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A Nova Era da radiodifusão sonora digital

O século XX foi marcado pela tecnologia do rádio. Hoje, o discurso é a digitalização e a revitalização do rádio, hipótese que trata de manter o status quo. O debate desencadeia-se tal qual fosse um todo: único e inequívoco. A digitalização é compreendida como manifestação seqüencial ao que já existe. Objetiva-se manter o serviço preexistente, evidenciando melhoria na qualidade sonora.

Atualmente, as novas mídias de armazenagem e reprodução de áudio provocam rupturas na forma de interagir com o rádio. A tecnologia, progênie e aliada histórica do rádio, se reapresenta como um obstáculo – mais poderoso que todos os outros empecilhos concebíveis – metamorfoseando- se em comportamento sócio-tecnológico, que está mergulhado num novo contexto de serviços e mercado. Não é admissível escolher tecnologias aplicáveis às massas populacionais sem considerar os comportamentos sociais.

A nova (r)evolução tecnológica teve início nos dispositivos de telecomunicações. O impacto nestas redes, e nas empresas prestadoras destes serviços, está em curso inicial, mas já se entende avassalador. O mundo das telecomunicações avança sobre os serviços de radiodifusão. Não mais se trataria de regulamentação legal, pseudo-estrutura tal qual um dique de contenção e manutenção da separação. As redes de telecomunicações demandam conteúdos diferenciados, cujo preparo está, historicamente, nas mãos da radiodifusão.

Além da simples melhoria de qualidade sonora e de recepção, é necessário viabilizar que os radiodifusores obtenham qualidade eqüitativa na plataforma tecnológica, para então diferenciarem-se em suas capacidades peculiares de produção, veiculação, conteúdos e área de cobertura.

Há uma definição encaminhada para encerrar-se na incipiente tendência internacional, que não permite considerar as diversidades de nosso país, nem de nossos radiodifusores. A digitalização poderá viabilizar frente competitiva aos serviços desenvolvidos nas redes convergentes de telecomunicações. Os comportamentos dos ouvintes tendem a mudar, influenciados e instrumentalizados por novos dispositivos tecnológicos. Se o receptor de rádio digital caracterizar-se inferior aos demais disponíveis à população, a transmissão deixará de ser a melhor opção para manter o contato com aquele que hoje denominamos ouvinte.

A escolha encaminhada pauta-se nos limites que as alternativas sistêmicas comerciais propõem, porém, compromete modelos de negócio mais poderosos. Para nós, a limitação de banda digital – taxa de transmissão – é o aquileu. Se não obtivermos tecnologia capaz de diversifi car serviços e manter atualização nas duas próximas décadas, as demais alternativas, disponibilizadas consecutivamente pela posteridade de concorrentes ao rádio, cessarão audiências.

A inovação tecnológica na radiodifusão sonora deve apresentar-se enquanto novidade que traga propostas interessantes para os ouvintes, além de proporcionar crescimento sustentado e maior capacidade de (re)criar inovação de valor. A vantagem competitiva estará focada em servir necessidades crescentes dos ouvintes, a partir da infra-estrutura tecnológica que for definida para a digitalização. Não é adequada a adoção, neste momento, de uma inovação incremental, que já se revela incapaz diante das competições. O modelo deverá ser apropriado para um longo período, porque o radiodifusor brasileiro apresenta grandes limitações financeiras para investir na completa troca de equipamentos. Os radiodifusores não poderão aplicar grandes investimentos a cada cinco anos. Sucumbirão frente tal circunstância.

A importância da radiodifusão sonora é reconhecida. É natural reivindicar políticas de desenvolvimento científico, tecnológico e industrial que sustentem uma radiodifusão apta aos desafios do novo milênio. É fundamental identificar e compreender as “novas exigências”. Adotar qualquer solução técnica sem considerar as transformações em curso ou, mesmo, tentar impedi-las por artifícios, resultará na gradativa extinção da radiodifusão sonora brasileira.

Temos domínio da tecnologia para afirmarmos que somos capazes, no Brasil, de desenvolver as soluções que atendam demandas, para sustentar a radiodifusão sonora neste futuro cenário. A maior difi culdade é, de fato, a atitude dos atores que influem na tomada de decisão. Cabe, naturalmente, esforço de compreensão, mobilização e reivindicação para encaminhamentos sólidos e bem sucedidos nos anos subseqüentes.

* Marcus Manhães é pesquisador do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD). Possui mestrado em Educação pela Unicamp. Participa do desenvolvimento de projetos de telecomunicação wireless, passando por sistemas de rádio e televisão digital e telefonia celular.

Tendências regulatórias dos serviços de comunicações no EUA

Na década de 70, nos EUA, houve intenso questionamento a respeito do modelo de regulação da radiodifusão. Passou-se a defender um modelo mais orientado para o mercado em que o direito à utilização do espectro eletromagnético seria disputado pelos radiodifusores em regime de competição. A escassez do referido espaço eletromagnético para a transmissão de sinais de televisão não seria um fator que justificaria o trusteeship model, eis que todos os bens da natureza existem em quantidade limitada. Se há escassez do bem, então deve ocorrer o aumento do preço por sua utilização e, conseqüentemente, haverá a otimização de seu uso. Ademais, com os avanços da tecnologia, há a ampliação do número de canais acrescentados ao espectro eletromagnético sem, necessariamente, gerar interferência em outros sinais.

Se fosse adotado um modelo de regulação da radiodifusão orientado totalmente para o mercado haveria o reconhecimento de um verdadeiro direito de propriedade sobre a utilização do espectro eletromagnético, mediante a obtenção de uma licença e o pagamento de uma taxa. Outra conseqüência direta desse modelo seria o afastamento da responsabilidade do governo sobre o espectro eletromagnético, o que ensejaria a aplicação de regras de mercado que comandariam a estrutura e o funcionamento da radiodifusão, ocasionando graves conseqüências em termos de equilíbrio da programação quanto à diversidade e quanto à radiodifusão pública.  

A partir das críticas ao modelo tradicional e as transformações históricas, no contexto do século XXI, a tendência é a de se adotar uma política regulatória do espectro eletromagnético considerando os diversos usos possíveis das freqüências (por exemplo: usos comerciais e não-comerciais, para radiodifusão ou comunicações pessoais por celular), mediante o aproveitamento das oportunidades decorrentes das inovações tecnológicas e a eficiência econômica na respectiva alocação, partindo-se da consideração das freqüências com um bem econômico extremamente valioso para o mercado.

Nesse sentido, nenhum modelo singular deve ser aplicado ao espectro, ao contrário há de ser adotada uma política de regulação que promova o equilíbrio entre os seguintes modelos: (i) “exclusive use” – um modelo de licenciamento, o qual um licenciado tem o direito exclusivo ao uso de específica parcela do espectro e  a flexibilidade na transferência desse mesmo direito dentro de uma definida área geográfica, com direitos de uso flexíveis que são governados prioritariamente por regras técnicas para proteger os usuários do espectro contra interferências; (ii) “commons” – permite números ilimitados de usuários que não necessitam de licença para dividir freqüências, com direito de uso que são governados por parâmetros técnicos ou padronizados, mas sem o direito à proteção contra interferências; e (iii) “command-and-control” – o tradicional processo de administração do espectro nos Estados Unidos, correntemente usado para a maior parte do espectro dentro da jurisdição da Comissão, na qual os usos disponíveis do espectro estão limitados com base nas decisões regulatórias. 

A regulação baseada no modelo de comando e controle deve ser adotada em circunstâncias limitadas de utilização do espectro eletromagnético, como é ainda o caso da radiodifusão. Existem ainda razões que justificam a regulação da radiodifusão baseada no modelo de comando e controle, ao invés de ser adotado o “common model” ou “exclusive use model”. De qualquer modo, a FCC deve, periodicamente, avaliar as políticas de regulação do espectro eletromagnético, para fins de utilização ao caso dos serviços de radiodifusão, especialmente para identificar os benefícios ao interesse público, decorrentes da aplicação desse modelo. 

Uma vez apresentada a questão envolvendo a regulação do espectro eletromagnético e as tendências para o século XXI, cumpre, agora, apresentar a análise que vai para além do espectro eletromagnético na medida que considera as políticas regulatórias em relação a todo o setor de comunicação, aí incluído o setor de televisão por radiodifusão. Na visão tradicional, tais políticas públicas eram realizadas, conforme a natureza do meio técnico de comunicação, atualmente, há a relativização quanto a esse aspecto, justamente em razão da emergência do conceito de plataformas informacionais que a seguir será exposto.  

Em verdade, o modelo está genericamente e abertamente estabelecido na lei. Trata-se de um modelo dinâmico, pois suas estruturas e seu respectivo funcionamento requerem a atuação da agência reguladora. Importa dizer que nos EUA, apesar da forte atuação do regime de economia de mercado (com a presença marcante das estruturas econômicas), o Estado não deixa de cumprir com seu papel na medida que estabelece as políticas públicas de comunicação, ainda que voltadas à orientação do mercado. 

Durante várias décadas após a Segunda Guerra Mundial, a FCC aplicou diversas políticas públicas focadas na radiodifusão, na transmissão aérea de sinais de televisão por estações de TV locais para as comunidades nos arredores. No último quarto de século, a FCC focou seu trabalho em políticas voltadas em razão da emergência de dois novos tipos de fornecedores de serviços de distribuição de multicanais de vídeo programação: companhias de televisão a cabo e operadores de sistema direto de satélite. Tais plataformas de distribuição de vídeo (radiodifusão local, cabo e satélite) diferem das telecomunicações ponto-a-ponto, mas em comum está o fato de transmitirem sinais de televisão para o mais amplo número de telespectadores ao mesmo tempo. 

A nova regulação adotada pelo Congresso, e executada pela FCC, está mais orientada para o mercado, sendo muito menos protecionista do que era em relação ao passado, inclusive desafia a concepção tradicional do mercado de distribuição de programação de vídeo como monopólio natural. De fato, a política regulatória tradicional de intervenção estatal sobre o setor de comunicações, aí incluída a televisão, há tempos vem sendo desafiada nos Estados Unidos, inclusive alguns críticos falam que tais políticas são ineficientes e injustificadas.

Em resposta às críticas, há aqueles que sustentam que, em face da centralidade da televisão na vida americana, o critério da eficiência econômica não é de todo modo aplicável, eis que os propósitos da regulação incluem a promoção do localismo no conteúdo da programação, a diversidade na programação e a preservação da liberdade quanto ao uso do espectro eletromagnético, principalmente  daqueles que não têm condições de acessar a televisão a cabo e a televisão por satélite. 

Em outros mercados, mediante mecanismos de competição, a diversidade de produtos e serviços é um dos objetivos da política antitrust. Entretanto, no contexto do mercado de programação de televisão, o Congresso e a FFC procuram intervir para produzir a maior diversidade que poderia mesmo ser justificada estritamente na perspectiva da eficiência econômica.

As políticas de regulação do mercado de televisão são divididas, basicamente, em três categorias, conforme relatam, Jonathan Nuechterlein e Philip Weiser. 

A primeira categoria consiste na regulação que disciplina as relações entre as diferentes plataformas de distribuição de vídeo, outorga ou obrigações em tais plataformas (estação de radiodifusão, operador de cabo ou operador de satélite) de transportar a programação de outros operadores. Tais regulações – as quais abrangem regras compulsórias de propriedades intelectuais, requerimentos para retransmissão consentida, obrigações de “transporte obrigatório” dos sinais, e regras de acesso à programação – são designadas para promover inúmeros objetivos, variando entre o localismo no conteúdo da radiodifusão para a preservação da televisão por radiodifusão livre e o desenvolvimento de plataformas alternativas de distribuição de vídeo.

A segunda categoria de política pública voltada à competição consiste nas regras estabelecidas para promover maior diversidade na programação, mediadas pelas relações verticais entre as plataformas de distribuição de vídeo e fornecedores de programação de vídeo. Tais regras incluem restrições em termos de financiamento e de afiliação (entre redes nacionais e emissoras locais), somente aplicáveis para as redes de radiodifusão, a ocupação de canais e limites para a propriedade horizontal que a FCC tem recentemente procurado impor nos sistemas de televisão a cabo. 

A terceira categoria de política orientada à competição consiste nos limites dados à propriedade múltipla na mídia de companhias em mercados geográficos específicos. Tais políticas, também, são estabelecidas não somente para evitar potencialmente a indevida concentração na publicidade e outros mercados locais, mas também para promover maior diversidade na programação, garantindo a multiplicidade de vozes dentro de dadas comunidades, particularmente em assuntos de preocupação local.

Michel Rosenfeld apresenta uma outra classificação em relação aos modelos de regulação norte-americanos, conforme o critério relativo ao papel desempenhado pelo Estado e a atuação dos atores econômicos privados. Primeiro, um modelo “processual puro” (o Estado encontra-se limitado ao oferecimento de suporte ao regime de economia de mercado, prestigiando as liberdades negativas; ao invés das liberdades positivas, havendo a proibição de influenciar os mecanismos de mercado). Segundo, um modelo substancial que implica a intervenção ativa dos poderes públicos em favor das liberdades positivas e uma ação privada e pública de forma articulada, em prol de uma concepção de bem comum. Terceiro, o modelo misto que combina os objetivos substanciais perseguidos pelo Estado com processos necessários à respectiva realização.

Enfim, as políticas públicas desenvolvidas pela agência reguladora visam à garantia da competição, da diversidade e do localismo, tanto em termos de estruturação do setor de comunicação quanto em termos de conteúdo da programação de televisão. Em outras palavras, a função das normas reguladoras serve à criação de estruturas de televisão comerciais e não-comerciais (criação de um setor privado e um setor público de televisão) e à garantia de que certos conteúdos sejam veiculados e outros conteúdos sejam restringidos total ou parcialmente, durante a programação de televisão. 

A par de considerações em termos de análise econômica, outros aspectos relacionados à liberdade de expressão e à democracia são também observados pelas referidas políticas públicas. Nesse sentido, a estrutura de mercado não é meramente analisada sob o ângulo da afirmação da liberdade de expressão dos agentes econômicos; ao contrário, ela também é enfocada como fator de restrição aos valores democráticos da liberdade e da igualdade à medida que a expressão dos grupos econômicos hegemônicos da sociedade pode, no contexto do debate público, silenciar as vozes dos grupos menos favorecidos.

Daí a importância da regulação estatal sobre o mercado em garantia do “debate aberto e inclusivo de questões de importância pública”, mediante “uma integral e isonômica oportunidade de participação no debate público”, eis que “o que a democracia exalta não é simplesmente a escolha pública, mas a escolha pública feita com informação integral e sob condições adequadas de reflexão”.

A história norte-americana apresenta momentos cíclicos de tensão entre a tradição “democrática” e a “liberal” em termos de regulação dos “broadcasting services”. O Estado, mediante o trabalho da FCC, ora atua em favor da liberdade de expressão apenas das emissoras de televisão (na realidade se abstém de interferir no mercado), ora atua positicamente em favor das demais liberdades de expressão, seja de outros agentes econômicos (produtores e distribuidores de conteúdo audiovisual), seja em favor do público telespectador.

Nesse contexto, o Brasil tem muito a apreender com os EUA no sentido de o Estado tanto respeitar o mercado quanto regulá-lo de modo a atender os anseios da sociedade e os princípios democrátricos.

“Sexo”, “dinheiro”, “padre”: haja apelação

É um escândalo a forma como a Folha noticia hoje os mais recentes desdobramentos do caso do padre Júlio Lancelotti – comentado aqui no artigo “Para não repetir a tragédia da Escola Base.

O retrospecto, em poucas palavras: depois que a polícia informou ter preso em flagrante um dos membros do grupo acusado pelo padre de chantageá-lo para não divulgar atos de pedofilia que teria praticado, uma mulher, que não quis se identificar, disse à TV Record e em seguida à polícia que certa vez viu o padre beijando um adolescente.

Ontem, a polícia informou a prisão de  três outros acusados de extorsão. O principal envolvido, Anderson Batista – lê-se na chamada de primeira página do Estado – “disse que o padre lhe dava dinheiro espontaneamente e que mantinham relações sexuais”.

Título da chamada: “Polícia vai pedir quebra de sigilo de padre Júlio”.

Agora, o título da chamada da Folha: “Ex-interno diz que fazia sexo por dinheiro com padre”.

É bem verdade que, no segundo parágrafo da nota, o advogado de Lancelotti, Luiz Eduardo Greenhalg, diz que "o padre é vítima, foi ele quem chamou a polícia e fez a denúncia de extorsão”.

Mas o que fica para o leitor, e disso não pode haver a menor dúvida, é a expressão sensacionalista “sexo por dinheiro com padre”.

Com isso, a Folha se equiparou aos mais repulsivos tablóides ingleses, dos quais se diz que fazem “jornalismo de esgoto”.

A apelação continua dentro, dessa vez no título “Igreja blinda padre e se protege” de um artigo assinado pelo repórter Leandro Beguoci. O título é uma versão engravatada daquele da primeira página.

O texto começa informando que, para a arquidiocese de São Paulo, “o padre Júlio Lancelotti se tornou alvo de um linchamento público que visa atingir a Igreja Católica e seu trabalho social”.

A análise flui aceitavelmente até derrapar na passagem “A igreja apela para a inocência de Lancelotti no momento em que perde fiéis e influência pública.” Tradução: não é que a igreja creia necessariamente na inocência do padre; fecha com ele para se defender a si própria.


Embora, na página seguinte, o advogado de Lancelotti, o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, tenha tido amplo espaço para fazer a defesa do seu cliente, que “nega tudo”, sabe-se que o leitor não costuma se fiar na palavra de advogados. Afinal, a função deles é essa mesma.

Pesa muito mais o que está na primeira das cinco matérias do Estado a respeito – e em nenhuma das três da Folha: a palavra do delegado que trata do caso, André Pimentel.

Ao informar que o padre continuará a ser tratado como vítima de extorsão, ele disse ao jornal:

“Todas as informações fornecidas pelos acusados serão checadas, mas, por enquanto, elas são apenas matéria de defesa. Seria leviano dizer que o conteúdo dos depoimentos é verdadeiro.”

Pelo visto, o policial tem uma coisa ou duas a ensinar sobre os riscos da leviandade ao trêfego pessoal da Folha.

A democratização da comunicação e o poder nas cidades

Há quase 20 anos da promulgação da “Constituição Cidadã”, o Brasil ainda enfrenta inúmeros desafios para a consolidação da sua democracia: garantia de direitos fundamentais, participação da população nas decisões políticas, superação da exclusão social, educacional, econômica, etc. A democratização da comunicação, ao mesmo tempo em que pode ser contabilizada entre estes desafios, é também condição indispensável para a efetiva democratização da sociedade.

Sem uma comunicação democrática, todas as lutas sociais – por moradia, reforma agrária, igualdade de gênero, entre tantas outras – esbarram na impossibilidade de disputar a opinião da sociedade sobre esses temas com aqueles que se intitulam “donos” dos meios de comunicação social.

Ao trazer essas questões para o âmbito local, da luta pelo poder nas cidades, ou melhor, da luta por igualdade de condições para exercer esse poder, percebemos que a questão da democratização da comunicação é chave. Podemos, como exemplo, traçar um paralelo com a democracia grega.

O modelo grego baseava-se em 3 fundamentos: a isonomia (igualdade perante as leis), a isocracia (igualdade de participação no poder) e a isagoria (igualdade de acesso à palavra durante as assembléias da pólis). Ou seja, a democracia só estaria completa com o pleno direito à comunicação garantido aos membros da pólis.

Sabemos, todavia, que não era permitido às mulheres e aos escravos participarem daqueles espaços públicos de debate e decisão. Hoje, fenômeno semelhante ocorre. Os excluídos da comunicação – a ágora moderna – são os atores sociais que tensionam e desafiam o status quo, a hegemonia neoliberal.

A reversão deste quadro, no qual a palavra democracia é usada retoricamente por aqueles que dominam os meios de comunicação, usando-os para a massificação dos seus próprios discursos, é um desafio para todos e todas que lutam por um outro modelo de sociedade, uma nova forma de participação política.

Muito embora a regulamentação da comunicação esteja fundamentalmente em âmbito federal, prefeituras e governos estaduais podem – e devem – empenhar-se na construção de políticas públicas que favoreçam a democratização da comunicação e estimulem a diversidade e pluralidade de mídias e de conteúdos. Entre as medidas possíveis estão a criação de conselhos de comunicação social e o estímulo a diferentes formas de comunicação comunitárias, especialmente rádios comunitárias.

Os conselhos seriam espaços de acompanhamento da mídia local, para onde a população poderia encaminhar suas reclamações, denúncias e sugestões sobre o conteúdo dos veículos de comunicação. Também proporiam políticas públicas para a comunicação do município ou do estado.

Já em relação aos meios de comunicação comunitários, estados e municípios podem criar programas de incentivo e fundos públicos para apoiar esses veículos. 

* Bráulio Ribeiro é membro do Intervozes.

TV Digital: o mundo é móvel, portátil e conectado

Desde quarta-feira, 17, os habitantes de Whiteheaven, Inglaterra, que tentam sintonizar seus televisores analógicos na BBC2, estão vendo a tela em branco. Whiteheaven foi a primeira cidade do país a completar a migração para o digital e devolver para o governo as antigas freqüências. Tal coisa só acontecerá no Brasil dentro de seis ou sete anos. Mas, ao contrário do que acontece na pequena cidade inglesa, a televisão já será bem diferente. E o que será mais diferente não é o que estará na tela do televisor: é o local onde o próprio televisor estará.

Os primeiros paises a completarem a transição para o digital ainda atrelam o receptor de televisão à sala de estar. E no entanto este será o lugar mais improvável para encontrá-lo quando as freqüências hoje ocupadas pelas emissoras brasileiras forem devolvidas ao organismo que estiver onde neste momento está a Anatel.

A televisão perdeu sua imobilidade. Não está sozinha nisto, aliás. Tornou-se, pelo mais bizarro dos caminhos, prima-irmã do telefone – assim como de toda forma de comunicação. Na sexta-feira, 19, por exemplo, o governo japonês finalizou o recebimento das propostas para as duas licenças de WiMax que concederá até o final deste ano.

O WiMax é por enquanto a mais importante das tecnologias de Internet móvel. É análoga ao Wi-Fi – que permite a conexão sem fio a partir de um servidor próximo e que no Brasil é usado de modo rudimentar por operadoras transformadas em caça-niqueis de aeroportos – mas tem um alcance de dezenas de quilômetros. É uma das soluções mais prováveis para resolver o problema da interatividade na televisão, estabelecendo o canal de retorno para o espectador (que é por onde o espectador "responde" à TV). Envolve empresas como a Samsung, a Sprint Nextel e a Intel. Só a Sprint estará investindo nela 5 bilhões de dólares ao longo dos próximos três anos.

Até o final deste ano, o WiMax vai estar cobrindo áreas como Chicago e Washington-Baltimore. Quem estiver com um laptop ou um handheld em qualquer esquina dessas cidades, estará conectado. Parece muito, mas o governo do Japão acha que é pouco. Ele exige que as empresas que ganharem as licenças iniciem os serviços dentro de três anos no máximo e que, até 2012, pelo menos 50% dos japoneses possam estar conectados onde quer que eles estejam.

Se o WiMax não conseguir isso, tecnologias similares – WiBro, HSPA, iBurst, UPS – estarão prontas para tentar. O certo é quando as crianças que nascerem hoje ainda estiverem brincando com bonecas, praticamente nenhum adulto estará desconectado no meio da rua.

2,3 trilhões de mensagens

Conectividade e mobilidade estão em toda parte. Escreve-se hoje para não se perder tempo com as frivolidades da etiqueta oral. As operadoras de telefonia móvel fazem 60 bilhões de dólares/ano no mundo só com mensagens de texto. Em 2010, segundo a Dataquest, 2,3 trilhões de mensagens serão enviadas pelo que hoje chamamos de telefone celular. Isso estará gerando 72,5 bilhões de dólares para as operadoras.

Neste momento, existem 2 bilhões de seres humanos usando celulares e um bilhão conectados à Internet. Na Europa, há mais celulares do que gente. Todos esses aparelhos caminham a curtíssimo prazo para se tornar receptores de televisão. E, logo em seguida, para estarem conectados à web.

A previsão do CEO da Intel, Paul Otellini, é que 150 milhões dessas pessoas estejam cobertas pelo WiMax até o final do próximo ano. É praticamente a população inteira do Brasil conectada. No mundo dito civilizado não há como escapar à conectividade – e sobretudo à conectividade móvel.

É para lá que ruma a televisão, muito mais rápido do que a maioria das pessoas pensa e de forma mais inexorável do que os piores pesadelos das emissoras são capazes de criar. Elas estão perdendo de 1 a 3% de audiência no mundo para outros suportes, todos os anos. O publico cativo da televisão fixa se esvaiu.

Por ironia, a televisão tenta agora imitar a aparência das novas mídias (blogs, fóruns, formas interativas) assim como os jornais (USA Today à frente deles) tiveram que imitar a aparência da televisão para sobreviver.

França: novas regras

A luta pela sobrevivência é mesmo dura. A ministra da Cultura e Comunicação da França, Cristine Albanel, anunciou no inicio da semana passada que vai reformular a regulamentação audiovisual do país.

As medidas incluem a modificação do decreto que obriga as redes de televisão a aplicar 2/3 de seus orçamentos na compra de ficção de produtores franceses independentes. Isto permitirá à TF1, a maior rede aberta do país, reduzir seus custos em 50 milhões de euros por ano.

As redes deverão ter permissão também para veicular 12 minutos de comerciais por hora. Atualmente elas só tem direito a 6 minutos. Isto fará com que a própria TF1, para não sair dela, possa aumentar sua receita anual em 40 milhões de euros. Os dados estão no Le Journal des Finances de 13 de outubro.

Brasil: momento emblemático

São as mídias emergentes que estão forçando a adequação dos modelos de negocio na televisão. O embate entre a regulamentação, o papel do Estado e a construção de uma televisão apta a olhar para o futuro terá no Brasil um momento emblemático em 2 de dezembro, no mesmo dia em que o país começar oficialmente suas transmissões digitais terrestres. Ali estará se instalando também a rede de televisão publica criada pelo atual governo.

Dois testes serão capazes de revelar a quem estará servindo a nova rede. O primeiro é sua capacidade de vislumbrar os novos tempos e se adaptar a eles. Por "novos tempos" deve-se entender uma época em que a televisão aberta deixa de ser massificada, torna-se prioritariamente móvel, já não é mais hegemônica em relação às outras mídias e tem que adequar seu conteúdo às plataformas existentes.

O segundo teste é naturalmente o da possibilidade de se construir uma gestão ética. O retrospecto do país está longe de ser encorajador neste quesito. Mas as perspectivas são muito boas.

Há ótimos exemplos no mundo a serem seguidos. A BBC é sempre citada – muito mais como um formato de gestão do que como um modelo de comportamento. E, no entanto, absorver modelos de comportamento nada tem de subserviência colonial.

Ainda na semana passada o diretor geral da BBC, Mark Thompson, teve que voltar a dar explicações ao Conselho sobre a desastrosa edição da chamada do programa em torno da rotina da Rainha Elizabeth II, onde o espectador é levado a concluir, erroneamente, que ela retirou-se de uma sessão de fotografias com Annie Leibovitz. Parece banalidade, mas não é. O antecessor de Thompson, Greg Dyke, teve que deixar o cargo em 2004 quando um inquérito judicial encontrou incorreções no tratamento dado pela BBC à atuação do governo durante a invasão do Iraque.

Tanto as emissoras privadas quanto os tablóides ingleses mentem e ofendem livremente – mais talvez que na maior parte do mundo civilizado – mas em se tratando da BBC ela é considerada culpada por iludir o público até mesmo ao anunciar que num programa infantil (Blue Peter) as crianças haviam escolhido o nome Socks para um gatinho, quando a votação, na verdade, dera a vitória ao nome Cookie.

O que é público tem para os ingleses a obrigação de ser bom e ser responsável. Não é pecado algum seguir esse ensinamento. O Tietê não se tornaria o Tamisa, mas o Brasil melhoraria bastante.