Mudanças na telefonia: concentração inevitável?

Algumas autoridades e parte da indústria de telecomunicações justificam a mudança sumária do PGO (Plano Geral de Outorgas), argumentando: 1) a existência "no mundo" de um processo inexorável de alta concentração do setor; e 2) a "convergência tecnológica", em que as mesmas operadoras prestariam serviços de voz, internet banda larga e vídeo, obrigaria a união delas. As duas assertivas desinformam a sociedade brasileira sobre quais mudanças atendem ao seu interesse.

Existe "no mundo um processo inexorável de alta concentração"? A resposta é não. Muitos países privatizaram seus monopólios de telecomunicações sem antes dividi-los em várias empresas para incentivar a competição; os monopólios, uma vez privatizados, retardaram a difusão de serviços como telefonia móvel e, principalmente, a internet banda larga. Os reguladores, notadamente na União Européia, depois de punir tais por infrações concorrenciais, passaram a intervir de forma mais radical no setor. No Reino Unido, a British Telecom foi obrigada a separar a administração da sua rede e abri-la a todos os concorrentes.

Em outros países, as regras para permitir que novos concorrentes entrem no mercado utilizando a rede das empresas dominantes ("unbundling") e os usuários preservem o número de seus aparelhos (portabilidade numérica) são cada vez mais duras. Mas elas viabilizam a entrada de novas operadoras nos mercados, que assim vêm se desconcentrando, diferentemente do que aqui se divulga.

Os Estados Unidos seriam o país tomado por referência pelos divulgadores do mito da alta e inexorável concentração. Lá houve a divisão da rede local da AT&T, em 1984, em sete empresas regionais e, posteriormente, estas se concentraram. Dados do regulador americano (FCC, Federal Communications Commission) mostram que, em 2005, depois da maior fusão (AT&T e BellSouth), a nova AT&T ficou com 44,5% da propriedade das linhas fixas; a Verizon, com 31,4%; a Qwest, com 8,9%; e a Embarq, com 4,5%. Ou seja, o processo de concentração não gerou nenhum super-monopólio.

Mas empresas "concentradas" são obrigadas a "alugar" parte de suas linhas a outras operadoras, que com elas passam a competir, o que reduz a participação no mercado daquelas operadoras "concentradas". Essas novas competidoras operavam, em junho de 2006, 12% das linhas residenciais e 26% das corporativas (o que significava 17% do total). Houve concentração? Sim, em relação à situação de 1984. Enfaticamente, não, em comparação com o Brasil e qualquer outro país de igual porte!

A convergência tecnológica tem sido realizada por empresas de TV a cabo, empresas telefônicas fixas associadas a empresas de TV por satélite e operadoras de tecnologias sem fio. Nos Estados Unidos, a penetração do cabo em residências com TV, em fevereiro de 2006, era de 66,3%, o que faz com que as operadoras de cabo concorram com pacotes de TV paga, banda larga e voz com as teles.

No Brasil, tal penetração é muito menor, logo a concentração de empresas com redes locais de telefonia levaria a um monopólio da convergência. Essas são as principais questões a serem discutidas pela sociedade -com a transparência e o ritmo devidos- previamente à aprovação de um novo PGO. Sem mitos. E com debate legítimo e democrático.

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