Tendências regulatórias dos serviços de comunicações no EUA

Na década de 70, nos EUA, houve intenso questionamento a respeito do modelo de regulação da radiodifusão. Passou-se a defender um modelo mais orientado para o mercado em que o direito à utilização do espectro eletromagnético seria disputado pelos radiodifusores em regime de competição. A escassez do referido espaço eletromagnético para a transmissão de sinais de televisão não seria um fator que justificaria o trusteeship model, eis que todos os bens da natureza existem em quantidade limitada. Se há escassez do bem, então deve ocorrer o aumento do preço por sua utilização e, conseqüentemente, haverá a otimização de seu uso. Ademais, com os avanços da tecnologia, há a ampliação do número de canais acrescentados ao espectro eletromagnético sem, necessariamente, gerar interferência em outros sinais.

Se fosse adotado um modelo de regulação da radiodifusão orientado totalmente para o mercado haveria o reconhecimento de um verdadeiro direito de propriedade sobre a utilização do espectro eletromagnético, mediante a obtenção de uma licença e o pagamento de uma taxa. Outra conseqüência direta desse modelo seria o afastamento da responsabilidade do governo sobre o espectro eletromagnético, o que ensejaria a aplicação de regras de mercado que comandariam a estrutura e o funcionamento da radiodifusão, ocasionando graves conseqüências em termos de equilíbrio da programação quanto à diversidade e quanto à radiodifusão pública.  

A partir das críticas ao modelo tradicional e as transformações históricas, no contexto do século XXI, a tendência é a de se adotar uma política regulatória do espectro eletromagnético considerando os diversos usos possíveis das freqüências (por exemplo: usos comerciais e não-comerciais, para radiodifusão ou comunicações pessoais por celular), mediante o aproveitamento das oportunidades decorrentes das inovações tecnológicas e a eficiência econômica na respectiva alocação, partindo-se da consideração das freqüências com um bem econômico extremamente valioso para o mercado.

Nesse sentido, nenhum modelo singular deve ser aplicado ao espectro, ao contrário há de ser adotada uma política de regulação que promova o equilíbrio entre os seguintes modelos: (i) “exclusive use” – um modelo de licenciamento, o qual um licenciado tem o direito exclusivo ao uso de específica parcela do espectro e  a flexibilidade na transferência desse mesmo direito dentro de uma definida área geográfica, com direitos de uso flexíveis que são governados prioritariamente por regras técnicas para proteger os usuários do espectro contra interferências; (ii) “commons” – permite números ilimitados de usuários que não necessitam de licença para dividir freqüências, com direito de uso que são governados por parâmetros técnicos ou padronizados, mas sem o direito à proteção contra interferências; e (iii) “command-and-control” – o tradicional processo de administração do espectro nos Estados Unidos, correntemente usado para a maior parte do espectro dentro da jurisdição da Comissão, na qual os usos disponíveis do espectro estão limitados com base nas decisões regulatórias. 

A regulação baseada no modelo de comando e controle deve ser adotada em circunstâncias limitadas de utilização do espectro eletromagnético, como é ainda o caso da radiodifusão. Existem ainda razões que justificam a regulação da radiodifusão baseada no modelo de comando e controle, ao invés de ser adotado o “common model” ou “exclusive use model”. De qualquer modo, a FCC deve, periodicamente, avaliar as políticas de regulação do espectro eletromagnético, para fins de utilização ao caso dos serviços de radiodifusão, especialmente para identificar os benefícios ao interesse público, decorrentes da aplicação desse modelo. 

Uma vez apresentada a questão envolvendo a regulação do espectro eletromagnético e as tendências para o século XXI, cumpre, agora, apresentar a análise que vai para além do espectro eletromagnético na medida que considera as políticas regulatórias em relação a todo o setor de comunicação, aí incluído o setor de televisão por radiodifusão. Na visão tradicional, tais políticas públicas eram realizadas, conforme a natureza do meio técnico de comunicação, atualmente, há a relativização quanto a esse aspecto, justamente em razão da emergência do conceito de plataformas informacionais que a seguir será exposto.  

Em verdade, o modelo está genericamente e abertamente estabelecido na lei. Trata-se de um modelo dinâmico, pois suas estruturas e seu respectivo funcionamento requerem a atuação da agência reguladora. Importa dizer que nos EUA, apesar da forte atuação do regime de economia de mercado (com a presença marcante das estruturas econômicas), o Estado não deixa de cumprir com seu papel na medida que estabelece as políticas públicas de comunicação, ainda que voltadas à orientação do mercado. 

Durante várias décadas após a Segunda Guerra Mundial, a FCC aplicou diversas políticas públicas focadas na radiodifusão, na transmissão aérea de sinais de televisão por estações de TV locais para as comunidades nos arredores. No último quarto de século, a FCC focou seu trabalho em políticas voltadas em razão da emergência de dois novos tipos de fornecedores de serviços de distribuição de multicanais de vídeo programação: companhias de televisão a cabo e operadores de sistema direto de satélite. Tais plataformas de distribuição de vídeo (radiodifusão local, cabo e satélite) diferem das telecomunicações ponto-a-ponto, mas em comum está o fato de transmitirem sinais de televisão para o mais amplo número de telespectadores ao mesmo tempo. 

A nova regulação adotada pelo Congresso, e executada pela FCC, está mais orientada para o mercado, sendo muito menos protecionista do que era em relação ao passado, inclusive desafia a concepção tradicional do mercado de distribuição de programação de vídeo como monopólio natural. De fato, a política regulatória tradicional de intervenção estatal sobre o setor de comunicações, aí incluída a televisão, há tempos vem sendo desafiada nos Estados Unidos, inclusive alguns críticos falam que tais políticas são ineficientes e injustificadas.

Em resposta às críticas, há aqueles que sustentam que, em face da centralidade da televisão na vida americana, o critério da eficiência econômica não é de todo modo aplicável, eis que os propósitos da regulação incluem a promoção do localismo no conteúdo da programação, a diversidade na programação e a preservação da liberdade quanto ao uso do espectro eletromagnético, principalmente  daqueles que não têm condições de acessar a televisão a cabo e a televisão por satélite. 

Em outros mercados, mediante mecanismos de competição, a diversidade de produtos e serviços é um dos objetivos da política antitrust. Entretanto, no contexto do mercado de programação de televisão, o Congresso e a FFC procuram intervir para produzir a maior diversidade que poderia mesmo ser justificada estritamente na perspectiva da eficiência econômica.

As políticas de regulação do mercado de televisão são divididas, basicamente, em três categorias, conforme relatam, Jonathan Nuechterlein e Philip Weiser. 

A primeira categoria consiste na regulação que disciplina as relações entre as diferentes plataformas de distribuição de vídeo, outorga ou obrigações em tais plataformas (estação de radiodifusão, operador de cabo ou operador de satélite) de transportar a programação de outros operadores. Tais regulações – as quais abrangem regras compulsórias de propriedades intelectuais, requerimentos para retransmissão consentida, obrigações de “transporte obrigatório” dos sinais, e regras de acesso à programação – são designadas para promover inúmeros objetivos, variando entre o localismo no conteúdo da radiodifusão para a preservação da televisão por radiodifusão livre e o desenvolvimento de plataformas alternativas de distribuição de vídeo.

A segunda categoria de política pública voltada à competição consiste nas regras estabelecidas para promover maior diversidade na programação, mediadas pelas relações verticais entre as plataformas de distribuição de vídeo e fornecedores de programação de vídeo. Tais regras incluem restrições em termos de financiamento e de afiliação (entre redes nacionais e emissoras locais), somente aplicáveis para as redes de radiodifusão, a ocupação de canais e limites para a propriedade horizontal que a FCC tem recentemente procurado impor nos sistemas de televisão a cabo. 

A terceira categoria de política orientada à competição consiste nos limites dados à propriedade múltipla na mídia de companhias em mercados geográficos específicos. Tais políticas, também, são estabelecidas não somente para evitar potencialmente a indevida concentração na publicidade e outros mercados locais, mas também para promover maior diversidade na programação, garantindo a multiplicidade de vozes dentro de dadas comunidades, particularmente em assuntos de preocupação local.

Michel Rosenfeld apresenta uma outra classificação em relação aos modelos de regulação norte-americanos, conforme o critério relativo ao papel desempenhado pelo Estado e a atuação dos atores econômicos privados. Primeiro, um modelo “processual puro” (o Estado encontra-se limitado ao oferecimento de suporte ao regime de economia de mercado, prestigiando as liberdades negativas; ao invés das liberdades positivas, havendo a proibição de influenciar os mecanismos de mercado). Segundo, um modelo substancial que implica a intervenção ativa dos poderes públicos em favor das liberdades positivas e uma ação privada e pública de forma articulada, em prol de uma concepção de bem comum. Terceiro, o modelo misto que combina os objetivos substanciais perseguidos pelo Estado com processos necessários à respectiva realização.

Enfim, as políticas públicas desenvolvidas pela agência reguladora visam à garantia da competição, da diversidade e do localismo, tanto em termos de estruturação do setor de comunicação quanto em termos de conteúdo da programação de televisão. Em outras palavras, a função das normas reguladoras serve à criação de estruturas de televisão comerciais e não-comerciais (criação de um setor privado e um setor público de televisão) e à garantia de que certos conteúdos sejam veiculados e outros conteúdos sejam restringidos total ou parcialmente, durante a programação de televisão. 

A par de considerações em termos de análise econômica, outros aspectos relacionados à liberdade de expressão e à democracia são também observados pelas referidas políticas públicas. Nesse sentido, a estrutura de mercado não é meramente analisada sob o ângulo da afirmação da liberdade de expressão dos agentes econômicos; ao contrário, ela também é enfocada como fator de restrição aos valores democráticos da liberdade e da igualdade à medida que a expressão dos grupos econômicos hegemônicos da sociedade pode, no contexto do debate público, silenciar as vozes dos grupos menos favorecidos.

Daí a importância da regulação estatal sobre o mercado em garantia do “debate aberto e inclusivo de questões de importância pública”, mediante “uma integral e isonômica oportunidade de participação no debate público”, eis que “o que a democracia exalta não é simplesmente a escolha pública, mas a escolha pública feita com informação integral e sob condições adequadas de reflexão”.

A história norte-americana apresenta momentos cíclicos de tensão entre a tradição “democrática” e a “liberal” em termos de regulação dos “broadcasting services”. O Estado, mediante o trabalho da FCC, ora atua em favor da liberdade de expressão apenas das emissoras de televisão (na realidade se abstém de interferir no mercado), ora atua positicamente em favor das demais liberdades de expressão, seja de outros agentes econômicos (produtores e distribuidores de conteúdo audiovisual), seja em favor do público telespectador.

Nesse contexto, o Brasil tem muito a apreender com os EUA no sentido de o Estado tanto respeitar o mercado quanto regulá-lo de modo a atender os anseios da sociedade e os princípios democrátricos.

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