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A reforma da Lei de Direitos Autorais

Você já baixou músicas ou filmes pela internet? Já comprou um CD ou DVD pirata? Já xerocou um livro inteiro que estava esgotado nas livrarias e na editora? Já colocou um CD original para tocar em uma festa de aniversário realizada em um salão de festas? Já converteu um CD original de que é proprietário para formato digital, para poder ouvi-lo em seu MP3 player? Já gravou um programa de TV e o disponibilizou na internet?

Se você respondeu sim a qualquer destas perguntas, então saiba que, pela atual Lei de Direitos Autorais brasileira, você é um criminoso e pode, teoricamente, até mesmo ser preso.

“É um absurdo que condutas como esta sejam consideradas crimes!”, você deve estar pensando. E é justamente para rever nossa Lei de Direitos Autorais que estipula estas e outras restrições que o Ministério da Cultura abriu uma consulta pública na internet para ouvir as propostas de todo e qualquer cidadão para a elaboração de uma nova lei mais sintonizada com a realidade sociocultural do Brasil de hoje.

Como não podia deixar de ser, as editoras e gravadoras não gostaram nada da ideia e já se organizam para tentar manter as restrições. O argumento central destas empresas é que os direitos autorais protegem os interesses dos autores, e que a perda de alguns destes direitos os desestimularia de criar novas obras. Mas será que este argumento procede?

No Brasil, somente raríssimos autores de extremo sucesso recebem mais de 10% do valor do preço de capa de seus livros. Para a maioria, os rendimentos por suas obras são bem módicos. Para um livro com preço de capa de R$ 50, que venda 100 exemplares por mês (a maioria dos autores vende bem menos que isso), por exemplo, a remuneração pelo trabalho intelectual do autor será de R$ 500 mensais. Menos que um salário mínimo.

A situação é ainda pior em relação aos músicos: recebem, em sua maioria, cerca de 3% do valor de cada CD comercializado. Uma remuneração bastante inferior ao que ganham com os cachês de seus shows, que são a grande fonte de renda da maioria destes artistas.

Na prática, os direitos autorais seriam melhor denominados se fossem chamados “direitos editoriais”, pois a maior parte do lucro fica com quem produz e distribui a obra e não com o artista. O discurso das editoras e gravadoras, no entanto, procura enfatizar o prejuízo que a cópia não autorizada causa aos autores, evitando mencionar que os lucros com direitos autorais vão para a conta das empresas e não dos autores.

Criminalização da cópia para uso pessoal

O Brasil possui uma das legislações de combate à pirataria mais rígidas do mundo, criminalizando inclusive a violação de direitos autorais para uso pessoal sem intuito de lucro. As legislações da maioria dos países preveem no máximo sanções meramente civis para a cópia não autorizada para uso pessoal. Os tratados internacionais sobre direitos autorais assinados pelo Brasil também não estabelecem a obrigatoriedade da criminalização destas hipóteses. Mesmo assim, a legislação atual criminalizou este tipo de violação, e – pior – a proposta de nova lei apresentada pelo Ministério da Cultura não prevê a revogação desta criminalização.

As sanções civis consistem basicamente em imposição de multas pelo descumprimento da norma. São usadas para punir violações de média gravidade, como no caso das infrações de trânsito, por exemplo. Ninguém será preso por avançar um sinal vermelho, nem terá sua ficha de antecedentes maculada por isso, porque a multa de trânsito é uma sanção cível. Já a sanção penal é bem mais grave, pois prevê penas de prisão e prestação de serviços à comunidade e “suja” a ficha de quem é punido. Além do mais, a repressão penal é realizada pela polícia, o que implica a inevitável estigmatização daqueles que por ela forem autuados.

A criminalização da cópia não autorizada para uso pessoal é um excesso injustificado. Não existe na maioria dos outros países e não é prevista nos tratados internacionais. A nova lei é o momento propício para revogá-la e abandonar a política de criminalização da pirataria doméstica.

O prazo de proteção

Os tratados internacionais assinados pelo Brasil preveem a tutela mínima dos direitos autorais pelo prazo de 50 anos depois da morte do autor. A legislação atual protege por 70 anos depois da morte do autor. O projeto de lei proposto não reduz este prazo, mas, ainda que o fizesse, o excesso de restrição ainda seria evidente, pois raríssimos são os autores cujas obras possuem algum interesse passados 50 anos de sua morte. Na prática, longe de proteger o autor, esta restrição acaba impedindo a cópia de obras já esgotadas e não republicadas por falta de interesse comercial das editoras.

Para atenuar o problema, sem descumprir os tratados assinados pelo Brasil, uma solução possível seria a criação por emenda constitucional de um tributo sobre a propriedade intelectual ociosa, a incidir sobre obras esgotadas há mais de 5 anos que não tenham sido republicadas. Em cumprimento aos tratados internacionais, os direitos autorais continuariam resguardados, mas para desestimular o autor a manter a obra protegida sem a devida publicação, haveria a cobrança de um tributo com alíquota progressiva com o passar dos anos. Se não houvesse mais o interesse em republicar a obra, o autor poderia optar por pagar o tributo e manter seus direitos patrimoniais para o caso de no futuro resolver voltar a explorá-la economicamente ou, simplesmente, colocá-la em domínio público para não mais arcar com os custos do tributo.

Limitações aos direitos do autor

Todos os ordenamentos jurídicos trazem limitações aos direitos do autor, que nada mais são que os direitos do público de usar a obra sem a necessidade de pagar por ela. Estas limitações são muito severas no Brasil se comparadas às de outros países e o projeto proposto pelo Ministério da Cultura não avança muito no sentido de ampliá-las.

Dentre as inovações bem-vindas no projeto está a possibilidade de cópia em um único exemplar para uso privado e não comercial. Infelizmente, porém, pela proposta atual exige-se que a cópia seja feita pelo próprio copista e se prevê o recolhimento de direitos autorais pelos estabelecimentos que fazem cópias reprográficas. Ora, não parece razoável supor que a pessoa tenha que adquirir uma máquina de xerox para exercer o direito de cópia para uso privado. É necessário que se permita que a cópia para uso pessoal seja feita por um terceiro, pois o eventual lucro do dono da máquina está relacionado à prestação do serviço de cópia e não à exploração do direito autoral. O dono do xerox não cobrará mais pela lauda de um livro copiado do que pelo xerox de um documento.

As exibições musicais e audiovisuais sem intuito de lucro também estão permitidas pela proposta de lei apresentada, desde que, porém, estejam enquadradas numa série de hipóteses bastante restritas como, por exemplo, o uso em estabelecimentos de ensino. Melhor seria que as exibições sem fins lucrativos fossem sempre permitidas, pois não há sentido, por exemplo, em se cobrar pela exibição de um filme numa associação de bairro, já que lá ele cumprirá a mesma função educacional que em um estabelecimento de ensino formal. Da mesma forma, a exibição musical, ainda que em praça pública, quando sem fins lucrativos, atende a inequívoco fim cultural e, portanto, não deveria estar limitada pela cobrança de direitos autorais.

Conclusões

A iniciativa do Ministério da Cultura de abrir uma consulta pública sobre uma lei de tamanha relevância para a população é positiva, mas ainda há muito que se avançar rumo a uma redação final da lei que contemple mais os interesses da população como um todo e dos autores de obras intelectuais do que os de editoras, gravadoras e produtoras de filmes.

A indústria cultural está unida em torno da manutenção de seus interesses econômicos. É preciso que a sociedade civil e os interessados em geral se organizem em torno de propostas que ampliem as possibilidades de usos não onerosos de obras intelectuais protegidas. Não se pode admitir que uma lei concebida para estimular a criatividade seja a grande responsável pela limitação da produção e da divulgação da cultura nacional. Há que se proteger, sim, os direitos dos autores, mas é preciso conciliá-los com o justo interesse da população em geral de copiar obras livremente para uso pessoal, quando o fizer sem fins lucrativos.

 

*Professor da Faculdade de Direito da UFMG.

 

 

A Bahia na trincheira

Padre Adenilton não era profeta. Mas percebeu que aquela menina tinha talento para a comunicação. Incentivada pelo padre, aos nove anos, Gislene Moreira começou a trabalhar em uma rádio comunitária na cidade baiana de Rui Barbosa, distante 300 quilômetros de Salvador, e não parou mais. Filha de camponeses e relações públicas por formação, Gislene era coordenadora de articulação da ONG Cipó – Comunicação Interativa e agora está no México, onde cursa o doutorado. Gil, como é conhecida, participou do grupo de trabalho que organizou a I Conferência de Comunicação Social da Bahia, realizada em agosto passado.

A Conferência teve como objetivo promover o direito humano à comunicação e já se tornou um marco histórico. A Bahia, que teve um papel importante na consolidação da independência do Brasil – quando expulsou os portugueses de Salvador, em 2 de julho de 1823 –, agora se destaca com a Conferência de Comunicação, a primeira do gênero realizada no Brasil, uma importante contribuição para a democratização da comunicação em nosso país.

Na Bahia, assim como em outros estados brasileiros, o coronelismo sempre dominou os meios de comunicação. “É preciso muita coragem para enfrentar os 500 anos de dominação da nossa história, que hoje se traduz na dominação dos meios de comunicação”, destacou Gil Moreira na abertura da Conferência.

Pouco tempo atrás, seria impensável fazer o que o governo da Bahia e a sociedade civil fizeram. Uma ampla e democrática conferência para discutir políticas públicas e democratização da comunicação. Nunca houve diversidade nos meios de comunicação da Bahia. Uma única e poderosa voz determinava o que os baianos liam e assistiam nos meios de comunicação.

Falecido há pouco mais de um ano, o ex-governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães – mais conhecido como ACM – comandava essa voz. Amigo próximo do empresário Roberto Marinho (Organizações Globo), controlava um império de comunicação que incluía seis geradoras e 311 retransmissoras de TV (todas afiliadas da TV Globo), além de rádios, jornais e uma operadora de TV paga.

A eleição do governador Jaques Wagner (em 2006) foi a maior derrota política de ACM e a realização da Conferência de Comunicação representa mais um revés para os poderosos coronéis midiáticos, que insistem em tentar manter a comunicação sob a tutela de seus interesses e, assim, se perpetuar no poder.

“A democracia brasileira não será completa se não cumprirmos a etapa da democratização da área de comunicação”, advertiu o secretário de Comunicação da Bahia, Robinson Almeida, coordenador-geral da Conferência. “O estado tinha que dar sua contribuição e demonstrar para o Brasil que é possível fazer um debate democrático sobre comunicação”, concluiu.

Segundo o governo da Bahia, mais de 2.500 pessoas, das várias regiões do estado, se mobilizaram e participaram das oito plenárias preparatórias, realizadas de Eunápolis (no Sul do estado) a Juazeiro (no Norte). Nessas reuniões, foram eleitos os 300 delegados que participaram do evento em Salvador.

Os baianos demonstraram grande capacidade de mobilização e de comprometimento com a Conferência, que não se esvaziou ao longo dos três dias de trabalho. O calor dos debates deixou claro que a sociedade brasileira deseja mudanças urgentes na comunicação e quer participar das decisões sobre as políticas públicas do setor.

“As empresas de comunicação defendem a democracia e a liberdade de expressão, mas não admitem uma diversidade maior. Os meios de comunicação debatem tudo, menos a realidade deles próprios”, reflete Carlos Tibúrcio, assessor especial da Presidência da República, que representou o governo federal no evento. “Eu espero que [a Conferência] se reproduza pelos 26 estados da federação e pelo Distrito Federal para que consigamos, de fato, dar um passo significativo nesse processo de consolidação da democracia no país”, acrescentou Tibúrcio. O secretário Almeida completou: “É possível fazer uma conferência estadual e é possível fazer uma conferência nacional”.

Formada em 2007, a Comissão Pró-Conferência Nacional de Comunicação reúne mais de 20 entidades da sociedade civil organizada e tem como objetivo mobilizar a sociedade e pressionar o governo federal para convocar uma conferência nacional a ser realizada em 2009.

Apesar de a comissão já ter apresentado a proposta para os ministros Luis Dulci, Franklin Martins e Hélio Costa, ainda não há sinal de que o governo pretenda atender essa demanda. Apoiado em conceitos absurdos como a liberdade de expressão comercial, o lobby dos controladores da mídia – representado pelos 198 deputados e 38 senadores da Frente Parlamentar da Comunicação Social – tem conseguido evitar o debate e retardar a convocação da conferência. Seria muito útil se os empresários do setor praticassem a responsabilidade social empresarial e se dispusessem a debater as questões da comunicação com a sociedade.

A Comissão Pró-Conferência participou ativamente do evento. “O evento demonstra ao governo Lula, em especial ao Ministério das Comunicações, que a nação brasileira quer e exige a realização da conferência nacional, para poder discutir políticas públicas de uma comunicação inclusiva que represente as diversidades brasileiras”, afirmou José Sóter, coordenador executivo da Abraço Nacional – Associação Brasileira das Rádios Comunitárias – entidade integrante da Comissão.

A deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) também participou do evento em Salvador. “Pelo peso que tem a Bahia, essa Conferência vai ter impacto político junto ao governo federal para que se consiga a Conferência Nacional de Comunicação. Nós temos que ir ao presidente Lula”, clamou a deputada. Erundina integra a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara, espaço onde os interesses das empresas de comunicação sempre falaram mais alto do que os interesses da sociedade.

Atualmente, a CCTCI é presidida pelo deputado Walter Pinheiro (PT-BA), que demonstra estar alinhado às reivindicações da sociedade e defende a urgência da convocação da conferência nacional. “Nós queremos a conferência para discutir o uso da comunicação como ferramenta de democratização”, afirmou Pinheiro em entrevista para o Observatório do Direito à Comunicação.

No documento final do evento, a Carta da Bahia, há um destaque para o controle social da mídia. A plenária propõe a criação do Conselho Estadual de Comunicação, cobra ações do governo para a universalização do acesso à internet banda larga e entende que é essencial o fortalecimento da comunicação comunitária (rádios e TVs) no estado.

“Se nos for garantido o direito à comunicação, iremos assim quebrando paulatinamente os monopólios das minorias privilegiadas sobre os meios de comunicação social de massa e combatendo os impérios oligárquicos regionais vinculados à propriedade privada sobre a terra e os meios de produção”, prega o documento. Mais um importante passo foi dado para a democratização da comunicação no Brasil.

Secom quer receber projeto de mídia alternativa

Antonio Guimarães Souza, ex-preso e perseguido político na ditadura, atualmente secretario-executivo de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), afirmou, no I Congresso de Ex-Presos e Perseguidos Políticos de São Paulo, que a Secom orienta as empresas estatais a dialogarem e patrocinarem eventos com os movimentos sociais, além de tentarem interferir contrário ao acúmulo de vinculação publicitária em poucos veículos de comunicação.

“O governo precisa ter uma política de comunicação clara, para não ser um instrumento de concentração. Estamos orientando as empresas dialogarem com os movimentos sociais”, explicou. Em seguida, enfatizou a necessidade de pressionar por um outro modelo de comunicação. “Para poder incentivar sites e jornais ligados [aos movimentos sociais], criem um programa e apresentem a Secom”, convocou. “A imprensa alternativa tem que se unir criar um plano de comunicadores sociais e apresentar para mim”, resumiu.

Souza participou do Congresso, nesta sexta-feira, 14, no seminário que abordou os meios de comunicação, a cultura e a herança de censura na época da ditadura.

Radiodifusão comunitária: uma batalha desigual

Essa novela você não assistirá na TV. Nem lerá nada a respeito nos jornalões. Muito menos escutará o resumo dos capítulos no rádio do seu carro. O roteiro foi escrito pelas entidades militantes da comunicação e batizado de O Direito de Nascer. A inspiração veio do título veio da famosa radionovela cubana da década de 1940, que foi produzida no Brasil no rádio e na televisão em três versões. A trama é longa, portanto apresentamos uma sinopse resumida.

O primeiro capítulo acontece no ano de 1998, quando foi aprovada a lei nº 9.612, que autoriza a existência de rádios comunitárias. Até então, esse conceito não existia e todas eram consideradas “piratas” ou “clandestinas”. Os grandes grupos de comunicação não gostaram dessa idéia, mas não conseguiram evitar que o projeto fosse aprovado no Congresso. A partir da aprovação, foi expedido o aviso de habilitação para os interessados em um lugar no dial.

Pano rápido. O cenário é uma quadra poliesportiva na rua da Mina, no bairro de Heliópolis, na periferia de São Paulo. Estamos no dia 11 de agosto de 2007, um sábado. O clima é festa. Neste endereço funciona o União de Núcleos, Associações e Sociedade de Heliópolis e São João Clímaco (Unas), a entidade que gere a rádio Heliópolis.

Depois de mais de um ano fora do ar, finalmente a rádio voltou a funcionar na freqüência 87,7 Mhz. Fundada em 1997, a rádio cobre as cinco maiores favelas de São Paulo. Em seu entorno vivem cerca de 100 mil pessoas, que podem acompanhar a programação ao vivo entre as seis da manhã e a meia-noite. Estima-se que 34% dos moradores das áreas onde chega o sinal são ouvintes fiéis da Heliópolis, que ganhou diversos prêmios, entre eles o da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Motivos não faltavam para comemorar. A rádio foi fechada e lacrada pela justiça e órgãos reguladores do setor desde 20 de julho de 2006 em uma ação que lembrou a repressão dos tempos da ditadura.

Para voltar à ativa, Heliópolis teve que buscar uma brecha na lei: vai funcionar, por enquanto, apenas em caráter experimental. O retorno só foi possível graças a uma parceria entre a Unas e a Universidade Metodista de São Bernardo do Campo e ao apoio da Oboré Projetos Especiais em Comunicação e Artes. A idéia é que em sua nova freqüência (87,7 FM), a rádio Heliópolis passe por testes para verificar se há ou não interferência nas rádios comerciais. No dia da festa, nenhum jornalista da grande ou média imprensa apareceu. Os únicos microfones e câmeras eram dos veículos da região ou de estudantes que faziam um trabalho de conclusão de curso.

 Mas por que uma rádio que opera abertamente, é premiada e já cansou de provar sua importância para a comunidade tem que operar em caráter experimental? “A rádio nunca ficou escondida. Não era regularizada porque as condições não permitiam. O Ministério não publicava os avisos de habilitação”, diz Cristina Cavalcanti, responsável pelo escritório paulista da Amarc (Associação Mundial das Rádios Comunitárias). Pano rápido.

Quinta feira, 16 de agosto. Depois de cinco dias debruçados sobre dados da Anatel e do Ministério das Comunicações, o coletivo Intervozes publica na página eletrônica do Observatório do Direito a Comunicação um documento explosivo: mais de 90% das emissoras de FM de São Paulo estão com outorgas vencidas, mais de 50% não tem outorga para operar na capital e estão consignadas para empresas de outros municípios.

Grupos usam de artimanhas jurídicas como forma de burlar os princípios da legislação para possuir diversas emissoras; 50% das permissões “educativas” não cumprem sua função social. “Dois grandes grupos orgulham-se de ter cinco emissoras de FM transmitindo para São Paulo, chegando a vender publicidade casada para as diversas emissoras. O Grupo Bandeirantes controla a Band FM, BandNews, Bandeirantes, Nativa e Sul-América Trânsito. Já o grupo CBS, dos irmãos Paulo e José Masci de Abreu, controla a Kiss, Mundial, Tupi, Scalla e Terra”, explica o relatório do Intervozes. 

Sobre púlpitos e palanques

O estudo do Intervozes e o capítulo da reabertura da Heliópolis são as duas pontas mais visíveis de uma guerra surda e subterrânea que está sendo travada em São Paulo. Para entender este episódio cheio de meandros técnicos é preciso um breve preâmbulo. A cidade de São Paulo foi a última do Brasil a receber o aviso de habilitação do Ministério das Comunicações para as rádios comunitárias. Dizia a justificativa oficial que a maior metrópole do país simplesmente não tinha mais espaço no dial para receber um novo canal, destinado as rádios comunitárias. “O dial é limitado. São freqüências. Como as rádios comerciais da cidade ocupavam todas as freqüências, a Anatel contratou o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD) para encontrar uma freqüência. Em 2004, a Anatel divulgou que encontrou o canal 87,5. Mas apenas em dezembro de 2006 o aviso foi expedido”, explica Anna Cláudia Vazzoler, advogada e coordenadora jurídica do escritório-modelo Dom Paulo Evaristo Arns, da PUC-SP. Ela foi uma das responsáveis por dar auxílio jurídico às associações que pleitearam licença para operar.

As pretendentes deveriam ter baixa potência e alcance restrito e manter uma distância de quatro quilômetros uma das outras. Cento e trinta entidades enviaram documentação para o ministério. “Estima-se que existe espaço apenas para 40 ou 50 rádios”, explica Cláudia. Das pretendentes, 117 cumpriam todos requisitos. “Várias foram desclassificadas por serem claramente religiosas. Em outras, não há como perceber isso pela razão social. Tem que esperar entrar no ar para praticar proselitismo. Existem, ainda, comerciais disfarçadas de comunitárias. Mas a maior parte é comunitária no melhor sentido da palavra”, pontua João Brant, do coletivo Intervozes.

Assim, como decidir quem entra e quem fica de fora entre as que estão aptas? É aí que começa o capítulo mais dramático desta novela. “A lei diz que o ministério deve promover o entendimento entre as emissoras, buscando que elas se componham. Acontece que esse entendimento não foi promovido”, diz João Brant. O critério de “desempate” em caso de duas rádios que pleiteiem uma vaga na mesma região é o maior número de apoios – leia-se assinaturas da comunidade. “Com isso, as associações que conseguiram mais 'apoios' não vão querer se compor. Quem tem mais estrutura, leva. É só mandar gente para a porta do metrô para recolher assinatura. Ou passar a lista depois do culto da igreja evangélica”, dispara Sergio Gomes, da Oboré, empresa que lidera o movimento Pelo Direito de Nascer.

 “Tivemos notícia de muitas associações que conseguiram as assinaturas de maneira trapaceira. Não temos prova, mas sabemos que muitas foram investigadas”, completa Cristina, da Amarc. Os capítulos finais do Direito de Nascer devem acontecer em dois fronts. O primeiro é a batalha por mais um canal no dial de São Paulo para abrigar as rádios comunitárias. O espaço existe, só está mal ocupado. O outro é tentar mudar os critérios de desempate, para algo como, por exemplo, uma comissão formada por pessoas de notório saber que decidiriam as pretendentes. De qualquer forma, já é um avanço que este debate exista. Só falta o público ficar sabendo. 

São Paulo tem um plano

Uma lei municipal de 2005 deu à cidade de São Paulo a autonomia de decidir sobre as outorgas. Por iniciativa dos vereadores Ricardo Montoro (PSDB) e Carlos Neder (PT), foi sancionada pelo então prefeito José Serra a lei que inclui no Plano Diretor da cidade um plano diretor para as rádios comunitárias. A municipalização das outorgas, entretanto, está sendo contestada na Justiça paulista pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Além disso, o ministério não autorizou nenhuma rádio comunitária a funcionar na capital paulista. 

 “São Paulo instituiu, no Plano Diretor da cidade, a obrigatoriedade de o município criar um plano diretor de radiodifusão comunitária. Transformou a questão do planejamento da localização das rádios comunitárias em uma questão de legislação municipal. Foi pioneira. A cidade tem uma topografia acidentada, muitos prédios. A localização das emissoras não pode seguir um critério abstrato, como se a cidade fosse plana. Além disso, esse critério estúpido, uma rádio a cada quatro quilômetros da outra, deixa muitos brancos, áreas descobertas. Em São Paulo os interesses das emissoras já regulamentadas é maior. Elas têm muita força política e não têm interesse em que as verdadeiras comunitárias entrem em funcionamento. O processo aqui está enrolado”, informa o ex-vereador Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, que é um dos líderes do movimento em defesa das rádios comunitárias.

Sistema de concessões perpetua oligopólio na radiodifusão

No próximo dia 5 de outubro, vencem as concessões das principais emissoras de TV brasileiras. Entre elas, estão cinco concessões da Rede Globo – em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Recife e Minas Gerais. Neste dia, caberá ao Executivo federal, por meio do Ministério das Comunicações e da Casa Civil, aceitar ou não os pedidos de renovação, por mais 15 anos, e submeter sua decisão do Congresso Nacional, que tem a palavra final no processo. 

O que pouca gente sabe é que tal procedimento, de tamanha importância para o país – é redundante afirmar o papel político, econômico e social que os meios de comunicação, sobretudo a TV, desempenham em nossa sociedade – será nada mais do que um rito burocrático. Mas, para evitar que a data passe em branco, movimentos sociais e entidades ligadas à luta pela democratização da comunicação planejam promover manifestações e chamar a sociedade para debater o modelo das concessões públicas de radiodifusão. Um modelo que contribuiu de forma decisiva para fazer da Globo o império que ela é hoje. 

“O mercado de televisão no Brasil, especificamente, não era oligopolizado até a década de 1970. Chateaubriand tentou até monopolizar, mas a Globo, durante a ditadura militar, atualiza o projeto das elites do setor e do governo no período anterior. Dadas as condições técnicas, ela pôde ocupar um espaço que os Diários Associados do Chatô não podiam sequer sonhar”, esclarece a cientista social da Universidade Federal de Pernambuco Maria Eduarda Rocha. Ela atribui a concentração de capital e produção da Rede Globo à própria construção da indústria cultural no Brasil, que pressupõe centros produzindo para um vasto território. 

Maria Eduarda cita ainda como fatores que foram fundamentais para a estruturação da Globo na década de 1960 o famoso acordo com a Time-Life, realizado em 1962, responsável por injetar capital estrangeiro na emissora, algo que ia contra a legislação vigente. “Há um fator mais forte que é a relação entre o empresariado da cultura e governo militar, que era muito orgânica. O governo permaneceu como maior anunciante, o que era um grande instrumento de controle, sendo que a Globo foi a grande captadora de verba publicitária do regime”, sustenta. 

Mas não foi só à época da ditadura que o regime de concessões e o Estado favoreceram a Globo. Durante o governo Sarney (1985-1989), o ministro das Comunicações Antônio Carlos Magalhães promoveu uma verdadeira farra de distribuição de concessões na área de radiodifusão. Paulino Motter, doutor em Ciências Políticas, na dissertação de mestrado A batalha invisível da Constituinte, mostra que em três anos e meio Sarney distribuiu 1.028 outorgas, aproximadamente 25% delas no mês de setembro de 1988, que antecedeu a promulgação da Constituição. Quase todos os beneficiados foram parlamentares que, direta ou indiretamente, receberam as outorgas em troca de apoio político aos cinco anos de mandato e o regime presidencialista. Motter mostra que, dos 91 constituintes que receberam ao menos uma concessão de rádio ou de televisão, 82 (90,1%) votaram a favor do mandato de cinco anos.

Além de beneficiar a Globo e Sarney, ACM também aproveitou sua estada no governo federal para incrementar sua influência na área da comunicação na Bahia. A maior parte das concessões das emissoras que integram a Rede Bahia são dessa época. Antônio Carlos Magalhães Júnior é o presidente da Rede Bahia. Em 1987, a TV Bahia, do grupo, se tornou afiliada da Rede Globo, desbancando a TV Aratu, que retransmitia o sinal da emissora da família Marinho havia 18 anos. 

Perpetuação do oligopólio

O processo constituinte não foi somente um palco generoso onde parlamentares receberam concessões para apoiar Sarney. O lobby pesado dos radiodifusores garantiu condições bastante especiais aos prestadores de serviço no rádio e na TV. A Constituição Federal estabelece que, para uma concessão não ser renovada, é necessária a deliberação de dois quintos do Congresso Nacional em votação nominal. E, para ser cancelada, requer decisão judicial, contrariando assim a regra geral da prestação de serviço público. 

Mas foi durante o regime militar, que regulamentou o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) promulgado em 1962, que foram definidas as primeiras regras para outorgas e instalação de emissoras. O CBT, em geral, buscava facilitar ao máximo a ocupação de todas as freqüências disponíveis e abria com isso um flanco para a expansão do setor privado, sem garantias ao interesse público. 

Em seu livro A história secreta da Rede Globo, o jornalista Daniel Herz escreveu que a legislação brasileira para a radiodifusão “é carente de definições de princípios” e prende-se “quase que exclusivamente a definições técnicas e a tributações de competência”. “O Código omite-se na definição de princípios que orientem o uso privado desse recurso (…) de domínio público”, afirma. 

Em 1979, ao apresentar as diretrizes para a radiodifusão, o presidente João Figueiredo reforçou ainda mais o caráter privatista do serviço, determinando que a radiodifusão é uma atividade eminentemente privada, que o papel do Estado é “meramente supletivo” e que a concessão de canais de radiodifusão deve levar em conta, além dos critérios técnicos e legais, a viabilidade econômico-financeira dos empreendimentos. 

A Constituição de 1988 tentou restabelecer o caráter público da comunicação. O artigo nº 221, por exemplo, diz que a produção e programação das emissoras de rádio e TV devem atender preferencialmente a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas – princípios estes definidos desde o CBT; devem promover a cultura nacional e regional e o estímulo à produção independente; e respeitar os valores éticos e sociais das pessoas e da família. Apesar disso, o caminho para o descumprimento de tais normas foi deixado totalmente aberto, dependendo de regulamentação posterior, e por isso os artigos da Constituição referentes à comunicação seguem ignorados pelos concessionários e pelo Poder Executivo. 

Ausência de critérios Se os princípios constitucionais para a operação das emissoras de rádio e TV são ignorados no dia-a-dia, a situação para a escolha das empresas que poderão explorar o serviço de radiodifusão não é nada melhor. Segundo a legislação, a concessionária deve ser escolhida mediante processo de licitação – o que, em sua origem, pretendia garantir tratamento isonômico aos participantes. 

Ao longo dos anos, no entanto, ficou claro, pelos sucessivos decretos que alteraram os dispositivos do CBT que o foco para a escolha dos concessionários era meramente econômico. Em 1996, o decreto nº 2.108 estabeleceu para o critério de pontuação que 40% dos pontos da licitação vêm do prazo para iniciar a execução do serviço em caráter definitivo – enquanto 30% vêm do tempo destinado a programas culturais, artísticos e jornalísticos gerados na localidade; 15% do tempo destinado a programas jornalísticos, educativos e informativos e 15% do tempo destinado a serviço noticioso. 

A lei também exige dos interessados documentação relativa à sua qualificação econômico-financeira, incluindo balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social que comprovem a boa situação financeira da empresa. Ou seja, os critérios favorecem o poder econômico e as empresas grandes e já estruturadas, em detrimento da diversidade e pluralidade de vozes. 

“Ao introduzir a licitação para a concessão de outorgas, privilegiando o aspecto econômico, do ponto de vista contratual, e abandonando outros critérios, o mais importante ficou esquecido”, acredita Venício Lima, pesquisador e professor da Universidade de Brasília. “E assim a comunicação comercial se consolidou: sem nunca obedecer às prioridades para a radiodifusão definidas na própria lei”, completa. 

Aliado à ausência de mecanismos claros que impeçam o monopólio dos meios de comunicação – também proibido pela Constituição –, o privilégio ao aspecto econômico das empresas resultou num quadro de elevada concentração da propriedade dos meios no país. 

Dados do estudo Os Donos da Mídia, do Instituto de Estudos e Pesquisa em Comunicação, mostram que somente seis redes privadas nacionais de televisão aberta e seus 138 grupos regionais afiliados detêm a propriedade de 667 veículos de comunicação, entre emissoras de TV, rádios e jornais. O campo de influência dessas redes privadas se capilariza por 294 emissoras de televisão VHF que abrangem mais de 90% das emissoras nacionais. Somam-se a elas mais 15 emissoras UHF, 122 emissoras de rádio AM, 184 emissoras FM e 50 jornais diários. Somente as Organizações Globo detêm 32 concessões de TV e possuem 113 afiliadas no país, obtendo 54% da audiência. 

A ausência de critérios se estende após a obtenção da concessão. A venda de outorgas, por exemplo, permitida por lei, é quase um processo de transferência privada. “Nas transferências, não há nenhum tipo de fiscalização da autoridade pública. Eu sou concessionário, você tem interesse, eu vendo minha outorga pra você ou para qualquer empresa ou pessoa, de acordo com o meu interesse”, explica Lima. 

Pior na renovação

Na avaliação do professor da UnB, a situação é pior nos processos de renovação das concessões. Além da não-renovação precisar da votação nominal de dois quintos do Congresso, Lima faz duas observações. “Em primeiro lugar, mesmo se as concessionárias ignoraram ao longo dos anos os princípios que regem a radiodifusão, previstos no artigo nº 221, isso não aparece como critério. Em segundo, embora haja uma série de exigências formais e técnicas, de comprovação fiscal da empresa para a renovação, o processo demora tanto que as comprovações perdem a validade. Na prática, as concessões acabam se transformando em propriedade permanente e as renovações são pró-forma”, avalia. 

A obrigação das concessionárias que desejarem a renovação dos prazos é dirigir requerimento ao Ministério das Comunicações no período entre 180 e 120 dias antes do término do prazo. Mas há casos de processos de renovação que saem do Executivo 14 anos depois de abertos, ou seja, 4 anos depois de vencido o prazo que deveria ter sido renovado. Segundo relatório da subcomissão de concessões da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI), o tempo total médio de tramitação no Poder Executivo é de 6,5 anos – sendo que o prazo de validade da outorga, no caso do rádio, é de dez anos. “Assim, na média, cabe ao Congresso Nacional apreciar apenas 3,5 anos das outorgas, visto que os 6,5 anos restantes já decorreram quando o processo fica finalmente disponível para apreciação pela Câmara”, diz o relatório. 

Para seguir funcionando, as empresas refugiam-se nos decretos que regem os processos de renovação, todos anteriores à Constituinte. Um deles diz que, “caso expire a concessão ou permissão, sem decisão sobre o pedido de renovação, o serviço poderá ser mantido em funcionamento, em caráter precário”. A previsão da precariedade, sem qualquer prazo ou limite, conflita com o CBT, que afirma que “expirado o prazo de concessão ou autorização, perde, automaticamente, a sua validade a licença para o funcionamento da estação”. 

“Se, para seguir funcionando, uma emissora não precisa que o processo previsto na Constituição chegue ao fim, o que vale na prática é o simples ato de protocolar um documento em que solicita a renovação. E, se o Ministério das Comunicações, por sua morosidade ou incompetência, não dá seguimento aos processos de renovação das outorgas, ele passa, na prática, a invadir a competência do Congresso Nacional, possibilitando às emissoras funcionarem sem terem a sua concessão renovada”, acredita a jornalista Cristina Charão, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, organização da sociedade civil que luta pelo direito à comunicação. 

Fórum solicitou ao ministério a informação de se as emissoras que terão sua concessão vencida no dia 5 de outubro haviam encaminhado este pedido. Mas não obteve resposta. 

Às escuras

Como já dito, não bastasse a falta de transparência nos processos de concessão e renovação das outorgas, os 15 anos que as emissoras de TV e os dez anos que as de rádio exploram o serviço de radiodifusão são de total “rédeas soltas”. Não há nenhum tipo de fiscalização, por exemplo, se as emissoras destinam o mínimo de 5% obrigatório do horário de sua programação diária à transmissão de serviço noticioso. Ou se respeitam o limite máximo de 25% de seu horário à publicidade comercial. Menos ainda se reservam cinco horas semanais para a transmissão de programas educacionais. Acredite ou não, o decreto que regulamenta o CBT impede que rádios e TVs transmitam programas que atentem “contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento” e veiculem espetáculos, trechos musicais cantados, quadros, anedotas ou palavras contrárias “à moral familiar e aos bons costumes”. Mais distante da realidade da nossa TV aberta impossível. 

Outra norma que passa ao largo da fiscalização do governo é o artigo nº 54 da Constituição, que proíbe aos parlamentares do Congresso Nacional “ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada”. O Regimento Interno da Câmara também proíbe a votação dos parlamentares em assuntos que sejam de seu próprio interesse. 

Um estudo de Venício Lima acerca da última legislatura, no entanto, apontou que 10% dos deputados federais eram controladores de empresas de radiodifusão. No ano de 2004, a Comissão da Câmara com atribuição para examinar as outorgas e renovações do serviço era composta por 33 deputados, dois quais 15 figuravam na lista do Ministério das Comunicações como concessionários de 36 emissoras de rádio e três canais de televisão. 

“Isso cria um problema gigante”, afirma Lima. “Há uma contaminação do processo, pelo fato de, tradicionalmente, haver vários parlamentares com interesse direto em jogo, para aprovar ou prorrogar concessões, compondo a CCTCI”, diz. A própria subcomissão de concessões da CCTCI admitiu que, até agora, as renovações eram aprovadas em bloco sem obedecer a nenhum critério. Alguns parlamentares pegos votando em suas concessões alegaram justamente a votação em bloco como defesa. 

Recentemente, o ministro das Comunicações Hélio Costa – que já foi proprietário de uma emissora no interior de Minas Gerais – garantiu que não há parlamentares ocupando cargos de direção em emissoras de rádio e TV. “Mas a questão de ser membro da diretoria ou apenas sócio da emissora é uma filigrana. Se é parlamentar, se transforma em poder concedente. Então há um impedimento ético se participa de decisões que lhe interessam”, acredita Lima. 

Apesar da garantia de Costa, no início de agosto o MiniCom anunciou um recadastramento de todas as concessionárias de radiodifusão. As empresas terão 60 dias para enviar informações sobre composição do capital, quadro de diretores, procuradores com poder de gerência, endereço e nome fantasia. O último recadastramento foi em 1973. Não é demais lembrar que, por lei, qualquer mudança no quadro societário e contrato social da empresa deveria ser solicitada previamente ao Ministério. Sinal de que não foram.

* Colaborou Glauco Faria

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