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A Nova Era da radiodifusão sonora digital

O século XX foi marcado pela tecnologia do rádio. Hoje, o discurso é a digitalização e a revitalização do rádio, hipótese que trata de manter o status quo. O debate desencadeia-se tal qual fosse um todo: único e inequívoco. A digitalização é compreendida como manifestação seqüencial ao que já existe. Objetiva-se manter o serviço preexistente, evidenciando melhoria na qualidade sonora.

Atualmente, as novas mídias de armazenagem e reprodução de áudio provocam rupturas na forma de interagir com o rádio. A tecnologia, progênie e aliada histórica do rádio, se reapresenta como um obstáculo – mais poderoso que todos os outros empecilhos concebíveis – metamorfoseando- se em comportamento sócio-tecnológico, que está mergulhado num novo contexto de serviços e mercado. Não é admissível escolher tecnologias aplicáveis às massas populacionais sem considerar os comportamentos sociais.

A nova (r)evolução tecnológica teve início nos dispositivos de telecomunicações. O impacto nestas redes, e nas empresas prestadoras destes serviços, está em curso inicial, mas já se entende avassalador. O mundo das telecomunicações avança sobre os serviços de radiodifusão. Não mais se trataria de regulamentação legal, pseudo-estrutura tal qual um dique de contenção e manutenção da separação. As redes de telecomunicações demandam conteúdos diferenciados, cujo preparo está, historicamente, nas mãos da radiodifusão.

Além da simples melhoria de qualidade sonora e de recepção, é necessário viabilizar que os radiodifusores obtenham qualidade eqüitativa na plataforma tecnológica, para então diferenciarem-se em suas capacidades peculiares de produção, veiculação, conteúdos e área de cobertura.

Há uma definição encaminhada para encerrar-se na incipiente tendência internacional, que não permite considerar as diversidades de nosso país, nem de nossos radiodifusores. A digitalização poderá viabilizar frente competitiva aos serviços desenvolvidos nas redes convergentes de telecomunicações. Os comportamentos dos ouvintes tendem a mudar, influenciados e instrumentalizados por novos dispositivos tecnológicos. Se o receptor de rádio digital caracterizar-se inferior aos demais disponíveis à população, a transmissão deixará de ser a melhor opção para manter o contato com aquele que hoje denominamos ouvinte.

A escolha encaminhada pauta-se nos limites que as alternativas sistêmicas comerciais propõem, porém, compromete modelos de negócio mais poderosos. Para nós, a limitação de banda digital – taxa de transmissão – é o aquileu. Se não obtivermos tecnologia capaz de diversifi car serviços e manter atualização nas duas próximas décadas, as demais alternativas, disponibilizadas consecutivamente pela posteridade de concorrentes ao rádio, cessarão audiências.

A inovação tecnológica na radiodifusão sonora deve apresentar-se enquanto novidade que traga propostas interessantes para os ouvintes, além de proporcionar crescimento sustentado e maior capacidade de (re)criar inovação de valor. A vantagem competitiva estará focada em servir necessidades crescentes dos ouvintes, a partir da infra-estrutura tecnológica que for definida para a digitalização. Não é adequada a adoção, neste momento, de uma inovação incremental, que já se revela incapaz diante das competições. O modelo deverá ser apropriado para um longo período, porque o radiodifusor brasileiro apresenta grandes limitações financeiras para investir na completa troca de equipamentos. Os radiodifusores não poderão aplicar grandes investimentos a cada cinco anos. Sucumbirão frente tal circunstância.

A importância da radiodifusão sonora é reconhecida. É natural reivindicar políticas de desenvolvimento científico, tecnológico e industrial que sustentem uma radiodifusão apta aos desafios do novo milênio. É fundamental identificar e compreender as “novas exigências”. Adotar qualquer solução técnica sem considerar as transformações em curso ou, mesmo, tentar impedi-las por artifícios, resultará na gradativa extinção da radiodifusão sonora brasileira.

Temos domínio da tecnologia para afirmarmos que somos capazes, no Brasil, de desenvolver as soluções que atendam demandas, para sustentar a radiodifusão sonora neste futuro cenário. A maior difi culdade é, de fato, a atitude dos atores que influem na tomada de decisão. Cabe, naturalmente, esforço de compreensão, mobilização e reivindicação para encaminhamentos sólidos e bem sucedidos nos anos subseqüentes.

* Marcus Manhães é pesquisador do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD). Possui mestrado em Educação pela Unicamp. Participa do desenvolvimento de projetos de telecomunicação wireless, passando por sistemas de rádio e televisão digital e telefonia celular.