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O direito ao serviço essencial – A Pro Teste e o STFC

Em 1998 eram 20 milhões de acessos individuais de telefones fixos em uso, o que poderia nos encher de vergonha, pois, à excelência técnica da Telebrás contrapunha-se administração marcada por viés político e falta de compromisso com a universalização, o que resultava em teledensidade insuficiente e inadequada diante da grandeza da economia e da população brasileiras. 

Esse quadro legitimou o Presidente Fernando Henrique Cardoso para privatizar o sistema Telebrás, com resultados positivos incontestáveis, no que diz respeito ao desenvolvimento das telecomunicações. Passou-se de 20 milhões para 41 milhões de acessos instalados e em uso, de 1998 para 2001. Para promover a universalização, a Lei Geral de Telecomunicações estabeleceu  modalidades distintas de serviços, submetidas a regimes específicos: público e privado; e mais, que o serviço prestado em regime público seria o Sistema de Telefonia Fixa Comutada e suas respectivas modalidades e, todos os demais, seriam prestados em regime privado.

A Lei estabeleceu, ainda, que metas de universalização só seriam impostas para os serviços prestados em regime público e que não poderia haver subsídios entre modalidades distintas de serviços; no estabelecimento da estrutura tarifária e sua aplicação, não se poderia utilizar receitas oriundas do serviço público para promover o crescimento de serviços privados.

Sendo assim, para promover a volumosa expansão do STFC na primeira fase da privatização – julho de 1998 a dezembro de 2005, a receita para os investimentos necessários viria da prestação da telefonia fixa ou, quando essa receita fosse insuficiente, seriam utilizados os recursos do FUST.O valor da habilitação foi radicalmente reduzido, para viabilizar ganho de escala às concessionárias e a tarifa da assinatura básica subiu mais de 500%, gerando receita para a expansão da rede.

Além disso, garantiu-se às concessionárias o uso exclusivo da rede, que até hoje cobram para que os competidores possam utilizá-la, o que explica a inexistência de concorrência na telefonia fixa local e a posição dominante das concessionárias na longa distância.

Portanto, o que propiciou a expansão da infra-estrutura para o STFC foi a receita proveniente das assinaturas, com enormes sacrifícios para o consumidor. Porém, o sacrifício feito pelos consumidores nesses últimos dez anos não beneficiou a maioria dos cidadãos, que não têm condições de pagar pelo serviço essencial; são mais de 12 milhões de linhas ociosas, sendo que menos de 32 milhões de acessos fixos em uso e, desses, mais de 25% têm pessoas jurídicas como titulares.

Redução tarifária

O justo e correto, de acordo com a LGT, seria que a Anatel e o Minicom atuassem para reverter essa situação ilegal, incentivando a redução da tarifa das assinaturas.

A despeito de tudo, foi editado o Decreto 6.424/08, permitindo a inclusão nos contratos de concessão de nova meta de universalização: a construção de uma rede para prestação do Serviço de Comunicação Multimídia, contando com a receita do STFC – o backhaul internet em banda larga.

Ou seja, o decreto, além de ilegal é injusto, pois, a inclusão nos contratos de concessão de novas metas de universalização, que não se classifica como STFC, cria condições para a manutenção do alto valor da assinatura, incompatível com o nível de renda da maioria dos cidadãos brasileiros – R$ 40,00, ou 10% do salário mínimo,  para subsidiar um serviço privado. E, mais, o backhaul, ao final da concessão, ficará incorporado ao patrimônio das empresas.Trata-se, então, de rede privada, que não será alcançada pela desagregação. As concessionárias serão detentoras das redes e poderão cobrar caro das concorrentes no mercado do SCM.

O decreto, então, fere três preceitos da LGT: a) para cada modalidade de serviço deve haver um contrato de concessão distinto (art. 85); b) universalização só se impõe para serviço prestado em regime público (art. 64); c) não é permitido subsídio entre modalidades distintas de serviços (art. 103, § 2°).

A lei assim dispõe para garantir finalidades constitucionais: acesso universal a serviço essencial – o STFC, e a competição entre agentes com posições de mercado  desiguais: as concessionárias dominantes e as concorrentes bastante vulneráveis nesse cenário (as concessionárias também já são dominantes em suas áreas de atuação nos serviço da banda larga: o Speedy da Telefônica, o Brturbo, da Brasil Telecom e o Velox, da Telemar/Oi superam os concorrentes).

Em resumo, o Governo está deixando de atuar para reduzir os preços ilegais do STFC, para presentear as concessionárias: INCLUIR NO CONTRATO DE CONCESSÃO DO STFC UM SERVIÇO PRIVADO, SEM LICITAÇÃO E QUE, AO FINAL DO CONTRATO, FICARÁ INCORPORADO AOS SEUS PATRIMÔNIOS.

Para justificar esse terço de ilegalidades, alega-se que a telefonia fixa perdeu interesse no mundo. Todavia, a teledensidade de acessos fixos na Europa e EUA está por volta de 80% , sendo que no Brasil está em 20% – menor do que na Argentina.

É injusto e ilegal que o Governo se contente com o fato de os mais pobres ficarem sujeitos à telefonia móvel pré-paga – o serviço móvel no Brasil tem o quarto preço mais alto do planeta e ocupa o penúltimo lugar em utilização.

Foram esses fatores que levaram a Pro Teste a ajuizar ação civil pública para requerer a declaração de nulidade do Decreto 6.424/2008.A Pro Teste apóia a universalização da banda larga e o acesso gratuito desse serviço para as escolas públicas, desde que se respeite a lei, a garantia de serviços básicos para todos os cidadãos brasileiros e a concorrência.

* Flávia Lefèvre Guimarães é coordenadora da Frente dos Consumidores de Telecomunicações – FCT e membro do Conselho Consultivo da ANATEL, representando as entidades representativas dos usuários

Prejuízo à vista na troca das metas de universalização das teles fixas

A advogada e coordenadora do Pro Teste, Flávia Lefevre, integrante do Conselho Consultivo (CC) da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), denunciou um fato da mais alta gravidade. A versão de um documento oficial enviado para a análise do CC não confere com o original. Entre uma e outra, algo desapareceu.

Segundo a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), em seu artigo 35, cabe ao CC opinar sobre as políticas de telecomunicações antes que a Anatel as envie para o Ministério das Comunicações (MiniCom). Ocorre que o CC opinou sobre um documento e a Anatel enviou outro, em flagrante desrespeito à lei. E não se trata de qualquer documento, mas do Aditivo ao Contrato de Concessão do Serviço de Telefônico Fixo Comutado (STFC – o telefone fixo comum), que motivou o Decreto Presidencial 6424, de 7 de abril de 2008.

Nos contratos de concessão, assinados em 2005, as teles ficavam obrigadas a instalar Postos de Serviço Telefônico (PSTs) em cada cidade brasileira. Através do Aditivo, governo e teles concordaram em trocar a obrigação dos PSTs pela obrigação de garantir um ponto de presença (backhaul) da internet banda larga em cada município brasileiro. A partir deste backhaul é possível contruir a rede local, que percorra toda a cidade.

Em artigo anterior [ver aqui], expliquei porque achava esse um acordo com obrigações tímidas para as teles. De um lado, a capacidade que as empresas serão obrigadas a disponibilizar para essa banda larga é muito pequena e onde não houver interesse econômico provavelmente a operadora não investirá para aumentar a capacidade do backhaul. De outro lado, não há regras que obriguem a tele a compartilhar esse backhaul com os provedores locais, permitindo que as operadoras promovam um verdadeiro monopólio da banda larga.

Em audiência pública da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados [ver aqui], apontei o absurdo da consulta pública sobre esta troca dos PSTs pelo backhaul, que durou apenas sete dias úteis. A alegação da Anatel de que a pressa era motivada pela obrigação legal de fazer tudo em 2007 se mostrou falsa, já que o Decreto Presidencial só foi assinado em abril deste ano.

Mas, a denúncia de Lefevre é ainda mais grave. Não apenas porque demonstra que a direção da Anatel sonegou informações ao seu Conselho Consultivo e desrespeitou a LGT, mas porque essa mudança pode representar um grave prejuízo ao patrimônio público.

Trocar STFC por SCM – ou maças por laranjas

Embora todos reconheçam que é muito melhor para o país que seus municípios tenham acesso à Internet banda larga do que postos telefônicos, o Aditivo não deixa de ser estranho. O governo usou o contrato de concessão de telefonia fixa (STFC), prestado em regime público, para impor regras às autorizações para prover acesso à Internet (SCM), prestadas em regime privado. Ou seja, o Decreto Presidencial trocou laranjas por maçãs.

Reversibilidade

E aqui começa todo o problema apresentado pela advogada Flávia Lefevre. Os serviços prestados em regime público tem seus bens garantidos pelo direito de reversibilidade. Ao final do contrato de concessão, se este não for renovado, e para garantir que este serviço será mantido, os equipamentos usados para prestar o serviço são revertidos para a União.

Como o Aditivo enfiou, no meio da concessão de telefonia fixa (prestado em regime público), uma obrigação de outro serviço, prestado em regime privado, é claro que este último não está coberto pela garantia da reversibilidade.

O fato de que o backhaul não faz parte da infra-estrutura da telefonia fixa, e portanto não seria naturalmente reversível à União, é explicado por um documento da Abusar (Associação Brasileira dos Usuários de Acesso Rápido) publicado pelo Observatório do Direito à Comunicação [ver aqui].

Para piorar, como o backhaul agora está incluído no contrato de concessão da telefonia fixa, as operadoras poderão incluir seus custos nos cálculos de reajuste das tarifas de telefonia. O que significa que todos os usuários do telefone fixo (inclusive aqueles que não poderão pagar pelo acesso à Internet em banda larga) terminarão arcando com os custos do backhaul.

Mas, como não faz parte do STFC, era necessário, então, deixar claro que o backhaul poderia ser revertido à União ao final dos contratos de concessão. Essa garantia aparecia na versão do Aditivo enviada ao Conselho Consultivo da Anatel. E desapareceu da versão final, sem que ninguém tenha sido avisado.

Desde que a denúncia de Lefevre ganhou as páginas da imprensa especializada, representantes do MiniCom, da Anatel e até das operadoras de telecomunicações têm se dedicado a deixar claro que, ao contrário do afirma a advogada do Instituto Pro Teste e a Abusar, o backhaul seria sim parte da infra-estrutura da telefonia fixa. Mas, até agora não apresentaram nenhum parecer técnico ou jurídico que comprove essa afirmação.

Com essa insegurança jurídica, corre-se o risco de, ao final desta concessão, no ano de 2025, caso se resolva não renovar as concessões, as teles serão obrigadas a reverter para a União apenas o “velho” telefone fixo (em vias de extinção) e ficarão com os equipamentos que garantem o acesso à Internet em banda larga. E isso depois de terem financiado seu funcionamento através das contas de todos os usuários da telefonia fixa.

Mas, até agora o que ninguém consegue explicar é porque a reversibilidade desapareceu da versão final do Aditivo. Se o governo tem tanta certeza dessa reversibilidade, o que custava citá-la? A quem interessou esse desaparecimento?


* Para saber mais:
'O direito ao serviço essencial – A Pro Teste e o STFC'

 

O cerco midiático ao sindicalismo

A mídia burguesa resolveu declarar guerra aberta ao sindicalismo brasileiro. Todos os dias algum sindicato ou central ocupa as manchetes de jornais e revistas e fartos espaços nas telinhas da TV. Há poucos meses a vítima foi a CUT, com denúncias de desvio de verbas públicas da Federação da Agricultura Familiar de Santa Catarina – alvo de investigação na CPI da ONGs. Agora, a bola da vez é a Força Sindical, bombardeada com acusações de corrupção no uso de recurso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A revista Veja, que não é flor que se cheire, deu até uma capa tenebrosa contra o presidente desta central, o deputado Paulo Pereira.

O cerco midiático ao sindicalismo, abanado por alguns setores de esquerda, não é algo ingênuo. Ele não visa contribuir para o justo debate sobre o fortalecimento das organizações de classe dos trabalhadores, inclusive com a depuração do que há de podre neste meio. Muito pelo contrário. O objetivo da mídia hegemônica, que só os ingênuos e os sectários não enxergam, é estigmatizar as entidades sindicais. Os ataques são duros, mas as provas são escassas. O que fica para o receptor da mensagem, porém, é que todo o sindicalismo é corrupto, vendido e fisiológico. Bem ao estilo dos recorrentes ataques “éticos” ao MST, esta ofensiva visa criminalizar o movimento sindical.

Motivos da recente histeria

Os ataques também não ocorrem por acaso. Surgem numa hora em que há sinais de retomada da capacidade de pressão do sindicalismo. Em decorrência do tímido crescimento da economia e do clima de maior democracia no país, nos últimos anos houve uma interrupção na queda da taxa de sindicalização. Ela cresceu de 16,73%, em 2001, para 18,35%, no final de 2005. A maior geração de emprego também aumentou o poder de barganha dos trabalhadores. Segundo o Dieese, no ano passado quase 90% das categorias conquistaram aumento salarial acima da inflação e derrotaram várias regressões trabalhistas, como o banco de horas – um fato inédito nas últimas décadas.

Fruto desta nova realidade, mais favorável à luta dos trabalhadores, o sindicalismo tem arrancado importantes conquistas institucionais – como o veto presidencial à Emenda-3 da precarização do trabalho, a legalização das centrais, o envio para a ratificação das convenções 151 (que garante o direito de negociação coletiva aos servidores públicos) e 158 (que proíbe a demissão imotivada) da OIT. Percebendo os novos ventos e revelando maior maturidade, as centrais sindicais se unem e preparam nova ofensiva para conquistar a estratégica redução da jornada. Os protestos unitários de 28 de maio inclusive podem ser o estopim de uma greve geral nacional pelas 40 horas.

Fraqueza reveladora do Estadão

Estas razões políticas – e não os motivos éticos de um udenismo rastaqüera – é que explicam este novo cerco midiático ao sindicalismo. Preventivamente, a nata da burguesia que controla a mídia tenta abortar a possibilidade da retomada da capacidade de pressão sindical dos trabalhadores. As emissoras privadas de TV no seu linguajar mais rebaixado abordam apenas as emotivas questões éticas para satanizar os sindicatos – são os imorais falando de moral. Já os jornais e revistas, nos seus editorais e reportagens de fundo, apresentam os verdadeiros motivos da atual campanha de fustigamento do sindicalismo. Não é preciso muito esforço para entender a sua hábil manobra.

O jornal O Estado de S.Paulo, que tem a virtude de não esconder o que pensa, recentemente fez longa reportagem sobre o tema. “Era Lula consagra a república sindical”, estampou a manchete, retomando o velho bordão dos golpistas de 1964. No texto, ele explicita as razões dos temores da famíglia Mesquita. “Com a regulamentação das centrais, o presidente Lula acaba de consagrar o seu governo como o que mais benefícios concedeu aos sindicalistas. Cinco anos após sua eleição, mais de uma dezena de conquistas podem ser listadas, como reflexo direto de suas origens, mas também da massiva ocupação de cargos no comando da máquina federal por ex-sindicalistas”.

A lista das conquistas sindicais

No box sugestivamente intitulado de “sindicalistas no poder”, o jornalão questiona o fato de que hoje 45% dos cargos de alto comando no governo Lula serem ocupados por sindicalizados, como se a sindicalização fosse um crime no reino do individualismo capitalista. O artigo também tenta desqualificar os dirigentes sindicais que ocupam posições de destaque nesta gestão – numa prova cabal de preconceito de classe, de nojo do trabalhador, como se somente a elite burguesa tivesse competência para exercer o poder. Mas o que causa maior irritação no jornalão conservador são as conquistas dos trabalhadores no atual governo. A lista apresentada é emblemática: 

“Acordo com o governo de reajuste [salário mínimo] até 2023 indexado ao aumento da inflação, mais a variação do PIB; acordo para correção da tabela do Imposto de Renda, estagnada desde o governo FHC; criação das centrais oficialmente, que passam a receber parte do dinheiro arrecado com o imposto sindical; edição da medida provisória 388, que modifica as regras para o trabalho aos domingos no comércio; oficialização da participação do movimento sindical nos conselhos do Sesi, Senai, Sesc e Senac [Sistema S]; envio ao Congresso das convenções 151 e 158 da OIT; retirada do projeto de lei que estava no Congresso alterando a CLT; impedimento do andamento das propostas de reforma sindical e da Previdência, por falta de entendimento com os patrões”.

O falso ecletismo da Folha

Se o Estadão prima pela fraqueza, já a Folha de S.Paulo ainda tenta enganar os incautos com seu patético ecletismo. Em menos de um mês, publicou dois editorias marotos contra o sindicalismo. No mais recente, intitulado “acabou em farsa”, o jornal da famíglia Frias, que apregoou o golpe militar e apoiou a ditadura – inclusive doando as suas peruas para transportar presos políticos à tortura –, aparece travestido de defensor da liberdade sindical. No seu cinismo, ele critica a Lei 11.648, de 31 de março, que garantiu a legalização das centrais. Para o jornal, esta lei “atrelou as finanças das centrais ao Estado, a pretexto do seu ‘reconhecimento’ legal. As agremiações ganharam o direito a um quinhão do imposto sindical – tributo que é o pilar da tutela varguista”.

Para a mídia burguesa, que se locupleta com fartas verbas da publicidade estatal e com sinistros subsídios públicos, o sindicalismo dos trabalhadores deveria viver à mingua, sem recursos para desenvolver suas lutas. Para ela, os sindicatos deveriam subsistir somente com as contribuições voluntárias dos sócios – de preferência, sem desconto na folha de pagamento – num mundo em que impera a ditadura das fábricas, a perversa rotatividade no emprego e o elevado desemprego. Falsa, ela divulga que apenas no Brasil os sindicatos contam com tributos, escondendo que na maioria dos países há leis de apoio à ação sindical – como os fundos de solidariedade na Europa.

No segundo editorial, “teoria e prática sindical”, a Folha prega a imediata adoção da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho, que abre brechas para a implantação do pluralismo sindical no Brasil. “O caminho para promover a verdadeira reforma sindical, que de fato elimine a indevida tutela estatal, é a [ratificação] da Convenção 87. O documento, que era defendido pela CUT até a chegada de Lula ao poder, preconiza a eliminação das contribuições compulsórias e da unidade sindical”. Tal contrabando seria “a base de todo o sindicalismo independente”. Como se observa, a mídia burguesa sabe o que quer – diferentemente de algumas correntes de esquerda.

Propriedade cruzada: o que é bom para os EUA é bom para o Brasil?

O Senado dos Estados Unidos aprovou, na noite da última quinta feira (15/5), uma inusitada Resolution of Disapproval (US Senate Joint Resolution 28) de iniciativa do senador Byron Dorgan, Democrata de Dakota do Norte, subscrita por outros 24 senadores, que impede a Comissão Federal de Comunicações (FCC) de implementar normas adotadas em dezembro de 2007 que "flexibilizariam" as regras da propriedade cruzada dos meios de comunicação.

É o primeiro passo legal para anulação dessas normas. A mesma Resolução terá ainda que ser aprovada pela Câmara dos Deputados (House) e sancionada pelo presidente Bush. Analistas antecipam a aprovação pelos deputados, mas temem o veto do presidente, que apóia publicamente a ação da FCC.

Entre as razões apresentadas ao Senado para o voto a favor da Resolução, o senador Dorgan afirmou que as regras adotadas pela FCC davam "luz verde para maior concentração da mídia" e que "mídia local diversa e independente é essencial para garantir que o público tenha acesso a uma informação variada".

Obama apóia limite à concentração

O senador Barack Obama, que disputa a candidatura à presidência pelo Partido Democrata, foi um dos subscritores da Resolução. Após a votação, ele fez circular uma nota "encarecendo aos Deputados que rapidamente aprovem a Resolução". Afirma ainda que "o mercado de mídia precisa refletir a diversidade de vozes da população e que é essencial que a FCC promova o interesse público e a diversidade na propriedade (da mídia)."

A norma da FCC autorizava os grupos de mídia a serem proprietários, ao mesmo tempo, de jornais e de emissoras de rádio ou TV, nos 20 maiores mercados norte-americanos, cumpridas duas condições: que houvesse pelo menos oito empresas de proprietários diferentes no mercado e que, se a transação envolvesse uma emissora de TV, que não fosse uma das quatro de maior audiência local. Fora dos 20 maiores mercados, valeria a regra anterior, isto é, nenhuma empresa jornalística poderia ser proprietária de emissora de rádio ou de TV no mercado (cidade) em que já tenha um jornal e vice-versa. Existe a possibilidade de exceções ("waivers") desde que o grupo de mídia comprove que a nova situação atende ao "interesse público" e garanta a exibição de pelo menos sete horas semanais de jornalismo local.

Na prática, as normas aprovadas pela FCC, significariam um tremendo "furo" no controle da propriedade cruzada da mídia, fundamento que tem sido adotado pela regulação do setor nos Estados Unidos desde a década de 40 do século passado. Na verdade trata-se de garantir um dos princípios básicos da democracia: um mercado com propriedade cruzada é um mercado concentrado, onde poucos grupos controlam o fluxo de informação e, portanto, não há diversidade, pluralidade, nem localismo, e o interesse público é substituído pelo interesse privado.

Casa Branca apóia flexibilização

Foi a segunda vez em cinco anos que a FCC, com o apoio da Casa Branca, aprovou normas que pretendiam "flexibilizar" o controle da propriedade cruzada na mídia americana. Na primeira vez, em 2003, presidia a agência Michael Powell, filho do general Powell, ex-secretário de Estado dos EUA. Naquela época, decisões judiciais e a ação do Congresso, impediram a implementação das normas. Em 2007, sob o comando do advogado Republicano Kevin J. Martin, nomeado por Bush no início do seu segundo mandato, a FCC voltou à carga. As normas foram aprovadas por 3 a 2, sob forte protesto dos dois membros Democratas da Comissão.

Tanto em 2003 como em 2007 houve intensa reação da sociedade civil americana às decisões da FCC. Dos comentários sobre a decisão recebidos pela agencia reguladora, 99,9% foram contrários à medida. Além disso, as organizações que lutam pelo direito à comunicação passaram a exercer forte pressão sobre os congressistas no sentido de anular a decisão da FCC.

EUA não inspira o Brasil

Pena que os legisladores brasileiros não se inspirem no comportamento de seus colegas americanos na regulação do setor. Se implementadas no Brasil, as normas que estão sendo impugnadas em nome da democracia nos Estados Unidos provocariam uma revolução democrática na propriedade da nossa mídia.

Na Terra de Santa Cruz não há qualquer restrição à propriedade cruzada dos meios de comunicação. Ao contrário. Os grandes grupos de mídia se consolidaram exatamente pela ausência de limites à propriedade cruzada e, depois do fato consumado, passam a evocar o sagrado "direito adquirido". Diversidade, pluralidade e localismo são apenas palavras vazias de sentido na nossa mídia.

É nesse contexto que circulam argumentos sobre a consolidação da democracia brasileira somente quando a opinião pública "esclarecida" – formada pela minoria da população que lê jornais e revistas – se difundir para o conjunto da opinião popular – a imensa maioria que não saberia o que faz porque "vive no mundo da necessidade".

Não seria mais democrático acabar com as eleições e entregar o país para os "formadores de opinião" da grande mídia governar?

Viva a democracia brasileira.

Mudanças na telefonia: concentração inevitável?

Algumas autoridades e parte da indústria de telecomunicações justificam a mudança sumária do PGO (Plano Geral de Outorgas), argumentando: 1) a existência "no mundo" de um processo inexorável de alta concentração do setor; e 2) a "convergência tecnológica", em que as mesmas operadoras prestariam serviços de voz, internet banda larga e vídeo, obrigaria a união delas. As duas assertivas desinformam a sociedade brasileira sobre quais mudanças atendem ao seu interesse.

Existe "no mundo um processo inexorável de alta concentração"? A resposta é não. Muitos países privatizaram seus monopólios de telecomunicações sem antes dividi-los em várias empresas para incentivar a competição; os monopólios, uma vez privatizados, retardaram a difusão de serviços como telefonia móvel e, principalmente, a internet banda larga. Os reguladores, notadamente na União Européia, depois de punir tais por infrações concorrenciais, passaram a intervir de forma mais radical no setor. No Reino Unido, a British Telecom foi obrigada a separar a administração da sua rede e abri-la a todos os concorrentes.

Em outros países, as regras para permitir que novos concorrentes entrem no mercado utilizando a rede das empresas dominantes ("unbundling") e os usuários preservem o número de seus aparelhos (portabilidade numérica) são cada vez mais duras. Mas elas viabilizam a entrada de novas operadoras nos mercados, que assim vêm se desconcentrando, diferentemente do que aqui se divulga.

Os Estados Unidos seriam o país tomado por referência pelos divulgadores do mito da alta e inexorável concentração. Lá houve a divisão da rede local da AT&T, em 1984, em sete empresas regionais e, posteriormente, estas se concentraram. Dados do regulador americano (FCC, Federal Communications Commission) mostram que, em 2005, depois da maior fusão (AT&T e BellSouth), a nova AT&T ficou com 44,5% da propriedade das linhas fixas; a Verizon, com 31,4%; a Qwest, com 8,9%; e a Embarq, com 4,5%. Ou seja, o processo de concentração não gerou nenhum super-monopólio.

Mas empresas "concentradas" são obrigadas a "alugar" parte de suas linhas a outras operadoras, que com elas passam a competir, o que reduz a participação no mercado daquelas operadoras "concentradas". Essas novas competidoras operavam, em junho de 2006, 12% das linhas residenciais e 26% das corporativas (o que significava 17% do total). Houve concentração? Sim, em relação à situação de 1984. Enfaticamente, não, em comparação com o Brasil e qualquer outro país de igual porte!

A convergência tecnológica tem sido realizada por empresas de TV a cabo, empresas telefônicas fixas associadas a empresas de TV por satélite e operadoras de tecnologias sem fio. Nos Estados Unidos, a penetração do cabo em residências com TV, em fevereiro de 2006, era de 66,3%, o que faz com que as operadoras de cabo concorram com pacotes de TV paga, banda larga e voz com as teles.

No Brasil, tal penetração é muito menor, logo a concentração de empresas com redes locais de telefonia levaria a um monopólio da convergência. Essas são as principais questões a serem discutidas pela sociedade -com a transparência e o ritmo devidos- previamente à aprovação de um novo PGO. Sem mitos. E com debate legítimo e democrático.