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O cerco midiático ao sindicalismo

A mídia burguesa resolveu declarar guerra aberta ao sindicalismo brasileiro. Todos os dias algum sindicato ou central ocupa as manchetes de jornais e revistas e fartos espaços nas telinhas da TV. Há poucos meses a vítima foi a CUT, com denúncias de desvio de verbas públicas da Federação da Agricultura Familiar de Santa Catarina – alvo de investigação na CPI da ONGs. Agora, a bola da vez é a Força Sindical, bombardeada com acusações de corrupção no uso de recurso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A revista Veja, que não é flor que se cheire, deu até uma capa tenebrosa contra o presidente desta central, o deputado Paulo Pereira.

O cerco midiático ao sindicalismo, abanado por alguns setores de esquerda, não é algo ingênuo. Ele não visa contribuir para o justo debate sobre o fortalecimento das organizações de classe dos trabalhadores, inclusive com a depuração do que há de podre neste meio. Muito pelo contrário. O objetivo da mídia hegemônica, que só os ingênuos e os sectários não enxergam, é estigmatizar as entidades sindicais. Os ataques são duros, mas as provas são escassas. O que fica para o receptor da mensagem, porém, é que todo o sindicalismo é corrupto, vendido e fisiológico. Bem ao estilo dos recorrentes ataques “éticos” ao MST, esta ofensiva visa criminalizar o movimento sindical.

Motivos da recente histeria

Os ataques também não ocorrem por acaso. Surgem numa hora em que há sinais de retomada da capacidade de pressão do sindicalismo. Em decorrência do tímido crescimento da economia e do clima de maior democracia no país, nos últimos anos houve uma interrupção na queda da taxa de sindicalização. Ela cresceu de 16,73%, em 2001, para 18,35%, no final de 2005. A maior geração de emprego também aumentou o poder de barganha dos trabalhadores. Segundo o Dieese, no ano passado quase 90% das categorias conquistaram aumento salarial acima da inflação e derrotaram várias regressões trabalhistas, como o banco de horas – um fato inédito nas últimas décadas.

Fruto desta nova realidade, mais favorável à luta dos trabalhadores, o sindicalismo tem arrancado importantes conquistas institucionais – como o veto presidencial à Emenda-3 da precarização do trabalho, a legalização das centrais, o envio para a ratificação das convenções 151 (que garante o direito de negociação coletiva aos servidores públicos) e 158 (que proíbe a demissão imotivada) da OIT. Percebendo os novos ventos e revelando maior maturidade, as centrais sindicais se unem e preparam nova ofensiva para conquistar a estratégica redução da jornada. Os protestos unitários de 28 de maio inclusive podem ser o estopim de uma greve geral nacional pelas 40 horas.

Fraqueza reveladora do Estadão

Estas razões políticas – e não os motivos éticos de um udenismo rastaqüera – é que explicam este novo cerco midiático ao sindicalismo. Preventivamente, a nata da burguesia que controla a mídia tenta abortar a possibilidade da retomada da capacidade de pressão sindical dos trabalhadores. As emissoras privadas de TV no seu linguajar mais rebaixado abordam apenas as emotivas questões éticas para satanizar os sindicatos – são os imorais falando de moral. Já os jornais e revistas, nos seus editorais e reportagens de fundo, apresentam os verdadeiros motivos da atual campanha de fustigamento do sindicalismo. Não é preciso muito esforço para entender a sua hábil manobra.

O jornal O Estado de S.Paulo, que tem a virtude de não esconder o que pensa, recentemente fez longa reportagem sobre o tema. “Era Lula consagra a república sindical”, estampou a manchete, retomando o velho bordão dos golpistas de 1964. No texto, ele explicita as razões dos temores da famíglia Mesquita. “Com a regulamentação das centrais, o presidente Lula acaba de consagrar o seu governo como o que mais benefícios concedeu aos sindicalistas. Cinco anos após sua eleição, mais de uma dezena de conquistas podem ser listadas, como reflexo direto de suas origens, mas também da massiva ocupação de cargos no comando da máquina federal por ex-sindicalistas”.

A lista das conquistas sindicais

No box sugestivamente intitulado de “sindicalistas no poder”, o jornalão questiona o fato de que hoje 45% dos cargos de alto comando no governo Lula serem ocupados por sindicalizados, como se a sindicalização fosse um crime no reino do individualismo capitalista. O artigo também tenta desqualificar os dirigentes sindicais que ocupam posições de destaque nesta gestão – numa prova cabal de preconceito de classe, de nojo do trabalhador, como se somente a elite burguesa tivesse competência para exercer o poder. Mas o que causa maior irritação no jornalão conservador são as conquistas dos trabalhadores no atual governo. A lista apresentada é emblemática: 

“Acordo com o governo de reajuste [salário mínimo] até 2023 indexado ao aumento da inflação, mais a variação do PIB; acordo para correção da tabela do Imposto de Renda, estagnada desde o governo FHC; criação das centrais oficialmente, que passam a receber parte do dinheiro arrecado com o imposto sindical; edição da medida provisória 388, que modifica as regras para o trabalho aos domingos no comércio; oficialização da participação do movimento sindical nos conselhos do Sesi, Senai, Sesc e Senac [Sistema S]; envio ao Congresso das convenções 151 e 158 da OIT; retirada do projeto de lei que estava no Congresso alterando a CLT; impedimento do andamento das propostas de reforma sindical e da Previdência, por falta de entendimento com os patrões”.

O falso ecletismo da Folha

Se o Estadão prima pela fraqueza, já a Folha de S.Paulo ainda tenta enganar os incautos com seu patético ecletismo. Em menos de um mês, publicou dois editorias marotos contra o sindicalismo. No mais recente, intitulado “acabou em farsa”, o jornal da famíglia Frias, que apregoou o golpe militar e apoiou a ditadura – inclusive doando as suas peruas para transportar presos políticos à tortura –, aparece travestido de defensor da liberdade sindical. No seu cinismo, ele critica a Lei 11.648, de 31 de março, que garantiu a legalização das centrais. Para o jornal, esta lei “atrelou as finanças das centrais ao Estado, a pretexto do seu ‘reconhecimento’ legal. As agremiações ganharam o direito a um quinhão do imposto sindical – tributo que é o pilar da tutela varguista”.

Para a mídia burguesa, que se locupleta com fartas verbas da publicidade estatal e com sinistros subsídios públicos, o sindicalismo dos trabalhadores deveria viver à mingua, sem recursos para desenvolver suas lutas. Para ela, os sindicatos deveriam subsistir somente com as contribuições voluntárias dos sócios – de preferência, sem desconto na folha de pagamento – num mundo em que impera a ditadura das fábricas, a perversa rotatividade no emprego e o elevado desemprego. Falsa, ela divulga que apenas no Brasil os sindicatos contam com tributos, escondendo que na maioria dos países há leis de apoio à ação sindical – como os fundos de solidariedade na Europa.

No segundo editorial, “teoria e prática sindical”, a Folha prega a imediata adoção da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho, que abre brechas para a implantação do pluralismo sindical no Brasil. “O caminho para promover a verdadeira reforma sindical, que de fato elimine a indevida tutela estatal, é a [ratificação] da Convenção 87. O documento, que era defendido pela CUT até a chegada de Lula ao poder, preconiza a eliminação das contribuições compulsórias e da unidade sindical”. Tal contrabando seria “a base de todo o sindicalismo independente”. Como se observa, a mídia burguesa sabe o que quer – diferentemente de algumas correntes de esquerda.

Concessões, a caixa preta da televisão

No dia 05 de outubro vencem as concessões de importantes emissoras de televisão do país, as cinco da Rede Globo – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Brasília, as da Band, Gazeta, Record e TV Cultura de São Paulo, entre outras. Para continuarem operando os canais que lhe foram outorgados pelo Estado, o governo federal precisa autorizar e o Congresso Nacional sancionar essa renovação.

O jornalista e professor da USP, Laurindo Leal Filho, conversou com o Vermelho sobre o assunto. Ele ressaltou a ausência de um marco regulatório para o setor, os fortes interesses políticos e econômicos que entravam o avanço do debate e o poder que a Rede Globo exerce nesse cenário. “É o grande partido político do Brasil, das classes dominantes”. Confira a íntegra da entrevista.

A população brasileira desconhece o fato de que a TV é uma concessão pública. No imaginário da população permanece a idéia de que a Globo, por exemplo, é proprietária daquele canal de televisão. Qual a importância do debate em torno das concessões para o aprofundamento da democracia no Brasil?
Essa é a verdadeira caixa-preta da televisão. É um assunto que pela primeira vez começa a ser discutido por alguns setores sociais, ainda que minoritários, mas pioneiros. É um debate muito difícil, porque a maioria absoluta da sociedade só se informa pela TV. A televisão está em praticamente 98% dos domicílios. Se nós pensarmos que 90% das pessoas só se informam pela televisão nós teremos cerca de 170 milhões de pessoas. Qualquer outro veículo – jornal, revista, internet, TV por assinatura – não chega a 10% da população. E, obviamente, a televisão não diz que é uma concessão pública e, muito menos, que essas concessões são renováveis, que não são propriedade das empresas. No Brasil, as concessões têm duração de 15 anos para a televisão e 10 anos para o rádio. Ao não ter acesso a essa informação, a população acaba criando no seu imaginário a idéia de que as empresas são proprietárias desses canais, quando na verdade esses canais são bens públicos, outorgados pelo Estado em nome da sociedade para que os concessionários prestem esse serviço por um período limitado de tempo. Então, enquanto não tivermos esse debate na sociedade brasileira ficará muito difícil que se cobre das autoridades e do governo e do Legislativo uma ação mais enérgica e mais eficiente para controlar a concessão e fazer o acompanhamento da renovação dessas concessões.

Quais são os critérios que uma emissora precisa cumprir, hoje, para obter a renovação da sua concessão?
Hoje as concessões são renovadas quase que burocraticamente, basta que o concessionário prove que tem colocado a emissora no ar, que não tem débitos com a Receita Federal ou com o INSS, são critérios todos desvinculados do conteúdo que ele deve transmitir. Muito embora a lei em vigor, de 1962, faça algumas exigências que não são levadas em conta, infelizmente, nos processos de renovação. Por exemplo, 25% de limite máximo de propaganda durante a programação. Há emissoras que colocam muito mais do que isso, que disfarçam a propaganda em merchandising. Não há controle sobre a exigência de 5% da programação ser destinada a conteúdo informativo, jornalístico. Embora defasada, a lei estabelece algumas normas para a exploração dessas concessões, só que os governos não têm acompanhado o cumprimento dessas exigências. Infelizmente, o Ministério das Comunicações sempre esteve atrelado, com raríssimas exceções, a pessoas muito vinculadas à radiodifusão, e não há empenho em que se seja cobrado o interesse público sobre a concessão. Vale mais na renovação da concessão o interesse do empresário para manter o serviço que lhe dá uma rentabilidade alta, do que o interesse do público em receber um serviço de qualidade.

Os concessionários atacam qualquer iniciativa de criação de instrumentos de controle social sobre a sua atividade. Essas são taxadas de censura e cerceamento da liberdade de imprensa.
É preciso rebater veementemente e com muita clareza essa recorrente imagem de que ser quer censura. Ao contrário, hoje quem faz censura são aqueles que detém os meios de comunicação, porque eles dizem o que não deve ser levado ao ar e excluem uma grande parcela da produção artística, cultural e simbólica brasileira. Todos nós sabemos o quanto do movimento social não passa pelos telejornais brasileiros. É preciso ficar claro que quem faz censura hoje são os concessionários dos meios de comunicação. Aos poucos estamos conseguindo rebater isso, mas ainda é difícil, porque ainda temos forte a marca da censura da ditadura militar que não foi esquecida. Mas controle social não tem nada haver com censura. Ao contrário, tem haver com democracia. Não podemos deixar que apenas duas ou três famílias digam o que o povo brasileiro deve saber, deve pensar, como deve se vestir, o que deve consumir.

Outro argumento utilizado pelas emissoras para menosprezar a necessidade do controle social é o de que a sociedade está satisfeita com a programação que lhe é oferecida e isso já seria uma chancela para a sua atividade.
Não é verdade que a população está contente com o que vê na televisão. O índice de audiência é sanção do mercado, isso é uma limitação muito grande a tudo aquilo que poderia ser produzido de cultura, informação e que está fora dos limites do mercado e, portanto, não são colocados para o público que não tem o que escolher. O problema da televisão comercial brasileira não é a baixa qualidade, mas é a falta da diversidade, da alternativa. Como as pessoas podem exigir algo que elas desconhecem? São gerações criadas com esse modelo de televisão comercial, diferente da Europa que teve o processo inverso. Lá, a televisão surgiu primeiramente estatal e pública, só depois vieram as emissoras comerciais e, então, o público já estava acostumado com um determinado nível de qualidade que passou a exigir das emissoras comerciais. Aqui, o público não tem referências para exigir uma qualidade melhor. Mesmo assim, quando se sai às ruas para questionar se as pessoas estão satisfeitas com o que é transmitido pela televisão, todas as pesquisas mostram que não, embora não saibam muito claramente qual seria a alternativa, porque essa nunca lhes foi oferecida. É como dizia Oswald de Andrade: como as pessoas podem gostar de biscoito fino se nunca provaram o biscoito fino?

E o que pode ser feito para alterar esse quadro?
Um dos objetivos claros da televisão pública é oferecer essa alternativa, mas ela não pode ficar restrita à TV Pública, ela tem que ser oferecida por todos os canais. Nisso a movimentação da sociedade é ainda embrionária, mas quando for se cristalizando, não só do ponto de vista da quantidade – um maior número de pessoas e entidades envolvidas, mas também na questão da qualidade na elaboração de propostas para o modelo, vamos chegar a uma situação em que será obrigatória a criação, no Brasil, de um órgão regulador da televisão brasileira, que dê conta não só da questão da concessão e renovação, mas que faça o acompanhamento das programações e que tenha o poder de estabelecer grades ou de influir na formulação das grades das emissoras para que elas ofereçam serviços complementares umas às outras. Você não pode ter, e alguém já disse que isso é uma esquizofrenia, 60, 80 milhões de pessoas assistindo ao mesmo tempo o mesmo tipo de programa. Isso só acontece porque não há alternativa. Caberia ao órgão regulador, como acontece na Inglaterra, por exemplo, estabelecer que quando numa emissora está se transmitindo uma novela, nas outras não possa ter novela, tem que ter um filme, na outra um documentário e na quarta um programa de entretenimento, porque a televisão é um serviço público e todo o serviço público deve ser acessado universalmente pela população. O cidadão não exerce esse direito porque não vê essa sua expectativa atendida. Alguns dizem, quem não gosta que desligue a televisão. Não, ao fazer isso você estará abrindo mão do direito de receber um serviço público de qualidade.

Como você vê o poder da Globo como indústria midiática no país e qual sua avaliação sobre a sua renovação?
A Globo é o grande partido político do Brasil, das classes dominantes, das oligarquias. Ela decodifica para a população o ideário da classe dominante, e não só a Globo, todas as outras, mas a Globo por ter mais audiência torna as idéias da classe dominante as idéias dominantes na sociedade. O poder da Rede Globo é um poder político partidário seríssimo no Brasil, muito forte. Agora nós não temos hoje instrumentos legais para se estabelecer uma definição em torno da não renovação da sua concessão. Ela pode ser uma bandeira política, mas não há um instrumento para dizer que a renovação da Globo não pode ser feita porque ela infringiu este e aquele requisitos. E temos os obstáculos constitucionais. Uma não renovação, ainda que fosse aprovada administrativamente teria que passar por uma votação que exige 2/5 do Congresso Nacional, o que é praticamente impossível. Nesse momento a luta deve ser, e eu acho que ela está caminhando nesse sentido, de mostrar à sociedade que a concessão é dela, sociedade, e que foi outorgada pelo Estado em nome dela. E a partir daí começar uma luta para que se consiga um consenso mais amplo e uma pressão sobre o Congresso Nacional para que sejam revistas essas leis e criados mecanismos democráticos para o acompanhamento dessas concessões. Enquanto não resolvermos isso, não chegaremos a uma democracia plena. Lembro-me de uma frase do Betinho que dizia, em tom de blague, que nós só teríamos democracia no Brasil quando o presidente da Rede Globo fosse eleito pelo povo. Essa é uma imagem que mostra bem o poder dessa organização na sociedade brasileira.

Quais seriam, em linhas gerais, algumas exigências que precisariam existir para que as renovações fossem ratificadas?
A exigência principal, sem a qual será difícil darmos um passo à frente é a elaboração, pelo Executivo e ouvida a sociedade, de uma Lei de Comunicação Eletrônica de Massa, que deveria ter sido enviada para o Congresso Nacional há muito. A lei em vigor é de uma TV em preto e branco e nós estamos no limiar da TV Digital. Foi elaborada num contexto cultural totalmente diferente. Naquela época, a sociedade estava mais no campo que na cidade. A nova lei teria que ser moderna, democrática e prever a criação de um órgão regulador. Há modelos para serem observados, como o Office of Comunication da Inglaterra, o Conselho Superior do Audiovisual na França, o Conselho de Televisão em Portugal. Aliás, Portugal aprovou em agosto uma nova lei para a televisão que passou a rever as concessões de 5 em 5 anos, que não permite que uma televisão mude sua programação 48 horas antes de ir ao ar para não prejudicar o telespectador, enfim, uma série de detalhes que podem ser observados. Com isso, o acompanhamento da concessão não seria subjetivo, seria baseado numa série de elementos e determinações que as emissoras teriam que cumprir. A primeira delas seria, ao se candidatarem para uma concessão, apresentar uma proposta de grade de programação dizendo que públicos e serviços elas estariam atendendo. Caso o contrato fosse infringido estariam ali os elementos objetivos para que o órgão regulador pudesse sancionar a emissora, até cancelando uma concessão, como acontecem nos países democráticos. Não seria nada subjetivo, nada antidemocrático, pelo contrário, isso se dá com qualquer serviço público. Quando uma empresa ganha uma concessão para operar uma linha de ônibus ela diz qual o horário, itinerário e a freqüência dos ônibus. Se qualquer um desses itens não for cumprido ela pode perder a concessão. A mesma coisa precisa acontecer com a televisão. É uma coisa aparentemente simples, mas que em função dos entraves impostos pelos interesses políticos e econômicos no Brasil não são praticados.

Qual o impacto do ingresso das novas tecnologias, principalmente com a digitalização, no cenário da Radiodifusão?
Um dos argumentos para protelar a elaboração de uma Lei de Comunicação Eletrônica de Massa era o fato de que a televisão digital estava chegando e iria mudar todo o cenário tecnológico, daí deveria se esperar que isso acontecesse para modificar a lei. Mas, no meu ponto de vista, deveria ter sido exatamente o contrário. A TV digital, ao ser implantada, já deveria encontrar uma lei que determinasse, por exemplo, que todos os canais deveriam atender o critério da multiprogramação. É uma tecnologia de ponta que favorece a democratização da oferta de produtos televisivos e a diversidade. A outorga das atuais concessões (analógicas) foi dada para que as empresas operassem apenas um canal e não quatro ou oito como elas agora se arrogam o direito de ter em função da digitalização. Vão usar esses oito como? A tendência é usar para alta definição e baixa interatividade. Vamos ter uma programação única, com imagem de altíssima qualidade e uma interatividade para atender apenas as questões comerciais, a possibilidade de uma venda mais rápida e eficiente dos produtos anunciados. É um uso medíocre para uma tecnologia tão avançada e que poderia garantir o aumento dos atores participando do processo, novas empresas, organizações sociais, fundações públicas que teriam possibilidade de colocar suas programações pelos novos canais. Haveria a possibilidade, também, de uma interatividade mais rica, incluindo pela televisão a grande massa da população que está fora da internet. Isso seria possível, mas não é compatível com a televisão em alta definição que parece será o modelo adotado pelas grandes redes.
Os movimentos que lutam pela democratização da mídia têm insistido na necessidade da realização de uma Conferência das Comunicações nos moldes das outras conferências que têm acontecido no País, como a de Saúde, Mulheres, Habitação.

Você considera viável a realização de uma conferência nesses moldes e que impacto ela teria para a elaboração de políticas para o setor?
Viável e necessária, seria o passo seguinte para dar consistência e organicidade para esses movimentos que estão preocupados com o papel e o poder da televisão. Nós começamos a nossa conversa falando das dificuldades que a sociedade tem em entender que a televisão é uma concessão pública. A Conferência estabelecida como são as outras citadas, feita a partir dos municípios, de baixo para cima, vai contribuir para essa conscientização da sociedade. Agora, talvez seja mais difícil levar isso a frente, já que os atuais beneficiários dessas concessões utilizam todos os mecanismos para evitar que haja um avanço nesse debate. Tanto no Legislativo quanto no Executivo existe um contra-poder muito forte para evitar essa avanço. É um embate forte e eu não acredito que uma Conferência nesses moldes seja organizada com o apoio desses poderes muito facilmente. Os obstáculos serão grandes, mas eles começam a ser enfrentados. Os movimentos devem ter o seu próprio caminho para levar em frente a bandeira de uma Conferência realmente democrática e popular das comunicações e isenta de qualquer tutela seja do Legislativo ou Executivo.