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Miro Teixeira, moleque de recados da mídia?

A revista Veja publicou, em sua edição de 18/9, entrevista com o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que esteve à frente do Ministério das Comunicações no início do primeiro mandato presidencial de Lula. A finalidade da entrevista é legitimar a tese dos oligarcas da mídia de que o governo e os movimentos sociais supostamente controlados por ele são uma ameaça à liberdade de expressão no país.

“Governo não gosta de notícia” é o título da matéria, na qual Miro declara frases como 1) “O governo apresenta faces autoritárias”; 2) “Não há mal provocado ao Brasil pela imprensa. Só o bem” e 3) a “Confecom é ilegítima” e se suas propostas forem aprovadas, “devem ser revogadas no Supremo Tribunal Federal, que já demonstrou que o direito à informação não pode ser arranhado nem por emenda constitucional”.

Confecom, para quem não sabe, é a 1ª Conferência Nacional de Comunicação, realizada pelo governo Lula em dezembro de 2009. Reuniu milhares de pessoas de todo o Brasil em diferentes etapas e contou com a participação de movimentos sociais, diversos níveis e esferas do poder público e expressiva parcela do empresariado ― embora a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), liderada pela TV Globo, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e outras entidades tenham-se recusado a participar.

As mais de 600 propostas aprovadas pela Confecom resultaram de debate intenso e democrático e, em alguns casos, negociação entre os segmentos participantes. São medidas destinadas a desconcentrar e democratizar a comunicação social no Brasil, várias delas relacionadas à regulamentação de dispositivos já existentes na Constituição Federal mas nunca aplicados, como os artigos 220 e 221.

O parágrafo 5º do artigo 220 estabelece: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. O artigo 221, por sua vez, estipula: “A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”.

Nenhum desses princípios constitucionais é respeitado nos dias de hoje. O sistema de mídia é oligopolizado, dominado nacionalmente por uma dezena de conglomerados empresariais (objeto de recente desabafo do presidente Lula), associados a grupos monopolistas regionais ou locais. As finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas são preteridas em favor das finalidades mercantis das emissoras. A diversidade regional é uma caricatura, e os valores éticos e sociais são pisoteados por programas como “BBB” e muitos outros.

Ecoando as críticas feitas à Confecom pelos oligarcas da mídia, Miro age como moleque de recados. “O governo não pode reunir militantes, ditar uma pauta e afirmar com a cara mais limpa do mundo que, ‘depois de ouvir a sociedade, chegamos a tais conclusões’. Quando o governo organiza um fórum, ele não fala em nome da sociedade”, declarou ele à revista Veja. O paladino da liberdade de expressão patronal demonstra, assim, desconhecer o processo de construção da Conferência, complexo e contraditório.

Munida de benevolência raramente vista com ex-ministros de Lula, sobre ele Veja relembrou docemente: “Pautou seus nove mandatos pela defesa da liberdade de expressão. Uma ação que ele impetrou levou o Supremo Tribunal Federal a revogar, em 2009, a Lei de Imprensa, instituída pelo regime militar para manietar os jornalistas”. Graças a este notável gesto de Miro em prol da “liberdade de expressão” dos oligarcas da mídia, que permitiu ao STF derrubar a Lei de Imprensa sem colocar nada em seu lugar, hoje não existe mais direito de resposta. Os donos dos meios de comunicação estão livres para publicar qualquer coisa, sabendo que não terão mais a obrigação legal de dar espaço a contestações e réplicas.

Após informar que Miro “vê prosperar no governo que integrou e no Congresso do qual participa projetos de controle dos meios de comunicação”, Veja anuncia aos leitores, cândidamente, que o bravo deputado pedetista, disposto a combater essa perversa tendência, “articula uma frente suprapartidária de defesa da liberdade” (de imprensa?).

De acordo com o parlamentar, “os atuais ocupantes do Planalto tentam desacatar a Constituição”. Em seguida, ele monta o script de uma peça sobre um golpe de Estado, com preâmbulo (“O direito à informação é uma cláusula pétrea da Carta. Sem liberdade de imprensa, não há democracia”) e vários atos: “Aliás, a primeira medida de uma ditadura é sempre a mesma: suprimir a liberdade de imprensa. Depois, fecha-se o Congresso. Sem imprensa, garante-se a falta de repercussão da segunda medida”.

Miro deve ter-se esquecido, mas a Ditadura Militar instaurada em 1964 não precisou suprimir de imediato a liberdade de imprensa, ao menos para alguns veículos. Afinal, o golpe contou com apoio decidido de vários dos atuais denodados defensores da “liberdade de expressão”, como O Globo, O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo.

Veja também pediu a Miro que opinasse sobre os 224 projetos em tramitação no Congresso que restringem a propaganda comercial (“constituem uma ameaça à imprensa?”). O deputado desenvolve, então, um raciocínio tortuoso: “A obsessão pela restrição à publicidade se confunde com a obsessão pelo controle da imprensa pelo estado. Hoje, os governos têm um impacto pequeno sobre a receita dos principais veículos do Brasil — não mais que 8% do faturamento. Sem acesso a anúncios privados, esses veículos passariam a depender da publicidade oficial. Mas não vejo possibilidade de essas iniciativas prosperarem, porque o Supremo estende à propaganda a proteção que dá à imprensa”.

Portanto, aí está. Como bem poderia dizer Carlos Lacerda, o udenista com quem Miro está ficando assaz parecido: as “ameaças” à imprensa e à propaganda comercial não podem existir; caso existam, não podem ser aprovadas no governo ou no Congresso; caso sejam aprovadas, serão derrubadas no STF.

 

* Pedro Pomar é jornalista e editor da Revista Adusp, publicada pela Associação dos Docentes da USP. É doutor em Ciências da Comunicação pela USP.

A ‘mídia’ sob profundo impacto de mudanças meteóricas

Nascido por volta de 1870 para dar voz ao crescente movimento republicano das oligarquias cafeeiras paulistas, o Estado (então Província) de São Paulo somente iria aderir ao movimento Abolicionista quando a Abolição já se tornara inevitável. Nascida por volta de 1950, da iniciativa de um imigrante ítalo-americano ligado aos interesses de Walt Disney (e sabe-se lá a que outros interesses), a Editora Abril (irmã da Editorial Abril que o irmão daquele imigrante, na mesma época iria criar em Buenos Aires), depois de fomentar o american way of life entre nós, através de revistas como Pato Donald e Claudia, iria praticamente conquistar, com Veja, o monopólio do mercado das revistas semanais de informação, não por acaso durante o auge da ditadura militar. Nascida nos agitados anos 1920, com o jornal O Globo, as Organizações de mesmo nome, aliadas de primeiríssima hora do golpe de 1964, conquistariam, também durante a ditadura, tanto o monopólio da televisão em todo o país, quanto o da imprensa escrita na cidade do Rio de Janeiro, na medida em que os ditadores deram decisiva contribuição para a decadência e morte de muitos outros importantes órgãos de imprensa escrita que então disputavam leitores na ex-capital federal, entre eles, os Correio da Manhã, Última Hora, Diário de Notícias e, por fim, recentemente mas depois de longa agonia que teve início naqueles tempos, o Jornal do Brasil.

Se a imprensa (hoje, em dia, chamada “mídia”) chegou dividida à Revolução de 1930, apoiada por Marinho e Chateaubriand mas encarniçadamente combatida pelo Estadão, desde então tem agido como bloco único, no Brasil. Derrubou Vargas duas vezes, na segunda levando-o ao suicídio. Opôs-se, como pôde, aos governos JK e João Goulart. Apoiou e estimulou todos os golpistas de ocasião. Colocou-se contra a última ditadura – depois de ter a ela servido, inclusive fornecendo caminhões para a Oban – só quando o conjunto da burguesia achou que era chegada a hora de mudar para, lampedusamente, tudo continuar como sempre esteve…

Agora, coerente com a sua história, quer derrubar o governo altamente popular do Presidente Lula.

Como explicar a atual posição da imprensa?, perguntou outro dia o professor Venicio Lima.

Certamente, muitas pesquisas precisarão ser feitas para explicar o atual comportamento dos meios de comunicação no Brasil. Se toda unanimidade é burra, como dizia Nelson Rodrigues, estamos diante de um caso que já se configura paradigmático. Somente idiossincrasias e preconceitos não explicam a posição da imprensa nesta campanha, posição que não é somente a dos “donos dos jornais”, nem apenas a de alguns e algumas importantes e hiper bem remunerados colunistas, mas a de ampla maioria dos profissionais que se dizem “jornalistas” – todos diplomados. Servem com denodo, dedicação e até alegria aos seus patrões assim com os soldados SS serviam a Hitler… É mais do que meramente “cumprir ordens”. É acreditar nelas. É se querer reconhecido e recompensado por cotidiana, diária, contumaz demonstração de absoluta fidelidade a elas. Nas palavras de Serge Halimi, são os novos “cães de guarda”.

Diante da pergunta, arrisquemos alguma hipótese. Não é possível dissociar o papel político-ideológico da “mídia”, de sua organização enquanto empreendimento capitalista e do seu lugar na reprodução do sistema do capital. E, considerando a condição periférica do capitalismo brasileiro, qualquer reflexão nos obriga a tentar entender o papel dessa “mídia” na reprodução de 500 anos de periferia.

A partir dos anos 1950, em parte devido a forças sociais endógenas mas em boa parte devido à configuração internacional do capitalismo sob liderança econômica, cultural e militar dos Estados Unidos, o Brasil, como muitos outros países, ingressou na época de sua industrialização e urbanização desenvolvimentista. Tratava-se de expandir aqui dentro uma sociedade de consumo similar à estadunidense. No entanto, como as forças econômicas que comandavam essa expansão nos eram externas, a concentração de renda era uma condição sine qua non de exportação de parte do excedente internamente gerado pelo próprio desenvolvimento, daí havendo-se que bloquear as possibilidades de sua melhor distribuição social. A sociedade do consumo a brasileira, ao contrário do que acontecia no “fordismo” estadunidense, não poderia estender-se para todos. Foi essa a natureza do debate, nos anos 1950. Para Celso Furtado e os desenvolvimentistas isebianos de esquerda, nacionalistas por obrigação e opção, a industrialização precisaria, principalmente, servir para a oferta e consumo de bens de salário. Para Roberto Campos e os desenvolvimentistas de direita, entreguistas por opção, a industrialização somente deveria servir para a oferta e consumo de bens “supérfluos”.

Para a “mídia” brasileira periférica, a segunda opção seria natural. Vendendo marcas, estilo de vida, valores consumistas, ascensão social, status, isto é, sustentada pela indústria automobilística, eletro-eletrônica, cosmética e similares estrangeiras, a imprensa se colocaria contra o projeto de desenvolvimento que, nas condições da época, exigiria reter a expansão acelerada do consumo conspícuo, de modo a favorecer, em primeiro lugar, a expansão do consumo básico, daí permitindo a inclusão social da maioria menos favorecida. Ela só podia falar para a classe média consumista, não para os pobres – ou, para estes, somente falava de crimes, através dos famosos jornais “espreme/sai sangue”. Falava para a Zona Sul do Rio de Janeiro; para o Morumbi, em São Paulo. Precisava identificar-se com os temores, preconceitos, senso comum, arrogância, identidade elitista dessa classe média, para conquistar os números de circulação que lhe permitiria angariar anunciantes. Por isso, expressando a maneira de pensar desse seu público, colocava-se radicalmente contra qualquer proposta que pudesse cheirar a “populismo”. E para escrever seus editoriais, suas colunas, suas reportagens podia contar com bons jornalistas egressos cultural e intelectualmente do mesmo meio social. Logo, com os mesmos preconceitos e as mesmas ambições.

Para enfrentar tal fogo de barragem, Getulio Vargas pensou em usar a mesma artilharia. Capitalizou Samuel Wainer para que criasse um jornal de alta qualidade que, na forma, na linguagem, nas seções editoriais se mostrasse similar ao que melhor se poderia fazer na “mídia” de então (inclusive com coluna de “mulher boa”), mas politicamente engajado, seja pelos editoriais, seja por opções na pauta e nos lides, com o seu projeto nacionalista popular. A Última Hora de Wainer obteve um estrondoso sucesso. Em poucos meses, superou a circulação individual dos seus principais concorrentes. Em princípio, pela lógica da audiência, deveria atrair copioso faturamento publicitário. Não atraiu. Foi sempre um empreendimento deficitário apesar do sucesso de público. É que sua fachada de indústria cultural não conseguia disfarçar a sua condição de imprensa política, ao não submeter também o seu conteúdo noticioso e editorial àquilo que a “mídia” (e, no caso, a “mídia” periférica), bem como as agências de publicidade, considerariam “objetivo”, “neutro”, “independente”.

O golpe de 1964 iria consolidar, de vez, essa relação entre uma sociedade de consumo excludente para uma “mídia” exclusiva, e uma “mídia” exclusiva para uma sociedade de consumo excludente. A estreita classe média consumista, encurralada por trás dos muros de seus condomínios de elite apartada, confirmou-se como base econômica, cultural e ideológica de uma “mídia” também estreita, aglomerada em seus poucos e imponentes canais oligopolistas de veiculação. É um mercado onde só cabe uma grande revista semanal de grande circulação; um ou dois jornais importantes nas grandes capitais, quaisquer deles com circulação, convenhamos, ridícula; não mais que 400 livrarias em todo o país vendendo best-sellers e auto-ajuda (o mesmo que existe apenas em Buenos Aires, vendendo livros da melhor qualidade); principalmente, duas ou três grandes redes nacionais de televisão.

E assim deveria seguir o mundo. Pelo menos, o Brasil.

Mas o Brasil decidiu diferente. Por um conjunto grande de fatores, não apenas devido aos dois mandatos de Lula, mas também a eles, o país realmente mudou. Aquela classe média estreita e elitista viu-se superada quantitativa e qualitativamente por uma nova classe média, mais popular pelas suas origens, consumista também, mas desconectada e desinteressada da opinião publicada da grande “mídia”. Finalmente, uma grande massa da população foi incorporada à sociedade de consumo. Mas, talvez até pelos seus defeitos, sobretudo o seu baixo nível educacional e cultural, não foi incorporada à leitura semanal de Veja, nem à diária de O Globo. Ao mesmo tempo, neste preciso instante, emergem novos meios de comunicação, todos eles audiovisuais, como a TV por assinatura, a internet, o “celular”, que atraem essa audiência neoconsumidora para novas formas de produção e consumo de cultura industrial e publicidade. A realidade fabricada por aquela “mídia” parece nada dizer a esta audiência. Sobretudo quando ela insiste em denunciar supostos arrivistas da política, já que, de muitos modos, arrivistas são todos esses neoconsumidores.

A velocidade com que essas mudanças estão se dando na sociedade brasileira pode, realmente, estar ameaçando todo o modelo de negócios de oligopólios que se pretendiam eternos, logo também as relações, carreiras e ambições profissionais a eles endógenas. Parece que foram surpreendidos, tanto as empresas, quanto os seus cães de guarda, sejam os assalariados, sejam os PJs, paridos e educados, todos e todas, na mesma arrogante elite social. Daí o desespero…

Se a hipótese estiver correta, ainda testemunharemos, nos próximos anos, grandes mudanças econômicas e políticas nesta centenária “mídia” nativa. No entanto, a vitória de Dilma Rousseff ou a de José Serra será decisiva no encaminhamento de medidas legais e regulatórias, a esta altura inadiáveis, que definirão o tempo e condições de sobre-vida dos dinossauros mediáticos brasileiros. A “mídia” brasileira parece apostar que Serra será o seu Capitão Spurgeon “Fish” Tanner (Robert Duvall) de “Impacto Profundo”, jogando sua nave contra o meteoro econômico-cultural que lhe ameaça a própria sobrevivência… Só que a história é um processo real, não um roteiro hollywoodiano.

A reforma da Lei de Direitos Autorais

Você já baixou músicas ou filmes pela internet? Já comprou um CD ou DVD pirata? Já xerocou um livro inteiro que estava esgotado nas livrarias e na editora? Já colocou um CD original para tocar em uma festa de aniversário realizada em um salão de festas? Já converteu um CD original de que é proprietário para formato digital, para poder ouvi-lo em seu MP3 player? Já gravou um programa de TV e o disponibilizou na internet?

Se você respondeu sim a qualquer destas perguntas, então saiba que, pela atual Lei de Direitos Autorais brasileira, você é um criminoso e pode, teoricamente, até mesmo ser preso.

“É um absurdo que condutas como esta sejam consideradas crimes!”, você deve estar pensando. E é justamente para rever nossa Lei de Direitos Autorais que estipula estas e outras restrições que o Ministério da Cultura abriu uma consulta pública na internet para ouvir as propostas de todo e qualquer cidadão para a elaboração de uma nova lei mais sintonizada com a realidade sociocultural do Brasil de hoje.

Como não podia deixar de ser, as editoras e gravadoras não gostaram nada da ideia e já se organizam para tentar manter as restrições. O argumento central destas empresas é que os direitos autorais protegem os interesses dos autores, e que a perda de alguns destes direitos os desestimularia de criar novas obras. Mas será que este argumento procede?

No Brasil, somente raríssimos autores de extremo sucesso recebem mais de 10% do valor do preço de capa de seus livros. Para a maioria, os rendimentos por suas obras são bem módicos. Para um livro com preço de capa de R$ 50, que venda 100 exemplares por mês (a maioria dos autores vende bem menos que isso), por exemplo, a remuneração pelo trabalho intelectual do autor será de R$ 500 mensais. Menos que um salário mínimo.

A situação é ainda pior em relação aos músicos: recebem, em sua maioria, cerca de 3% do valor de cada CD comercializado. Uma remuneração bastante inferior ao que ganham com os cachês de seus shows, que são a grande fonte de renda da maioria destes artistas.

Na prática, os direitos autorais seriam melhor denominados se fossem chamados “direitos editoriais”, pois a maior parte do lucro fica com quem produz e distribui a obra e não com o artista. O discurso das editoras e gravadoras, no entanto, procura enfatizar o prejuízo que a cópia não autorizada causa aos autores, evitando mencionar que os lucros com direitos autorais vão para a conta das empresas e não dos autores.

Criminalização da cópia para uso pessoal

O Brasil possui uma das legislações de combate à pirataria mais rígidas do mundo, criminalizando inclusive a violação de direitos autorais para uso pessoal sem intuito de lucro. As legislações da maioria dos países preveem no máximo sanções meramente civis para a cópia não autorizada para uso pessoal. Os tratados internacionais sobre direitos autorais assinados pelo Brasil também não estabelecem a obrigatoriedade da criminalização destas hipóteses. Mesmo assim, a legislação atual criminalizou este tipo de violação, e – pior – a proposta de nova lei apresentada pelo Ministério da Cultura não prevê a revogação desta criminalização.

As sanções civis consistem basicamente em imposição de multas pelo descumprimento da norma. São usadas para punir violações de média gravidade, como no caso das infrações de trânsito, por exemplo. Ninguém será preso por avançar um sinal vermelho, nem terá sua ficha de antecedentes maculada por isso, porque a multa de trânsito é uma sanção cível. Já a sanção penal é bem mais grave, pois prevê penas de prisão e prestação de serviços à comunidade e “suja” a ficha de quem é punido. Além do mais, a repressão penal é realizada pela polícia, o que implica a inevitável estigmatização daqueles que por ela forem autuados.

A criminalização da cópia não autorizada para uso pessoal é um excesso injustificado. Não existe na maioria dos outros países e não é prevista nos tratados internacionais. A nova lei é o momento propício para revogá-la e abandonar a política de criminalização da pirataria doméstica.

O prazo de proteção

Os tratados internacionais assinados pelo Brasil preveem a tutela mínima dos direitos autorais pelo prazo de 50 anos depois da morte do autor. A legislação atual protege por 70 anos depois da morte do autor. O projeto de lei proposto não reduz este prazo, mas, ainda que o fizesse, o excesso de restrição ainda seria evidente, pois raríssimos são os autores cujas obras possuem algum interesse passados 50 anos de sua morte. Na prática, longe de proteger o autor, esta restrição acaba impedindo a cópia de obras já esgotadas e não republicadas por falta de interesse comercial das editoras.

Para atenuar o problema, sem descumprir os tratados assinados pelo Brasil, uma solução possível seria a criação por emenda constitucional de um tributo sobre a propriedade intelectual ociosa, a incidir sobre obras esgotadas há mais de 5 anos que não tenham sido republicadas. Em cumprimento aos tratados internacionais, os direitos autorais continuariam resguardados, mas para desestimular o autor a manter a obra protegida sem a devida publicação, haveria a cobrança de um tributo com alíquota progressiva com o passar dos anos. Se não houvesse mais o interesse em republicar a obra, o autor poderia optar por pagar o tributo e manter seus direitos patrimoniais para o caso de no futuro resolver voltar a explorá-la economicamente ou, simplesmente, colocá-la em domínio público para não mais arcar com os custos do tributo.

Limitações aos direitos do autor

Todos os ordenamentos jurídicos trazem limitações aos direitos do autor, que nada mais são que os direitos do público de usar a obra sem a necessidade de pagar por ela. Estas limitações são muito severas no Brasil se comparadas às de outros países e o projeto proposto pelo Ministério da Cultura não avança muito no sentido de ampliá-las.

Dentre as inovações bem-vindas no projeto está a possibilidade de cópia em um único exemplar para uso privado e não comercial. Infelizmente, porém, pela proposta atual exige-se que a cópia seja feita pelo próprio copista e se prevê o recolhimento de direitos autorais pelos estabelecimentos que fazem cópias reprográficas. Ora, não parece razoável supor que a pessoa tenha que adquirir uma máquina de xerox para exercer o direito de cópia para uso privado. É necessário que se permita que a cópia para uso pessoal seja feita por um terceiro, pois o eventual lucro do dono da máquina está relacionado à prestação do serviço de cópia e não à exploração do direito autoral. O dono do xerox não cobrará mais pela lauda de um livro copiado do que pelo xerox de um documento.

As exibições musicais e audiovisuais sem intuito de lucro também estão permitidas pela proposta de lei apresentada, desde que, porém, estejam enquadradas numa série de hipóteses bastante restritas como, por exemplo, o uso em estabelecimentos de ensino. Melhor seria que as exibições sem fins lucrativos fossem sempre permitidas, pois não há sentido, por exemplo, em se cobrar pela exibição de um filme numa associação de bairro, já que lá ele cumprirá a mesma função educacional que em um estabelecimento de ensino formal. Da mesma forma, a exibição musical, ainda que em praça pública, quando sem fins lucrativos, atende a inequívoco fim cultural e, portanto, não deveria estar limitada pela cobrança de direitos autorais.

Conclusões

A iniciativa do Ministério da Cultura de abrir uma consulta pública sobre uma lei de tamanha relevância para a população é positiva, mas ainda há muito que se avançar rumo a uma redação final da lei que contemple mais os interesses da população como um todo e dos autores de obras intelectuais do que os de editoras, gravadoras e produtoras de filmes.

A indústria cultural está unida em torno da manutenção de seus interesses econômicos. É preciso que a sociedade civil e os interessados em geral se organizem em torno de propostas que ampliem as possibilidades de usos não onerosos de obras intelectuais protegidas. Não se pode admitir que uma lei concebida para estimular a criatividade seja a grande responsável pela limitação da produção e da divulgação da cultura nacional. Há que se proteger, sim, os direitos dos autores, mas é preciso conciliá-los com o justo interesse da população em geral de copiar obras livremente para uso pessoal, quando o fizer sem fins lucrativos.

 

*Professor da Faculdade de Direito da UFMG.

 

 

As senhoras de Santana da imprensa

Em 1980, surgiu em São Paulo um grupo de mulheres preocupadas com a “imoralidade” que tomava conta da televisão. Sobretudo com os programas que surgiam naquela década falando abertamente de sexo, como o da hoje candidata a senadora Marta Suplicy no TV Mulher. Apelidadas de “senhoras de Santana”, por serem moradoras do bairro com este nome, elas marcaram época e viraram sinônimo do atraso e do conservadorismo nos costumes.

Trinta anos depois, surge uma nova geração de “senhoras de Santana”. Desta vez, não descobertas por jornalistas: são jornalistas. Instaladas em número cada vez mais volumoso nas redações, premiadas com cargos de chefia e ascensão meteórica, as senhoras de Santana do jornalismo são o exato oposto da figura mítica do repórter talentoso, espirituoso, culto e algo anarquista: têm um texto ruim de doer e nunca leram nada a não ser seu próprio veículo, mas cumprem rigorosamente as tarefas que lhes são dadas. Seu maior ídolo é o patrão.

Esqueça a imagem do jornalista concentrado, batucando com rapidez sua reportagem com um cigarro pendurado no bico. As novas senhoras de Santana do jornalismo não fumam. Aliás, deduram quem estiver fumando em ambiente fechado, como reza a lei imposta por aquele político que seus patrões adoram e que eles, obedientemente, passaram a bajular. Fumar baseado, então, nem pensar. Os repórteres de Santana são contra a descriminação de todas as drogas, até da menos nociva delas. Se as senhoras de Santana do jornalismo soubessem que andam por aí fumando orégano, fariam matérias pela proibição do uso, mesmo na pizza.

As novas senhoras de Santana do jornalismo não questionam o poder ou os dogmas da Igreja católica. Pelo contrário, fazem questão de ir à missa todos os domingos. Pior: simpatizam com a Opus Dei, a ala mais conservadora do catolicismo. São contrários à liberação do aborto e defensores do papa sob quaisquer circunstâncias, inclusive quando o suposto representante de Deus na Terra é acusado de acobertar a pedofilia.

Ao contrário do que ocorreu no passado, quando os jornalistas tiveram papel importante na luta contra a ditadura, as novas senhoras de Santana do jornalismo se especializaram em denegrir a imagem daqueles que optaram pela ação armada para combater o poderio militar. Vilipendiam os guerrilheiros com fichas falsas e biografias inventadas. O repórter Vladimir Herzog morreu enforcado nos porões do regime. Não viveu para ver a triste transformação dos “coleguinhas” em senhoras de Santana. Quando Herzog morreu, a grande maioria dos jornalistas se dizia de esquerda. As novas senhoras de Santana do jornalismo adoram pontificar que não existe mais esquerda e direita, mas são de direita.

Nem pense nos papos animados após o fechamento dos velhos homens de imprensa, varando madrugadas pelos bares da vida. As novas senhoras de Santana não bebem, vão direto para casa depois de trabalharem mais de dez horas por dia – sem carteira assinada. E ainda patrulham a birita alheia, como se fossem fiscais de trânsito 24 horas a postos com seus bafômetros virtuais. “O presidente bebe cachaça”, torcem o nariz as jornalistas de Santana. “A candidata do presidente torceu o pé. Deve ser porque encheu a cara”, acusam.

Toda vez que as novas senhoras de Santana da imprensa encontrarem aquele ator famoso que andou se desintoxicando do vício de cocaína e por isso perdeu papéis em novelas, vão torturá-lo com as mesmas perguntas: “Você parou mesmo de cheirar?” “O tratamento funcionou ou não?” Sim, os jornalistas de Santana não saem para beber porque preferem ficar em casa vendo novela. Se duvidar, as novas senhoras de Santana do jornalismo nem fazem sexo. Talvez de vez em quando, vai. Mas só papai-e-mamãe. E heterossexual, claro.

No futuro, as escolas de jornalismo serão monastérios, de onde sairão mais e mais senhoras de Santana habilitadas não só a escrever reportagens como a rezar a missa.

 

 

* Cynara Menezes é jornalista. Atuou no extinto "Jornal da Bahia", em Salvador, onde morava. Em 1989, de Brasília, atuava para diversos órgãos da imprensa. Morou dois anos na Espanha e outros dez em São Paulo, quando colaborou para a "Folha de S. Paulo", "Estadão", "Veja" e para a revista "VIP". Está de volta a Brasília há dois anos e meio, de onde escreve para a CartaCapital.

 

 

Mídia & Governo: Razões para a hostilidade crescente

O processo eleitoral e a indisfarçável partidarização revelada na cobertura jornalística dos principais veículos da grande mídia provocaram, nas últimas semanas, reações cada vez mais explícitas e contundentes por parte do próprio presidente da República. Por outro lado, o atual governo chegará ao seu término enfrentando uma hostilidade crescente por parte desses veículos. A virulência dos ataques de editoriais e colunistas contra o governo e o próprio presidente Lula encontram poucos e raros paralelos na história política brasileira.

A hostilidade entre alguns veículos e o governo é agora, mais do que antes, inegavelmente recíproca e pública.

Razões intrigantes

Nesse contexto, diante da proximidade das eleições e da provável vitória da candidata apoiada pelo atual governo – aos quais esses veículos fazem oposição explícita – é inevitável que surjam questões que não só busquem compreender o que vem acontecendo no processo eleitoral, mas, sobretudo, questões prospectivas de como poderão ser as relações da grande mídia com o próximo governo.

Uma questão, em particular, desafia o senso comum: afinal, quais razões teriam levado os principais grupos da grande mídia a fazer oposição sistemática a um governo que continua a contar com maciço apoio popular?

Um observador da mídia que não tem acesso a informações dos bastidores do poder – nem propriamente político, nem midiático – por óbvio, também não tem como responder a essa pergunta. Todavia, é intrigante a constatação do que está a ocorrer.

No Brasil, ao contrário do que acontece em alguns países da América Latina, os oito anos de governo Lula não representaram a mais remota ameaça à grande mídia. Em nossos vizinhos, apesar da oposição de grupos dominantes de mídia, foram democraticamente eleitos governos que tomaram a iniciativa de rever e/ou propor nova regulação para o setor de comunicações, desafiando interesses historicamente enraizados. Aqui nada disso ocorreu.

A grande mídia nativa não foi objeto de qualquer regulação ou saiu derrotada de qualquer disputa em relação às políticas públicas do setor de comunicações. Basta verificar que nos projetos (ou mesmo pré-projetos) e programas nos quais ela considerou estarem seus interesses ameaçados, houve recuo do governo Lula e/ou os projetos não lograram aprovação no Congresso Nacional.

Exemplos: a criação do Conselho Federal de Jornalismo (em 2004); a transformação da Ancine em Ancinav (em 2005); a criação das RTVIs (em 2005); a guinada em relação ao modelo de TV Digital (de 2003 para 2006); a nova regulação das rádios comunitárias que apesar de recomendações geradas em dois grupos de trabalho não saiu do papel (2003 e 2005); a regulação da TV paga através do PL 29 (2007) que até hoje tramita no Congresso Nacional; o recuo nas propostas relativas ao direito à comunicação constantes da terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos (2009); o anunciado projeto de uma Lei Geral de Comunicação de Massa que nunca se materializou; etc. etc.

A única medida de política pública – aliás, prevista no artigo 223 da Constituição de 1988 – que logrou ser implementada pelo governo Lula foi a criação de uma empresa pública de comunicação, a EBC (Empresa Brasil de Comunicação), que, embora ridicularizada pela grande mídia, é complementar a ela e não representa qualquer ameaça.

Por outro lado, a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro de 2009 – que tem efeitos apenas propositivos –, foi não só boicotada como satanizada nos principais veículos de comunicação do país.

O que teria provocado, então, tamanha hostilidade dos grupos dominantes de mídia?

Vivemos em plena liberdade da imprensa. O governo não deixou de aplicar vultosos recursos em publicidade oficial paga destinada exatamente à grande mídia. Apesar disso, além da oposição política publicamente admitida inclusive pela presidente da ANJ, a grande mídia insiste em anunciar que o atual governo constitui uma permanente ameaça à liberdade de expressão e que o seu partido padece de uma obsessão autoritária e stalinista de controlar a imprensa.

Outras questões

Diante de tamanho enigma, outras questões igualmente inquietantes carecem também de resposta.

Qual será o comportamento desses veículos depois das eleições? Que tipo de relação é possível se construir entre eles e o novo governo, especialmente se for eleita a candidata que enfrentou sua oposição sistemática? Que comportamento esperam esses veículos do novo governo?

E mais: o que acontecerá com a credibilidade de veículos de mídia que (1) praticam "jornalismo investigativo" seletivo, em relação apenas a uma das candidaturas e (2) transformam suspeitas e denúncias em "escândalos políticos midiáticos, mas raramente a Justiça consegue estabelecer a veracidade das acusações?

Levando-se em conta o que está acontecendo, não só na América Latina, mas, inclusive, no processo eleitoral em curso para as eleições legislativas nos Estados Unidos, é ainda de se perguntar: a quem interessa a radicalização do processo político?

As razões verdadeiras não são fáceis de ser detectadas. Talvez seja mesmo, como se diz na conhecida fábula, "da natureza do escorpião".

 

 

* Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010.