade sem preconceitos, ouvindo todas as opiniões, para no momento em que houver consenso o governo possa apresentar uma proposta ao Congresso Nacional. Confira.

Como o governo pretende construir esse diálogo sobre regulação da mídia com a sociedade?

Ricardo Berzoini – Primeiro, ouvindo bastante todas as opiniões, tudo que foi formulado nesses anos todos, e buscando entender qual é o papel da legislação em relação a qualquer setor de atividade, especialmente num setor que interfere na vida de todos nós, que é a comunicação.

O MiniCom ainda não tem decisão sobre a questão?

R.B. – Não. E é uma decisão nossa não ter proposta por enquanto, até para poder fazer esse debate sem qualquer preconceito, sem qualquer ponto de referência inicial. O ponto de referência inicial é o acúmulo que a sociedade tem sobre a matéria. Tem gente que fala radicalmente contra qualquer regulamentação em relação tema, embora já haja leis que regulamentam há muito tempo, há décadas, e tem gente que faz propostas também no sentido de uma regulação muito ampla e muito forte. O importante é que possamos discutir, desmistificar o tema e tentar encontrar alguns acordos políticos na sociedade para fazer uma boa legislação capaz de enfrentar questões fundamentais como garantia da democracia e da liberdade de expressão para todos.

Quando o governo pretende enviar uma proposta de regulação ao Congresso Nacional?

R.B. – Não há essa definição por agora. Acho que a partir do momento em que começarmos a discutir certamente teremos uma avaliação de qual é o momento de afunilar. Se a gente coloca uma data desde já, de certa forma essa data se transforma num ultimato para nós mesmos. Nós podemos fazer esse debate com tranquilidade e ter juízo para no momento correto avaliar que está na hora de apresentar uma proposta em nome do governo que possa ser resultado de um processo amplo de consulta à sociedade.

O que o senhor considera mais importante nesse processo?

R.B. – O importante é não ter preconceito, nem de um lado nem de outro. Ou seja, existe uma questão fundamental que é: todos os setores da atividade humana são sujeitos a regulação. A regulação não significa retirar direitos ou restringir direitos, significa, na verdade, a pactuação coletiva da sociedade daquilo que pode e do que não pode ser feito. A fabricação de alimentos, de remédios, para o transporte coletivo, para as leis de trânsito, e não razão para que haja um setor que não possa ser tratado de maneira democrática, transparente, pela vontade coletiva da ação. E a vontade coletiva da nação se constitui e se consubstancia no poder Legislativo, ou seja, é lá que se dá o embate fundamental para aprovar qualquer lei, como foi o Marco Civil da Internet e todas as leis importantes para o país.

Entrevista concedida ao FNDC, publicada no portal – www.fndc.org.br

“Somente a mobilização popular foi capaz de colocar na agenda parlamentar a lei de meios”

Ricardo Sonny Martinez mora em Bariloche, tem 30 anos de jornalismo de rádio, sendo atualmente radialista da Rádio Nacional San Martin de los Andes (LRA 53), aonde trata, entre outras coisas, de política latino-americana.

Ativista pela aprovação e implantação da Lei de Meios, Sonny Martinez desempenhou a tarefa, entre 2003 e 2011, de Diretor Executivo da LRA 53, quando coordenou o trabalho de modernização nas aparelhagens e melhoria profissional da rádio estatal na região da Patagônia, incluindo a preocupação com a vida dos povos originários patagônicos na programação e ações da emissora.

Durante um período da ditadura militar argentina refugiou-se no Brasil, tendo morado em Porto Alegre e Florianópolis.

Anísio Homem (AH) – Desde quando surgiu a necessidade de uma Lei de Meios democrática na Argentina?

Ricardo Sonny Martinez (RSM) – A partir do período democrático, em 1983, durante o governo da União Cívica Radical (UCR), com o presidente Raul Alfonsin, se tornava evidente a necessidade de modificar as legislações que, em vários âmbitos, permaneciam vigentes e que haviam sido ditadas por meio de decretos da Ditadura Militar.

A Lei de Radiodifusão 22.285, de 1980, foi sancionada com a assinatura do ditador Jorge Rafael Videla e impunha sérias restrições à liberdade de expressão. Além disso, condicionava todos os meios de comunicação à Lei de “Segurança Nacional”, proveniente da doutrina do mesmo nome imposta por Washington aos governos ditatoriais que predominavam em grande parte de nosso continente.

É necessário mencionar que a Ditadura Cívico-Militar se havia apropriado dos canais de televisão e rádios tendo-os repartido seu controle com as forças armadas, de tal modo que Marinha, Exército e Força Aérea controlavam cada uma um canal de TV e uma rádio. Na direção de cada meio de comunicação se colocou um interventor, que atuava em conjunto com uma comissão de censura prévia. Esta comissão determinada a natureza dos conteúdos que podiam transmitir ou não cada meio. Para se ter ideia do absurdo e de quanto era férrea esta censura, até mesmo O Pequeno Príncipe era considerado um texto subversivo.

Mas a ditadura também soube recompensar seus parceiros privados como os grupos que controlavam os jornais “La Razón” (extinto), “La Nación”, e em muito maior escala o grupo “Clarín”, que guardadas as proporções, tornou-se uma espécie de Organizações Globo na Argentina. Por exemplo, este grupo tem centenas de concessões de canais de rádio e televisão.

Então, a intenção do governo Alfonsin de modificar a lei de radiodifusão se viu frustrada pela forte oposição destes grupos poderosos de comunicação, que jogavam com a ameaça de volta dos militares para encurralar o governo. Mesmo assim, o governo Alfonsin enviou vários projetos ao Congresso, que ficaram sem trâmite parlamentar pela falta de votos suficientes por parte do governo para fazê-los ir em frente.

AH – Mas, em outubro de 2009, um nova Lei de Meios, proposta e sancionada pela presidente Cristina Kirchner, a lei 26.522 “de serviços e comunicação audiovisual”, alterou a situação das comunicações na Argentina. Explique isso.

RSM – Na atualidade estamos vivendo um processo de aplicação desta nova lei. E sublinho a palavra processo porque a aplicação da lei não foi imediata, por várias razões. Uma delas foi o intenso bombardeio de interpelações judiciais feitas pelos grandes grupos de comunicação, todas alegando a inconstitucionalidade das novas regras previstas, que dissolviam consideravelmente o monopólio de empresas como o Clarín, por exemplo. Mas ademais, a nova lei implica em mudanças culturais profundas.

AH – E o que propõe esta Lei de Meios?

RSM – A aplicação da lei se dá em vários planos, alguns dos quais já produziram seu efeito na sociedade argentina, a saber:

a) A criação de uma empresa estatal de Rádio e Televisão proprietária do canal 7 (que é uma TV pública, com repetidoras em todo o país) e da Rádio Nacional, com 48 emissoras espalhadas pela Argentina.

b) Estabelecimento de cotas de audiência e limite de quantidades de licenças (concessões) que uma determinada empresa pode ter.

c) O acesso dos povos originários à propriedade de meios próprios, contribuindo para que sejam respeitadas as diversidades culturais que formam o povo argentino.

d) A possibilidade de Universidades, Cooperativas, ONGs, e outras instituições sem lucrativos, poderem ter a propriedade de um meio de comunicação.

e) A instituição de uma Defensoria Pública como organismo encarregado de mediar a relação entre os meios de comunicação e os telespectadores e radiouvintes.

f) A criação da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audovisual (AFSCA), com participação de representantes do governo e do legislativo.

g) Criação do Conselho Assessor da Comunicação Audovisual, aonde estão representadas as universidades, sindicatos, associações interessadas.

h) Estabelecimento de cotas de audiência e limite de quantidades de licenças (concessões) que uma determinada empresa pode ter.

AH – Com a validação desta lei pela Suprema Corte, em 2013, o império midiático mais atingido é o do Clarín, maior holding multimídia do país, por que?

RSM – Até o dia de hoje, o grupo multimidiático Clarín, proprietário de mais de 300 concessões de rádio e televisão, de empresas de transmissão a cabo, da única fábrica de papel de impressão da argentina, continua gozando de uma posição dominante, quase de monopólio no mercado. O Clarín não acatou a decisão da Suprema Corte de Justiça, o tribunal mais importante do país, isso depois de anos de litígio nas instâncias menores aonde contou com a cumplicidade de juízes “amigos”. Depois da decisão final da Suprema Corte, sabendo que já não cabem mais recursos sobre a lei, a estratégia do Clarín é de protelar a sua aplicação. Tendo que apresentar um plano de adequação à lei, o que fez o Clarín? Apresentou uma divisão de operações entre seis grupos entre os quais propunha dividir suas atuais e volumosas concessões. Ocorre que foram detectadas as participações cruzadas dos atuais diretores de Clarín nesta nova configuração de concessões. Ou seja, o Clarín quer repartir suas atuais concessões entre si mesmo, rebatizando suas empresas e enganando as autoridades.

O plano de adequação foi rechaçado pela Agência Reguladora (AFSCA), que exigiu que o plano fosse refeito conforme a lei. Por tratar-se de um expediente administrativo se supõe que o Grupo Clarín recorrerá mais uma vez à judicialização do processo. A intenção política evidente deste grupo parecer ser a de postergar a aplicação da lei até que se produza na Argentina uma mudança de governo, dado que os candidatos de oposição já se manifestaram pela revogação da lei. O que só reforça a ideia de a garantia da continuidade da vigência da lei é a mobilização popular para impedir que se retroceda. Agora mesmo, enquanto respondia esta entrevista, chega a notícia de que o Clarín acabou de ganhar uma ação favorável, em primeira instância, contra a ordem de adequação que lhe exigiu a AFSCA. É como eu disse, querem protelar as coisas até o final de 2015 quando imaginam poder eleger um governo federal que liquidem com a lei de meios que o povo conquistou.

AH – Por falar em mobilização popular, como se deu a participação social, de movimentos, para que a lei fosse aprovada e começasse a ser aplicada?

RSM – Desde o início ficou evidente, e cada vez isso é mais claro, que somente a mobilização popular foi capaz de colocar na agenda parlamentar a lei de meios. Foi a mobilização popular quem garantiu sua aprovação pelo Congresso. Será a mobilização nas ruas, com ainda mais gente, quem assegurará sua completa aplicação, ainda mais se temos que enfrentar todas as manobras do grupo Clarín e seus tentáculos na sociedade.

É bom saber que este processo de mobilização não tem sido fácil. Por exemplo, 4 anos antes da aprovação da lei foi formada a “Coalizão por uma Comunicação Democrática”, que reunia uma grande quantidade de organizações sociais, sindicatos, pequenas e médias empresas de meios, associação defensora de direitos humanos, comunidades de povos originários, associação de jornalistas, etc. Foi desta “Coalizão” que saíram os 21 pontos que culminou na chamada “Iniciativa Cidadã por uma Lei de Radiodifusão da Democracia”. Estes 21 pontos se transformaram, depois de discutidos com parlamentares, em um Projeto de Lei. Este projeto foi a debate em todos os cantos do país, inclusive em rincões da Patagônia, alcançando a marca de 3 mil reuniões públicas. Isso fez da lei uma lei de muitos, não só do governo ou dos deputados. Isso lhe deu uma força incrível. Neste processo de discussão foram aprimorados vários pontos do Projeto. Por fim, com esta mobilização toda o Congresso finalmente aprovou a Lei. Continuamos mobilizados agora pelo seu total cumprimento uma vez que as pressões para que isso não aconteça são muitas.

AH – Com a aprovação da lei, o governo está buscando reforçar um sistema público de rádios e tv no país?

RSM – A Rádio e Televisão Pública na argentina sobreviveram, quase inexplicavelmente, a onda privatizadora da década de 90. Quando a atual administração chegou ao governo os meios públicos eram calamitosos. Eu, por exemplo, assumi a Direção Executiva da rádio LRA 30, Rádio Nacional San Carlos de Bariloche, em 23 de novembro de 2003, e o cenário não podia ser pior, com equipamentos obsoletos, transmissores fora do ar ou com potência muito limitada, escassez de pessoal e muito mal pagos e de baixo profissionalismo. Em sua maioria os equipamentos datavam da década de 70.

Foi duro começar a reconstrução dos meios públicos, processo que começou antes ainda da sanção da nova lei de meios mas que se consolida com ela. A nova lei regulamenta a criação da Rádio e Televisão Argentina Sociedade do Estado, dotando-a de verbas, de uma direção amplamente democrática, separando de forma definitiva um meio estatal daquilo que é o governo por meio da participação das diferentes forças políticas uma vez que a direção desta empresa estatal foi composta tomando-se em conta a representação parlamentar.

Hoje em dia a Televisão Pública tem uma grande qualidade técnica digital, uma notável cobertura territorial e uma grande qualidade em seus conteúdos. A mesma coisa se sucede com as emissoras da rede nacional de rádios, que passaram de 40 para 48 em todo o país, como melhoria do pessoal, com equipamentos mais modernos para operar em AM e FM, com estúdios mais bem montados. Hoje podemos dizer que os meios públicos argentinos são de altíssima qualidade humana e técnica.

AH – Por fim, fale um pouco sobre esta confusão que os grandes grupos de comunicação fazem entre liberdade de expressão e liberdade dos monopólios midiáticos.

RSM – A discussão entre a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa é uma falsa discussão, que só existe na mente dos executivos e advogados dos multimeios privados para proteger seus próprios interesses corporativos e sua visão monopolista.

Neste paradigma empresarial todos somos tratados pelos grandes meios de comunicação como “clientes” quando na realidade temos direitos e devemos ser tratados como usuários de um serviço público.

A garantia da liberdade de expressão está na multiplicidade de vozes no ar. Por exemplo, a radiodifusão não pode ser vista com a lógica do mercado mas com a lógica de serviço. É preciso dar voz a quem não as tem, como cooperativas, associações civis, escolas, povos originários, universidades, etc.

Estes são argumentos de caráter sócio-políticos, porém, existem também os de caráter técnico. O espectro radioelétrico é por definição finito, ou seja, não há lugar para infinita quantidade de frequências de rádio e televisão e este espaço radioelétrico é um bem social, é propriedade de toda a sociedade. Se esta sociedade decidiu ter um governo para representá-la, a lógica indica que este governo tem que se encarregar de administrar este bem social.

O mais democrático, me parece, é que no mínimo haja limites bastante claros para que uma empresa ocupe este espaço, porque se uma só empresa ocupa o espaço radioelétrico não há multiplicidade de vozes, ou seja, não há democracia. A nova lei de meios argentina propõe a democratização do ar, ampliando a quantidade de vozes a serem escutadas para que as pessoas tenham a liberdade de escolher os conteúdos e opiniões que mais as satisfazem como usuárias do serviço de comunicação. Volto a frisar: o monopólio das comunicações por empresas privadas é um impeditivo à democracia.

Entrevista concedida à Anísio Homem, publicada no Blog do Andre Machado – www.blogdoandremachado.com.br